ACÓRDÃO N.º 920/2021
Processo n.º 536/2020
1ª Secção
Relator: Conselheiro José João Abrantes
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A., ora Recorrida, deduziu oposição à execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Sintra – 2, com vista à cobrança coerciva de dívidas tributárias respeitantes a IRC, a IVA e a IUC, na sequência de reversão contra a mesma em função da sua responsabilidade subsidiária, incidente que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o número 1439/16.5BESNT.
Em 27/09/2019, foi proferida sentença a julgar procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, a absolver a Executada/Oponente da instância executiva, condenando a Fazenda Pública em custas.
1.1. Elaborada a conta de custas, que liquidou a importância de € 306,00 cujo pagamento é da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. n.º 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais), o Ministério Público reclamou da mesma, ao abrigo do artigo 31.º, n.º 1 e 3, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 81):
“[…]
A disposição referida é aplicável aos casos em que a parte vencedora goza de apoio judiciário, referindo tal norma que, e nessas situações, as custas de parte pagas pelo vencido revertem em favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P..
A norma referida supõe um prévio pagamento das custas de parte, mas a mesma não habilita à inclusão na liquidação da conta do processo de qualquer valor a título de custas de parte.
Com efeito, as custas de parte, e qualquer que seja a identidade ou qualidade do credor, não podem ser incluídas na conta de custas, pois como se refere expressamente no artigo 30º, nº 1, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, as custas de parte não se incluem na conta de custas, pelo que a liquidação da conta afronta essa disposição legal.
Desse modo, como se referiu, da norma do artigo 26º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, não resulta a possibilidade de incluir na conta de custas o valor das custas de parte que revertem para o IGFEJ. Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Salvador da Costa (Alteração do Regime das Custas Pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, pgs. 4/5, in blog do IPPC – Instituto Português de Processo Civil).
A isto acresce que os valores a incluir na conta de custas constam da disposição do artigo 30º, do referido Regulamento, e no mesmo não estão incluídas as custas de parte, de quem quer que seja.
Aliás, a inclusão na conta de custas, liquidada pela secretaria, das custas de parte que revertem para o IGFEJ sempre seria inconstitucional por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição, e redundaria na igual inconstitucionalidade da norma do artigo 26º, nº 7, do RCP, na interpretação de que a mesma permite incluir na conta as custas de parte que revertem em favor do IGFEJ, por tratar de modo desigual a forma de liquidação das custas de parte em função da qualidade do credor das mesmas.
Assim, pelo exposto, requer-se a V. Exa. se digne mandar reformar a conta de custas liquidada nos autos, de modo a excluir o valor de € 306,00 supra mencionado.
[…]”.
1.2. Por despacho de 3/05/2020, o TAF de Sintra indeferiu a reclamação da conta de custas apresentada pelo Ministério Público (cfr. fls. 106 a 110), com os seguintes argumentos:
“[…]
Cumpre apreciar e decidir.
Para tanto, vejamos qual o regime jurídico aplicável ao caso.
Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, «as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.» (nº 7 do artigo 26º do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 27/2019, de 28 de março).
Como é afirmado por Salvador da Costa, a reconstituição do pensamento legislativo que presidiu ao disposto neste normativo não se revela fácil (cfr. Salvador da Costa, em “Alteração do Registo das Custas pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, de 28 de março, disponível em (…).
De todo o modo, na fixação do seu sentido e alcance, partiremos do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3 do art. 9º do Código Civil).
Tendo este como pano de fundo, verificamos, desde logo, que o legislador pretendeu criar uma norma de efeito equivalente àquela que se encontrava prevista no nº 6 do referido art. 27.º do RCP, de acordo com a qual se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, “o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.”.
Atualmente, e face às normas acima identificadas, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça paga pela parte vencedora, quando for parte vencida na ação o Ministério Público ou o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e, por outro lado, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça) pela parte vencida, quando o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, for parte vencedora na ação.
