ACÓRDÃO Nº 675/2021
Processo n.º 1046/2020
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I - Relatório
1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, A., Lda. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido em 16 de abril de 2020 no Tribunal Central Administrativo Sul, que negou provimento ao recurso pela mesma interposto, mantendo a sentença proferida, em 13 de janeiro de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual, por seu turno, julgou procedente a invocada exceção da intempestividade da interposição da ação de contencioso pré-contratual instaurada contra o Ministério da Defesa Nacional e B. Lda. (adiante designada B.), absolvendo-os da instância.
Por inconformada com a decisão proferida no Tribunal Central Administrativo Sul e aqui recorrida, a ora recorrente interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, fundado no artigo 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).
Em sede de apreciação preliminar sumária, por acórdão de 9 de julho de 2020, foi decidido não admitir o recurso por não se verificarem os respetivos pressupostos. Nesta sequência, a recorrente apresentou requerimento de arguição de nulidades, invocando a falta de fundamentação do aresto, por ser obscuro e ambíguo, e a omissão do conhecimento de questões de que deveria conhecer, de acordo com o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.
Tendo sido indeferidas aquelas nulidades por acórdão de 15 de outubro de 2020, a recorrente interpôs o presente recurso de constitucionalidade, o qual mereceu admissão em despacho de 5 de novembro de 2020.
2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente delimitou o objeto respetivo nos seguintes termos:
«(…) A interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, do CPTA, e artigo 279.º, alíneas b) e c), do Código Civil, nos termos da qual, no âmbito da jurisdição administrativa, os prazos de impugnação dos atos administrativos pré-contratuais incluem, na sua contagem, o próprio dia do evento que lhes dá início.
(…) Esta interpretação viola os seguintes parâmetros constitucionais: princípios da igualdade, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsitos nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.os 3 e 4 da CRP.
(…) A interpretação normativa extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.
(…) Esta interpretação viola os seguintes parâmetros constitucionais: princípios da igualdade, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, garantidos nos artigos 13.º, 20.º e 268.º, n.os 3 e 4 da CRP.»
3. Subidos os autos a este tribunal foi proferido despacho nos termos do artigo 79.º, n.º 1, da LTC, determinando a apresentação de alegações, com delimitação do objeto do recurso à interpretação normativa extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do Código Civil (CC), segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito, por ter sido este o único critério normativo que o tribunal a quo adotou como a ratio decidendi da decisão recorrida.
Nesta sequência, veio a recorrente apresentar as suas alegações, que conclui nos seguintes moldes:
« I. O presente recurso versa sobre as razões pela quais se deve considerar INCONSTITUCIONAL a interpretação normativa extraída dos artigos 58.° n.° 2, 59.°, n.°s 1 e 2 e 101.°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugados com o artigo 279.° do Código Civil (CC), segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação, em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.°, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.
II. Tal interpretação determina que a remissão operada, neste contexto, pelo CPTA, para as regras de contagem de prazos consagradas no artigo 279.° do Código Civil, convoque a aplicação APENAS da alínea c) deste normativo, "dispensando "a aplicação da alínea b), porquanto, alegadamente, já acautela a situação que esta norma visa proteger, tendo ínsita na sua previsão a desconsideração do dia do evento.
III. Esta foi a ratio decidendi da decisão tomada por Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, que determinou a interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional.
IV. A questão em apreço tem relevância Constitucional, porquanto as consequências de tal interpretação são extremamente gravosas no que à certeza e segurança jurídicas diz respeito, dado que as normas em causa reportam ao modo de contagem de um prazo, e, com maior relevância ainda, de um prazo de caducidade do exercício de direitos: concretamente, o direito de ação em juízo.
V. Não se trata de colocar em causa tal prazo - o prazo de um mês consagrado no artigo 101.° do CPTA - mas antes de compreender e definir, com certeza e segurança, as regras da sua contagem, i.e., os seus termos inicial e final.
VI. Tanto mais que, no contexto dos prazos de impugnação de atos administrativos, consagrados, para a generalidade dos atos administrativos, no artigo 58.° do CPTA - prevendo-se o prazo geral e regra de 3 meses para o efeito - o artigo 101.°, situando-se no âmbito do contencioso pré-contratual, enquadra- se na tramitação dos "processos urgentes" (cf. artigos 36.° n.°l c) e 97°. n.° 1 c), ambos do CPTA).
VII. Prevendo, por isso mesmo, um prazo impugnatório substancialmente mais curto - de apenas 1 mês - para a impugnação dos atos previstos no artigo 100.° do CPTA.
VIII. Não é exata a menção, constante do Acórdão recorrido, à jurisprudência maioritária que, alegadamente, acompanharia a interpretação normativa aí propugnada.
IX. Sendo disso exemplo o Acórdão proferido no processo n.° 985/19.3BELSB, pelo próprio TCA Sul, a 16.01.2020, no qual adotou posição oposta à vertida no Acórdão recorrido.
X. E não o é, sobretudo, desde a entrada em vigor da alteração de 2015 ao CPTA (por via do Decreto-Lei n.° 214-G2015, de 02.10), por via da qual se consagrou, precisamente, a remissão do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA para o artigo 279.° do CC.
XI. Na verdade, a jurisprudência maioritária, a que alude o Acórdão recorrido, existiu e teve o seu predomínio ao abrigo da LPT A, que previa, igualmente, um prazo de caducidade para o exercício do direito da ação impugnatória de atos administrativos (cf. artigo 28.° da LPT A, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de julho).
XII. No contexto de nova e diferente legislação, a partir de 2002 - o CPTA (aprovado pela Lei n.° 15/2002, de 22.02) - imbuída de um novo espírito, menos arreigado ao contencioso de estrita anulação de atos e antes abonando a favor da plena jurisdição e da tutela jurisdicional efetiva, veio ser, necessariamente outra a posição dos nossos Tribunais.
XIII. E sempre existiu, mesmo aquando da vigência da LPTA, doutrina e jurisprudência - inclusivamente do Supremo Tribunal Administrativo - em abono da forma de contagem do prazo sustentada pela ora Recorrente, ou seja, a favor da aplicação cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil, ao prazo de caducidade de direito de ação então previsto no artigo 28.° da LPTA
XIV. A título de mero exemplo, vejam-se os Acórdãos de 27 de janeiro de 1987, do nosso Supremo Tribunal Administrativo, proferidos no âmbito dos recursos n.° 24351 e n.° 24105.
XV. Após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 214- G/2015, de 02.10, não quedam dúvidas de que a interpretação normativa que sustenta a aplicação autónoma e cumulativa das alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil na contagem do prazo de impugnação de atos administrativos, seja no contencioso impugnatório urgente, seja no não urgente, é, na ótica da Recorrente, a única conforme à lei e à Constituição.
XVI. Num domínio tão relevante como o da contratação pública acima referida, em que são conhecidas a complexidade dos processos, a extensa documentação que compõe e integra os processos administrativos na tramitação pré- contratual, bem como o interesse público e os interesses comerciais e económicos em presença, é de suma importância que as regras e os prazos de impugnação dos atos praticados sejam claras e inequívocas.
XVII. A consequência de uma interpretação normativa como a que se extrai do Acórdão recorrido redunda na preclusão da possibilidade definitiva de exercício de ação e de, por essa via, de vir a obter uma apreciação de mérito relativamente aos atos praticados pelo júri/entidade adjudicante no contexto procedimento.
XVIII.A questão colocada à douta análise deste Tribunal Constitucional assume relevância jurídica transversal, nomeadamente porque a questão da aplicação cumulativa ou disjuntiva das alíneas b) e c) do artigo 279.° do CC tem relevância em todas as áreas do Direito, sendo, no entanto, naquelas em que o cidadão aparece numa posição mais frágil ou de desigualdade perante o Estado que mais fere a sensibilidade jurídica que a alínea c) seja a única convocada, por, alegadamente, já "incluir" a alínea b).
XIX. Se assim fosse - se a alínea c) já acautelasse a situação que a alínea b) visa proteger - a consequência não seria a da caducidade do exercício de direitos.
XX. Consequência que, se nos fere quanto à questão da caducidade do direito de agir em juízo na situação prevista no artigo 101.° do CPTA, mais chocará quando esteja em causa o prazo de seis meses para o exercício do direito de apresentar queixa—crime (cf. Acórdão do STJ de 18 de abril de 2012, proferido no âmbito do Processo n.° 148/07.0TAMBR.B1-B.S1).
XXI. A remissão operada pelo artigo 101.° do CPTA não resolve a questão relativa ao modo de contagem do prazo de um mês, pois restringe-se ao número 3, e não aos demais números (nomeadamente o n.° 2) do artigo 58.° do CPTA.
XXII. Relativamente a este ponto, acompanha-se, porém, o Acórdão recorrido, tomando por boa a solução interpretativa de recurso à remissão operada pelo artigo 91° do CPTA para, por essa via, se chegar à norma contida no n.° 2 do artigo 58.°.
XXIII. Este caminho não linear - antes indireto e sinuoso - por via do qual se culminará, como veremos, na norma contida no artigo 219° do Código Civil, não abona a favor da certeza e da segurança jurídicas que se almejam quando estão em causa prazos, sobretudo de caducidade do exercício de direitos.
XXIV. A interpretação que aqui se defende, por ser aquela que, à luz dos argumentos literal, teleológico e sistemático, bem como do princípio da unidade do sistema jurídico, é a única conforme à lei e à Constituição, é a de que o prazo de um mês, previsto no artigo 101.° do CPTA, para a instauração dos processos de contencioso pré-contratual, conta-se nos termos do artigo 279.° do CC, determinando a aplicação das alíneas b) e c) deste normativo.
