ACÓRDÃO N.º 779/2022
Processo n.º 1002/2022
3ª Secção
Relatora: Conselheira Joana Fernandes Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é reclamante A. e reclamada a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do despacho proferido em 6 de outubro de 2022, que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal.
2. Por decisão proferida em 23 de setembro de 2022, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou improcedente a reclamação do despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Feira-2, de 11 de fevereiro de 2022, que designou data para a realização da diligência de entrega de bem vendido em execução fiscal, cuja anulação fora requerida pela executada, ora reclamante, assim como a remessa dos autos ao serviço de finanças para efeito de sanação dos vícios que lhe apontou — falta de notificação da executada e dos seus familiares da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do despacho que adjudicou o direito de usufruto, falta de notificação dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que foi aceite, bem como do dia e hora marcados para a efetivação da venda —, o que também foi indeferido, tal como a suspensão da tramitação do processo de execução fiscal n.º …., igualmente peticionada.
3. A ora reclamante interpôs, então, recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:
«A., recorrente no processo acima e à margem referenciado, proferida que foi decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, Unidade Orgânica 2, que "julgou totalmente improcedente a ação, determinando-se a manutenção do ato reclamado do órgão de execução fiscal VEM INTERPOR RECURSO para o Tribunal Constitucional nos termos dos artigos 75.º-A e 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), o qual deverá ter efeito suspensivo.
E.R.D.
A Advogada
Pelo que apresenta as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO:
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I. INTRODUÇÃO:
1. Em 23 de setembro de 2022, foi proferida decisão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a reclamação judicial do ato de indeferimento do pedido de anulação de venda do direito de usufruto do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, sob o art.º ..., formulado pela Recorrente no processo de execução fiscal n.º …., instaurado pelo serviço de finanças de Feira 2 contra a mesma.
2. Entende a Recorrente, salvo melhor entendimento, que a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro importa a violação de direitos da Recorrente, constitucionalmente consagrados e protegidos, aliás conforme alegado em sede de alegações para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (cfr. artigos 21, 30, 31, 32, 49, 54, 61, 62, e 68.º da RAC), impondo-se, por via disso, decisão diversa que reponha a justiça na decisão do litígio em causa.
II. DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS QUANTO À EXECUTADA E À RECORRENTE:
3. No âmbito do processo de Execução Fiscal n.º …. e respetivos apensos 3441201401124021, 3441201601039261, 3441201701046519, 3441201701068709, 3441201701105400, 3441201481041756, 3441201501046896, 3441201501075977, 3441201501109170, 3441201501145711, 3441201601060376, 3441201601084526, 3441201701012525, 3441201801045407, 3441201801080644, 3441201801126148, 3441201901048724, instaurado pelo Serviço de Finanças (SF) de Feira 2, em que figura como executada A., procedeu-se, a 09.05.2017, à penhora do direito de usufruto do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, sob o art.º …, de que a Recorrente é filha da executada.
4. A venda por leilão eletrónico daquele usufruto foi marcada para o dia 31 de julho de 2018, através de despacho do Chefe de Finanças de Feira 2, datado de 2018/06/08.
5. Devido à inexistência de propostas procedeu-se a nova marcação, para o dia 2018/09/20, por despacho datado de 2018/08/17.
6. Perante nova ausência de propostas, marcou-se a venda para 2018/10/22, por despacho de 2018/10/02.
7. O usufruto foi adjudicado ao contrainteressado B. em 2018/11/06.
8. A executada A. é notificada da data designada para a venda do usufruto (como se referiu em 6. aprazada para dia 22.10.2018), no próprio dia da venda, ou seja, a 22.10.2018, na sequência da remessa de uma segunda notificação datada de 18.10.2018 através de carta registada com AR enviada à executada e por esta recebida e assinada em 22.10.2018.
9. A executada A. não foi notificada da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto ao contrainteressado B..
10. Também os filhos da executada (ora recorrente) não foram notificados da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto ao contrainteressado.
11. Tal situação é inconstitucional por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP e do direito quer da recorrente/executada quer dos seus familiares do acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois tais notificações, se tivessem existido, consubstanciariam a última oportunidade dos familiares da executada exercerem o direito de remição que lhes assiste, pelo que, tendo sido as mesmas omitidas, é o mesmo que negar-lhes um direito - o direito de remição - que lhe é reconhecido pela lei, o que consubstancia numa violação da Constituição.
12. Invoca a recorrente que as normas constantes nos artigos 252.º e 257.º do CPPT devem ser interpretadas no sentido de que na venda de bem penhorado em processo de execução fiscal é obrigatória a notificação dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que vem a ser aceite, do dia e hora marcados para a efetivação da venda sob pena de inconstitucionalidade, por força do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
13. Na verdade, uma interpretação segundo a qual cabe ao executado e aos seus familiares o dever de se inteirar do respetivo processo e da tramitação levada a efeito respeitante à concretização da venda deriva na inconstitucionalidade das normas dos artigos 252.º e 257.º do CPPT, porque cria no executado e seus familiares, titulares do direito de remição, o ónus desproporcionado ao direito e como tal numa violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada A. e dos seus familiares, aqui incluindo a requerente, nomeadamente o direito ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo justo e equitativo, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 2 da CRP, resultando na violação do direito da manutenção do património no seio familiar.
Se não, vejamos:
14. Nos termos do artigo 258.º do CPPT, o direito de remição é reconhecido nos termos previstos no Código de Processo Civil.
15. Assim, por força do artigo 842.º do CPC, o direito de remição era reconhecido aos descendentes da executada, os quais podiam remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tivesse sido feita a adjudicação ou a venda.
16. O direito de remição ora em causa "consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a facilidade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução" (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476).
