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> Colóquios > X Aniversário do Tribunal Constitucional > Nos dez anos de funcionamento do Tribunal Constitucional

Os Dez anos de funcionamento do Tribunal Constitucional
Jorge Miranda


1. Dez anos decorridos sobre a entrada em funcionamento do Tribunal Constitucional e numa altura em que instituições idênticas ou semelhantes se vão implantando num número crescente de países (com relevo para as novas democracias da Europa de Leste), a que vem discutir a legitimidade e a legitimação da justiça constitucional? Todavia, a priori, em tese, tudo, naturalmente, pode questionar-se. E talvez valha a pena, em certos momentos, reflectir quanto mais não seja para clarificar ou revigorar o entendimento ou as convicções. Ora, esta é uma dessas ocasiões — uma dessas ocasiões, por certo, festiva para os que se encontram nesta sala, embora também um momento de balanço e de relance prospectivo.

Não se levará, pois, a mal que, na minha intervenção, uma primeira parte, relembre ou sintetize a doutrina — hoje quase pacífica sobre os tribunais constitucionais; que, depois, aluda, muito de passagem, a alguns factores de perturbação no caso português; e que, por último, formule algumas sugestões de aperfeiçoamento e de desenvolvimento do sistema.


I

2. Como se sabe, o constitucionalismo liberal europeu não possuiu uma nítida consciência da necessidade de garantia da constitucionalidade por três razões principais — por, no seu optimismo, acreditar numa espécie de harmonia política e na força, ao mesmo tempo, obrigatória e dissuasora das Constituições escritas; por a Constituição não ser tomada rigorosamente como fundamento ou como critério e validade das leis; por a lei ser entendida como razão, e não como vontade.

Não deixou de haver então garantias graciosas e políticas desde o direito de petição a vigilância do cumprimento da Constituição pelas Câmaras e à predisposição, embora esporádica, de um ou outro órgão, político com essa função. Em alguns países, na prática, os tribunais invocaram ou tentaram invocar um poder de não aplicação de normas inconstitucionais — assim, na Grécia desde 1859, na Noruega desde 1890, em Portugal também por essa altura. Afora isso e sem embargo de outros antecedentes, o século XIX não conheceu sistemas de controlo jurisdicional devidamente estruturados. Para tal concorrerem ainda uma visão rígida e mecanicista da separação dos poderes ou (contraditoriamente, mas com resultados idênticos) a concepção jacobina da unidade da soberania e da democracia absoluta.

De modo diferente, se passaram as coisas nos Estados Unidos por causas e em circunstâncias igualmente por demais estudadas.

Ao invés, no século XX não só se perde o optimismo liberal acerca da Constituição e se adquire a convicção de que ela só poderá servir de garantia — de garantia das pessoas ou da ordem social e política — se for garantida como alguns poderosos factores elevam a inconstitucionalidade a núcleo de toda a problemática do Direito constitucional e, quiçá do Direito público.

Assim, verificam-se:

— No plano da realidade constitucional, o imperativo de melhor defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos e dos grupos perante o dilatar da acção do Estado e da penetração da sociedade pelo político, a crise da lei e as experiências totalitárias e autoritárias, vividas ou temidas;

— No plano da organização política, as transformações e as novas exigências de separação de poderes, bem como a expansão das formas de Estado regional e de Estado federal;

— No plano conceitual, o aprofundamento do princípio da legalidade da administração, homólogo do princípio da constitucionalidade dos actos legislativos e de governo, a difusão das noções (kelsenianas e não kelsenianas) da estrutura escalonada da ordem jurídica e o prevalecer das tendências normativistas sobre as decisionistas;

— No plano valorativo, a revivescência do jusnaturalismo de diversas inspirações.

Duas linhas de força vão conduzir à formação e à difusão, na Europa (e também fora da Europa) de sistemas de fiscalização jurisdicional ou jurisdicionalizada da validade das leis e de outros actos jurídico-públicos, surgidos ex novo ou em vez de sistemas políticos.

Uma, endógena, resulta do desenvolvimento dos institutos e meios do Estado de Direito, crescentemente apurados de maneira a eliminar ou a diminuir as imunidades do poder e a permitir o controlo tanto concreto como abstracto das normas jurídicas. A outra, exógena, liga-se ao incremento das tarefas do Estado e das demais entidades públicas, à passagem do Estado liberal para o Estado social e à resposta às violações ou às tentativas de violação de direitos, liberdades e garantias; e prende-se ainda à exigência de formas de solução de conflitos jurídicos em ordenamentos plurilegislativos (regionais e federais).