XXV. Ou seja, na contagem deste prazo, não se inclui o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a correr (alínea b)) e o prazo termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data; se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês {alínea c)):
XXVI. "Essa data", de acordo com a interpretação propugnada pela ora Recorrente, é o dia imediatamente subsequente ao dia da notificação do ato administrativo que, por via do processo de contencioso pré-contratual, se visa impugnar.
XXVII. As normas contidas nas alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil aplicam-se cumulativamente à contagem do prazo previsto no artigo 101.° do CPTA.
XXVIII. Há que considerar o argumento histórico, de evolução do quadro legislativo e do enquadramento normativo da questão, dado que, desde a alteração ao CPTA de 2015, e no caso dos prazos impugnatórios previstos no artigo 101.° e no artigo 38.° do CPTA, estamos perante prazos de caducidade do direito de ação (em juízo), o que é aceite pelo Acórdão Recorrido e pacífico também na ótica da Recorrente.
XXIX. Tal implica que na contagem do mesmo não se considerem quaisquer figuras próprias da contagem dos prazos processuais, tais como as dilações, as suspensões em período de férias judiciais ou a possibilidade de praticar o ato num dos três dias de multa subsequentes ao fim do prazo.
XXX. E daí que a norma a aplicar seja, a final, a constante do artigo 279.° do CC e não, como chegou a suceder na redação originária, dada pelo CPTA em 2002 ao artigo 58.° do CPTA, os artigos 144.° e 145.° do Código de Processo Civil (CPC).
XXXI. Até à revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10, ou seja, durante mais de 10 anos, os prazos de caducidade do direito de ação contaram-se nos termos da lei processual civil, suspendendo-se, por exemplo, nas férias judiciais.
XXXII. Não repugnando, à data, que o prazo de 3 meses para a impugnação de atos administrativos, previsto, desde a redação originária do CPTA, no artigo 58.°, ou o prazo de 1 mês, previsto, também desde a versão inicial do CPTA, no artigo 101.°, se "transformassem" em prazos muito superiores, por força da sobredita suspensão em férias judiciais.
XXXIII. No domínio da LPTA (até 2002), não se previa, sequer, qualquer meio de reação urgente associado ao contencioso pré-contratual, circunscrevendo-se o tema aos prazos do recurso contencioso de anulação, previsto no artigo 28.° da LPT A
XXXIV. O Acórdão n.° 404/2000, deste Tribunal Constitucional, foi proferido há mais de 20 (vinte) anos, ao abrigo e tendo como contexto de enquadramento normativo diferente e anterior legislação - a LPTA - razão pela qual se justifica plenamente a intervenção deste Tribunal.
XXXV. Trata-se, agora, de legislação totalmente nova, imbuída de espírito totalmente diferente do que presidiu à LPTA, e cuja interpretação pode e deve ser escrutinada à luz da Constituição, e devendo sê-lo na sua redação atual - in casu, na versão que resultou do Decreto-Lei n.° 214- G/2015, de 02.10 - pois foi por via deste diploma que se introduziu a remissão para a norma constante do artigo 279.° do CC em termos e moldes que geraram e geram dúvidas e interpretações divergentes.
XXXVI. Já no domínio do CPTA, mas ainda no contexto da redação inicial do n.° 2 do artigo 58.°, que ordenava a contagem dos prazos de impugnação à luz da lei processual civil (com a inerente suspensão nas férias judiciais), veja-se, com interesse, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, em 18.12.2015, no âmbito do processo n.° 00298/10.6BEMD.
XXXVII. Veja-se ainda o Acórdão proferido, pelo TCA Sul, no âmbito do Processo n.° 13349/16, em 16.06.2016, que se debruça sobre a questão da exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual de instauração da ação de contencioso pré-contratual, e em que estava em causa a natureza adjetiva (processual) ou substantiva (caducidade) do prazo impugnatório previsto no artigo 101.° do CPTA.
XXXVIII. Também com interesse, atente-se no Acórdão do TCA Sul proferido no âmbito do processo n.° 2186/17.6BELSB, em 04.10.2018 e, mais recentemente, os Acórdãos proferidos, a 12.04.2019 e a 12.06.2019, pelo TCA Norte, respetivamente nos Processos n.° 00465/17.1BEPRT e n.° 00875/16.1BEPNF.
XXXIX. Também o Supremo Tribunal Administrativo adotou este entendimento, conforme pode ler-se no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.° 09/18.8BEAVR 0775/18, em 17.01.2019, no contexto de um processo de intimação do artigo 105.° do CPTA, no qual, embora esteja em causa um prazo fixado em dias, é muito relevante a argumentação esgrimida a favor da harmonia do sistema jurídico e da interpretação dada ao artigo 279.° do CC.
XL. Também os argumentos literal e sistemático nos conduzem, inexoravelmente, à conclusão de que, na contagem do prazo de um mês, previsto no artigo 101.° do CPTA, se aplicam cumulativamente as alíneas b) e c) do artigo 279.° do CC.
XLI. É por via da remissão operada pelo n.° 1 do artigo 97.° do CPTA para o disposto nos capítulos II e III do título II deste diploma, que chegámos a aplicação do n.° 2 do artigo 58.° do CPTA, o qual, por sua vez, nos remete para o artigo 279.°do CC.
XLII. Sendo que a remissão operada para este normativo legal o foi "em bloco", não tendo o legislador, na letra da lei, excluído qualquer das suas alíneas, ou, dizendo de outro modo, não circunscrevendo o âmbito da remissão a uma alínea em concreto.
XLIII. Caso pretendesse que a remissão fosse, tão só, para a alínea c) do artigo 279.° do Código Civil, o legislador tê-lo-ia feito, o que deve fazer pressupor, em obediência ao disposto no n.° 1 do artigo 9.° do Código Civil, que não o pretendeu fazer.
XLIV. Neste sentido aponta, também, o teor do próprio artigo 279.° do Código Civil, cuja epígrafe é "cômputo do termo", e que começa por referir que "à fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras."
XLV. Também presumindo que o legislador exprimiu o seu pensamento de modo adequado, tal significa que, em caso de dúvida, se aplicam, na contagem de prazos, as regras que se seguem, elencadas nas várias alíneas deste artigo, e não apenas numa delas.
XLVI. Deve ainda atentar-se no teor do artigo 296.° do CC, que esclarece que: As regras constantes do artigo 279.° são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade."
XLVII. A tese propugnada pelo Acórdão recorrido, na interpretação restritiva que faz da remissão operada pelo n.° 2 do artigo 58.° para o artigo 279.° do Código Civil, circunscrevendo-a à alínea c) deste normativo, por entender que esta "já acautela e dispensa" a aplicação da alínea b) do mesmo normativo, viola o princípio da unidade do sistema jurídico, no artigo 9.° do C.C.
XLVIII. A a alteração do quadro normativo vigente desde 2002 até 2015, e a consagração, no n.° 2 do artigo 58.° do CPTA., da remissão para o artigo 279.° do Código Civil, sem qualquer limitação, importam que a interpretação de que tal remissão se tem por feita para as regras contidas nas alíneas b) e c) deste normativo, as quais podem e devem ser cumulativamente aplicadas, neste caso no contexto do contencioso pré-contratual, por força da remissão operada pelo artigo 101.° do CPTA, seja a única conforme à lei e à nossa Constituição.
XLIX. Do texto das alíneas b) e c) do artigo 219° do Código Civil, que acima se destacou, decorre, inequivocamente, que as mesmas se destinam a regular realidades distintas, sendo a alínea b) relativa ao início da contagem do prazo, e a alínea c) ao seu termo final.
L. Assim, também o argumento teleológico abona a favor da consideração de ambas na contagem de qualquer prazo, para que cada uma cumpra a finalidade a que se destina.
LI. Pelo que ambas serão convocadas, de modo autónomo e cumulativo, na contagem do prazo de 1 (um) mês previsto no artigo 101.° do CPTA, por força da remissão operada pelo n.° 1 do artigo 97.° e pelo n.° 2 do artigo 58.°, ambos do CPTA, para o artigo 279.°, do C.C.
LII. Só deste modo, aliás, se permitirá que cada uma das alíneas - b) e c) - do artigo 279.° do Código Civil tenha o seu campo próprio de atuação, sob pena de esvaziarmos de conteúdo a alínea b), com o argumento de que a alínea c) "já acautela", ou "dispensa", como refere o Acórdão recorrido.
LIII. O ponto não pode ser o de saber se a aplicação da alínea b) do citado normativo é "necessária", mas sim o de saber se esta norma se aplica ou não, ou seja, o juízo de desaplicação por alegada "desnecessidade" não só não convence como traduz um vício de raciocínio, sobretudo se se entender - como se defende - que as normas das alíneas b) e c) do artigo 279.° do C.C. visam responder a problemas diferentes.
LIV. Um raciocínio lógica e juridicamente correto importará, em primeiro lugar, que se afira da aplicação de uma determinada norma; e, em segundo lugar, valorar juridicamente a opção do legislador.
LV. Ao inverter este raciocínio, o Acórdão recorrido abstém-se de interpretar a lei, afastando, "a priori", o resultado.
LVI. Em abono desta interpretação, e ainda com recurso aos argumentos acima referidos, atente- se no teor do n.° 2 do artigo 59.° do CPTA (cuja redação sofreu também alterações em 2015), aplicável ao contencioso pré-contratual por via da remissão expressa do artigo 101.° do CPTA.
LVII. O que, em conjugação com o disposto na alínea b) do artigo 279.° do Código Civil, deixa bem clara a relevância que se atribui ao ato de notificação, nos processos de cariz impugnatório - urgente e não urgente - sendo esta - a notificação dos destinatários - o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e não o primeiro dia do prazo.