E dizemos apenas taxa de justiça paga porque, quanto aos demais elementos que integram as custas de parte (isto é, os encargos e os honorários), os mesmos já são levados a regra de custas, por força do disposto nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do artigo 16º e alínea c) do nº 3 do artigo 30º da RCP, do artigo 36º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, e do nº 1 do art. 8º da Portaria nº 10/2008, de 3 de janeiro. Pelo que o sentido daquela expressão “custas de parte pagas” só terá alguma utilidade se for entendida como dizendo respeito a “taxa de justiça pagas”.
Quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça, sabemos que o reembolso da taxa de justiça não depende da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, mas tão-só de requerimento dirigido ao juiz, apresentado pela parte vencedora no processo (cf. neste sentido Salvador da Costa, em «As Custas Processuais, Análise e Comentário», 7.ª edição, Almedina, p. 236).
A resposta encontra-se na alínea f) do nº 3 do artigo 30º do RCP, de acordo com a qual a conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, nela devendo ser, nomeadamente, indicados os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável.
E este procedimento é coerente com o sistema de custas processuais.
A existência de tal crédito não depende do envio de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nem tão-pouco de um pagamento da taxa de justiça pela parte vencedora. O mesmo nasce da verificação dos elementos da previsão nº 7 do art. 26º do RCP: o primeiro, a existência de uma parte vencedora que é beneficiária de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e, o segundo, o pagamento de custas de parte (leia-se, taxa de justiça) pagas pela parte vencida.
Além de que há uma obrigação que a lei faz impender sobre a secretaria de processar a conta nela indicando, nomeadamente, os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável [alínea f) do nº 3 do artigo 30º do RCP]. E um dos montantes a pagar é aquele que resulta do nº 7 do art. 26º do RCP, de acordo com o qual a parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. deve um montante equivalente às «taxas de justiça pagas».
Por último, este entendimento não contende com o nº 1 do artigo 30º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, que estabelece que “[a]s custas de parte não se incluem na conta de custas”. Com efeito não estamos perante meras custas de parte, mas antes perante um crédito devido ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. nascido ao abrigo do nº 7 do artigo 26º do RCP.
Este procedimento permite ainda ultrapassar a dificuldade relativa à não intervenção do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. em cada um dos processos em que teria direito ao crédito equivalente à «taxa de justiça paga» pela parte vencida, e em que não é notificado da sentença proferida por forma a solicitar, processo a processo, os créditos que lhe são devidos.
A diferença entre os beneficiários deste crédito justifica a diferença de tratamento na forma da sua liquidação, inexistindo, em razão dessa diferença, uma violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, tratando de forma diferente o que é diferente.
Face ao acima exposto, a conta reclamada não merece censura e deve manter-se nos seus precisos termos.
[…]”.
1.3. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional (doravante designada por “LTC”), com vista à apreciação da (in)constitucionalidade do artigo 26.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação segundo a qual “será de admitir, com fundamento na mesma, que o valor de custas de parte devidas à parte vencedora da lide processual, que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário, e posteriormente a reverter para o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., possa entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria”, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP (cfr. fls. 93).
1.3.1. O recurso foi admitido por despacho de 30/06/2020 (cfr. fls. 115).
1.3.2. Convidado para o efeito, por despacho de fls. 117 e 118, o Ministério Público aperfeiçoou o requerimento de interposição de recurso (cfr. artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC) e indicou outros preceitos legais que integram o arco normativo de que resulta a interpretação normativa sindicada, referindo o seguinte:
“[…]
Ora, vendo a decisão recorrida, parece-nos que a interpretação referida convoca, para além do nº 7 do artigo 26º do Regulamento das Custas Processuais, o artigo 30.º, n.º 3, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais e o artigo 30º, nº 1, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, devendo, pois, estas duas disposições integrar o objeto do recurso.
[…]” (cfr. fls. 120 e 1212).