3. A lição do Direito comparado afigura-se muito clara:

1º) Fiscalização jurisdicional difusa pode coexistir com diferentes sistemas jurídicos e (pelo menos, teoricamente) com diversos sistemas políticos e é sempre uma salvaguarda potencial da constitucionalidade;

2º) Todavia, só adquire total autenticidade e efectividade em sistemas judicialistas como os anglo-saxónicos (com forte autoridade social dos juízes, total adesão da comunidade à Constituição e mecanismos de harmonização de julgados);

3º) Mesmo aí se verificam fenómenos próximos da concentração, através da prevalência dos supremos tribunais e da sua especial ou dominante ocupação com questões de constitucionalidade;

4º) A fiscalização jurisdicional concentrada apenas faz sentido em regime político de divisão de poder, do qual se revela uma das peças mais importantes;

5º) Na Europa, só o tribunal constitucional ou mecanismos jurisdicionalizados afins (como o Conselho Constitucional francês desde 1974) asseguram plenamente tal fiscalização concentrada.


4. Algo de semelhante pode extrair-se da nossa história constitucional:

1º) Consagrada em 1911, a fiscalização judicial difusa sobreviveria na vigência da Constituição de 1933 (com modificações) e das leis revolucionárias de 1974-1976;

2º) A sua prática mostrar-se-ia entretanto, sempre muito escassa, por causas derivadas das situações políticas envolventes, pela deficiente força normativa das Constituições e pela timidez dos juízes;

3º) A proposta de criação de um tribunal constitucional apareceu ligada à construção da democracia e do Estado de direito;

4º) Apesar de constar de certos projectos de Constituição (como o que eu próprio elaborei em 1975, na sequência de anteriores estudos) e apesar de ter sido defendida também por mim próprio, isoladamente, na Assembleia Constituinte, no único debate sobre fiscalização da constitucionalidade então travado, não havia ainda condições para a sua imediata criação;

5º) A Comissão Constitucional, primeiro órgão específico de fiscalização da constitucionalidade existente no Direito português, viria, porém, a prenunciar e a preparar essa criação, quer por todos os seus vogais serem juristas (e quatro, em oito, juízes de carreira), quer pelo conteúdo dos seus acórdãos e pareceres, quer ainda por, na quase totalidade dos casos, o Conselho da Revolução ter seguido os seus pareceres;

6º) O Tribunal Constitucional pôde ser introduzido numa fase de institucionalização, ou de maior institucionalização da democracia, coincidente, por um lado, com o afastamento de intentos de ruptura constitucional (ou de revisão a margem das regras estabelecidas na Constituição) e, por outro lado, com a extinção do Conselho da Revolução;

7º) Por seu turno, ele tem desempenhado um papel não despiciendo de institucionalização da democracia e do Estado de direito, mau grado as críticas que nunca escondi ao modo de designação dos seus, juizes;

8º) O sistema de controlo vindo de 1976 distingue-se do da generalidade dos países com tribunal constitucional por a fiscalização concreta ser, na origem, uma fiscalização difusa bem articulada com a concentração de competência, e — curiosamente — esta fiscalização difusa, ao contrário do que antes acontecera, tem-se mostrado extremamente pujante;

9º) Quer isto dizer — que o aparecimento, primeiro, da Comissão e, agora, do Tribunal Constitucional, longe de paralisar a fiscalização a cargo dos demais tribunais, foi para eles um estímulo ao cabal exercício do seu poder — mas isso só possível por a Constituição ser, enfim, tomada como verdadeiro fundamento de ordem jurídica positiva.

 

5. O modelo de controlo da constitucionalidade por Tribunal Constitucional dir-se-ia prima facie um modelo misto de controlo judicial difuso e de controlo por órgão político especial. Na realidade, e um tertium genus: tanto os seus alicerces teóricos quanto a experiência tornam-no inconfundível.

Um verdadeiro tribunal constitucional — como o nosso integra-se inteiramente na categoria dos tribunais, pela sujeição ao princípio do pedido, por questões jurídicas tanto poderem ser questões concretas como abstractas, pelos critérios jurídicos de decisão e pelo estatuto dos juízes. Mas distingue-se dos restantes tribunais, pela sua relação imediata com a Constituição (com poderes de interpretação vinculativa conforme, na fiscalização concreta), por nele avultar um controlo dirigido órgãos da função política e por a sua autoridade se pôr a par da autoridade destes órgãos.