LVIII. As regras contidas no artigo 279.° CC são de aplicação transversal e em caso de dúvida, para as mesmas remetendo, em bloco, o atual n.° 2 do artigo 58.° do CPTA
LIX. Aplicando-se, por isso, as alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil, aos processos de contencioso pré-contratual, também por força dos argumentos histórico, literal, sistemático e teleológico que acima expusemos, apenas assim se logrando alcançar a certeza e segurança jurídicas necessárias na contagem do respetivo prazo.
LX. Acresce ainda que a alínea c) do artigo 279.° do C.C., de aplicação inquestionável à contagem de qualquer prazo, veda, em absoluto, a "conversão", em dias, dos prazos fixados em semanas, meses ou anos.
LXI. Também a jurisprudência tem sustentado este entendimento, dando nota de que apenas ocorrerá a conversão do prazo fixado em meses em dias quando ocorra uma impugnação administrativa prévia do ato, que irá determinar a suspensão do prazo (seja de 1 mês, seja de 3 meses), pelo período de tempo correspondente ao prazo que ocorra até à decisão expressa ou até ao decurso do prazo legal para a decisão da impugnação administrativa - conforme decorre no n.° 5 do artigo 59.° do CPTA
LXII. Ora, não se consegue chegar à conclusão da dispensa de aplicação da al. b) sem se proceder à conversão do prazo de 1 (um) mês em dias.
LXIIL. Não repugna, porém, que se faça equivaler um mês a um prazo muito superior a 31 dias, num caso em que, por força de uma impugnação administrativa, se verifique a suspensão da contagem e - aí sim, porque determinada por lei - a necessária conversão em dias; mais linearmente ainda: em momento algum se discute, tomando-se por boa, a aplicação cumulativa, com qualquer uma das outras, da al. e) do artigo 279.° do CC, que pode implicar, caso o dia equivalente do mês anterior termine a um sábado ou a domingo, a concessão de um prazo global de 32 ou 33 dias.
LXIV. Não faz sentido a argumentação expendida no Acórdão recorrido, quando refere que se deve considerar "o conceito do que seja um mês."
LXV. A interpretação normativa subjacente ao Acórdão recorrido é a de que o prazo de um mês se conta nos termos do artigo 279.° c), do CC, terminando às 24 horas do dia que corresponda a essa data, dentro do respetivo mês, não havendo que preceder esta regra da antecedente, prevista na alínea b) do artigo 279.° do mesmo diploma.
LXVI. Não restam dúvidas que a interpretação normativa convocada pela decisão recorrida, segundo a qual a alínea b) do artigo 279 0 do Código Civil não se aplica à contagem dos prazos previstos nos artigos 58.°, n.° 2, 59.°, n.os 1 e 2 e 101.°, todos do CPTA, resulta de uma interpretação restritiva daqueles prazos e que não tem correspondência na interpretação das regras relativas à contagem dos demais prazos de caducidade do direito de ação e de outros legalmente previstos para o exercício de direitos.
LXVII. Tal interpretação, porque totalmente injustificada em face das especialidades e natureza do recurso contencioso e das respetivas normas procedimentais, viola claramente o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, levando a situações de manifesta desigualdade no modo de contagem de prazos substancialmente idênticos em termos da sua natureza, fazendo uma distinção entre os mesmos apenas porque se trata do exercício de um direito perante uma entidade pública, sem que a lei preveja, em lado algum, na sua letra ou espírito, razão justificativa para tal tratamento desigual.
LXVIII. A interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida, consubstancia, claramente, uma restrição ilegítima dos direitos à tutela jurisdicional efetiva e à impugnação dos atos administrativos, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição ao restringir de forma manifesta a segurança e certeza jurídicas no exercício dos mesmos, que, enquanto princípio geral de direito inerente a um Estado de Direito, faz necessariamente parte do conteúdo essencial de qualquer direito fundamental e, mais especificamente, dos direitos, liberdades e garantias e outros direitos a estes análogos.
LXIX. O princípio da igualdade não proíbe, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional.
LXX. O que o Tribunal Constitucional controla, neste domínio, é o respeito pela proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do legislador ordinário.
LXXI. Nessa medida, sempre que se verifiquem os sinais indiciadores de existência de discriminações proibidas, previstas no n.° 2 do artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, o juiz constitucional deve proferir juízos de inconstitucionalidade, com fundamento na violação do princípio da igualdade.
LXXII. O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa, as seguintes dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural.
LXXIII. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
LXXIV. Mesmo quando o intérprete se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar: caso pretendesse que a remissão fosse, tão só, para a alínea c) do artigo 279.° do Código Civil, o legislador tê-lo-ia feito.
LXXV. Não pode deixar de presumir-se que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequado (cfr. n.° 3 do artigo 9.° do Código Civil) e a remissão terá de ser feita para todas as alíneas.
LXXVI. Não poderemos esquecer que os cidadãos destinatários das leis têm a expectativa legítima de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica - assim como, na eventualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto.
LXXVII. Os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica plausível, porque é nesses exatos termos - enquanto sujeitos de direito - que aquelas se lhes dirigem.
LXXVIIL Não existe qualquer justificação plausível para a diferenciação no modo de contagem de prazos substancialmente idênticos em termos da sua natureza, fazendo-se uma distinção entre os mesmos apenas porque se trata do exercício de um direito perante uma entidade pública, sem que a lei preveja, em lado algum, na sua letra ou espírito, razão justificativa para tal tratamento desigual.
LXXIX. Estamos, assim, perante uma situação de clara violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.
LXXX. Este princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, que vincula diretamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional.
LXXXI. Como o Tribunal constitucional tem uniformemente entendido, a obrigação da igualdade de tratamento exige que "aquilo que é igual seja tratado igualmente", de acordo com o critério da sua igualdade, e "aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade".
LXXXIL Tal princípio, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, mas proíbe a adoção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional.
LXXXIII. No caso, a desigualdade de tratamento contemplada na interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida é arbitrária e irrazoável e nem sequer encontra fundamento material bastante na defesa do interesse público.
LXXXIV. Como tal, teremos sempre de concluir que a interpretação normativa convocada pela decisão recorrida, porque totalmente injustificada em face das especialidades e natureza das respetivas normas processuais, viola, claramente, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado no artigo 13.° da Constituição.
LXXXV. É ponto indiscutido e indiscutível que, entre as decorrências da ideia ou da conceção normativa do Estado de Direito, vão os princípios da segurança jurídica e da confiança- os quais se traduzem (para usar uma, de entre as múltiplas formulações doutrinais que encontram), desde logo, «na fiabilidade (credibilidade), calculabilidade (previsibilidade) e cognoscibilidade» do direito, mas, depois, também na exigência de «previsibilidade e calculabilidade da atuação estadual» e de «transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os particulares».
LXXXVI. É usual falar-se, a esse respeito, de uma vertente «objetiva» do princípio (a primeira), que se exprime mais propriamente no princípio da «segurança jurídica», e de uma vertente «subjetiva» (a segunda), que se traduzirá justamente no princípio da «confiança» - da garantia da confiança dos particulares nas regras jurídicas com base nas quais ordenam a sua vida e nos efeitos jurídicos, produzidos pelos poderes públicos, que lhes digam respeito.
LXXXVII. O Tribunal Constitucional tem, também, sustentado que o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (artigo 2.° da CRP) implica um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, censurando as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar.
LXXXVIII. A segurança jurídica impõe que as normas sejam dotadas de fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência para que o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos.
LXXXIX. A segurança jurídica configura, assim, um elemento constitutivo do Estado de direito, nos termos do artigo 2.° da CRP, porquanto qualquer pessoa tem o direito poder confiar que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.
XC. No presente caso, não existe qualquer fundamentação razoável e objetiva que justifique que "em sede da jurisdição administrativa e fiscal, no que aos prazos de caducidade respeita (...) propende atualmente para a aplicação exclusiva da alínea c) do artigo 279.° do Código Civil, dada a sua natureza especial para os prazos fixados em semanadas, meses ou anos" (cfr. Acórdão recorrido) não se encontrando qualquer justificação razoável, percetível ou inteligível, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem.
XCI. Do princípio da segurança jurídica brota também o princípio da determinabilidade, que acarreta a conformação material e formal dos atos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios.
XCII. Exige clareza das normas legais de onde seja extraível uma solução jurídica inequívoca e, por outro, exige densidade suficiente na regulamentação legal que permita alicerçar as posições juridicamente protegidas dos cidadãos, constitua uma norma de atuação para o poder público e, permita fiscalizar da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.
XCIII. A interpretação normativa convocada pelo Acórdão recorrido traduz-se numa afetação de expectativas, em sentido desfavorável, que é inadmissível por constituir uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não poderiam contar, sendo certo que também não é ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes.
XCIV. É irrecusável que, da aplicação das regras de contagem de prazos previstas no artigo 279.° do CC, a Recorrente poderia legitimamente contar que ambas as alíneas fossem convocadas, de modo autónomo e cumulativo, na contagem do prazo de 1 (um) mês previsto no artigo 101.° do CPTA, por força da remissão operada pelo n.° 1 do artigo 97.° e pelo n.° 2 do artigo 58.°, ambos do CPTA., para o artigo 279.°, do CC.
XCV. Entre duas interpretações plausíveis de um mesmo regime legal, não poderia o tribunal a quo ter optado pela interpretação menos garantística para o administrado, sendo que a interpretação sustentada pelo Acórdão recorrido, como se vê, prejudica a prolação de decisões de mérito, e, nessa medida, viola o princípio pro actione, consagrado no artigo 7o do CPTA.