1.3.3. Por despacho de fls. 123, foi concedido prazo para alegações, conformando-se o objeto do recurso, na sequência do aperfeiçoamento do Ministério Público, como sendo a norma contida no artigo 26.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, em conjugação com o artigo 30.º, n.º 3, alínea f), do mesmo diploma, e com o artigo 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, no sentido de que “será de admitir, com fundamento na mesma, que o valor de custas de parte devidas à parte vencedora da lide processual, que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário, e posteriormente a reverter para o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, possa entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria”.
1.3.4. O Ministério Público apresentou alegações, pugnando pelo julgamento no sentido da inconstitucionalidade da interpretação normativa objeto do recurso com os fundamentos que constam de fls. 125 a 161.
1.3.4. A Recorrida não contra-alegou.
**
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2. O thema decidendum do presente recurso consiste – na sequência da delimitação traçada anteriormente pelo Ministério Público (cfr. ponto 1.3.2. supra) – na apreciação da constitucionalidade da interpretação normativa sustentada nos artigos 26.º, n.º 7, e 30.º, n.º 3, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais, em conjugação com o artigo 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, segundo a qual é admissível “que o valor de custas de parte devidas à parte vencedora da lide processual, que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário, e posteriormente a reverter para o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, possa entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria.”
Na decisão recorrida, prolatada na sequência da reclamação da conta de custas que abrangia o crédito a favor do IGFEJ, I.P., – a suportar pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade de parte vencida no incidente de oposição à execução fiscal, em que a Executada/Oponente era beneficiária de apoio judiciário, na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça de demais encargos –, o Tribunal a quo decidiu que a conta foi regularmente elaborada, uma vez que que a constituição daquele crédito não dependia do envio de nota discriminativa e justificativa de custas de parte pelo IGFEJ, I.P., constituindo-se ope legis (artigo 26.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais), com a verificação dos elementos estatuídos na previsão do preceito.
O Tribunal a quo infere uma unidade de sentido dos n.ºs 6 e 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, os quais se posicionam em vértices opostos, consoante a parte vencedora seja ou não beneficiária de apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e demais encargos: o n.º 6 prevê que o IGFEG, I.P., é responsável pelo reembolso da taxa de justiça paga pela parte vencedora, quando a parte vencida seja o Ministério Público ou o beneficiário de apoio judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça e demais encargos; e o n.º 7, em sentido inverso, consagra aquela mesma entidade pública como beneficiária das custas de parte devidas pela parte vencida (que se reportam apenas à taxa de justiça paga) quando a parte vencedora seja beneficiária de apoio judiciário.
Quando o IGFEJ, I.P., assume a posição de devedor (n.º 6 do artigo 26.º), não é necessário o envio de nota discriminativa de custas de parte, mas apenas a apresentação de requerimento no processo; quando aquela entidade pública assume a posição de credor (n.º 7 do artigo 26.º), o procedimento não passa, igualmente, pela apresentação de nota discriminativa, mas, sim, à luz do estatuído na alínea f) do n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais, pela liquidação através da conta de custas.
Conclui o Tribunal a quo que esta interpretação não colide com a disciplina prevista no n.º 1 do artigo 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, uma vez que estamos perante um crédito devido ao IGFEJ, I.P., e não perante custas de parte em sentido estrito, recorrendo ainda a um fundamento de ordem prática, que se prende com a impossibilidade prática de vir aquela entidade pública a todos e a cada processo em que se constituiria tal crédito, não sendo sequer notificada da sentença, solicitar esse reembolso.
Todavia, o Ministério Público, ora Recorrente, não comunga de tal interpretação, que reputa de violadora do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao impor um tratamento infundadamente distinto, no que respeita à forma da cobrança das custas de parte, consoante o vencedor da lide litigue, ou não, com benefício de apoio judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de taxa de justiça e demais encargos. Assim, se forem devidas custas de parte ao vencedor da lide, que não tenha pleiteado com esse benefício, o pagamento das mesmas depende do cumprimento do formalismo previsto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais, designadamente, da interpelação extrajudicial do vencido para o efeito. Contudo, gozando o vencedor de apoio judiciário, por efeito do n.º 7 do artigo 26.º do mesmo diploma, as custas de partes a suportar pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P., e, nesse caso, à luz da decisão recorrida, a liquidação e cobrança dos valores devidos ao vencido é realizada ex officio pela própria secretaria judicial, aquando da elaboração da conta de custas, nos termos dos artigos dos artigos 30.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento das Custas Processuais.
