ACÓRDÃO Nº 807/2021
Processo n.º 164/2020
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A., S.A. (o ora recorrente) impugnou, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, o ato de indeferimento de reclamação graciosa dirigida a atos de liquidação da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB) relativos aos exercícios de 2014 e 2015.
1.1. Por sentença de 30/10/2018, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação improcedente.
1.1.1. Desta decisão recorreu o impugnante para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
1.1.2. No STA, o recurso foi julgado improcedente, por decisão sumária de 16/09/2019, nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil.
1.2. O impugnante interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objeto as seguintes questões de inconstitucionalidade:
“[…]
[Tendo] sido notificado do douto acórdão proferido nos presentes autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), e para os efeitos do disposto no artigo 75.º-A da mesma Lei, com as redações que lhe foram dadas pelas Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
Nos presentes autos controverte-se a legalidade das autoliquidações da contribuição sobre o setor bancário datadas de 27 de junho de 2014 e de 29 de junho de 2015, efetuadas pelo Recorrente em cumprimento do regime criado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (cf. artigo 141.º), que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, em conjugação, respetivamente, com a Lei n.º 83- C/2014, de 31 de dezembro (cf. artigo 226.º), que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, e com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (cf. artigo 235.º), que aprovou o Orçamento do Estado para 2015.
2.º
Com efeito, não se conformando com as autoliquidações em apreço o Recorrente apresentou reclamação graciosa a qual foi indeferida, tendo o Recorrente deduzido impugnação judicial em 14 de setembro de 2016.
3.º
Em 30 de outubro de 2018 foi proferida sentença pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou improcedente a impugnação judicial.
4.º
Não se conformando com a referida sentença, o Recorrente interpôs o competente recurso, no qual, em linha com o argumentário aduzido na petição inicial de impugnação judicial e para o que ora releva, invocou a violação das seguintes normas e princípios constitucionais:
a) A interpretação do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2013, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2014, colide com o princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (cf. artigos 15.º a 95.º da p.i. e páginas 28 a 32 das alegações de recurso);
b) A interpretação do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2013, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2014, colide com o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio de Estado de Direito Democrático, consagrado do artigo 2.º da CRP (cf. artigos 96.º a 105.º da p.i. e páginas 32 e 34 das alegações de recurso);
c) A aplicação no caso concreto do disposto nos artigos 3.º, 4.º e 8.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada pela Lei n.º 83-C/2014, de 31 de dezembro (cf. artigo 226.º) e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (cf. artigo 235.º), e do disposto nos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pelas Portarias n.º 77/2012, de 26 de março, n.º 64/2014, de 12 de março, n.º 176-A/2015, de 12 de maio, colide com o princípio da legalidade fiscal, consagrado no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) e artigo 103.º, n.º 2, ambos da CRP (cf. artigos 207.º a 279.º da p.i. e páginas 19 a 22 das alegações de recurso);
d) A aplicação no caso concreto do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, conjugadamente com os artigos, 2.º, 3.º e 4.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, não cumpre com o critério da capacidade contributiva e revela-se desconforme com o princípio da igualdade fiscal, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade, consagrado no artigo 13.º da CRP (cf. artigos 280.º a 332.º da p.i. e páginas 23 a 24 das alegações de recurso); e
e) Por fim, aplicação no caso concreto do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, conjugadamente com os artigos, 2.º, 3.º e 4.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, viola o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP (cf. artigo 333.º a 367.º da p.i. e páginas 24 a 28 das alegações de recurso).
5.º
Em 16 de setembro de 2019 foi proferido acórdão que julgou improcedente o recurso interposto pelo Recorrente da supra referida sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 30 de outubro de 2018.
6.º
O douto acórdão recorrido aderiu na íntegra à fundamentação vertida nos recentes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.º 02340/13.0BEPRT, n.º 02135/15.6BEPRT, n.º 02132/14.9BELRS, n.º 0251114.0BEFUN, n.º 0837/15.6BELRS e n.º 03125/16.7BELRS.
7.º
À luz da mencionada jurisprudência, conclui-se no acórdão recorrido que "(...) a CES enquadra-se em tributo do tipo contribuição financeira e não ocorre ilegalidade por inconstitucionalidade orgânica e material, inclusive por violação de todos os princípios constitucionais postos em causa pelo recorrente." (cf. página 15 do acórdão recorrido).
8.º
Contudo, o Recorrente não se conforma com o decidido no douto acórdão recorrido, porquanto é manifestamente evidente a violação dos mesmos no caso vertente, razão pela qual o Recorrente interpõe o presente recurso.