XCVI. O princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva e que se pode traduzir na fórmula in dúbio pro habilitate instantiae.
XCVTI. A interpretação das normas respeitantes aos direitos dos cidadãos deve efetuar-se, sempre que tal seja possível, através de um critério que seja favorável ao conhecimento das questões de fundo, visando possibilitar o exame de mérito das pretensões deduzidas em juízo.
XCVIII. Em consonância com as garantias contenciosas consagradas na Constituição, a interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido viola, também, o direito constitucional à tutela judicial efetiva e direito de impugnação dos atos administrativos, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.° e 268.°, n.° 4, da Constituição.
XCIX. O n.° 1 do artigo 20.° da Constituição consagra, genericamente, o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos, sendo este um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da Constituição, sendo- lhe, pois, aplicável o regime do artigo 18.°, por força do disposto no artigo 17.°, também da Constituição.
C. A garantia da via judiciária traduz-se, prima facie, no direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante.
CI. O artigo 20.° da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.° 1), impondo ainda que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegure aos cidadãos procedimentos judiciais caraterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (n.° 5).
CII. Ao assegurar o "acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos", a primeira parte do n.° 1 do artigo 20.° da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo (artigo 205.°).
CIII. No domínio da ação administrativa, a Constituição garante aos administrados o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, "a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma", no artigo 268.°, n.° 4.
CIV. A restrição interpretativa operada pelo Acórdão recorrido viola claramente o princípio da proibição do excesso resultante do artigo 18.° da Constituição, na medida em que é perfeitamente injustificada e desnecessária à conformação daquele direito no confronto com outros direitos fundamentais ou interesses públicos constitucionalmente tutelados.
CV. Pelo que, resulta claro que as prescrições legais ínsitas nas alíneas b) e c) do artigo 279.°, do Código Civil se conjugam e complementam, a primeira fixando o termo inicial na contagem de prazos e a segunda fixando o termo final na contagem de prazos de semanas, meses ou anos.».
4. O recorrido Ministério da Defesa apresentou as suas contra-alegações, concluindo-as do seguinte modo:
«A. O objeto do presente recurso circunscreve-se ao modo de contagem do prazo de um mês, previsto no artigo 101.° do CPTA, para a interposição de ação de contencioso pré- contratual.
B. Não pode, contudo, conhecer-se do objeto do presente recurso, uma vez que o mesmo é intempestivo.
C. Sendo intempestivo, não poderia o mesmo ter sido admitido pelo STA, nem lhe poderia ter sido determinado o efeito suspensivo.
D. Com a prolação do Acórdão de 9 de julho, do mesmo STA, ficaram esgotadas as vias de recurso ordinário que no caso cabiam, para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, conforme previsto no n.° 2 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82, na sua redação atual.
E. Tendo a Recorrente sido notificada do acórdão de 9 de julho, que não admitiu a revista, através de notificação eletrónica de 13 de julho de 2020, dispunha, a partir dessa data, de 10 dias para recorrer para o Tribunal Constitucional, segundo o n.° 1 do artigo 75.° da Lei n.° 28/82.
F. E não a contar da data da notificação do acórdão de 15 de outubro de 2020, como pretende, erroneamente, fazer crer no respetivo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apresentado em 30 de outubro de 2020, no SITAF.
G. Visto que este último acórdão foi proferido no âmbito do pedido de reforma do Acórdão de 9 de julho de 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 613.°, n.° 2, 616.°, n.° 2, 666.° e 679.°, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3, do CPTA, faculdade esta que não configura uma via de recurso ordinário (nem extraordinário) para efeitos do esgotamento das vias de recurso.
H. Atendendo ao referido prazo de 10 dias, previsto no n.° 1 do artigo 75.° da Lei n.° 28/82, após as férias judiciais (16 de julho-31 de agosto de 2020) a Recorrente só poderia ter recorrido para o Tribunal Constitucional até ao dia 10 de setembro de 2020, inclusive.
I. Não obstante, veio a apresentar requerimento de interposição de recurso para aquele tribunal em 30 de outubro de 2020, através do SITAF.
J. Recurso este que, apesar de intempestivo, veio a obter despacho de admissibilidade por parte do STA, segundo o artigo 76.° da referida lei, exarado em 5 de novembro de 2020, sobre conclusão, "com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo".
K. Despacho este que se impugna, nos termos e para os efeitos do disposto na parte final do n.° 3 do artigo 76.° Lei n.° 28/82.
L. Ainda que não se decida pela inadmissibilidade do presente recurso, como supra se logrou demonstrar, o que só por mera cautela se admite, sempre deverá o mesmo improceder.
M. A Recorrente limitou-se a um exercício de discordância com o sentido do decidido pelo TCA Sul, o que por si só, embora suscetível de legitimar um recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, se revela manifesta e processualmente ineficaz para a admissibilidade de um recurso de constitucionalidade.
N. A questão que se cuida decidir é a de saber se as alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil podem aplicar-se cumulativamente ou se pelo contrário são de aplicação alternativa.
O. A disposição do artigo 279.° do Código Civil é aplicável ao contencioso pré-contratual por efeito do disposto no n.° 1 do artigo 97.° do CPTA, tendo passado, a partir da entrada em vigor da versão do CPTA na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, a aplicar-se subsidiariamente a todos os processos urgentes o disposto nos Capítulos II e III do título II (Disposições particulares e Marcha do Processo, respetivamente), e não apenas ao contencioso eleitoral como até então.
P. A jurisprudência maioritária e em que se apoiou a decisão recorrida permite concluir que o disposto na alínea c) do artigo 279.° do Código Civil protege já o valor que a regra estabelecida na alínea b) do mesmo artigo visa acautelar, pelo que se concluirá que estas duas disposições não são de aplicação cumulativa.
Q. Da jurisprudência maioritária do STA retira-se e constata-se que as regras contidas nas alíneas b) e c) do artigo 279.° do Código Civil têm âmbitos de aplicação distintos, não sendo suscetíveis de aplicação cumulativa.
R. Pois a alínea b) respeita a prazos fixados em dias ou em horas, e, para esse efeito, entendeu o legislador não dever contar-se o dia ou a hora em que ocorreu o evento que marca o início do prazo beneficiando assim o interessado com a fração restante da unidade de tempo em que se verificou o mencionado evento.
S. Enquanto que a alínea c) respeita aos prazos fixados em semanas, meses ou anos, em que a colocação do termo do prazo no fim do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data, assegura já por si ao interessado a disponibilidade do prazo por inteiro.
T. Na esteira da citada jurisprudência maioritária, cumular a aplicação, no mesmo caso, destas duas regras que têm campos de aplicação distintos, significaria aumentar em um dia os prazos fixados em semanas meses ou anos, resultado para o qual não se encontra qualquer justificação material e quebraria ostensivamente a coerência do sistema gizado pelo legislador.
U. A prevalência desta jurisprudência é também admitida pela Recorrente, não obstante da mesma discordar.
V. O sentido que resulta da jurisprudência maioritária invocada é o sentido efetivo com que aquelas normas valem na ordem jurídica portuguesa, tal como foi devidamente reconhecido e acolhido na decisão recorrida.
W. Não se vislumbra razão para divergir desta orientação, não se impondo a prolação de decisão que adote orientação interpretativa diversa.
X. Após a entrada em vigor da nova redação dos artigos 58.° e 59.° do CPTA, por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, foi reposto o regime da contagem dos prazos para a propositura das ações de impugnação de atos administrativos que resultava do artigo 28.° da LPTA.
Y. Por força disso, a doutrina que emana da jurisprudência maioritária anterior ao CPTA mantém e reforça, inequivocamente, a sua atualidade, dado ter sido decidida a mesma questão jurídica - a caducidade do direito de ação - com base na mesma disposição - o artigo 279.° do Código Civil.
Z. Por acréscimo, mantém e reforça a sua atualidade a doutrina dimanada do douto Acórdão n.° 404/2000, proferido pelo Tribunal Constitucional no âmbito do processo n.° 796/99, em situação paralela à dos presentes autos.
AA. Ainda que assim não fosse, durante a vigência do CPTA, na redação anterior ao Decreto- Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, já era entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores que o prazo de um mês previsto no artigo 101.° daquele diploma era um prazo substantivo, ao qual era aplicável a norma da alínea c) do artigo 279.° do Código Civil.
BB. Com a solução adotada no n.° 2 do artigo 58.°, na revisão do CPTA operada pelo Decreto- Lei n.° 214-G/2015, de 2 de outubro, eliminou-se uma solução que não tinha racionalidade que a justificasse, tendo sido reposto o regime anterior ao CPTA, que assegurava maior segurança e certeza num domínio tão importante como é o da contagem do prazo de impugnação dos atos administrativos.
CC. A sucessão de regimes não encerra qualquer ambiguidade, resultando claramente que desde a entrada em vigor daquela alteração ao CPTA voltou a vigorar o regime constante do Código Civil na parte relativa à contagem do prazo de impugnação de atos anuláveis.
DD. Sendo o processo administrativo um processo de partes, sempre estaria o tribunal impedido de desconsiderar o princípio da igualdade das partes para privilegiar o princípio pro actione, defendido pela Recorrente, desta forma favorecendo uma das partes em detrimento de outra.
EE. Princípio que só opera em caso de dúvida sobre o sentido das normas a interpretar.
