João Pedro Barrosa Caupers
Tomada de Posse da Entidade para a Transparência
15 de fevereiro de 2023
Tribunal Constitucional
A EpT foi criada por decisão da Assembleia da República, através da Lei n.º 4/2019, de 13 de setembro. A lei distinguia duas operações de que dependia a instituição efetiva da EpT: a conceção e operacionalização da plataforma eletrónica destinada a registar e tratar as declarações únicas de património e rendimentos, atribuída ao Tribunal; e a instalação física da Entidade, cometida ao Governo.
Na parte que lhe competia, o Tribunal foi dando os passos necessários, que incluíram dois concursos públicos internacionais e um sem número de reuniões e outros trabalhos que conduziram ao resultado previsto: a plataforma está construída, alojada e testada. E, para quem considera que demorou muito tempo, faço notar que não houve, em nenhum dos concursos, qualquer contencioso pré- contratual, o que não só constitui uma raridade entre nós, como, a ocorrer, poderia ter atrasado em muitos meses o procedimento administrativo
A parte que competia – e ainda compete – ao Governo enfrentou dificuldades, muito devido à localização e às caraterísticas do edifício que este pôs à disposição do Tribunal. O Colégio de Santa Rita, também conhecido por Palácio dos Grilos, sito em Coimbra, é propriedade da Universidade de Coimbra. E, não obstante ter dimensão mais do que suficiente, precisava de trabalhos de recuperação, adaptação e modernização. Tratando-se de um imóvel classificado, no centro histórico da cidade e da Universidade e declarado pela UNESCO património da humanidade, a realização de qualquer intervenção no edifício exige diversos procedimentos burocráticos prévios. E, também, a elaboração de um modelo jurídico adequado ao relacionamento entre as três entidades – Estado, Tribunal e Universidade.
Em novembro de 2022, aproximando-se a conclusão dos trabalhos da plataforma, tornou-se premente resolver o problema da sede da EpT, bem como a designação da Direção desta, que a lei atribui ao Plenário do Tribunal Constitucional, por iniciativa do Presidente – que entendi não dever tomar até que existisse um local de trabalho adequado e tarefas para desenvolver, pelo evidente desperdício de recursos públicos que tal acarretaria.
Obtida a informação, no mês passado, de que a Universidade de Coimbra se encontrava em vias de concluir a primeira fase dos trabalhos previstos no cronograma que acordara com o Tribunal - acordo que nunca fora formalizado, pelas razões suprarreferidas -, o Plenário do Tribunal autorizou-me a aceitar uma solução que previa a designação da Direção da EpT e a ocupação precária (precária, porque não apoiada em qualquer instrumento jurídico capaz de acautelar os interesses do Tribunal e da Universidade) da parte do edifício correspondente à primeira fase dos trabalhos pela Direção e mais ou três ou quatro colaboradores por esta escolhidos. Prevê-se que tal aconteça, pelo menos quanto à Direção, ainda durante o corrente mês de fevereiro. E confia-se que o Governo não deixará de cumprir a sua parte no que respeita ao edifício, possibilitando a instalação completa da Entidade.
Num outro plano, estabeleceram-se os perfis para os cargos de presidente e vogais da EpT: um académico juspublicista de prestígio inquestionável, como presidente; um especialista em fraudes fiscais, gestão de riscos de corrupção e matérias afins; e outro em proteção de dados pessoais, como vogais.
V. Exas., que foram as primeiras e únicas pessoas convidadas e são hoje investidos nas vossas funções, correspondem cabalmente a tais perfis. Pessoalmente, agradeço-vos terem aceitado o convite que vos dirigi e que mereceu a aquiescência unânime dos membros do Plenário do Tribunal. Têm a nossa total confiança. E o meu apoio incondicional, enquanto durar o meu mandato.
Não vai ser fácil a tarefa que vos espera. Nunca é, de resto, quando se trata de criar algo novo. E, sobretudo, não o é na área em que vão operar e no contexto atual. Haverá, contudo, que reconhecer que a substituição de um trabalho manual, repetitivo, demorado, pouco produtivo e, por tudo isto, sistematicamente atrasado, por um sistema assente numa plataforma eletrónica, que proporciona celeridade, mais eficiência e melhor segurança às tarefas de registo e tratamento de dados relativos ao rendimento e ao património de todos quantos se encontram obrigados, já não à entrega das declarações em papel, mas à introdução dos dados exigidos pela lei diretamente na plataforma, representa um progresso muito significativo.