Com efeito, para o Ministério Público, a interpretação que o Tribunal a quo fez dos sobreditos preceitos legais acarreta uma diferenciação de tratamento entre beneficiários do crédito de custas de partes, consoante a parte vencedora na lide seja, ou não, beneficiária de apoio judiciário, que não é legitimada por qualquer fundamento objetivo e racional, antes proporcionando um tratamento discriminatório, contrário aos corolários ínsitos no princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
Os primordiais feixes argumentativos invocados pelo Ministério Público podem ser sintetizados pelos seguintes parágrafos das respetivas alegações:
“[…]
35º
Há, pois, aqui uma diferença de tratamento entre beneficiários do crédito, em função da sua qualidade, havendo, por isso, que determinar se tal diferença tem fundamento razoável, objetivo e racional que a legitime, ou se, pelo contrário, não estabelece uma distinção discriminatória, por outras palavras, uma desigualdade de tratamento materialmente não fundada.
Com efeito, no caso das custas de parte devidas ao vencedor que tenha litigado sem gozar do benefício do apoio judiciário, o pagamento das mesmas, pela parte vencida, é feito extra-processualmente, sem qualquer intervenção da secretaria e, muito menos, com a inclusão do valor das custas de parte na conta do processo.
Ao invés, na interpretação da decisão recorrida, se as custas de parte forem devidas ao IGFEJ, pelo facto de o vencedor gozar de benefício de apoio judiciário, então haverá intervenção da secretaria e inclusão do valor das custas de parte na conta do processo e isto ainda que não tenha havido lugar a pagamento prévio de taxa de justiça pela parte vencedora.
36º
Não se descortina, porém, a razão para uma tal diferença de regime.
A explicação dada pela digna magistrada judicial recorrida (cfr. supra nºs 12 e 25 das presentes alegações), parece assentar na ideia de que não estaremos, em bom rigor, como se viu, perante o pagamento de meras custas de parte, mas antes perante um crédito devido pela parte vencida ao IGFEJ, não dependendo tal crédito nem do envio de nota discriminativa justificativa de custas de parte, nem de um pagamento prévio da taxa de justiça pela parte vencedora.
Todavia, para além de não ser claro o raciocínio que conclui estarmos subitamente perante um crédito, em vez de meras custas de parte, nos termos do art. 30º, nº 1, da Portaria 419-A/2009, de 17 de abril, «as custas de parte não se incluem na conta de custas», pelo que a liquidação da conta parece, realmente, afrontar esta disposição legal.
37º
Acresce que, em termos de princípio constitucional da igualdade, a jurisprudência constitucional tem salientado (cfr. Acórdão 437/06) (destaques do signatário):
“O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e postula, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio (cfr. por todos acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de junho de 2003 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 56.º Vol., págs. 7 e segs.).”
38º
Ou, como igualmente referido no Acórdão 546/11, deste Tribunal Constitucional (destaques do signatário):
“[É] ponto assente que o nº 1 do artigo 13º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão nº 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo «racionais». O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do «merecimento» - isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face à ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador.”
39º
Ora, da leitura do despacho recorrido, não se compreende qual a justificação razoável que legitima uma diferença de regimes, como a proposta, relativamente ao pagamento de custas de parte, que, seguramente, não tem a ver com diferença de posição das partes no processo, que são, em qualquer dos casos, uma parte vencida e uma parte vencedora.
Nessa medida, o regime de tratamento deveria ser idêntico, quer a parte vencedora beneficiasse de apoio judiciário ou não, o mesmo se dizendo relativamente à parte vencida.