17. Embora na sua atuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, "os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam".
18. Quanto à diversidade de fundamento, "ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial", sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já "o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)".
19. Quanto à diversidade de fim, enquanto "o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a com propriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita", já "o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas" (José Alberto dos Reis, obra citada, pp. 477-478).
20. A proteção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é objetivo da consagração do direito de remição unanimemente reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina.
21. Como refere José Alberto dos Reis (obra citada, pp. 488-489): "Com a atribuição deste direito não se prejudicam os credores, pois que a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora os remidores hão-de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor. Desta maneira, o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor".
22. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores".
23. Este direito de remição apenas pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cfr. artigo 843.º, n.º 1, al. b) do CPC).
24. No que respeita a notificações, o artigo 812.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável aos processos de execução fiscal, nos termos do artigo 2.º do CPPT, dispõe que a decisão sobre a venda dos bens deve ser notificada ao exequente, ao executado e aos credores recorrentes de créditos com garantia sobre os bens a vender.
25. Nem o CPPT nem o CPC previam qualquer norma que obrigasse à notificação dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que venha a ser aceite e do dia e hora da realização do ato de venda, sendo certo que o direito de remição tinha de ser exercido em momento anterior ao da venda.
26. O remidor tinha o ónus de acompanhar a evolução do processo e a situação dos bens, de modo a poder efetivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação.
27. Acontece que, o remidor não é parte na ação executiva e, sendo terceiro relativamente à execução, não é notificado de qualquer dos seus atos.
28. Por outro lado, como titular de um "direito de preferência legal de formação processual", não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal, por força do preceituado no art. 892.º" (cfr. Autor e ob. cit. pag. 624).
29. Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos atos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.
30. Acontece que, no caso concreto, para além de a executada/recorrente só ser notificada da data designada para a venda do usufruto (aprazada para dia 22.10.2018), no próprio dia da venda, ou seja, a 22.10.2018, na sequência da remessa de uma segunda notificação datada de 18.10.2018 através de carta registada com AR enviada à executada e por esta recebida e assinada em 22.10.2018, não foi depois notificada da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto ao contrainteressado, pelo que, salvo melhor entendimento, somos a entender que esta interpretação das normas constantes dos artigos 252.º e 257." do CPPT e dos artigos 842." a 845.º do CPC, é inconstitucional por violação do art. 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.
31. Primeiramente, sublinha-se que a executada/pra recorrente é notificada da data designada para a venda do usufruto (aprazada para dia 22.10.2018), no próprio dia da venda, ou seja, a 22.10.2018, na sequência da remessa de uma segunda notificação datada de 18.10.2018 através de carta registada com AR enviada à executada e por esta recebida e assinada em 22.10.2018.
32. Foi, assim, vedado à executada na data aprazada para a venda a possibilidade de a mesma poder exercer os seus direitos, nomeadamente encontrar propostas de maior valor e comunicar aos familiares/filhos para exercer o direito de remição, violando, assim, a Fazenda Publica o seu direito constitucionalmente reconhecido no artigo 20.º, nºs 1 e 4 da CRP de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
33. A acrescer, a executada/ora recorrente não foi notificada da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto a B..
34. Mais uma vez foi vedado à executada a possibilidade da mesma poder exercer os seus direitos, nomeadamente encontrar propostas de maior valor e comunicar aos familiares para exercerem o direito de remição, violando, assim, a Fazenda Publica o seu direito constitucionalmente reconhecido no artigo 20.º, nºs 1 e 4 da CRP de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
35. A interpretação feita pela Administração Tributária no processo executivo, segundo a qual cabe ao executado e aos seus familiares o dever de se inteirar do respetivo processo e da tramitação levada a efeito respeitante à concretização da venda deriva na inconstitucionalidade das normas dos artigos 252.º e 257.º do CPPT, porque cria no executado e seus familiares, titulares do direito de remição, o ónus desproporcionado ao direito e como tal numa violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada e dos seus familiares, nomeadamente o direito ao acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo justo e equitativo, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 2 da CRP, resultando na violação do direito da manutenção do património no seio familiar.
36. Salvo melhor entendimento, a notificação da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do despacho que adjudicou o usufruto a B. à ora recorrente e seus filhos, enquanto titulares do direito de remição, (situação conhecida da Fazenda Publica, mais não seja por força da entrada no Serviço de Finanças da habilitação de herdeiros aberta por óbito do cônjuge da recorrente) por forma a que os mesmos pudessem exercer o seu direito de remir, é obrigatória com base na interpretação à luz da nossa Constituição dos artigos 252.º do CPPT e do art. 229.º do Código de Processo Civil, conjugado com o art. 842." e segs. do CPC em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, designadamente com o seu art. 20.º, n.ºs 1 e 4, o que se invoca junto de V. Exa.
37. Nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art. 20.º da CRP, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1); e todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4).
38. No art. 20.º da CRP encontra-se consagrado o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, o qual, como destaca a doutrina, para além de não ter apenas como dimensão o direito de acesso ao tribunal, é um direito que depende de conformação legislativa. Esta garantia de acesso ao direito visa, entre outras finalidades igualmente importantes, garantir a defesa de todos e quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos. Quanto ao direito a um processo equitativo enquanto dimensão do direito a uma tutela jurisdicional efetiva o mesmo compreende o direito de agir em juízo através de um processo equitativo. Este direito a um processo equitativo compreende não só a exigência de que o processo seja justo na sua conformação legislativa, como também que seja um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP anotada, Volume I, 4." Edição revista, p. 406 e segs. e jurisprudência aí citada).