9.º
Em face de todo o exposto, conclui-se que:
a) O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro;
b) A interpretação do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2013, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 3.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, nos termos da qual a contribuição sobre o setor bancário incide sobre os passivos e instrumentos financeiros do período de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2014, viola o princípio da não retroatividade da lei fiscal (cf artigo 103.º, n.º 3, da CRP) e o princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolário do princípio de Estado de Direito Democrático (cf. artigo 2.º da CRP);
c) A aplicação no caso concreto do disposto nos artigos 3.º, 4.º e 8.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada pela Lei n.º 83-C/2014, de 31 de dezembro (cf artigo 226.º) e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (cf artigo 235.º), e do disposto nos artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 121/2011, de 30 de março, alterada pelas Portarias n.º 77/2012, de 26 de março, n.º 64/2014, de 12 de março, n.º 176-A/2015, de 12 de maio, conforme defendida pelo Tribunal a quo viola o princípio da legalidade fiscal [cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea i) e artigo 103.º, n.º 2, ambos da CRP];
d) A aplicação no caso concreto do disposto no artigo 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, bem como do disposto no artigo 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, conjugadamente com os artigos, 2.º, 3.º e 4.º do regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, conforme defendida pelo Tribunal a quo, viola o princípio da igualdade fiscal, nas suas vertentes de universalidade e uniformidade (cf. artigo 13.º da CRP), e o princípio da equivalência (cf. artigo 13.º da CRP);
e) Assim, a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada incide sobre o regime da contribuição sobre o setor bancário, aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, em concreto e como resulta das alíneas supra, dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 8.º do regime, conjugados com os artigos 226.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e 235.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que prorrogaram a vigência do referido regime para os anos de 2014 e 2015;
f) A violação dos referidos princípios constitucionais foi invocada pela Recorrente na petição inicial e nas alegações de recurso;
g) O Tribunal a quo decidiu pela não violação dos referidos princípios constitucionais, julgando improcedente o recurso.
[…]”.
1.2.1. O recurso foi admitido no STA, com efeito devolutivo.
1.2.2. No Tribunal Constitucional, o relator determinou a notificação das partes para alegarem. A recorrente apresentou alegações.
1.2.3. Após a apresentação das alegações, o relator proferiu despacho com o seguinte teor:
“[…]
Durante a preparação do acórdão, verificou-se que, apesar de o recorrente fazer menção, no requerimento de interposição do recurso, ao “acórdão recorrido”, a decisão recorrida não é um acórdão, mas sim uma decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 281.º e 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cfr. ponto 7. da decisão recorrida, de 16/09/2019).
Interposto recurso de uma decisão sumária, suscetível de reclamação para a conferência, poderá, eventualmente, o Pleno da 1.ª Secção ponderar o não conhecimento do objeto do recurso, em virtude de ter por objeto decisão não definitiva (cfr. artigo 70.º, n.os 2 e 3, da LTC).
Perspetivando-se a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso com o sobredito fundamento, dele se dá conhecimento ao recorrente, para, querendo, sobre ele se pronunciar, no prazo de 10 dias (cfr. artigos 69.º da LTC e 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
[…]”.
1.2.4. Notificado deste despacho, o recorrente veio dizer o seguinte:
“[…]
8.º
No entanto, no n.º 4 daquele artigo 70.º da LTC, consagra um desvio ao referido princípio da exaustão das instâncias, admitindo que o recorrente renuncie ao recurso ordinário.
9.º
Assim, nos termos conjugados do n.º 2 e do n.º 4 do artigo 70.º da LTC, se o recorrente decidir não interpor recurso ordinário, a decisão considera-se definitiva para efeitos do recurso de constitucionalidade.
10.º
Desta forma, ou seja, renunciando ou abstendo-se o recorrente de interpor recurso ordinário, a decisão recorrida não poderá ser alterada, inexistindo assim qualquer possibilidade de perda de utilidade do recurso de constitucionalidade.
11.º
Porém, a LTC não concretiza a forma de exercer o direito de desistir do recurso (no qual se inclui a reclamação para a conferência).
12.º
Deverá assim recorrer-se ao disposto no artigo 632.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, o qual refere que “A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.” (sublinhado nosso).
13.º
No caso vertente, a interposição do recurso de constitucionalidade constitui inequivocamente um “facto incompatível com a vontade de recorrer”, pelo que se verificou efetivamente uma renúncia à reclamação para a conferência por parte do Recorrente, a qual teve por virtualidade a conversão da decisão sumária em decisão definitiva, nos termos e para os efeitos o disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, da LTC.