Suscitam-se assim duas grandes ordens de problemas já clássicos na doutrina: os problemas da natureza das decisões do Tribunal (mormente, das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, no confronto dos actos legislativos, e das chamadas decisões atípicas e intermédias) e os problemas de inserção no sistema político-constitucional global. Para a presente conferência são estes os que mais importam.


6. Raciocino no pressuposto da democracia e do Estado de direito e da sua síntese, ou seja, o Estado de direito democrático.

À partida, histórica e conceitualmente, são princípios diversos e até, para alguns, antagónicos: democracia equivale a soberania ou vontade do povo ou a regra da maioria; Estado de direito a respeito pelos direitos fundamentais e a jurisdicionalização do poder ou do seu controlo no limite, o irrestrito domínio da maioria poderia vulnerar o conteúdo essencial daqueles direitos, tal como o princípio da liberdade, poderia recusar qualquer decisão política sobre a sua modulação.

O equilíbrio obtém-se através do esforço de harmonização constantemente renovado e actualizado de valores e interesses, bem como através de uma complexa estrutura de órgãos políticos e jurisdicionais. Obtém-se através da divisão de poder — porque (na linha de MONTESQUIEU) contra o poder só o poder ou (como escreveu JOÃO BAPTISTA ACHADO) quando se não limita o âmbito do poder político da maioria (a nível estatal), limita-se necessariamente a liberdade ou o poder de todos os cidadãos, do povo em geral e, portanto, do titular da soberania.

Em suma, Estado de direito democrático (a que se referem o preâmbulo e os arts. 2º e 9º da nossa Constituição e, com fórmulas não muito distantes, outras Constituições recentes) e o regime político que pretende abranger o máximo possível de democracia e de Estado de direito no conjunto das suas recíprocas implicações substantivas adjectivas.

7. A esta luz, são as seguintes as coordenadas, sem reducionismos nem maximalismos, em que julgo dever ser encarado o Tribunal Constitucional e a sua actividade:

a) Instituído por certa Constituição formal, o Tribunal Constitucional é um órgão de garantia dos seus preceitos e princípios, os quais traduzem certa ideia de Direito ou Constituição material;

b) Os valores éticos que o Tribunal salvaguarda e realiza são os que incorporem essa Constituição material — não os de qualquer outra ordem normativa;

c) Tal como os demais tribunais portugueses, o Tribunal Constitucional «administra a justiça em nome do povo», o que implica tanto uma referência ao princípio democrático como uma necessária atenção à consciência jurídica comunitária em que se apoia a Constituição;

d) Na interpretação da Constituição manifestam-se inelutavelmente as premissas filosóficas e teoréticas, as precompreensões dos juízes; mas esse pluralismo — bem como a diversidade de origens, de carreiras, de vivências pessoais — representa justamente um factor de maior legitimação do tribunal;

e) O Tribunal Constitucional respeita a liberdade de conformação do legislador e, por imperativo do princípio pluralista da alternância, aceita a possibilidade de diferentes concretizações de normas constitucionais; mas não renuncia nunca a procura e a afirmação dos seus fins e do seu conteúdo essencial, impedindo, assim, desvios de poder legislativo;

f) O Tribunal Constitucional exerce um poder de controlo negativo, um pouvoir d'empêcher, não um poder de impulsão, um poder positivo — daí o alcance da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, meramente declarativo e não substitutivo da actividade do legislador;

g) Na fiscalização preventiva de decretos parlamentares, pode a vontade legislativa, com maioria qualificada, prevalecer sobre a pronúncia pela inconstitucionalidade se o órgão de promulgação ou de assinatura os sancionar; mas na fiscalização sucessiva prevalece sempre a decisão do Tribunal e não se admite reposição de norma declarada inconstitucional com força obrigatória geral — e neste equilíbrio se encontra ainda a tensão inerente ao Estado de direito democrático.

II


8. Mas o Tribunal Constitucional não pode desprender-se do próprio sistema político global — não só por causa das suas funções e da projecção de muitas das suas decisões no contraditório político mas também por a organização em concreto de qualquer Tribunal Constitucional reflectir o sistema político do país.
Nem pode esquecer-se que o nosso surgiu em 1982 em certa fase — ascendente — da democracia representativa de partidos, com as consequências conhecidas (como ressalta do confronto entre a sua posição e a da anterior Comissão Constitucional).