39. A situação descrita constitui uma restrição ao direito à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que são colocados obstáculos ao titular do direito de remição que queira exercer esse mesmo direito no âmbito do processo de execução fiscal, pois existe, aqui, um ónus de o mesmo acompanhar as várias diligências que vão sendo praticadas ao longo de todo o processo de modo a poder exercer atempadamente o seu direito, ficando, ainda, dependente de que o seu familiar/executado o informe dessas mesmas diligências - não se podendo deixar de sublinhar que no caso concreto a executada é uma pessoa de 78 anos de idade, de condição social simples e humilde, de parca escolaridade, inserida num meio em que as notificações de dívidas à Fazenda Pública são motivo de vergonha e mau estar social.
40. Sendo a Fazenda Publica, e o processo, conhecedora da recorrente e dos seus filhos (mais não seja por força da entrada no Serviço de Finanças da habilitação de herdeiros aberta por óbito do cônjuge da recorrente), era-lhe obrigatório notificar pessoalmente a recorrente e seus filhos da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do despacho que adjudicou o usufruto por forma a não complicar o processo de execução - neste sentido, entendeu o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NO ACÓRDÃO N.º 277/2007, ao perfilhar o entendimento de que existe violação do art. 20.º da CRP quando são criados regimes procedimentais desproporcionalmente preclusivos ou limitativos bem assim como o TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE Aveiro PROCESSO N.º1359/18.9BEAVR.
41. Termos em que as normas dos artigos 252º e 257º do CPPT e 842.º a 845.º na interpretação feita pela Fazenda Pública no processo de execução fiscal acima identificado é inconstitucional por violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada/recorrente e dos seus filhos, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como a ver assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
III. DA PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES PROCESSUAIS:
42. A interpretação do Tribunal a quo de que não é essencial a realização de diligências probatórias que se afiguram essenciais à descoberta da verdade material, designadamente a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente, as quais se mostravam essenciais para corroborar a tese do justo impedimento do exercício do direito de remição por parte do mesmo, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.
43. A interpretação de que não é obrigatória a realização de quaisquer diligências probatórias é inconstitucional por violação da imposição constitucional à qual a AT está adstrita, designadamente quanto ao disposto nos artigos 52.º, n.º 1, e 268.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), como consequência direta da violação do princípio do inquisitório e do erro na interpretação e do dever de pronúncia, por força do disposto nos artigos 54.º, n.º 1, alínea h) e 56.º, n.º 1, da LGT, e nos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º e 125.º do CPA.
44. A este propósito invoca-se o vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 10.11.2016, no processo n.º 2515/15.7BELRS (Rei. LURDES TOSCANO): "O dever de pronúncia constitui a densificação legislativa, no âmbito tributário, do direito de petição, previsto no nº 1 do artigo 52o- da Constituição, de acordo com o qual «Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou coletivamente, (...) a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral e, bem assim, o direito de serem informados, em prazo razoável, sobre o resultado da respetiva apreciação [...]. Quer o dever de pronúncia, quer o de decisão são o reflexo do direito dos administrados à informação procedimental, previsto no nº 1 do artigo 268o- da Constituição, e que se traduz no correspetivo dever da administração tributária informar os interessados «sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas»".
CONCLUSÕES:
1. A norma constante dos artigos 252.º e 257.º do CPPT conjugada com os artigos 842.º a 845.º do CPC, na interpretação e aplicação feita pelo Tribunal a quo, segundo a qual, a obrigatoriedade de notificação da executada e dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora marcados para a efetivação da venda não encontra abrigo na lei e que é sobre o executado e sobre o titular do direito de remição que recai o dever de, eles próprios se inteirarem do processo executivo, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada e do recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, tudo nos termos do art. 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP.
2. A interpretação das normas dos artigos 842.º a 845.º, do Código de Processo Civil feita pelo Tribunal a quo segundo a qual não há obrigatoriedade de notificação do titular do direito de remição para que se apresente em juízo a exercer o seu direito e exigindo ao titular do direito de remição a obrigatoriedade de, em qualquer altura antes da venda e/ou dentro dos prazos legais previstos para o exercício desse direito demonstrar no processo que pretende exercer esse direito sem para tal estar notificado consubstancia uma violação de direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente, nomeadamente o direito reconhecido no artigo 20.º, nºs 1 e 4 da CRP de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como a ver assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
3. A interpretação do Tribunal a quo de que não é essencial a realização de diligências probatórias que se afiguram essenciais à descoberta da verdade material, designadamente a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente, as quais se mostravam essenciais para corroborar a tese do justo impedimento do exercício do direito de remição por parte da mesma, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos do Recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.
Termos em que, requer respeitosamente a V. Exas. Que se dignem DECLARAR INCONSTITUCIONAL OS artigos 252.º e 257.º do CPPT e 842.º a 845.º do CPC, com a interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo».
4. Foi, então, proferido despacho, em 6 de outubro de 2022, de não admissão do recurso de constitucionalidade, do qual consta a seguinte fundamentação:
«[...]
5. Vem a reclamante, através de requerimento de 30.09.2022, e nos termos dos artigos 75.º-A e 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), apresentar recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida nos presentes autos, no qual formulou as seguintes conclusões:
“1.- A norma constante dos artigos 252.º e 257.º do CPPT conjugado com os artigos 842.º a 845.º do CPC, na interpretação e aplicação feita pelo Tribunal a quo, segundo a qual, a obrigatoriedade de notificação da executada e dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora marcados para a efetivação da venda não encontra abrigo na lei e que é sobre o executado e sobre o titular do direito de remição que recai o dever de, eles próprios se inteirarem do processo executivo, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada e do recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, tudo nos termos do art. 12º, 13º, 18º e 20º, nºs 1 e 4 da CRP.