[…]”
Contudo, não lhe assiste razão.
2.1. Como supra se enfatizou, a interpretação normativa sindicada no presente recurso centra-se no n.º 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, mas projeta-se noutros preceitos legais, que também serviram de esteio à decisão recorrida. Por isso, diremos que o arco normativo em que radica a interpretação normativa em análise convoca os seguintes preceitos legais:
(i) O n.º 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, que, sob a epígrafe “Regime”, e inserido no Capítulo IV respeitante às Custas de Parte, prevê que “se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.”;
(ii) A alínea f) do n.º 3 do artigo 30.º do Regulamento das Custas Processuais, que, sob a epígrafe “Conta”, e inserido no Capítulo “Conta de Custas” do Título III “Liquidação, pagamento e execução das custas”, prevê que a “a conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, obedecendo aos seguintes critérios: (…) f) Indicação dos montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável; e
(iii) O n.º 1 do artigo 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades, que estabelece que as custas de parte não se incluem na conta de custas.
2.2. Sobre esta precisa dimensão normativa incidiu o recente Acórdão n.º 809/2021, desta Secção, que decidiu não julgar inconstitucional “a norma do n.º 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação segundo a qual o valor da taxa de justiça devido à parte vencedora da lide processual que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e posteriormente a reverter para o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., pode entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria”, aferindo a sua conformidade com o princípio da igualdade, enquanto parâmetro constitucional pretensamente violado.
Muito embora, nestes autos, o arco normativo que alicerça a interpretação normativa sindicada se projete também noutros preceitos legais, como acima enfatizámos, é inegável que o objeto do recurso é em tudo idêntico ao apreciado no Acórdão n.º 809/2021, assim como são em tudo idênticos os traços gerais do processado de ambos os processos, dado que as decisões recorridas foram proferidas pelo mesmo Tribunal a quo, bem como os recursos foram interpostos pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, no âmbito de incidentes de oposição à execução em que a parte vencedora (Executado/Oponente) beneficiava de apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento da taxa de justiça e demais encargos.
Cabem, por isso, na íntegra, as considerações tecidas por esta Secção do Tribunal Constitucional naquele aresto que se debruçou sobre interpretação normativa idêntica.
Após uma análise aprofundada sobre o regime de custas processuais vigente no processo civil (aplicável aos processos que correm nos tribunais administrativos e fiscais) e sobre as diversas dimensões do escopo de proteção do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), avultadamente tratadas na jurisprudência constitucional, lê-se o seguinte nesse aresto:
“[…]
8. Conforme referido, o Ministério Público nas suas alegações argumenta que, no caso dos autos, e de acordo com a norma sindicada, o facto de o valor das custas de parte – no caso, da taxa de justiça – que deveria ter sido adiantado pela parte vencedora da lide processual que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário (e posteriormente a reverter para o IGFEJ), poder entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria, representa um tratamento desigual no que respeita à forma de cobrança de custas de parte, uma vez que, no caso das custas de parte devidas ao vencedor que tenha litigado sem gozar do benefício do apoio judiciário, o pagamento das mesmas, pela parte vencida, é feito extra-processualmente, sem qualquer intervenção da secretaria e muito menos com a inclusão do valor das custas de parte na conta do processo. (cf. as conclusões 19 a 24).
Ainda segundo o Ministério Público, não existe justificação razoável que legitime uma tal diferença de regimes, que não tem a ver com a posição das partes do processo, que são, em qualquer dos casos, uma parte vencida e uma parte vencedora, razão pela qual o regime deveria ser idêntico. Conclui, por isso, que não se descortinando um fundamento racional bastante para a aludida diferença de tratamento, houve violação do princípio da igualdade (cf., em especial, as conclusões 27 a 29 das alegações).
Não existem dúvidas de o artigo 26.º, n.º 7, do RCP, na interpretação aplicada pelo tribunal a quo implica uma diferença de tratamento entre dois grupos de sujeitos.