9. Ora, esse sistema acusa hoje sinais de perturbação e de crise, sinais de esgotamento, fraquezas, deficiências, perplexidades. Exibe-os, ao mesmo tempo que acaba de triunfar tanto sobre os fascismo como sobre o marxismo-leninismo. Acusa-os um pouco por toda a Europa ocidental e até em Portugal onde não conta ainda vinte anos.

E não custa enunciar alguns desses sinais:

— o abafamento dos mecanismos representativos em face do imediatismo (ou do aparente imediatismo) dos meios de comunicação audiovisual;

— a personalização das direcções políticas;

— a tendência dos partidos para a ocupação de todos os espaços, públicos e, não raro, de muitos dos espaços privados;

— o excessivo peso dos aparelhos partidários e a falta de transparência no seu financiamento;

— a demasiado lenta renovação do pessoal político;

— as dificuldades de distinção entre os partidos dominantes do espectro político, conexas com a quebra das divisões ideológicas vindas do século XIX;

— as dificuldades de inserção dos grupos de interesses na prática constitucional;

— a subalternização dos Parlamentos no processo de integração económica e política europeia.


No caso português acrescem:

— a pouca democraticidade interna dos partidos;

— a total dependência dos grupos parlamentares das direcções partidárias;

— a continuada desvalorização do Parlamento, com Deputados fungíveis, ausência ou rara participação dos dirigentes partidários nas sessões, inexistência de verdadeiras perguntas orais ao Governo, ausência de debates sobre os acontecimentos (em suma, falta de vontade real de ser Parlamento );

— a debilidade do associativismo cívico.

Eis questões não pouco complexas, que não cabe aqui explanar e desenvolver: eis questões de que é imperioso adquirir plena consciência para poderem vir a ser ultrapassados, porque apesar de tudo — não se vislumbra alternativa à democracia representativa, o único sistema compatível com a liberdade política e com as garantias do Estado de direito.

10. Seria impossível evitar que os factores de crise — mesmo se transitórios (espero) que atingem o Parlamento — não se repercutissem, de alguma sorte, sobre o Tribunal Constitucional. Que não afectassem o défice de participação das pessoas; ou uma ambiência dominante mesmo sensível a valores; ou a amplificação proveniente de certas formas de imprensa, escrita ou falada; ou uma conflitualidade política e social que não encontra, por vezes, canais de enquadramento.

Seria, porém, incorrecto e injusto deslocar o Tribunal Constitucional — ou o Tribunal de Contas, a Procuradoria-Geral da República ou a Provedoria de Justiça — para o mesmo plano das assembleias políticas representativas. Pelo contrário, ao decréscimo do papel das assembleias tem correspondido um realçar destes órgãos no exercício das suas competências específicas, independentemente das opiniões adversas que alguns sectores sobre eles têm vindo a expender nos últimos tempos. Pois para lá da legitimidade adveniente da previsão em Constituição democrática, há uma legitimidade própria dos órgãos de controlo, inerente ao princípio da divisão e limitação de poder do Estado de direito democrático.

Não parece o Tribunal Constitucional isento de alguns reparos: atrasos nas decisões de fiscalização sucessiva abstracta geradores de efeitos negativos na vida jurídica e social, excessiva carga doutrinal ou académica dos acórdãos, algum protagonismo exterior ou menor discreção de um ou outro juiz. Tais reparos não impedem uma apreciação positiva da actividade prosseguida ao longo da sua primeira década. O Tribunal tem sido uma instância de poder prudente, mas eficaz; tem sabido, em geral, procurar um sentido de compromisso, harmónico com o caracter da Constituição; e tem mostrado possuir a isenção e a capacidade científica interdisciplinares adequadas ao tratamento das mais diversas matérias.


III

11. Não há outro caminho, portanto, senão melhorar o regime de fiscalização da constitucionalidade, alargar as competências do Tribunal na sua esfera natural de intervenção, optimizar formas de processo, racionalizar condições de trabalho, aumentar as garantias de independência.

Aceite este pressuposto, teria várias sugestões de aperfeiçoamentos a formular —umas acarretando, necessariamente, revisão constitucional; outras apenas alterações da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (lei já modificada, de resto, em 1985 e em 1989). E supondo que elas bem se justificariam na perspectiva do tema do colóquio.