2. A interpretação das normas dos artigos 842.º a 845. º, do Código de Processo Civil feita pelo Tribunal a quo segundo a qual não há obrigatoriedade de notificação do titular do direito de remição para que se apresente em juícço a exercer o seu direito e exigindo ao titular do direito de remição a obrigatoriedade de, em qualquer altura antes da venda e/ ou dentro dos prados legais previstos para o exercício desse direito demonstrar no processo que pretende exercer esse direito sem para tal estar notificado consubstancia uma violação de direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente, nomeadamente o direito reconhecido no artigo 20º, nºs 1 e 4 da CRP de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12º, 13º, 18º e 20º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como a ver assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
3. A. interpretação do Tribunal a quo de que não é essencial a realização de diligências probatórias que se afiguram essenciais ã descoberta da verdade material, designadamente a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente, as quais se mostravam essenciais para corroborar a tese do justo impedimento do exercido do direito de remição por parte da mesma, consubstancia uma inconstitudonalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos do Recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12.º, 13.º, 18." e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP."
Requer, a final, que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 252.º e 257.º do CPPT e 842.º a 845.º do CPC, com a interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo.
Cumpre proferir decisão sobre a admissibilidade do recurso.
Nos termos previstos no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, "[o] recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie" e, "[sjendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade".
O recurso da requerente observa os requisitos mencionados no ponto antecedente, todavia, isso não implica, só por si, que o mesmo deva ser admitido.
Com efeito, dispõe o artigo 70.º, n.º 1 al. b) da referida Lei que "[cjabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: (...)
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;".
Acontece que na decisão proferida nos presentes autos não foi aplicada qualquer das normas cuja inconstitucionalidade a reclamante requer que seja declarada.
Na verdade, a decisão de improcedência da reclamação sustentou-se na circunstância de a reclamante não imputar vícios ao despacho reclamado, mas sim ao procedimento que antecedeu a venda, sendo os mesmos insuscetíveis de determinar a anulação do referido despacho. Além disso, referiu-se, a latere, que ainda que assim não fosse, sempre se imporia acatar, por força da autoridade do caso julgado que com a mesma se formou, a decisão proferida no processo n.º 38/21.4BEAVR, no qual foram apreciadas as questões suscitadas pela reclamante.
Por outro lado, e quanto à questão da não audição das testemunhas arroladas pela reclamante, sempre se diga que, além de não ter sido suscitada qualquer nulidade no processo, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma em concreto.
Não tem, por isso, e nessa parte, a pretensão da reclamante, ora recorrente, o caráter normativo necessário para que possa ser conhecida pelo Tribunal Constitucional, conforme este decidiu em situação em tudo idêntica à qua agora nos ocupa: "O Tribunal Constitucional porém, não tem competência para sindicar a atuação subsuntiva dos tribunais judiciais, a qual se desenvolve no estrito plano do direito infraconstitucional sob pena de ingerência na esfera de competências que no nosso ordenamento jurídico estão confiadas a esses tribunais. A competência do Tribunal Constitutional num recurso como o presente cinge-se à apreciação da possível desconformidade de uma norma de direito infraconstitucional com a Constituição" (cfr. decisão Sumária n.º 645/2019, mencionada no acórdão nº 713/2019, disponível em
https: / Avww.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190713.html).
Ora, nos termos previstos no artigo 76.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional "[c]ompete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso", devendo o requerimento ser indeferido "quando a decisão o não admita, (...) ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, quando forem manifestamente infundados".
No caso que nos ocupa, por um lado não foi aplicada qualquer das normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e, por outro, no que se reporta à omissão da inquirição de testemunhas, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.
Assim, à luz do disposto no artigo 76.º, n.º 2 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, indefere-se, por a decisão proferida o não admitir, o requerimento de recurso apresentado pela reclamante».
5. Na reclamação do despacho de não admissão do recurso, apresentada nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, foram invocados os seguintes fundamentos:
«A., notificada da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que indeferiu o requerimento de recurso apresentado, vem, nos termos do disposto no artigo 77.º da Lei Orgânica do Tribuna Constitucional, RECLAMAR do despacho que indeferiu a admissão de recurso, o que faz, fundamentalmente, nos seguintes termos:
1. Por decisão de 6 de outubro de 2022, o Tribunal a quo decidiu indeferir a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional interposto pela Recorrente pelas seguintes razões:
. na decisão proferida nos presentes autos não foi aplicada qualquer das normas cuja inconstitucionalidade a reclamante requer que seja declarada;
. quanto à questão da não audição das testemunhas arroladas, além de não ter sido suscitada qualquer nulidade no processo, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma em concreto.
2. Em suma, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de não admissão do recurso no facto de, segundo entende, a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se suscita não ter sido a ratio decidendi da decisão recorrida.
3. A Recorrente discorda, salvo melhor opinião, do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, reputando de ilegal a decisão de não admissão do recurso, pelas razões que infra se expõem.
4. No âmbito do presente recurso, a Recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade:
. da norma constante dos artigos 252.º e 257.º do CPPT conjugada com os artigos 842.º a 845.º do CPC, por violação dos artigos 12.º, 13.º, 18.ºe20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), na interpretação de que não é obrigatória, em processo de execução fiscal, a notificação da executada e dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora marcados para a efetivação da venda e de que é sobre o executado e sobre o titular do direito de remição que recai o dever de, eles próprios se inteirarem do processo executivo;
. das normas constantes nos artigos 54.º, n.º 1, alínea h) e 56.º, n.º 1, da LGT, e nos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º e 125.º do CPA, por violação dos artigos 12.º, 13.º, 1 8.º e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, na interpretação de que não é nula uma sentença que omite diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunhas, cuja realização foi requerida para comprovação de que a executada não foi notificada da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto nem os filhos da executada foram notificados da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do despacho que adjudicou o usufruto.