É previsível que a mudança de paradigma venha a gerar dúvidas, hesitações, erros e omissões por parte dos declarantes. Nesta fase, a ação pedagógica da EpT será indispensável. A maioria dos declarantes tentará, como já faz hoje, cumprir a lei.
A expetativa que a EpT desperta é compreensível, mas largamente fruto do desconhecimento das suas atribuições. Para uns, de pouco servirá, porque nada mais fará do que receber e guardar informação; para outros, servirá para quase tudo: irá finalmente pôr fim à corrupção, ao tráfico de influências, às fraudes e abusos, enfim, resgatar os pecados do mundo. Nem uns nem outros estão certos.
A transparência, que dá o nome à nova entidade, não constitui um fim em si mesmo. É antes um instrumento, valioso, mas não o único, para prosseguir finalidades caras ao Estado de direito, quais sejam as de procurar garantir que os comportamentos dos decisores públicos respeitem a legalidade, a imparcialidade, a probidade e a moralidade administrativas. E que estes não tenham, nas palavras certeiras de Frederico II, o Grande, da Prússia, “paixões nem preconceitos nos assuntos do Estado; a única paixão permitida é a do bem público”.
A função primordial da EpT vai desenvolver-se num quadro em que confluem dois valores: de um lado, a aplicação rigorosa e pontual da lei; do outro, o respeito pelos direitos das pessoas – de todas as pessoas. Aquilo que conheço de V. Exas. constitui garantia bastante de que saberão equilibrar de forma inteligente, serena e sensata estes dois valores.
Desejo – desejamos todos no Tribunal Constitucional – que os obstáculos que se irão erguer no vosso caminho sejam ultrapassados com determinação, empenho e resiliência. E, se e quando for necessário, cá estaremos para ajudar.
Desejo-vos as maiores felicidades no exercício das vossas novas funções.
A investidura da primeira Direção da Entidade para a Transparência (EpT) assinala um momento muito relevante na vida da nova entidade e, também, na do Tribunal Constitucional.
A EpT foi criada por decisão da Assembleia da República, através da Lei n.º 4/2019, de 13 de setembro. A lei distinguia duas operações de que dependia a instituição efetiva da EpT: a conceção e operacionalização da plataforma eletrónica destinada a registar e tratar as declarações únicas de património e rendimentos, atribuída ao Tribunal; e a instalação física da Entidade, cometida ao Governo.
Na parte que lhe competia, o Tribunal foi dando os passos necessários, que incluíram dois concursos públicos internacionais e um sem número de reuniões e outros trabalhos que conduziram ao resultado previsto: a plataforma está construída, alojada e testada. E, para quem considera que demorou muito tempo, faço notar que não houve, em nenhum dos concursos, qualquer contencioso pré- contratual, o que não só constitui uma raridade entre nós, como, a ocorrer, poderia ter atrasado em muitos meses o procedimento administrativo
A parte que competia – e ainda compete – ao Governo enfrentou dificuldades, muito devido à localização e às caraterísticas do edifício que este pôs à disposição do Tribunal. O Colégio de Santa Rita, também conhecido por Palácio dos Grilos, sito em Coimbra, é propriedade da Universidade de Coimbra. E, não obstante ter dimensão mais do que suficiente, precisava de trabalhos de recuperação, adaptação e modernização. Tratando-se de um imóvel classificado, no centro histórico da cidade e da Universidade e declarado pela UNESCO património da humanidade, a realização de qualquer intervenção no edifício exige diversos procedimentos burocráticos prévios. E, também, a elaboração de um modelo jurídico adequado ao relacionamento entre as três entidades – Estado, Tribunal e Universidade.
Em novembro de 2022, aproximando-se a conclusão dos trabalhos da plataforma, tornou-se premente resolver o problema da sede da EpT, bem como a designação da Direção desta, que a lei atribui ao Plenário do Tribunal Constitucional, por iniciativa do Presidente – que entendi não dever tomar até que existisse um local de trabalho adequado e tarefas para desenvolver, pelo evidente desperdício de recursos públicos que tal acarretaria.