Deliberadamente, porém, vou-me abster de entrar na primeira linha de sugestões e isso por vários motivos: 1º) porque, efectuadas três revisões constitucionais de 1982 a 1992, é altura de dar mais estabilidade à Lei Fundamental e de dar tempo ao tempo; 2º) porque mal se compreenderia que se desencadeasse um novo processo de revisão sem a Assembleia da República — ela, e não o Governo, por via de autorização legislativa —editar leis ou novas leis em campos tão importantes como a responsabilidade civil do Estado, a acção popular, a tutela dos interesses difusos, a liberdade religiosa, o património cultural ou o «acompanhamento» parlamentar e regional das políticas comunitárias; 3º) porque, ao contrário do que, por lapso se vai dizendo, a Assembleia, em 1994, não terá automaticamente poderes de revisão, só os terá em 1997, cinco anos depois da revisão de 1992 (que não se autoqualificou de revisão extraordinária para efeito da nova formula do art. 294.º); 4º) porque, mesmo sem revisão, algumas benfeitorias podem ser introduzidas na justiça constitucional portuguesa.

Sem tocar no texto actual da Lei Básica alvitraria então o seguinte: concessão ao Tribunal Constitucional de mais algumas competências.

— nos domínios do referendo, de certos actos políticos, da responsabilidade por actos legislativos e de eleições; em contrapartida, redução da sua intervenção noutros processos eleitorais; enfim, desdobramento das duas secções, passando a haver quatro, para efeito de fiscalização concreta.

Porventura, algumas normas processuais carecem também de modificação para se imprimir maior agilidade ao Tribunal. Não disponho, evidentemente, de experiência do seu funcionamento para sobre elas me pronunciar.

12. A competência do Tribunal Constitucional consta do art. 225º da Constituição, o qual distingue — para empregar uma locução transposta do contencioso administrativo — uma competência por definição (a do n.º 1), respeitante à apreciação da constitucionalidade e da legalidade nos termos dos arts. 277º e segs., e uma competência por atribuição (a do nº 2), sobre diversos outros actos jurídico-constitucionais.

Mas, além disso, o art. 225º estabelece (no nº 3) que compete ainda ao Tribunal «exercer as, demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei», É uma cláusula aberta, que o legislador pode preencher, como já fez tanto através da própria Lei nº 28/82 como através de outras leis; e, inclusive, já o fez no domínio da conformidade entre normas jurídicas (em 1989 quanto à fiscalização concreta da conformidade entre normas legislativas e normas de tratados internacionais e em 1991 no concernente à fiscalização sucessiva abstracta de diplomas de Macau).
Nada impede, por conseguinte, de se prosseguir neste rumo, dentro dos limites do razoável.

13. Começando pelo referendo.

A revisão de 1989 introduziu o referendo político vinculativo a nível nacional.

Ao invés do que se verifica noutros países, o povo não aprova nem deixa de aprovar directamente uma lei ou convenção internacional. Quem aprova é, sim, a Assembleia da República ou o Governo, como prescreve expressamente o art. 118º n.º 2. O povo apenas decide se o órgão competente deve ou não dar a aprovação.

Entretanto, num esquema como este podem ocorrer contradições entre a vontade do eleitorado e a do órgão representativo, quer por acção, quer por omissão, Não custa adiantar quatro hipóteses (mesmo só considerando actos legislativos): 1º) aprovação da lei pelo órgão legislativo, quando o resultado do referendo fora no sentido da não aprovação; 2º) aprovação da lei pelo órgão legislativo em sentido oposto ao da vontade popular; 3º) antes de novas eleições gerais ou de novo referendo com resultado diverso, aprovação de lei revogatória ou derrogatória da lei feita em consonância com o resultado do referendo; 4º) não feitura da lei, quando o povo decidira que ela deveria ser feita.

Afigura-se discutível a recondução de qualquer das três primeiras hipóteses a inconstitucionalidade (na acepção rigorosa do termo) ou a ilegalidade. Não há inconstitucionalidade orgânica, visto que a competência parlamentar ou do Governo não está em causa; nem inconstitucionalidade material, porque a lei pode não ofender nenhuma norma constitucional de fundo; nem ilegalidade, à face da lei do regime do referendo, Será mais plausível pensar numa ilegalidade sui generis, determinante tão só de ineficácia, não de invalidade, E, por certo, muito menos se tratará de inconstitucionalidade por omissão na quarta hipótese.