5. Ora, atentando nas alegações de recurso apresentadas a 30 de setembro de 2022, verifica-se que a Recorrente, após demonstrar a manifesta nulidade de todo o processo executivo decorrente da interpretação das normas dos artigos 252º e 257º do CPPT e 842.º a 845.º do CPC feita pela Fazenda Pública, interpretação essa inconstitucional por violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada/recorrente e dos seus filhos, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como a ver assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, demonstrou ainda a nulidade da sentença recorrida decorrente da omissão de inquirição das testemunhas arroladas, suscitando clara e expressamente a inconstitucionalidade, por violação cia imposição constitucional à qual a AT está adstrita, designadamente quanto ao disposto nos artigos 52.º, n.º 1, e 268.º, n.º I, da Constituição da República Portuguesa (CRP), como consequência direta da violação do princípio do inquisitório e do erro na interpretação e do dever de pronúncia, por força do disposto nos artigos 54.º, n.º 1, alínea h) e 56.º, n.º 1, da LGT, e nos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º e 125.º do CPA.
6. Ou seja, a Recorrente não se limitou a aludir genericamente à eventual inconstitucionalidade das normas dos artigos 252º e 257º do CPPT e 842.º a 845.º feita pela Fazenda Pública, tendo também invocado a inconstitucionalidade das normas constantes nos artigos 54.º, n.º 1, alínea h) e 56.º, n.º 1, da LGT, e nos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º e 125.º do CPA, especificando a interpretação normativa desses artigos cuja inconstitucionalidade questiona e, bem assim, individualizando os preceitos constitucionais que considera violados pelas mesmas.
7. Conclui-se, assim, que ao contrário do que consta da decisão ora reclamada, a Recorrente suscitou de modo processualmente adequado perante o Tribunal recorrido a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso e especificou as normas cuja inconstitucionalidade se suscita, devendo por isso o mesmo ser admitido e apreciado por esse Douto Tribunal Constitucional, revogando-se a decisão objeto da presente reclamação.
8. Mais, no que respeita à consideração feita pelo Tribunal a quo de que não se verifica uma coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade é invocada pela Recorrente no âmbito do presente recurso e o que foi aplicado pelo Tribunal a quo na sua decisão, donde conclui não ser admissível o recurso porque um eventual juízo de inconstitucionalidade não teria repercussões do âmbito dos presentes autos, invoca-se o entendimento do Exmo. Juiz Conselheiro, Sr. Dr, Lopes do Rego , segundo o qual:
"A aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita: não é naturalmente indispensável que o julgador haja explicitamente fundamentado de direito a decisão que tomou através da invocação dos preceitos legais (ou da interpretação dos mesmos) especificados pelo recorrente como estando feridos de inconstitucionalidade".
9. Ou seja: a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade não está dependente de qualquer referência expressa na decisão recorrida ao disposto nos artigos 252º e 257º do CPPT e 842.º a 845.º do CPC, bastando-se com a demonstração pela Recorrente de que o Tribunal recorrido aplicou as normas em causa na interpretação cuja inconstitucionalidade ora se suscita.
10. Ora, salvo melhor entendimento, no caso em apreço, o Tribunal a quo ao concluir que o despacho da AT reclamado não padece dos vícios imputados pela Recorrente, mas sim o procedimento que antecedeu a venda, teve de aplicar, nesta sua conclusão, a interpretação dos artigos 252º e 257º do CPPT e 842.º a 845.º do Código de Processo Civil, cuja inconstitucionalidade ora se suscita,
11. Pelo que, neste contexto, a apreciação da inconstitucionalidade das normas suscitadas é por demais evidente que terá efeitos relevantes no caso concreto.
12. No que respeita à questão do caráter normativo da questão de constitucionalidade em apreço, mais se dirá que a questão que a Recorrente pretende trazer à apreciação de Douto Tribunal Constitucional é a de saber se a decisão recorrida padece também de inconstitucionalidade em virtude da interpretação que fez dos artigos 54.º, n.º 1, alínea h) e 56.º, n.º 1, da LGT, e dos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º e 125.º do CPA e 195.º, n.º l, do CPC.
13. Com efeito, a Recorrente não pretende que o Douto Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a correção da decisão ao considerar como não geradora de nulidade a dispensa pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente, mas antes que aprecie a conformidade à CRP da interpretação dos artigos 54.º, n.º I, alínea h) e 56.º, n.º I, da LGT, e dos artigos 50.º do CPPT, 58.º da LGT e 4.º, 125.º do CPA e artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, no sentido de que não é obrigatória a realização de quaisquer diligências probatórias, não estando a AT e o Tribunal adstritos ao princípio do inquisitório e do dever de pronúncia.
14. E, assim, manifesto o caráter normativo da questão suscitada no âmbito do presente recurso, o qual deve em consequência ser admitido e apreciado pelo Douto Tribunal Constitucional, revogando-se a decisão ora reclamada.
Por tudo quanto ficou exposto, conclui-se que estão verificados todos os pressupostos necessários à apreciação do presente recurso de constitucionalidade pelo Douto Tribunal Constitucional, pelo que se requer a esse Douto Tribunal que anule a decisão proferida pelo Tribunal a quo e a substitua por decisão que admita o recurso da constitucionalidade interposto, tudo com as demais consequências legais».
6. Com vista nos autos, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, com os seguintes argumentos:
«1. A., “notificada da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro [UO2, proc. n.º 250/22.BEAVR / Reclamação de atos do órgão de execução fiscal, de 6 de outubro de 2022] que indeferiu o requerimento de recurso apresentado, vem, nos termos do artigo 77.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, RECLAMAR do despacho que indeferiu a admissão de recurso (…)” (fls. …).