Obtida a informação, no mês passado, de que a Universidade de Coimbra se encontrava em vias de concluir a primeira fase dos trabalhos previstos no cronograma que acordara com o Tribunal - acordo que nunca fora formalizado, pelas razões suprarreferidas -, o Plenário do Tribunal autorizou-me a aceitar uma solução que previa a designação da Direção da EpT e a ocupação precária (precária, porque não apoiada em qualquer instrumento jurídico capaz de acautelar os interesses do Tribunal e da Universidade) da parte do edifício correspondente à primeira fase dos trabalhos pela Direção e mais ou três ou quatro colaboradores por esta escolhidos. Prevê-se que tal aconteça, pelo menos quanto à Direção, ainda durante o corrente mês de fevereiro. E confia-se que o Governo não deixará de cumprir a sua parte no que respeita ao edifício, possibilitando a instalação completa da Entidade.
Num outro plano, estabeleceram-se os perfis para os cargos de presidente e vogais da EpT: um académico juspublicista de prestígio inquestionável, como presidente; um especialista em fraudes fiscais, gestão de riscos de corrupção e matérias afins; e outro em proteção de dados pessoais, como vogais.
V. Exas., que foram as primeiras e únicas pessoas convidadas e são hoje investidos nas vossas funções, correspondem cabalmente a tais perfis. Pessoalmente, agradeço-vos terem aceitado o convite que vos dirigi e que mereceu a aquiescência unânime dos membros do Plenário do Tribunal. Têm a nossa total confiança. E o meu apoio incondicional, enquanto durar o meu mandato.
Não vai ser fácil a tarefa que vos espera. Nunca é, de resto, quando se trata de criar algo novo. E, sobretudo, não o é na área em que vão operar e no contexto atual. Haverá, contudo, que reconhecer que a substituição de um trabalho manual, repetitivo, demorado, pouco produtivo e, por tudo isto, sistematicamente atrasado, por um sistema assente numa plataforma eletrónica, que proporciona celeridade, mais eficiência e melhor segurança às tarefas de registo e tratamento de dados relativos ao rendimento e ao património de todos quantos se encontram obrigados, já não à entrega das declarações em papel, mas à introdução dos dados exigidos pela lei diretamente na plataforma, representa um progresso muito significativo.
É previsível que a mudança de paradigma venha a gerar dúvidas, hesitações, erros e omissões por parte dos declarantes. Nesta fase, a ação pedagógica da EpT será indispensável. A maioria dos declarantes tentará, como já faz hoje, cumprir a lei.
A expetativa que a EpT desperta é compreensível, mas largamente fruto do desconhecimento das suas atribuições. Para uns, de pouco servirá, porque nada mais fará do que receber e guardar informação; para outros, servirá para quase tudo: irá finalmente pôr fim à corrupção, ao tráfico de influências, às fraudes e abusos, enfim, resgatar os pecados do mundo. Nem uns nem outros estão certos.
A transparência, que dá o nome à nova entidade, não constitui um fim em si mesmo. É antes um instrumento, valioso, mas não o único, para prosseguir finalidades caras ao Estado de direito, quais sejam as de procurar garantir que os comportamentos dos decisores públicos respeitem a legalidade, a imparcialidade, a probidade e a moralidade administrativas. E que estes não tenham, nas palavras certeiras de Frederico II, o Grande, da Prússia, “paixões nem preconceitos nos assuntos do Estado; a única paixão permitida é a do bem público”.
A função primordial da EpT vai desenvolver-se num quadro em que confluem dois valores: de um lado, a aplicação rigorosa e pontual da lei; do outro, o respeito pelos direitos das pessoas – de todas as pessoas. Aquilo que conheço de V. Exas. constitui garantia bastante de que saberão equilibrar de forma inteligente, serena e sensata estes dois valores.
Desejo – desejamos todos no Tribunal Constitucional – que os obstáculos que se irão erguer no vosso caminho sejam ultrapassados com determinação, empenho e resiliência. E, se e quando for necessário, cá estaremos para ajudar.
Desejo-vos as maiores felicidades no exercício das vossas novas funções.