Com efeito, no caso paralelo, em que as partes não beneficiam de apoio judiciário, na hipótese de estas pretenderem reclamar o pagamento de custas de parte, esse ressarcimento ocorre no âmbito do regime previsto nos artigos 533.º do CPC, 25.º e 26.º do RCP, do qual decorre que as custas de parte são objeto de nota discriminativa e justificativa e são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora.
Ora, de acordo com o artigo 26.º, n.º 7, do RCP, na interpretação adotada pela decisão recorrida, caso a parte vencedora tenha litigado com o benefício do apoio judiciário, o valor das custas de parte - mais concretamente, o valor de taxa de justiça a pagar pela parte vencida -, pode entrar em regra de custas e ser incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria. Ou seja, neste caso, tal valor não terá de ser objeto de nota discriminativa e justificativa a remeter para o tribunal e para a parte vencida (cf. artigo 533.º, n.º 3, do CPC, e 25.º, n.º 1, do RCP), sendo antes incluído na conta de custas elaborada pela secretaria, nos termos dos artigos 29.º e 30.º do RCP, e notificada, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, do mesmo RCP, à parte responsável para proceder ao respetivo pagamento.
Sendo de concluir que esta é uma solução diferente da que resulta do regime geral do pagamento das custas de parte, importa analisar se tal diferença não dispõe, conforme alega o Ministério Público, de um fundamento material razoável.
9. Em primeiro lugar, importa esclarecer que, contrariamente ao referido pelo Ministério Público, a situação em que o vencedor tenha litigado sem gozar do benefício do apoio judiciário (ou em que nenhuma das partes beneficie de apoio judiciário) não é idêntica à dos autos. Com efeito, a circunstância de, quanto à posição das partes do processo, se estar, em qualquer dos casos, perante uma parte vencida e uma parte vencedora, não basta para concluir pela identidade das situações.
Na verdade, conforme se referiu, este Tribunal já reconheceu que nos casos em que as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, nos termos do artigo 26.º, n.º 2, do RCP, sem mediação do Estado – assumindo a parte vencedora o ónus de reclamar esse pagamento, mediante entrega da nota justificativa e, na falta de pagamento voluntário, propor a correspondente ação executiva para cobrança coerciva dessas custas –, o risco de incumprimento é significativamente superior ao que subjaz às situações em que, beneficiando a parte vencida de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a parte vencedora é reembolsada, pelo IGFEJ, dos montantes avançados a título de taxa de justiça (cf., os mencionados Acórdãos n.ºs 2/2015 e 27/2015, em que se concluiu que o artigo 26.º, n.º 6, do RCP, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judiciário, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte, não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição).
No Acórdão n.º 27/2015, analisando a questão de saber «se existe fundamento material bastante ou justificação razoável para que a parte vencedora fique em situação diferenciada, no tocante ao direito ao reembolso das custas de parte, consoante se tenha ou não encontrado na contingência de ter litigado com quem beneficia de apoio judiciário», concluiu-se o seguinte:
«A este propósito cabe recordar que […] as custas de parte, incluindo as quantias pagas efetivamente a título de taxa de justiça ou outros encargos do processo e a compensação por despesas com honorários do mandatário judicial, são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, competindo ao interessado o ónus de remeter para o tribunal e a parte vencida a respetiva nota discriminativa e justificativa, após o trânsito em julgado da sentença (artigos 25.º e 26.º, n.º 2, do RCP).