2. A ora reclamante, antes, tinha interposto recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (RFCC), da “decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, Unidade Orgânica 2 [proc. n.º 250/22.BEAVR / Reclamação de atos do órgão de execução fiscal, de 23 de setembro de 2022], que “julgou totalmente improcedente a ação, determinando-se a manutenção do ato reclamado do órgão de execução fiscal”, isto “nos termos dos artigos 75.º-A e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (…)” (fls….).
3. Além do requerimento de interposição do dito recurso, dirigido aos “Exmos. Senhores Desembargadores”, a ora reclamante apresentou ainda, concomitantemente, umas “alegações de recurso” (fls….).
Esta última peça processual é, pelo menos, prematura, uma vez que, como estabelece a lei, “as alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal Constitucional”, precedendo notificação para o efeito (art. 79.º, n.ºs 1 e 2).
Em qualquer caso, à luz de um princípio de aproveitamento dos atos processuais, o conteúdo de tais alegações (que, em substância, não são uma impugnação da sentença recorrida, mas antes uma reiteração dos termos da reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, fls. 4v.º a 9v.º) poderá valer para efeitos de suprir a omissão das menções obrigatórias do dito requerimento, pois dele não consta a indicação a “norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie”, nem da “peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade” (art. 75.º-A, n.ºs 1 e 2).
É certo que nem mesmo com este favor fica regularizada a instância, pois das “alegações de recurso” apenas consta aquela primeira menção (indicação da norma), não já a segunda menção (indicação da peça processual), mas a peça em causa será a “Reclamação...” que desencadeou a causa tributária (fls. 2 a 16v.º).
Em todo o caso, seria infrutífero proferir despacho convidando o recorrente para suprir qualquer omissão de menções (art. 75.º-A, n.º 6), na medida em que há insuprível preterição de pressupostos processuais do presente RFCC.
a) Diligências probatórias
4. A questão da “necessidade de prova testemunhal” não foi decidida na sentença ora recorrida, mas no prévio e preambular despacho judicial de 8 de agosto de 2022 (fls. 96).
Com efeito, ali se ajuizou que “analisando os argumentos apresentados e os demais elementos dos autos constantes não se afigura necessária a produção de prova testemunhal” − embora, singularmente, sem indicar qualquer base normativa para o efeito.
5. É certo que tal despacho ficou sujeito a um “ónus processual”, posto a cargo da ora reclamante: “Não obstante o vindo de referir pode a Reclamante, em oito dias, esclarecer que factos pretende esclarecer com a referida prova”, mas logo com a cominação “advertindo-a de se nada nada disser os autos irão com vista ao DMMP”.
Porém, ulteriormente a reclamante nada terá requerido, pelo que os autos foram continuados com vista ao Ministério Público que, em 25 de agosto de 2022, se pronunciou, nomeadamente, neste sentido: “A Reclamante arrolou prova testemunhal. O Tribunal concluiu pela sua desnecessidade, nos termos constantes do douto despacho sob referência 005069664-SITAF” (fls. 97).
6. Ou seja, não houve observância pela ora reclamante do dito “ónus processual”, por outras palavras, não houve iniciativa processual da ora reclamante em matéria do tema da prova testemunhal, de modo que o despacho judicial de 8 de agosto de 2022 se veio a consolidar, ficando assim revestido da autoridade de caso julgado (formal).
7. Por conseguinte, a passagem a sentença recorrida em que se exara «Não tendo a reclamante indicado os factos sobre os quais recairia a produção de prova testemunhal, foram os autos com vista à DMMP, que se pronunciou no sentido da improcedência da Reclamação, nos termos que constam do parecer de fls. 1036 do processo eletrónico» (pg. 14), não é uma (nova) decisão sobre a questão da produção da produção da prova testemunhal, mas antes uma narração de um “facto” relativo a tal matéria, embora tendo por conteúdo a prévia decisão judicial.
8. Tal passagem está integrada no “Relatório” da sentença e, por outra parte, está desprovida da indicação de preceitos normativos, indícios estes denotando que se trata da narração de um “facto”, relativo à prévia questão da produção da prova testemunhal, e não de uma (nova) decisão judicial nessa matéria (que, aliás, em parte alguma da sentença recorrida podemos descortinar).
9. Ora: nem a ora reclamante recorreu dessa prévia (“destacável”) decisão judicial (mas apenas da ulterior sentença, ora em apreço); nem o podia fazer, pois que, com o seu silêncio e inércia processual, anuiu, pelo menos tacitamente, na consolidação do conteúdo do despacho judicial de 8 de agosto de 2022, e na consequente formação do caso julgado formal quanto a tal questão; e, final e decisivamente, nem na passagem «Não tendo, a reclamante indicado os factos sobre os quais recairia a produção de prova testemunhal (…)» (pg. 14), que consubstancia a narração de um prévio “facto” relativo à produção da prova testemunhal, nem em qualquer outra passagem da sentença recorrida há qualquer decisão judicial sobre tal matéria.
10. Concluindo, na sentença recorrida não foi proferida qualquer “decisão do tribunal” em matéria da produção da prova testemunhal − nomeadamente através da “aplicação de norma” [cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo] − pelo que no caso falha o correspondente pressuposto processual da existência de uma prévia decisão judicial que seja objeto idóneo do presente RFCC [art. 70.º, n.º 1, alínea b)].
b) Falta de notificações
11. Por outra parte, a sentença recorrida começou por conhecer, em matéria de Direito e a propósito do “pedido de anulação”, de dois vícios relativos à “falta de notificação”, da executada e dos seus familiares e, por outra parte, dos titulares do direito de remição” (pg. 20).