14.º
E nem sequer se diga, salvo o devido respeito, que o Recorrente deveria ter aguardado pelo decurso do prazo para a reclamação para a conferência.
15.º
Em primeiro lugar, o artigo 632.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, prevê o direito de renúncia antecipada ao recurso.
16.º
Este preceito legal prevê, no entanto, que o exercício do direito de renúncia antecipada só se tornará efetivo se provier de ambas as partes.
17.º
Quer isto dizer que, quando uma das partes renúncia antecipadamente ao direito de recorrer, tal renúncia é subordinada à condição de a parte contrária também renunciar.
18.º
Contudo, esta exigência de uma renúncia de ambas as partes para efetivação do direito de renúncia antecipada, só tem lugar quando ambas as partes decaem, porque se uma das partes for vencedora (na totalidade) a renúncia antecipada pela parte perdedora deixa de estar condicionada à renúncia da parte vencedora.
19.º
Isto porque, a parte vencedora não tem direito de recurso, logo não poderá renunciar a um direito que não tem (cf. neste sentido, veja-se a posição de Heitor Martins a que Alberto dos Reis faz apelo no Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 3.ª edição – Reimpressão, janeiro de 2012, p. 278).
20.º
No caso vertente, como acima referido, o Recorrente renunciou antecipadamente ao seu direito de reclamação para a conferência, renúncia esta que é plenamente válida.
21.º
Em segundo lugar, acresce que, por “renúncia” (cf. artigo 70.º, n.º 4, da LTC) ou por “facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer” (cf. artigo 632.º, n.º 3, do CPC) não pode unicamente entender-se o decurso do prazo para o Recorrente lançar mão da reclamação para a conferência.
22.º
Com efeito, uma tal interpretação constitui uma restrição desproporcionada ao âmbito e propósito dos citados preceitos legais.
23.º
No que respeita à interpretação restritiva, Batista Machado ensina que, se “(…) o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva.” (cf. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 186).
24.º
Na verdade e atendendo à ratio legis do artigo 70.º, n.º 2 e n.º 4 da LTC, se aquilo que se pretende acautelar é que a decisão recorrida constitua a “última palavra” no processo, assegurando a utilidade do recurso de constitucionalidade, a circunstância de o Recorrente se abster de reclamar para a conferência, interpondo de imediato o presente recurso de constitucionalidade, transmite de forma clara e inequívoca que o Recorrente se conformou com a decisão e que tal decisão constitui de facto a “última palavra”.
25.º
Assim, do quanto vem exposto, conclui-se que, ao não ter sido apresentada reclamação para a conferência da decisão sumária, conforme possibilidade consagrada no artigo 70.º, n.º 4, da LTC, a decisão objeto do presente recurso converteu-se em definitiva, para efeitos do artigo 70.º, n.º 2, da LTC.
26.º
Acresce que, a exigência do decurso do prazo para a reclamação para a conferência, enquanto requisito de renúncia a este meio contencioso, como acima se aventou, sempre colidiria com o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
27.º
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH qualquer pessoa tem direito a que a sua pretensão seja analisada por um tribunal independente e imparcial.
28.º
Embora tal direito não seja absoluto, mas sujeito à regulamentação do Estado, tal regulamentação, no entanto, no que respeita desde logo aos prazos legais e formalismos processuais, não pode constituir um entrave ao acesso aos tribunais e à interposição de recurso.
29.º
Em anotação a este preceito da CEDH, refere IreneU Barreto que não satisfaz os imperativos deste número “(…) quando as limitações à interposição de um recurso são de tal ordem que atinjam a própria substância deste direito, impedindo o seu exercício concreto (…)”, acrescentando que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “(…) sublinha a importância da previsibilidade das restrições , da proporcionalidade das mesmas (…)” (cf. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 6.ª edição revista e atualizada, Almedina, 2020; sublinhado nosso).
30.º
A exigência do decurso do prazo para a reclamação para a conferência, quando o Recorrente já manifestou a intenção inequívoca de não reclamar para a conferência e de se conformar com a decisão sumária, não encontra justificação na boa administração da justiça, nem na segurança jurídica, revelando-se, na verdade, um excesso de formalismo, desproporcional e lesivo dos direitos do Recorrente.
31.º
De facto, não pode deixar de se considerar que tal exigência, quando a conduta do Recorrente é inequívoca quanto à vontade de se conformar com a decisão sumária e de recorrer para o Tribunal Constitucional quanto ao julgamento aí vertido, é manifestamente desproporcional e limitadora do seu direito a um processo equitativo.