FF. O acórdão recorrido interpretou corretamente as normas respeitantes à contagem do prazo de um mês previsto no artigo 101.° do CPTA, para a interposição de ação de contencioso pré-contratual, não se percebendo como isso feriu o direito à tutela jurisdicional efetiva, como a Recorrente clama, pelo que se mostram improcedentes ou irrelevantes todos os argumentos vertidos nas suas alegações e correspondentes conclusões.
GG. Ficando automaticamente excluído que, sobre a matéria dos presentes autos, paire um estado de dúvida que justificasse o recurso sucedâneo ao mecanismo do artigo 7.° do CPTA.
HH. Porque o princípio em causa impõe o favorecimento ou a promoção do processo, e não o favorecimento do pedido, não cabendo o juiz substituir-se às partes, designadamente no suprimento do ónus que sobre as mesmas recai quanto à apresentação tempestiva das respetivas peças processuais.
II. Sendo que o prazo legal de impugnação constitui um pressuposto processual cuja inobservância é, por definição, insuprível a posteriori.
JJ. Um dos deveres a que o tribunal se encontra vinculado é o do conhecimento das exceções dilatórias, obstando a sua verificação ao conhecimento do mérito da causa, o que foi corretamente decidido pelo tribunal a quo.
KK. No caso vertente, era claro que o processo devia findar no despacho saneador pela procedência da exceção dilatória da caducidade do direito de ação, invocada pela entidade demandada MDN na respetiva contestação, com a sua consequente absolvição da instância, nos termos do disposto na alínea k) do n.° 4, conjugada com o n.° 2, ambos do artigo 89.° do CPTA.
LL. Uma leitura atenta do acórdão recorrido permite verificar que foi corretamente interpretado o sentido e alcance das normas contidas no artigo 279.° do Código Civil, em obediência ao princípio ínsito nas regras constantes do artigo 9.° do Código Civil, tendo mesmo sido explicado e até com o caso prático dos presentes autos, o real alcance das referidas normas.
MM. Tal como é defendido pela jurisprudência dominante, a alínea b) do artigo 279.° do Código Civil não se aplica à contagem de prazos fixados em semanas, meses ou anos, uma vez que essa regra já se encontra devidamente acautelada na previsão da alínea c) do mesmo normativo legal.
NN. Afigura-se desnecessária uma discussão sobre se o prazo começa a contar no dia do facto que origina a interposição da ação ou no dia seguinte, uma vez que essa discussão sempre se mostraria irrelevante nos casos em que o prazo é fixado em semanas, meses ou anos.
OO. Determinante é o termo final do prazo, e esse corresponderá, a contar de certa data (data do facto que suporta a ação), ao respetivo dia da semana(s), mês(es) ou ano(s) seguinte(s).
PP. Pelo que a ação pré-contratual foi intentada fora de prazo, uma vez que, dispondo a Recorrente do prazo de um mês, e tendo sido notificada do ato de que recorre no dia 7 de outubro de 2019, o prazo findou às 24 horas do dia 7 de novembro de 2019.
QQ. Tendo a ação dado entrada em tribunal no dia 8 de novembro de 2019, facto considerado assente, e que de resto não é, nem nunca foi contrariado pela Recorrente, daqui resulta a intempestividade na propositura da ação.
RR. O douto Tribunal a quo procedeu a uma correta interpretação e aplicação das normas legais indicadas, pelo que bem decidiu ao negar provimento ao recurso de apelação interposto pela Recorrente, por não provados os seus fundamentos, e em manter a sentença recorrida na ordem jurídica, que absolveu o MDN da instância, pela procedência da exceção dilatória de caducidade do direito de ação.
SS. Consequentemente, deve o douto acórdão recorrido ser mantido na nossa ordem jurídica, nos seus precisos termos.
TT. Não se verificando, de todo em todo, qualquer violação da Constituição.
UU. Visto que, sem qualquer novidade argumentativa, as questões que a Recorrente suscita são as mesmas que já foram apreciadas em primeira e em segunda instância, traduzidas na sua discordância em relação ao respeito por um pressuposto processual como é o da tempestividade da instauração da ação em juízo.
VV. Tendo o acórdão recorrido acolhido a jurisprudência maioritária do STA, corroborada pelo Acórdão n.° 404/2000, do Tribunal Constitucional, o presente recurso revela-se improcedente.».
5. Também a recorrida B. veio apresentar contra-alegações, cujas conclusões se cifram no seguinte:
«I. O presente Recurso vem interposto pela A. do douto Acórdão do TCA Sul, de 16.04.2020, que, confirmando a douta Sentença de 1.a Instância, julgou intempestiva a presente ação de contencioso pré-contratual, pois, tendo a Recorrente sido notificada da decisão de adjudicação, em 07.10.2019, deveria ter intentado a presente ação até 07.11.2019 - ou seja, no prazo de um mês previsto no art. 101° do CPTA -, e não no prazo de um mês e um dia, como defendido pela Recorrente - cfr. n.°s 2 a 6 do texto das presentes Contra-Alegações;
II. Conforme referido no douto Acórdão do STA, de 09.07.2020, que não admitiu o Recurso de Revista interposto pela A., "a solução do acórdão recorrido não é nova e segue jurisprudência deste Supremo Tribunal nessa matéria" - cfr. n.°s 2 a 6 do texto das presentes Contra-Alegações;
III. Como advertido no douto Acórdão recorrido, a Recorrente baseia-se "em pressupostos interpretativos que não (eram) assumidos na sentença recorrida", e invoca jurisprudência que não é aplicável ao caso em apreço (como também advertido naquele Acórdão do STA, de 09.07.2020), ou cujo thema decidendum não era o aqui em causa (contagem do prazo para intentar a ação) - cfr. n.°s 2 a 6 do texto das presentes Contra-Alegações;
- Da norma aplicada pelo Acórdão recorrido
IV. O art. 101.° do CPTA estipula que "Os processos do contencioso pré- contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.° 3 do artigo 58° e nos artigos 59° e 60.°' (sombreado e sublinhado nosso) - cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra-Alegações;
V. Por seu turno, o art. 59.°/2 do CPTA, para que remete aquele art. 101°, estipula que o prazo para impugnação "... corre a partir da data da notificação ..." (sombreado e sublinhado nosso) - cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra-Alegações;
VI. O art. 101.° do CPTA não remete para o n.° 2 do art. 58° do CPTA (apenas remete para o respetivo n.° 3), mas, de qualquer forma, no douto Acórdão recorrido refere-se que "não vislumbramos qualquer razão para que a mesma não seja aplicável, por aplicação do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 97°do CPTA" - cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra-Alegações;
VII. Na sequência desta referência, no douto Acórdão recorrido analisou-se a questão em causa também na vertente do art. 279° do C. Civil (para que remete aquele n.° 2 do art. 58° do CPTA), sendo que tal remissão nem seria necessária, pois a alínea c) do art. 279.° do C. Civil regula a contagem de prazos fixados em meses, como é o caso - cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra-Alegações;
VIII. Neste quadro, no douto Acórdão recorrido decidiu-se que “… assim, sendo o prazo de um mês, o mesmo conta-se “de mês a mês”, por ser isso que corresponde ao prescrito na lei, indo ao encontro do seu elemento literal e teleológico, sem que a disposição da alínea c) do artigo 279° do CC anule a regra prescrita na alínea b) do citado preceito” (sombreados e sublinhados nossos) – cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra- Alegações;
IX. Mais se esclarecendo no douto Acórdão recorrido, que, "as normas das alíneas b) e c) não são cumulativas, nem excludentes, mas antes harmonizáveis entre si, porque consagram o mesmo efeito jurídico de desconsideração da data em que ocorre o evento, para efeitos do início da contagem do prazo" e que "não se trata de defender que a regra da alínea c) do artigo 279° do CC afasta a aplicação de qualquer outra do citado preceito, visto que várias das citadas alíneas são de aplicação cumulativa (v.g. as alíneas c) e e) do artigo 279° do CC), mas antes assumir a interpretação de que a alínea c) do artigo 279° do CC já salvaguarda a regra prevista na alínea b) deste preceito, pelo que dispensa a sua aplicação" (sombreados nossos) - cfr. n.°s 7 a 14 do texto das presentes Contra-Alegações;
- Da Inadmissibilidade / não conhecimento do Recurso
X. Conforme é entendimento pacífico, os poderes do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade - nomeadamente a prevista no art. 70.°/1/b) da Lei do Tribunal Constitucional incidem sobre normas jurídicas e não decisões judiciais - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
XI. No caso em apreço, resulta das Alegações da Recorrente que o Recurso não respeita a inconstitucionalidade de norma, mas sim a sua interpretação em decisão judicial, pelo que o presente recurso extravasa a competência do Tribunal Constitucional - o que a Recorrente verdadeiramente questiona não é uma dimensão normativa que o Acórdão recorrido tenha extraído das normas em causa, mas sim o processo interpretativo do Tribunal recorrido - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
XII. A Recorrente não questiona a solução do legislador (ou qualquer norma interpretativamente obtida) e a sua compatibilidade constitucional, mas sim o Acórdão - o que vem impugnado pela Recorrente não são as normas, em si mesmas consideradas, mas antes, a decisão judicial que as aplicou - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
XIII. No caso em apreço, conforme resulta das Alegações da Recorrente, o que a mesma pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie se o Tribunal recorrido interpretou corretamente normas do CPTA e do C. Civil, e que, face a essa interpretação do Tribunal (e apenas relativamente à mesma), conclua pela violação de normas e princípios constitucionais - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