Seja como for, nem a Constituição, nem a Lei nº 28/82, nem a Lei nº 45/91, de 3 de agosto, cuidam destas situações e se preocupam com a garantia do respeito da vontade popular expressa pelo referendo, Mas uma lei ordinária — agora sob a veste de “lei orgânica” por força do art. 169º, nº 2 — bem pode estabelecer um regime idêntico ou análogo ao dos arts, 207º, 280º e 281º da Constituição para os três primeiros casos e um regime idêntico ou análogo ao do art. 283º para o último [1].

14. Enquanto actos directamente subordinados à Constituição, os chamados actos políticos ou de governo devem ser-lhe conformes para serem válidos (como impõe o art. 3º, nº 3) e, por conseguinte, devem estar sujeitos a controlo jurisdicional.

Esse controlo acha-se previsto a respeito dos referendos nacionais e locais (art. 225º, nº3, al. b), da Constituição), aliás controlo tanto de constitucionalidade como legalidade. Não em relação a mais nenhum acto político, não obstante ter sido, repetidas vezes, preconizado (embora com pouco amadurecimento) desde 1975: no projecto de Constituição do Centro Democrático Social (art. 140º, nº 4), no projecto de revisão de Francisco de Sá Carneiro, de 1979 (Uma Constituição para os Anos 90, arts. 260º e segs.), e nos projectos de revisão de 1987 do Centro Democrático Social e do Partido Comunista Português (arts. 203º, nº 2, al. e), e 283º-A, respectivamente).

Por certo, se se produzirem actos políticos portadores de vícios de tal maneira graves, deverão ser tidos por juridicamente inexistentes: assim, em caso de incompetência absoluta, como há mais de vinte anos sustentava já AFONSO QUEIRÓ, ou quando a Constituição assim os fulmine ipsis verbis como sucede nos arts. 116º, nº 6, e 175º, nº 2. E terá então de se admitir a sua arguição incidentalmente ou por via de excepção perante o Tribunal Constitucional.

Todavia, nem tudo fica coberto deste modo. Mesmo admitindo a inviabilidade ou a ilegitimidade do controlo material dos actos de maior densidade política ou das Political Questions, tem que se reconhecer que determinados actos devem ficar sujeitos a fiscalização, por coerência com grandes princípios da Constituição. Se não se enxergam actos políticos que contendam com direitos dos cidadãos, bem pode haver actos que afectem — inconstitucionalmente — situações de titulares de órgãos de poder e que, para garantia deles e das minorias políticas, deveriam ser impugnáveis contenciosamente.

Basta evocar a eventual suspensão de um Deputado pela Assembleia da República, em contravenção do art. 160º, por causa de uma opinião emitida no exercício das suas funções (e não há muitos anos chegou a aventar-se um procedimento que a isso poderia ter conduzido). E também poderiam ser imaginadas hipóteses parecidas à face dos arts. 133º, n.º 2, 163º e 199º, sem que exista qualquer forma de defesa.

O art. 268º, nº 4, garante aos administrados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Pois bem: deveria, homologamente — e desde logo, por lei ordinária — conferir-se aos titulares de cargos políticos o direito de recurso contencioso, com fundamento em inconstitucionalidade, contra actos de órgãos políticos que afectassem a sua situação; pelo menos, no âmbito dos citados arts. 133º, nº 2, 160º, 163º e 199º .Neste momento, dir-se-ia subsistir uma inconstitucionalidade por omissão.

Poderiam outrossim ser considerados certos poderes dos Deputados, do art. 159º; e dos grupos parlamentares, do art. 183º. Mas bem mais melindre poderia acarretar o pedido de apreciação pelo Tribunal Constitucional de deliberação a eles pertinentes.

15. Em obediência à directriz básica de defesa dos direitos do cidadão, deve entender-se que a responsabilidade civil das entidades públicas definida no art. 22º da Constituição abrange responsabilidade subjectiva e objectiva, actos ilícitos e actos lícitos, acções e omissões, danos patrimoniais e danos morais; e abrange quaisquer funções do Estado.