Por outro lado, as custas de parte não integram a conta de custas a elaborar pela secretaria do tribunal, nem beneficiam do direito de retenção relativamente a quantias depositadas à ordem do tribunal, nem estão abrangidas pelo processo de execução de custas a instaurar pelo Ministério Público, cabendo à parte vencedora, em caso de incumprimento, intentar por iniciativa própria a competente ação executiva contra o responsável pelas custas (artigos 29.º, 34.º e 36.º, n.º 3, do RCP)
Neste condicionalismo, importa reconhecer que o vencedor que litigue contra quem não beneficie de apoio judiciário incorre também no risco de não obter a satisfação do crédito relativo a custas de parte quando não tenha lugar o pagamento voluntário e não subsistam bens penhoráveis suficientes que permitam a cobrança coerciva e, nessa eventualidade, está em situação menos favorável do que aquele se encontre na situação prevista no artigo 26.º, n.º 6, do RCP, que obtém, no mínimo, o reembolso das taxas de justiça (ainda que não da compensação de despesas com honorários do mandatário), que, nos termos dessa disposição, é necessariamente suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça.
E, em todo o caso, há que dizer que os sujeitos processuais em ação judicial para que tenha sido concedido apoio judiciário, como decorrência da garantia de acesso ao direito e aos tribunais, não se encontram em situação objetivamente equivalente à de outros litigantes que estejam pessoalmente sujeitos ao pagamento de custas processuais, justificando-se que possam ser introduzidos tratamentos diferenciados em matéria de tributação por razões de praticabilidade económica da administração da justiça e do sistema de proteção jurídica.
O que, aliás, também justifica que seja conferida legitimidade à parte contrária para a impugnação judicial da decisão final que tenha deferido ao requerente o pedido de apoio judiciário (artigo 26.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), o que tem como pressuposto que a concessão de apoio judiciário não seja inteiramente inócua do ponto de vista dos interesses processuais da contraparte.».
Por essa razão, concluiu este Tribunal que não se verificava a violação do princípio da igualdade relativamente à norma do n.º 6 do artigo 26.º do RCP, quando interpretada no sentido de que à parte vencedora, quando a parte vencida está dispensada do pagamento de taxa de justiça e encargos, apenas são devidos pelo IGFEJ os montantes despendidos a título de taxas de justiça, e não também a compensação legalmente prevista face às despesas com honorários do mandatário judicial.
No caso dos autos, entendeu-se que, tendo a parte vencedora da lide processual litigado com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a parte vencida deverá proceder ao pagamento do valor da taxa de justiça que a parte vencedora não pagou e que deveria pagar se não beneficiasse do apoio judiciário na referida modalidade, revertendo tal valor para o IGFEJ. Não competindo a este Tribunal, conforme referido, pronunciar-se sobre a questão de saber se o teor do artigo 26.º, n.º 7, do RCP comporta esta interpretação ou se mesma viola o disposto no artigo 30.º, nº 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, ter-se-á de concluir que, neste caso, a situação em causa comporta especificidades que poderão justificar um tratamento diferenciado.
Conforme salientou já este Tribunal (cf. os referidos Acórdãos n.ºs 2/2015 e 17/2015), a parte que litiga contra outra que beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, no caso de obter vencimento de causa – e, assim, ter direito, em sede de pagamento de custas de parte, ao reembolso do valor da taxa de justiça paga –, não está em posição idêntica à que estaria se a parte contrária não beneficiasse do referido apoio. Com efeito, nessa hipótese, a parte vencedora é reembolsada dos montantes avançados a título de taxa de justiça pelo IGFEJ, e não diretamente pela parte vencida, razão pela qual não está sujeita ao mesmo risco de não obter a satisfação do crédito relativo a tais montantes que os demais litigantes, que tenham de obter o referido reembolso da parte contrária. Aliás, é justamente por reconhecer a particularidade de tal situação que, conforme se salienta na decisão recorrida, Salvador da Costa considera que na hipótese prevista no n.º 6 do artigo 26.º do RCP, «a fim de ser reembolsada do que pagou de taxa de justiça, basta que a parte vencedora requeira ao juiz do processo a respetiva restituição e, decidido positivamente o pedido, seguem-se as diligências para o efeito necessárias da secretaria perante o IGFEJ, I.P.» (cf. As Custas Processuais – Análise e Comentário, 8.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 176).