XIV. Além disso, no que respeita à pretensa (mas inexistente) inconstitucionalidade, a Recorrente limita-se a afirmações vagas, genéricas e inaplicáveis, nem sequer fazendo qualquer cotejo entre a norma (ou qualquer norma interpretativa obtida), e normas ou princípios constitucionais supostamente violados pela mesma - o que também demonstra que o que se censura é apenas e tão só a decisão - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra-Alegações;
XV. Face ao exposto, conforme resulta das Alegações da Recorrente, o presente Recurso não é admissível, pois extravasa o âmbito da competência do Tribunal Constitucional, não respeitando à inconstitucionalidade de norma(s), mas sim à sua interpretação em decisão judicial - em concreto, a interpretação de normas do CPTA e do C. Civil (v. art. 70.71/b) da Lei do Tribunal Constitucional) - cfr. n.°s 15 a 20 do texto das presentes Contra- Alegações;
- Da Improcedência do Recurso
XVI. Mesmo que se entendesse que o Recurso é admissível, face ao alegado pela Recorrente - o que não se concede -, o presente Recurso sempre seria improcedente - cfr. n.°s 20 a 24 do texto das presentes Contra-Alegações;
XVII. A primeira das questões em que a Recorrente centra o seu Recurso (n.°s 1 a 134 das Alegações de Recurso e respetivas Conclusões I a LXVIII), respeita a interpretação de normas do CPTA e do C. Civil e não a normas ou princípios constitucionais - o que também demonstra a inadmissibilidade do presente Recurso - cfr. n.°s 20 a 24 do texto das presentes Contra-Alegações;
XVIII. Com efeito, a Recorrente intitula o ponto II das suas Alegações, como "Das normas jurídicas em causa e da interpretação que se propugna conforme à lei e à Constituição", mas, conforme é possível verificar pelos subsequentes n.°s 31 a 134, os mesmos nada têm que ver com normas da Constituição - cfr. n.°s 20 a 24 do texto das presentes Contra-Alegações;
- Do invocado pela Recorrente quanto ao prazo para instaurar a acão
XIX. Conforme já acima referido, no douto Acórdão recorrido, considerando que (i) o art. 101,° do CPTA, estabelece que os "processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês"; (ii) o art. 59.°/2 do CPTA, para que remete aquele art. 101,°, estipula que o prazo para impugnação"... corre a partir da data da notificação ..."; (iii) e o art. 279.°/c) do C. Civil, estipula que o prazo fixado em meses "a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda", dentro do último mês (no caso o mês seguinte), concluiu-se que aquele prazo de um mês se conta de mês a mês, pelo que, tendo a Recorrente sido notificada da decisão de adjudicação, em 07.10.2019, a ação teria que ter sido intentada até 07.11.2019 - cfr. n.°s 20 a 24 do texto das presentes Contra-Alegações;
XX. Já a Recorrente entende que o prazo é de um mês e um dia, pelo que a ação poderia ter sido intentada até 08.11.2019 - cfr. n.°s 20 a 24 do texto das presentes Contra-Alegações;
XXI. É manifesta a improcedência do entendimento da Recorrente, maxime do que invoca nos n.°s 1 a 134 das suas Alegações (Conclusões I a LXVIII) - cfr. n.°s 20 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXII. Em primeiro lugar, sublinhe-se que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, para apreciação da questão em apreço é totalmente irrelevante a alteração ao CPTA pelo DL 214-G/2015, de 02.10. pois em qualquer uma das redacões do CPTA (anterior ou posterior ao DL 214-G/2015) o prazo para intentar ação de contencioso pré-contratual era e é de 1 mês, a contar da notificação (cfr. atual art. 59.°/3 do CPTA), sendo aplicável, em qualquer dos casos, o art. 279.° do C. Civil para a determinação do dies ad quem daquele prazo (cfr. art. 296.° do C. Civil) - cfr. n.°s 24 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXIII. Por outro lado, é aqui aplicável toda a Jurisprudência e Doutrina relativa ao prazo, em meses, para o exercício de direito de ação ou outro direito em Tribunal e não apenas a de Contencioso Administrativo, nomeadamente a referente ao atual CPTA - cfr. n.°s 25 e segs. do texto das presentes Contra- Alegações;
XXIV. Em segundo lugar, como bem sublinhado no douto Acórdão recorrido (e contrariamente ao que alega a Recorrente, mas sem fundamentar), no que respeita à Jurisprudência relativa à questão aqui em causa, a mesma tem sido dirimida atualmente de forma uniforme pelos Tribunais Superiores pela aplicação exclusiva do art. 279.° al. c) do C. Civil, considerando-se que essa mesma alínea já tem ínsita o que se estabelece na respetiva alínea b) - cfr. n.°s 26 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXV. Sendo que, conforme já acima referido, a Jurisprudência invocada pela Recorrente nas suas Alegações é, na sua maioria, inaplicável à questão em apreço (nomeadamente, o Acórdão STA, de 17.01.2019, invocado na Conclusão XXXIX das Alegações da Recorrente, é relativo a prazo de 20 dias e não de meses, como referido no Acórdão proferido pelo STA no presente processo, em 09.07.2020, e em muitos dos outros Acórdãos invocados a questão aqui em causa não é especificamente analisada, designadamente por não ser o thema decidendum dos mesmos - tais arestos respeitam, por exemplo, a situações em que, em qualquer dos casos, o recurso seria intempestivo, ou em que o que estava em causa era a suspensão do prazos durante as férias judiciais, na anterior redação do CPTA) - cfr. n.°s 27 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXVI. No mesmo sentido em que se decidiu na douta Sentença de 1 ,a Instância e no douto Acórdão recorrido, decidiu o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em 18.04.2012. no Proc.148/07.0TAMBR.P1-B.S1, no Acórdão de fixação de jurisprudência (sem qualquer voto de vencido), publicado no Diário da República, 1.a Série, de 21.05.2012 - cfr. n.°s 28 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXVII. Também no mesmo sentido decidiu o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no seu Acórdão n.° 404/2000, de 27.09.2000 (também sem qualquer voto de vencido), publicado no Diário da República n.° 287/2000, 2.a Série, de 14.12.2000 - cfr. n.°s 29 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXVIII. Igualmente no mesmo sentido do decidido na douta Sentença de 1.a Instância e no douto Acórdão recorrido, tem decidido a JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA E FISCAL - cfr. n.°s 30 e segs. do texto das presentes Contra- Alegações;
XXIX. Nomeadamente, o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, em Acórdão de 04.06.2006 (também sem qualquer voto de vencido), proferido no Proc. 046/04, disponível em www.dqsi.pt - cfr. n.°s 30 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXX. E, especificamente quanto ao prazo do art. 101.° do CPTA, também no mesmo sentido do decidido na douta Sentença de 1.a Instância e no douto Acórdão recorrido, veja-se o douto Acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, de 12.01.2006. Proc. 01213/05, e o douto Acórdão do TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE, de 04.11.2011. Proc. n.° 00741/11.7BEPRT, também disponível em www.dgsi.pt - cfr. n.°s 31 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXI. Isto para além de numerosos outros Acórdãos que se pronunciaram expressamente sobre a contagem do prazo nos termos do art. 279.° do C. Civil, precisamente no mesmo sentido da douta Sentença de 1 ,a Instância e do douto Acórdão recorrido (nomeadamente, Ac. do STA de 25.10.2017. Proc. 01140/16; Ac. do STA de 26.08.2009. Proc. 0471/09; Ac. do STA de 14.07.2008. Proc. 0663/07; Ac. do STA de 12.01.2006. Proc. 01213/05, Ac. STA, de 04.01.2004. Proc. 059/04; Ac. do STA de 20.10.1999. Proc. 044732; Ac. do STA de 28.06.1994. Proc. 027325; Ac. do STA de 21.01.1993. Proc. 031042; Ac. do STA de 10.03.1992. Proc. 027325; Ac. do STA de 13.02.1992. Proc. 030068; Ac. do STA de 02.03.1990. Proc. 027244; Ac. do STA de 23.05.1989. Proc. 026546; Ac. do STA de 14.03.1989. Proc. 025432; Ac. do STA de 10.01.1989. Proc. 025701; entre outros) - cfr. n.°s 31 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXII. Em terceiro lugar, também a Doutrina mais sólida é no sentido do decidido na douta Sentença de 1.a Instância e no douto Acórdão recorrido, verificando- se que, face ao que a Recorrente alega nas suas Alegações, na sua decisão quanto à data em que intentou a presente ação, terá seguido exclusivamente o texto de MARCO CALDEIRA (também subscritor do Parecer junto pela Recorrente), na Obra Coletiva, Comentários à Revisão do ETAF e de CPTA, AAFDL Editora, 2017, 3. Edição, págs. 591 e segs., o qual, no entanto, padece de alguns erros, nomeadamente ao referir (pág. 592 daquela Obra) que "o Decreto-Lei n.° 214-G/2015 alterou radicalmente o modo de contagem dos prazos de impugnação" (o que apenas se aplica às situações em que estivessem em causa férias judiciais, o que não é o caso em apreço); bem como ao não atender e. muito menos, analisar (ou até referir) a vasta jurisprudência em sentido contrário do que defende, não sendo correto afirmar, como faz o mesmo Autor, que "foi demonstrado pela doutrina", que o entendimento da Jurisprudência era incorreto (pág. 595 daquela Obra) - cfr. n.°s 32 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXIII. No mesmo sentido do decidido na douta Sentença de 1.ª Instância e no douto Acórdão recorrido, temos, nomeadamente, em sede de doutrina referente a Contencioso Administrativo. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 4.ª Ed., pág. 398; JOÃO CAUPERS e JOÃO RAPOSO, Contencioso Administrativo, Aequitas - Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pág. 125; SANTOS BOTELHO, Contencioso Administrativo: anotado, comentado, jurisprudência, 4.