E a mesma desatende estas pretensões com base numa dupla ordem de razões: (1) primeiramente “os vícios em causa não são imputados ao despacho reclamado, mas sim ao procedimento que antecedeu a venda [de modo que] tais vícios jamais seriam suscetíveis de determinar a anulação [do] despacho reclamado”; e, depois e ainda, (2) “mas, ainda que assim não fosse, sempre se imporia , no que respeita às mencionadas notificações, acatar, por força da autoridade de caso julgado, que com a mesma se formou, a decisão proferida no processo n.º 38/21.4BEAVR (…)”.
12. É verdade que, singularmente, esta passagem da motivação não invoca ou nem identifica qual a base normativa que, assim, está a aplicar na causa tributária.
13. Sem embargo é claro que: a razão de decidir em i) procede da doutrina dos atos “destacáveis”, os quais devem ser impugnados imediata e autonomamente, e não no âmbito da eventual impugnação (cumulada) do ato final do procedimento, em virtude dos mesmos produzirem imediatamente efeitos de direito, pois consubstanciam uma decisão final que incide sobre os interesses de certa pessoa; e, em ii), a razão de decidir é a autoridade do caso julgado (em geral, CPC, art. 580.º, n.º 1 e 2).
14. Em qualquer caso (abstraindo agora da omissão de indicação das bases normativas), é insofismável que as rationes decidendi da aludida motivação, que desatendeu os supostos vícios da “falta de notificações” (ato destacável e autoridade do caso julgado), não correspondem, de todo, às putativas interpretações normativas imputadas pela ora reclamante à sentença recorrida, ou seja, que (1) «a obrigatoriedade de notificação da executada e dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora marcados para a efetivação da venda não encontra abrigo na lei e que é sobre o executado e sobre o titular do direito de remição que recai o dever de, eles próprios se inteirarem do processo executivo» e que (2) «não há obrigatoriedade de notificação do titular do direito de remição para que se apresente em juízo a exercer o seu direito e exigindo ao titular do direito de remição a obrigatoriedade de, em qualquer altura antes da venda e/ou dentro dos prazos legais previstos para o exercício desse direito demonstrar no processo que pretende exercer esse direito sem para tal estar notificado».
15. Em conclusão, quanto à decisão judicial em matéria dos supostos vícios de “falta de notificações”, falha o pressuposto processual da “aplicação das interpretações normativas” cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [art. 70.º, n.º 1, alínea b)].
Nos termos expostos, e atento o preceituado nos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, 70.º, n.º 1, alínea b), e 77.º, n.º 2, todos da LOFPTC, por preterição dos pressupostos processuais do proferimento de “decisão judicial” em matéria da produção de prova testemunhal e, depois, da aplicação no processo das interpretações normativas recorridas, é de indeferir a presente reclamação, mantendo assim o douto despacho reclamado, de 6 de outubro de 2022 (pgs. 2 a 5)».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. Competindo ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar, nos termos prescritos no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, decorre do n.º 2 do referido artigo que o correspondente requerimento de interposição deverá ser indeferido sempre que: i) não satisfaça os requisitos do artigo 75.º-A da aludida lei, mesmo após o suprimento previsto no seu n.º 5; ii) a decisão não admita o recurso pretendido interpor; iii) o recurso haja sido interposto fora do prazo; iv) o requerente careça de legitimidade; ou iv) o recurso for manifestamente infundado, quando apresentado ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º do referido diploma legal.
Do despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso — resulta, por seu turno, do n.º 4 do artigo 76.º da LTC — cabe reclamação para o Tribunal Constitucional, a qual, devendo ser deduzida no prazo de dez dias, contados a partir da notificação do despacho reclamado [artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil («CPC»), aplicável ex vi do disposto no artigo 69.º da LTC), é julgada pela conferência (artigo 77.º, n.º 1, da LTC)].
8. A reclamante interpôs recurso da decisão de 23 de setembro de 2022, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro. Do requerimento de interposição do recurso fez constar um segmento denominado «alegações», que foi considerado pelo Tribunal a quo como parte integrante do mesmo. Embora socorrendo-se do nomen juris «alegações», a reclamante apenas terá pretendido, segundo a ponderação implícita no despacho reclamado, explicitar de forma mais exaustiva os fundamentos do recurso. Apesar da produção de alegações corresponder, na tramitação constante da LTC, a um ato processual subsequente, praticável apenas após a admissão do recurso (artigo 79.º, n.º 2, da LTC), o certo é que, mesmo considerando o que ali se afirma, não há razões para divergir do juízo formulado pelo Tribunal a quo quanto à admissibilidade do recurso.