32.º
Sem prejuízo do exposto, acresce referir que a reclamação para a conferência no presente processo sempre configuraria um expediente processual desnecessário e com efeito dilatório.
33.º
Senão veja-se:
Na decisão objeto do presente recurso aderiu-se ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.09.2019, proferido no processo n.º 02340/13.0BELRS, sublinhando-se que “A fundamentação adotada no dito acórdão, ainda que referente à CES de 2011, foi não só mantida como alargada relativa à CES dos anos posteriores até 2015, o que ocorreu por sucessivos acórdãos do STA (…)”.
34.º
O supra identificado acórdão foi proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
35.º
Trata-se do primeiro acórdão em que o Supremo Tribunal Administrativo se debruçou sobre a natureza jurídica da CSB, bem como, sobre a compatibilidade do regime jurídico da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB) com a Constituição da República Portuguesa (CRP).
36.º
A jurisprudência resultante daquele acórdão tem sido reiterada de forma unânime pelo Supremo Tribunal Administrativo, como resulta, desde logo, da decisão objeto de recurso, ao enunciar os acórdãos posteriores que incidiram sobre o tributo autoliquidado nos anos de 2012 a 2014.
37.º
Tal entendimento tem sido seguido de forma unânime e reiterada também pelos tribunais de primeira instância.
38.º
Quer isto significar que, face a esta corrente jurisprudencial unânime, uma eventual reclamação para a conferência sempre consubstanciaria um expediente processual sem outro alcance senão o de ratificação da primitiva decisão.
39.º
Efetivamente, a reclamação para a conferência teria, a final, um efeito dilatório na realização da justiça.
40.º
Temos assim que a decisão objeto do presente recurso sempre configura a “última palavra” no processo.
41.º
Pelo que, também com este fundamento, não pode deixar de qualificar-se como definitiva a decisão objeto do presente recurso.
42.º
Por fim, acresce referir que, entendimento diverso sempre colidiria com o disposto no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, nos termos do qual “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.” (sublinhado nosso).
43.º
A lei não fornece uma definição de “prazo razoável” para este efeito, pelo que este conceito deverá ser aferido caso a caso, tendo em conta a data de entrada do processo e a data da decisão final, relevando a complexidade e o comportamento das partes.
44.º
Ora, a exigência de que o Recorrente lance mão de um expediente processual desnecessário, porquanto não conduzirá à alteração da decisão sumária, já fundamentada numa corrente jurisprudencial unânime e consolidada no ordenamento jurídico, conduz de forma inequívoca a um atraso de meses ou anos na obtenção de uma decisão final.
45.º
Embora, como referido, o “prazo razoável” não possa ser aferido em abstrato, ou seja, em função do decurso de meses ou anos, a verdade é que, qualquer atraso, causado pelo recurso a um expediente processual meramente formal e desnecessário para a decisão da causa, consubstancia um atraso desrazoável e, por essa razão, uma violação ao princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e à obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável (cf. artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 da CRP).
46.º
De referir que, tal constitui ainda uma violação ao supra invocado direito a um processo equitativo, conforme consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, o qual também visa assegurar a obtenção de uma decisão em prazo razoável.
47.º
Assim, em face de todo o exposto, conclui-se que a decisão objeto de recurso constitui uma decisão definitiva, para efeitos do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, razão pela qual, deverá conhecer-se do objeto do presente recurso.
[…]” (sublinhados acrescentados).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. O recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade de um conjunto de normas do regime da CSB.
Perspetiva-se, todavia, a questão prévia do não conhecimento do objeto do recurso (cfr. itens 1.2.3. e 1.2.4., supra).
A decisão recorrida não é um acórdão, mas sim uma decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 281.º e 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cfr. ponto 7. da decisão recorrida, de 16/09/2019). Trata-se, pois, de decisão suscetível de reclamação para a conferência (artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos do n.º 2 do referido artigo, “os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência”, acrescentando o n.º 3 que “são equiparadas a recursos ordinários as […] reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência”.