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2002, pág. 370; e ANTÓNIO ESTEVES FERMIANO RATO, Contencioso Administrativo - Novo Regime Explicado e Anotado, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 281; e, em sede de doutrina de Direito Civil (que aqui assume particular relevância, face à norma em causa, conforme resulta da Jurisprudência proferida sobre a mesma), PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 256; CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 3.ª Edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, pág. 641; Comentário ao Código Civil - Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 688 - cfr. n.°s 33 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXIV. Em quarto lugar, a alínea c) do art. 279.° do C. Civil constitui norma especial relativamente à respetiva alínea b) (sendo que, conforme a Jurisprudência e Doutrina acima indicadas: não é aplicável a regra fixada na alínea b) do referido art. 279° do C. Civil, pois a regra aplicável, a da alínea c), iá tem ínsito o que naquela se estabelece) - cfr. n.°s 35 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXV. A este respeito, veja-se o que se escreve no recente Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, de 27.06.2018 (Pleno da Seção de Contencioso Tributário), proferido no Proc. 01140/16, do qual decorre que a alínea c) do art. 279.° do C. Civil, constitui norma especial relativamente aos prazos fixados em meses, como se verifica no caso em apreço, sendo a alínea b) da mesma norma aplicável aos prazos fixados em dias - cfr. n.°s 35 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXVI. Em quinto lugar, conforme decorre de tudo o acima exposto, contrariamente ao alegado pela Recorrente, tanto o elemento literal, como o elemento racional ou teleológico das normas aqui em causa impõem que se mantenha o decidido - cfr. n.°s 36 e segs. do texto das presentes Contra- Alegações;
XXXVII. Face ao exposto, improcede o alegado pela Recorrente, nomeadamente, nos n.°s 1 a 134 das Alegações de Recurso e respetivas Conclusões I a LXVIII, quanto à interpretação do art. 101.°, 58.°/2 e 59.°/1 e 2 do CPTA, conjugados com o art. 279.° do C. Civil, não enfermando o douto Acórdão recorrido de qualquer erro de julgamento na interpretação desses preceitos, contrariamente ao aqui alegado pela Recorrente - cfr. n.° 37 do texto das presentes Contra-Alegações;
- Da alegada violação de normas e princípios constitucionais
XXXVIII. Conforme decorre do já acima exposto, resulta das Alegações da Recorrente, que o que a mesma pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie se o Tribunal recorrido interpretou corretamente normas do CPTA e do C. Civil, e que, face a essa interpretação do Tribunal (e apenas relativamente à mesma), conclua pela violação de normas e princípios constitucionais - cfr. n.°s 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XXXIX. Sendo que, além disso, como também acima apontado, no que respeita à pretensa (mas inexistente) inconstitucionalidade, a Recorrente limita-se a afirmações vagas, genéricas e inaplicáveis, nem sequer fazendo qualquer cotejo entre a norma (ou qualquer norma interpretativa obtida), e normas ou princípios constitucionais supostamente violados pela mesma - o que também demonstra que o que se censura é apenas e tão só a decisão - cfr. n.°s 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XL. Assim sendo, conforme referido no Ponto III das presentes Contra-Alegações, relativo à inadmissibilidade do recurso, é manifesto que a pretensão recursiva da Recorrente não se insere na competência do Tribunal Constitucional - cfr. n.°s 38 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XLI. De qualquer forma, vejamos o que invoca a Recorrente em sede de pretensa inconstitucionalidade - cfr. n.°s 38 e segs. do texto das presentes Contra- Alegações;
XLII. Em primeiro lugar, improcede o invocado nas Conclusões LXVIII e XCVIII a CV relativamente à violação dos direitos à tutela jurisdicional efetiva e à impugnação dos atos administrativos, consagrados nos arts. 20.° e 268.°/4 da CRP - cfr. n.°s 39 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XLIII. Com efeito, não se vislumbra em que medida a contagem do prazo de um mês, previsto no art. 101.° do CPTA, contado de mês a mês, seria suscetível de lesar aqueles direitos - não será pelo facto de o prazo ser de 1 mês ou de 1 mês mais 1 dia - como pretendido pela Recorrente -, que são violados os direitos à tutela jurisdicional efetiva e à impugnação dos atos administrativos - cfr. n.°s 39 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XLIV. Se alguém opta por intentar a acão depois de decorrer um mês da notificação, sibi imputat, nomeadamente, face à jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores acima referida, sendo que, como referido pelo STA no Acórdão, de 09.07.2020, que não admitiu o Recurso de Revista, "a solução do acórdão recorrido não é nova e segue jurisprudência deste Supremo Tribunal nessa matéria" - cfr. n.°s 39 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XLV. Conforme referido no douto Acórdão do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, com o n.° 404/2000, de 27.09.2000, publicado no Diário da República n.° 287/2000, 2.ª Série, de 14.12.2000, em situação totalmente idêntica à presente, "a questão de constitucionalidade que vem suscitada não tem qualquer razão de ser de facto, o estabelecimento de um prazo para interpor um recurso contencioso e a forma diferente de calcular a contagem desse prazo, conforme os casos a que são aplicados, não dificulta nem prejudica de forma desproporcionada ou irrazoável o direito de acesso dos particulares ao recurso contencioso, não violando o direito à tutela jurisdicional efetiva o cálculo de tal prazo fixado em meses e contado apenas com recurso à alínea c) do artigo 279° do Código Civif' (sombreado e sublinhado nosso) -cfr. n.°s 40 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
XLVI. Em segundo lugar, improcede o invocado nas Conclusões LXIX a LXXXV relativamente à alegada violação do princípio da igualdade, sendo que, apesar da Recorrente discorrer longamente sobre violação do princípio da igualdade, nunca concretiza em que medida o mesmo seria violado no caso em apreço - e não concretiza pois não se verifica tal violação - cfr. n.° 41 do texto das presentes Contra-Alegações;
XLVII. A contagem do prazo tal como decidida na douta Sentença de 1.ª Instância e no douto Acórdão recorrido - na esteira de Jurisprudência e Doutrina largamente maioritárias e não específica do contencioso administrativo (veja- se, nomeadamente, a jurisprudência e doutrina civilista sobre a matéria, acima elencada) -, não leva a qualquer situação de desigualdade na contagem de prazos idênticos - cfr. n.° 41 do texto das presentes Contra- Alegações;
XLVIII. De resto, note-se que estão também aqui em causa os direitos da R. e da Contrainteressada, e, esses sim, seriam frontalmente violados se fosse criado um regime de exceção para a Recorrente - cfr. n.° 41 do texto das presentes Contra-Alegações;
XLIX. Em terceiro lugar, improcede, igualmente, o invocado pela Recorrente nas Conclusões LXXXV a XCIV, relativamente à violação dos princípios da segurança e da confiança, integrantes do Estado de Direito (art. 2.° da CRP), sendo que, também aqui, a Recorrente nada concretiza - aliás, é, desde logo, notório que, face ao alegado pela Recorrente, está em causa a constitucionalidade da decisão e não de norma - cfr. n.° 42 do texto das presentes Contra-Alegações;
L. De qualquer forma, é aqui aplicável o já acima exposto, quanto a, nomeadamente, ter sido a Recorrente a optar por não seguir jurisprudência e doutrina largamente maioritárias - cfr. n.° 42 do texto das presentes Contra- Alegações;
LI. Registe-se, aliás, que, conforme acima referido, a fixação dos prazos em meses (evitando-se o ato de contagem) e não em dias, e a sua contagem mês a mês visa, nomeadamente, uma maior segurança jurídica - cfr. n.° 42 do texto das presentes Contra-Alegações;
LII. Sublinhe-se, ainda, que, a proceder o invocado pela Recorrente, todas as normas seriam inconstitucionais, na medida que serão sempre objeto de interpretação pelas entidades que procedam à sua aplicação - ou seja, na tese da Recorrente, sempre que essa interpretação não coincidisse com a sua (ou a por si perfilhada), a norma era inconstitucional, o que é inadmissível -cfr. n.° 42 do texto das presentes Contra-Alegações;
LIII. Finalmente, improcede, igualmente, o invocado pela Recorrente nas Conclusões XCV a XCVII, relativamente ao princípio pro actione consagrado no art. 7.° do CPTA - o TCA Sul aplicou o direito aos factos, dando verdadeiro conteúdo útil às normas processuais aplicadas e abstendo- se de conceder à A. um prazo mais alargado do que a lei lhe confere - o que o douto Tribunal nunca poderia fazer dado que se trata de norma imperativa -, pelo que não se alcança o objetivo da alegada violação do art. 7.° do CPTA - cfr. n.°s 43 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
LIV. Além disso, aquele princípio não constitui matéria de natureza constitucional (maxime de norma), mas sim matéria especificamente regulada no CPTA, nomeadamente naquele art. 7.° e no art. 58.°/3/c), no que respeita ao prazo de propositura de ações (mas esse preceito não está aqui em causa - desde logo por não invocado pela Recorrente nas presentes Alegações), sendo que aquele preceito nunca seria aqui aplicável, pois estamos perante uma opção interpretativa da Recorrente, quando existe jurisprudência e doutrina maioritárias em sentido contrário - cfr. n.°s 43 e segs. do texto das presentes Contra-Alegações;
LV. Face a tudo exposto, sem prejuízo do acima referido quanto à inadmissibilidade do presente Recurso, por não estarmos perante alegada inconstitucionalidade de normas, mas sim de decisões, sempre seria totalmente improcedente o invocado pela Recorrente em sede de pretensa inconstitucionalidade.»