9. Do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade extrai-se que o respetivo objeto é integrado por três questões de inconstitucionalidade, que a reclamante delimitou nos seguintes termos:
i) «A norma constante dos artigos 252.º e 257.º do CPPT conjugada com os artigos 842.º a 845.º do CPC, na interpretação e aplicação feita pelo Tribunal a quo, segundo a qual, a obrigatoriedade de notificação da executada e dos titulares do direito de remição da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora marcados para a efetivação da venda não encontra abrigo na lei e que é sobre o executado e sobre o titular do direito de remição que recai o dever de, eles próprios se inteirarem do processo executivo, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos da executada e do recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, tudo nos termos do art. 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP»;
ii) «A interpretação das normas dos artigos 842.º a 845.º, do Código de Processo Civil feita pelo Tribunal a quo segundo a qual não há obrigatoriedade de notificação do titular do direito de remição para que se apresente em juízo a exercer o seu direito e exigindo ao titular do direito de remição a obrigatoriedade de, em qualquer altura antes da venda e/ou dentro dos prazos legais previstos para o exercício desse direito demonstrar no processo que pretende exercer esse direito sem para tal estar notificado consubstancia uma violação de direitos constitucionalmente protegidos da Recorrente, nomeadamente o direito reconhecido no artigo 20.º, nºs 1 e 4 da CRP de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP, assim como a ver assegurada a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos»; e
iii) «A interpretação do Tribunal a quo de que não é essencial a realização de diligências probatórias que se afiguram essenciais à descoberta da verdade material, designadamente a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente, as quais se mostravam essenciais para corroborar a tese do justo impedimento do exercício do direito de remição por parte da mesma, consubstancia uma inconstitucionalidade por violação de direitos constitucionalmente protegidos do Recorrente, nomeadamente o direito de acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e a um processo equitativo, previsto nos artigos 12.º, 13.º, 18.º e 20.º, n.º 1 e 4 da CRP».
O Tribunal a quo rejeitou o recurso de constitucionalidade por considerar, em síntese, que «[n]o caso que nos ocupa, por um lado não foi aplicada qualquer das normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e, por outro, no que se reporta à omissão da inquirição de testemunhas, não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma».
Vejamos mais de perto.
10. Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Trata-se de uma condição imposta pelo caráter instrumental dos recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade: uma vez que o exercício da jurisdição constitucional não se destina a dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (Acórdão n.º 169/1992), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente. Sempre que a resolução da questão de constitucionalidade for insuscetível de confrontar o tribunal a quo com a necessidade de reformar o sentido do seu julgamento, o conhecimento do objeto do recurso carecerá de utilidade (v. os Acórdãos n.ºs 768/1993, 769/1993, 332/1994, 343/1994, 60/1997, 477/1997, 162/1998, 227/1998, 556/1998 e 692/1999).
Tal pressuposto, como entendeu o Tribunal recorrido, não pode dar-se por verificado no caso presente.
10.1. Relativamente às questões de constitucionalidade referidas em i) e ii) o Tribunal a quo entendeu que os vícios invocados pela reclamante se reportavam ao procedimento que antecedeu a efetivação da venda e não ao despacho reclamado, através do qual a Fazenda Nacional ordenou a entrega das chaves do imóvel. Ou seja, a razão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro decidir pela improcedência da reclamação prendeu-se com o facto de a reclamante não ter imputado qualquer vício ao despacho da Fazenda Nacional de que reclamou, mas apenas ao procedimento anteriormente seguido nos autos. Daqui resulta não terem sido os alegados vícios do procedimento de venda a fundamentar a decisão de indeferir a reclamação, mas sim o facto de esta incidir sobre um despacho posterior, relativo à entrega das chaves do imóvel, ao qual, segundo o Tribunal recorrido, a reclamante não apontara qualquer desconformidade.
Mas esta não é sequer a única razão a evidenciar a inutilidade da apreciação das questões de constitucionalidade indicadas em i) e ii). É que, como o Tribunal Constitucional vem igualmente considerando, não existe utilidade na apreciação de recursos de constitucionalidade quando a decisão recorrida assenta numa efetiva e suficiente fundamentação alternativa e o recorrente apenas põe em causa a constitucionalidade da norma em que assenta um dos fundamentos alternativos do julgado, constituindo ratio decidendi bastante a outra via argumentativa seguida pelo tribunal a quo. É o que sempre sucederia no caso vertente relativamente às questões de constitucionalidade referidas em i) e ii). Como notou o despacho de não admissão de recurso, na decisão recorrida «referiu-se, a latere, que ainda que assim não fosse, sempre se imporia acatar, por força da autoridade do caso julgado que com a mesma se formou, a decisão proferida no processo n.º 38/21.4BEAVR, no qual foram apreciadas as questões suscitadas pela reclamante». De facto, qualquer que viesse a ser o juízo a formular por este Tribunal quanto às normas impugnadas pela reclamante, o sentido da decisão recorrida permaneceria inalterado, valendo-se para esse efeito do resultado da ponderação complementarmente desenvolvida pelo Tribunal a quo, baseada na força da autoridade do caso julgado.
10.2. O mesmo vale, mutatis mutandis, relativamente à questão de constitucionalidade referida em iii). Com efeito, em segmento algum da decisão de 23 de setembro de 2022 se deteta que o Tribunal a quo haja considerado «não [ser] essencial a realização de diligências probatórias que se afigura[vam] essenciais à descoberta da verdade material, designadamente a audição das testemunhas arroladas pela Recorrente, as quais se mostravam essenciais para corroborar a tese do justo impedimento do exercício do direito de remição por parte da mesma». É certo que da referida decisão resulta não terem sido ouvidas testemunhas arroladas pela reclamante. Mas a única razão que para o efeito ali se adianta prende-se com a não indicação de factos relativamente às quais as mesmas deveriam ser ouvidas. Acresce ainda, como também assinala o Ministério Público, que a decisão de não admissão da prova testemunhal resultou de despacho prévio, concretamente do despacho proferido em 8 de agosto de 2022, que se impõe por força da autoridade do caso julgado, o que reforça a conclusão de que tal questão não foi decidida na sentença recorrida, mas somente elencada no respetivo relatório. Vale isto por dizer que a interpretação impugnada não foi aplicada na decisão recorrida, o que torna inútil o conhecimento, também neste seu segmento, do objeto do recurso de constitucionalidade.
É quanto basta para indeferir a presente reclamação.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios fixados no respetivo artigo 9.º, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Lisboa, 17 de novembro de 2022 – Joana Fernandes Costa – Gonçalo de Almeida Ribeiro – João Pedro Caupers