Actos legislativos ilícitos serão leis inconstitucionais (ou ilegais, ou contrárias a tratado ou contrárias a resultados de referendo) que ofendam direitos fundamentais e em que se registe culpa do legislador: v.g., lei declarada inconstitucional com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º) e que volte a ser publicada; declaração de estado de sítio ou de emergência que suspenda direitos insusceptíveis de suspensão (art. 19º, nº 6); acto legislativo de sentido oposto ao sentido de um referendo(art. 118º); decreto-lei com ratificação recusada que volte a ser publicado na mesma sessão legislativa (ant. 172º). Actos legislativos lícitos que envolvam responsabilidade serão leis de apropriação colectiva ou de intervenção na economia (art. 83º), declarações de estado de sítio ou de emergência (art. 19º) e, em geral, lei-medidas que lesem direitos ou interesse das pessoas. Assim como poderá haver omissões inconstitucionais e ilícitas em face da correspondente verificação pelo Tribunal Constitucional (art. 283º).

As acções sobre responsabilidade civil do Estado por actos da função legislativa estão arredadas da jurisdição dos tribunais administrativos (art. 4º, nº 1, als. a) e e), do respectivo estatuto) e, por isso, recaem na jurisdição comum dos tribunais judiciais (art. 213º, nº 1, da Constituição). De jure condendo seria, no entanto, mais adequado cometer o seu conhecimento ao Tribunal Constitucional (conforme chegou a ser preconizado em 1987 no projecto de revisão do Partido Renovador Democrático para o art. 21º, nº 1, al. e). Seria mais curial tendo em conta o laço estreito entre a apreciação da constitucionalidade e a das suas consequências.

16. Na lógica do preconizado controlo pelo Tribunal Constitucional da constitucionalidade de certos actos políticos e da sua intervenção em processos eleitorais (art. 225º, nº 2, al. c)), propugnaria que houvesse recurso para ele das decisões (parlamentares) sobre reclamações ou protestos relativos a irregularidades ocorridas no decurso de eleições a cargo da Assembleia da República (art. 166º, als. h) e i)) e das assembleias legislativas regionais. E porque os partidos são associações com relevância constitucional (arts. 10º, nº 2, 51º, 117º, etc.) , cuja constituição legal tem de ser verificada pelo Tribunal (art. 225º, nº 2, al. e)), perguntaria se não deveria ponderar-se a possibilidade, em certos casos, de julgamento também pelo Tribunal Constitucional da validade e da regularidade de actos eleitorais efectuados no seu âmbito. O Estado de direito não pode preocupar-se com as eleições a nível externo ou de órgãos formais de poder e, ao mesmo tempo, desinteressar-se das eleições dentro dos principais sujeitos da dinâmica política, eleições determinantes, em larguíssima medida, dos resultados daquelas.

17. Noutra esfera, em compensação, reduziria a competência em matérias eleitorais: seria no domínio dos recursos relativos a eleições para os órgãos do poder local os quais em certas épocas se revelam muito absorventes dos juízes constitucionais. A decisão destes recursos talvez pudesse passar com vantagem para os tribunais administrativos de círculo; e o art. 225º, nº 2, al. c), da Constituição, parece não o impedir, uma vez que alude aos «actos de processo eleitoral nos termos da lei».

Se se entender de modo diferente, uma coisa pelo menos é segura: desde 1989, a Constituição consente que tais recursos sejam decididos em secção e não em plenário, ao contrário do que, presentemente, impõem os arts. 101º, nº 1, e 102º, nº 1, da lei orgânica.

Já mais duvidoso se ofereceria transferir para as secções o conhecimento dos recursos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições (art. 102º-b, nº 5).

18. Por último, uma palavra sobre a organização do Tribunal em secções.

A Lei Fundamental não fixa o número de secções, apenas estatui que não podem ser secções especializadas. A Lei nº 28/82 institui duas, cada uma composta pelo presidente e por mais seis vogais (art. 41º) o que, a meu ver, tem um duplo inconveniente: por um lado, são muitos juízes para efeito de vistos e de deliberações; por outra banda, só duas secções não dão vazão, em tempo célere, aos recursos e às reclamações, em quantidade crescente, que sobem ao Tribunal.

Proponho que em próxima modificação da lei orgânica se desdobrem as secções, ficando cada uma com três juízes e o presidente liberto para os trabalhos do plenário e para a direcção geral e a representação do Tribunal. Tudo isto sem esquecer as virtualidades de intervenção do plenário abertas pelos arts. 79º-A e 79º-D (após a Lei nº 85/89).

 

[1] A utilização dos mecanismos do art. 283º foi proposta já, sem êxito, no projecto de revisão constitucional nº 9/V, por referência a um art. 276º-A da Constituição.

 




 



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