Ora, na hipótese inversa, a que se reporta o n.º 7 do artigo 26.º do RCP, reconhecendo-se, como entende a decisão recorrida, que a parte vencida deverá proceder ao pagamento do valor da taxa de justiça que a parte vencedora não pagou e deveria pagar caso não beneficiasse do apoio judiciário na referida modalidade, revertendo tal valor para o IGFEJ, justifica-se igualmente que a exigência de pagamento desse valor não esteja sujeita ao regime geral, em que as custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, sem mediação do Estado, nos termos previstos no artigo 26.º, n.º 2, do RCP, assumindo a parte vencedora o ónus de reclamar esse pagamento, mediante nota justificativa (cf. o artigo 25.º do RCP).
Com efeito, a parte vencedora, que beneficiou de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – e que, por isso, não teve de adiantar qualquer valor a título de taxa de justiça –, não tem qualquer fundamento ou legitimidade para exigir o reembolso desse valor à parte vencida, no quadro do mecanismo das custas de parte.
Por outro lado, o IGFEJ, entidade a favor de quem reverte a taxa de justiça a pagar pela parte vencida, não é parte no processo, não se vislumbrando por isso fundamento para que possa exigir diretamente daquela o pagamento de tal valor, nos termos em que tal ocorreria entre partes processuais que não beneficiassem de apoio judiciário.
Acresce, conforme salienta a decisão recorrida, que o IGFEJ não tem intervenção direta no processo, o que faz com que seja extremamente difícil a tal entidade conhecer cada um dos processos em que tem direito a receber da parte vencida valor equivalente à «taxa de justiça paga». Por um lado, porque, conforme refere o tribunal a quo, aquele Instituto não é notificado da sentença proferida por forma a solicitar o valor em causa; por outro lado, porque mesmo que o fosse, a circunstância de não ter intervenção no processo enquanto parte, para além de fazer com que seja duvidosa a sua legitimidade para exigir diretamente da parte vencida o referido pagamento, torna igualmente difícil saber a partir de que momento poderia ser apresentada a correspondente nota justificativa e discriminativa, tendo em atenção o prazo para o efeito previsto no artigo 25.º, n.º 1, do RCP.
Nestas circunstâncias, o entendimento de que o valor da taxa de justiça devido à parte vencedora da lide processual que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e posteriormente a reverter para o IGFEJ, pode entrar em regra de custas e ser incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria, embora seja uma solução diferente do regime geral, tem não só um fundamento racional bastante, como se revela uma medida adequada à situação, sem que se vislumbre a existência de outra solução normativa que se mostre menos diferenciadora em face dos interesses em presença. De resto, relativamente a outras quantias que devam ser reembolsadas ao IGFEJ, já se prevê a sua inclusão na conta de custas (cf. artigos 16.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 3, alínea c), do RCP).
Assim, conclui-se que a norma sindicada não viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição ou qualquer outro parâmetro constitucional.
[…]”
2.3. Como se vê, a questão em causa nos presentes autos apresenta, como atrás já se disse, integral coincidência substancial com a que foi apreciada no Acórdão n.º 809/2021, a cujos fundamentos se adere. Tais fundamentos dão adequada resposta aos argumentos do Ministério Público, designadamente no confronto com o parâmetro previsto no artigo 13.º da CRP, não se prefigurando, no presente processo, especialidades que reclamem diferente apreciação ou ponderação.
III – Decisão
3. Pelo exposto decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 26.º, n.º 7, 30.º, n.º 3, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais, em conjugação com o artigo 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, interpretada no sentido de ser admissível que o valor de custas de parte devidas à parte vencedora da lide processual, que tenha litigado com o benefício do apoio judiciário, e posteriormente a reverter para o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, possa entrar em regra de custas e incluído como tal na conta de custas a liquidar pela secretaria;
e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa 9 de dezembro de 2021 – José João Abrantes – Pedro Machete – João Pedro Caupers
Atesto o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Teles Pereira e Maria Benedita Urbano.
José João Abrantes