Assim, “como tem entendido a jurisprudência do Tribunal Constitucional, consagra-se aqui um conceito amplo de recurso ordinário, no qual se incluem todos os normais meios impugnatórios consentidos pelo ordenamento processual em questão – e que, nesse regime adjetivo, poderão nem sequer ser tecnicamente configurados como ‘recursos’ –, designadamente as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores dos despachos de não admissão ou de retenção de recurso, (cfr., os Acórdãos n.ºs 571/2006 e 58l/2006) e as reclamações para a conferência das decisões proferidas pelos relatores no exercício das competências próprias. Neste último caso, tem o Tribunal Constitucional entendido, de forma reiterada, que a decisão do relator proferida no âmbito da tramitação do recurso nos tribunais superiores não constitui uma decisão ‘definitiva’, implicando o ónus de o recorrente a impugnar mediante reclamação para a conferência e, só depois de esgotado este meio impugnatório, recorrer então para o Tribunal Constitucional, por só ser passível de recurso de constitucionalidade a decisão colegial do tribunal superior (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 216/2000, 556/2000, 251/2002, 38/2005, 341/2008, 392/2008 e 82/2009. (…) Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, este entendimento assenta na natureza coletiva dos tribunais superiores, na medida em que «em regra, as decisões definitivas são tomadas pelo próprio órgão jurisdicional coletivo, e não singularmente pelos juízes que o compõem» (cf. Acórdão n.º 517/94). Daí que os despachos do relator que não sejam de mero expediente possam sempre ser objeto de reclamação para a conferência, de forma a que sobre a matéria objeto de tal despacho recaia acórdão, obtendo-se assim, por via de tal reclamação, um acórdão recorrível (cf. a alínea b) do n.º 5 do artigo 652.º do CPC). Significa isto que o despacho do relator, é apenas reclamável e não recorrível. Isto é, sendo tal despacho passível de revisão pela conferência, o mesmo não constitui decisão definitiva, da qual caiba imediato recurso” (Acórdão n.º 723/2019).
Afirma o recorrente, em suma, que, ao interpor recurso para o Tribunal Constitucional, renunciou tacitamente ao direito a reclamar para a conferência.
Não lhe assiste razão.
O recorrente foi notificado da decisão sumária do STA, através de notificação eletrónica remetida em 18/09/2019 (quarta-feira), considerando-se notificado no dia 23/09/2019 (segunda-feira). Apresentou o recurso para o Tribunal Constitucional em 02/10/2019, ou seja, quando ainda decorria o prazo para a reclamação para a conferência (o que, de resto, o recorrente não contesta).
Não tendo renunciado expressamente ao direito de reclamar para a conferência, deve entender-se que “[…] a mera interposição de recurso quando ainda estava a decorrer o prazo para deduzir o meio impugnatório ordinário não vale como facto concludente inequívoco da vontade de não o utilizar, o que tem levado a considerar inadmissível a ‘antecipada’ interposição de recurso de fiscalização concreta sem que a parte expressamente “renuncie” ao recurso ordinário possível” (cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, p. 123), entendimento que o Tribunal tem vindo a reiterar – cfr., entre outros, os Acórdãos n.os 105/2003, 18/2004, 153/2008, 427/2008, 76/2009, 688/2016, 418/2018 e 207/2019. Importa notar que entendimento contrário tornaria praticamente irrelevante o requisito da definitividade da decisão, pois qualquer recurso de uma decisão não definitiva passaria a ser entendido, sem mais, como renúncia ao direito ao recurso (ou à reclamação para a conferência).
Ao contrário do que afirma o recorrente, a interpretação em causa não constitui qualquer restrição desproporcionada de direitos processuais, nem viola o direito a um processo equitativo. Não só o requisito da definitividade da decisão é coerente com a função do Tribunal Constitucional no sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, como a imposição alternativa de (a) renunciar expressamente à impugnação ou (b) renunciar tacitamente à impugnação, deixando decorrer o prazo e interpor recurso após o esgotamento do prazo (cfr. Carlos Lopes do Rego, ob. cit., p. 124) não constitui qualquer ónus especialmente gravoso.
Por fim, nem a reclamação para a conferência, sendo um meio normal de impugnação, se pode considerar, por si mesma, inútil, independentemente do sentido da decisão, nem o aumento da duração do processo daí adveniente assume uma dimensão que lhe confira relevância enquanto restrição do direito a uma decisão em prazo razoável.
Em face do exposto, impõe-se a decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por ter por objeto decisão não definitiva (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
III – Decisão
3. Face ao exposto, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto pelo recorrente A., S.A..
3.1. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 Unidades de Conta (artigos 6.º, n.º 3, e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro).
Lisboa, 26 de outubro de 2021 - José Teles Pereira - Pedro Machete - José João Abrantes - João Pedro Caupers
O relator atesta o voto de conformidade ao presente acórdão da Conselheira Maria Benedita Urbano, que participa por meios telemáticos.
José Teles Pereira