6. Face às questões prévias invocadas pelos recorridos nas suas contra-alegações e ainda ao pedido apresentado pela recorrida B., nos termos do artigo 43.º, n.º 5, da LTC, foram a recorrente e o recorrido Ministério da Defesa notificados para se pronunciarem, querendo, sobre tal pedido e a recorrente ainda sobre os fundamentos invocados pelos recorridos como obstativos ao conhecimento do objeto do recurso.
7. Em resposta, veio a recorrente sustentar o seguinte:
«I. Quanto ao pedido de tramitação dos presentes autos em férias judiciais:
1. Dispõe o n.° 5 do artigo 43.° da Lei do Tribunal Constitucional que, "Podem ainda correr em férias judiciais, por determinação do relator a requerimento de qualquer dos interessados no recurso, os prazos processuais previstos na lei, quando se trate de recurso de constitucionalidade interposto de decisão proferida em processo qualificado como urgente pela respetiva lei processual."
2. Efetivamente, o processo que esteve na origem do presente recurso foi qualificado e tramitado, na jurisdição administrativa, como urgente, dado que se tratava de um processo de contencioso administrativo pré-contratual, com vista à impugnação do ato de adjudicação (cf. alínea c) do n.° 1 do artigo 36.°, artigos 100.° a 103.°-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
3. No entanto, conforme informação disponível no Portal Base, a 28.10.2019 veio a ser celebrado o contrato n.° B0078_2018, entre o Estado Português- Exército e a B. S.A., sustentado, precisamente, no ato de adjudicação impugnado.
4. Também no requerimento apresentado, a Recorrida B. refere que o contrato se encontra "atualmente suspenso", o que - não decorrendo da lei, nem do processo-base, qualquer efeito suspensivo - apenas se compreende pela inexistência de urgência, por parte do Exército, no fornecimento do equipamento objeto do contrato.
5. Assim sendo, pese embora a designação dos autos como sendo de "contencioso pré- contratual", decorrente do facto de ter sido interposta a ação em juízo antes da celebração do contrato, a verdade é que o cariz processual urgente apenas se justificou enquanto o processo correu termos nas instâncias competentes para a decisão do caso concreto.
6. O presente recurso para o Tribunal Constitucional tem, diferentemente, cariz estritamente normativo e interesse geral, em abono daquela que é a interpretação das normas trazidas à apreciação e que a Recorrente entende ser a única conforme à Constituição.
7. Não existindo, na verdade, qualquer razão para tal qualificação e tramitação, atento o acima exposto, se mantenha neste Tribunal Constitucional.
8. Apesar de a decisão que venha a ser produzida por este Digníssimo Tribunal poder ter, nos termos da lei, efeitos sobre o caso concreto (atenta a função instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade face ao processo-base) a verdade é que a qualificação destes autos como urgentes, na ordem jurisdicional de que proveio, não "se estende", necessariamente, à sua tramitação neste Tribunal Constitucional.
9. Tanto mais que a tramitação do presente recurso de constitucionalidade como "não- urgente" em nada prejudica o dever de gestão processual adequada à justa composição do litígio em prazo razoável, que também vincula o Tribunal Constitucional.
10. Conforme pode ler-se no Acórdão n.° 486/2016 deste Tribunal Constitucional, publicado no D.R., II Série, de 13.10.2016, "Se a anterior qualificação do processo- base como urgente ê um pressuposto necessário para que o Tribunal Constitucional possa determinar que o recurso de constitucionalidade corra em férias judiciais, a mesma não vincula este Tribunal, nem quanto à opção por essa determinação, nem quanto aos termos do regime da tramitação de urgência (que, como mencionado, se resume precisamente à contagem dos prazos processuais durante as férias judiciais). O juízo do Tribunal Constitucional, neste âmbito, é um juízo perfeitamente autónomo, que deve ponderar a necessidade de adoção, a título excecional, da tramitação processual do recurso de constitucionalidade prevista no n. °5, do artigo 43.°, da LTC."
11. Pelo que, salvo o devido respeito, o requerido não deve merecer acolhimento à luz dos preceitos legais relevantes.
II. Quanto aos fundamentos eventualmente obstativos do conhecimento do objeto do recurso:
a) Da alegada preterição do prazo de recurso para o Tribunal Constitucional
12. O Recorrido Ministério alega, nas suas Contra-Alegações, que o recurso para o Tribunal Constitucional deveria ter sido interposto no prazo de 10 dias a contar da data em que foi proferido, pelo STA, o Acórdão da formação preliminar que não admitiu o recurso de revista.
13. E não no prazo de 10 dias a contar da data em que a referida formação preliminar de Juízes do Supremo Tribunal Administrativo proferiu Acórdão no qual indeferiu a Reclamação/Arguição de nulidades que a Recorrente apresentou, do referido Acórdão de 09 de julho de 2020 - ou seja, o Acórdão de 15 de outubro de 2020, no qual se conclui:
14. Ora, salvo o devido respeito, tendo apresentado a referida Reclamação/Arguido nulidades do Acórdão de 09 de julho de 2020, nunca poderia a Recorrente apresentar, sem aguardar pela respetiva decisão, que apenas veio a ter lugar a 15 de outubro de 2020, recurso para este Tribunal Constitucional.
15. Sendo que, no processo-base, não ocorreu um mero pedido de retificação de algum erro de cálculo, mas sim um verdadeiro pedido de declaração de nulidade do Acórdão do STA de 09 de julho de 2020, nos termos do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.° do CPTA) no que se refere à decisão de não admissão do recurso de revista.
16. Tanto assim é que o recurso para este Tribunal Constitucional veio a ser admitido, quer pelo Supremo Tribunal Administrativo, quer pela Veneranda Senhora Juiz Relatora junto deste Tribunal Constitucional.
17. Sendo de referir que a prolação do Acórdão que indeferiu as nulidades invocadas, por parte do STA, é mero pressuposto - atento o esgotamento das vias de reclamação e de recurso ordinárias - do recurso para o Tribunal Constitucional.
18. Não sendo essa, como decorre do requerimento de interposição deste recurso de constitucionalidade e do despacho da Veneranda Senhora Juiz Relatora que o admitiu, a decisão recorrida não foi qualquer dos Acórdãos proferidos pelo STA, mas antes o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul de 16 de abril de 2020, único que se debruçou sobre o mérito e se pronunciou, nesse contexto, sobre as inconstitucionalidades oportunamente invocadas.
19. A acrescer, a Recorrida B. alega - incompreensivelmente, aliás - que o presente recurso mais não constitui do que uma estratégia da Recorrente para protelar o trânsito em julgado, quando, como é pacífico e até pressuposto do recurso para o Tribunal Constitucional, o trânsito em julgado (cf. n.° 2 do artigo 70.° da Lei do Tribunal).
Ora,
20. Os recursos para o Tribunal interpõem-se no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão recorrida, salvo na situação prevista no n.° 2 do artigo 15° da Lei do Tribunal Constitucional, que dispõe: "Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso."
21. Sendo que, no caso vertente, essa decisão se tornou definitiva por via do Acórdão do STA de 15 de outubro de 2010, que indeferiu a Reclamação/arguição de nulidades.
22. A este respeito, importa considerar o Acórdão deste Tribunal Constitucional, proferido no âmbito do Processo n.° 180/11 - Acórdão n.° 419/2011 (3. Secção), de 28 de setembro de 2011, no qual pode ler-se: (…)
23. Ou seja, e em resumo, não detendo o Tribunal Constitucional, mesmo em sede de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, poderes para apreciar e decidir nulidades arguidas em face da decisão final proferida num determinado processo (cf. n.° 6 do artigo 280.° da Constituição da República Portuguesa), aplica-se o n.° 2 do artigo 75.° da Lei do Tribunal Constitucional, que determina que o prazo de 10 dias apenas se conte a partir da decisão tomada acerca das invocadas nulidades (seja esta no sentido de as deferir, seja no sentido de as indeferir, como sucedeu no caso vertente).
24. Uma vez que a Recorrente arguiu a nulidade da decisão que não admitiu a revista, enquanto não fosse apreciado aquele incidente pós-decisório e não tendo o Tribunal Constitucional competência para o julgar, tal decisão ainda não poderia ser considerada definitiva, só se iniciando o prazo de recurso para o Tribunal Constitucional após a notificação da decisão daquele incidente pelo Supremo Tribunal Administrativo.
25. Pelo que será forçoso concluir que o presente recurso de constitucionalidade foi tempestivamente interposto.
b) Da inadmissibilidade do presente recurso por alegada ausência de invocação de desconformidades normativas da lei com a Constituição
26. Veio também a Recorrida B., S.A. invocar que a Recorrente não suscitou uma verdadeira inconstitucionalidade de uma norma legal, mas sim a sua interpretação em sede de uma determinada decisão judicial, pelo que o presente recurso extravasaria a competência do Tribunal Constitucional.
27. Salvo devido respeito, não assiste razão à Recorrida, que parece confundir os processos de fiscalização abstrata com os de fiscalização concreta da constitucionalidade.
28. Nestes últimos, se é certo que é sempre a interpretação normativa de determinado preceito legal que está em causa, à luz da Constituição, também é certo que é precisamente por força da aplicação ou recusa de aplicação de tal preceito por uma decisão judicial, que tal interpretação é sindicada.
29. Aliás, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 280.° da Constituição, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
30. A interpretação normativa que se pretende sindicar é a interpretação normativa extraída dos artigos 58.° n.° 2, 59.°, n.°s 1 e 2 e 101.°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugados com o artigo 279.° do Código Civil (CC), segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação, em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.°, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.
31. Ora, parece resultar claro que a Recorrente cumpriu com o ónus de autonomização e enunciação de um critério normativo, identificando a conjugação de preceitos legais de que o mesmo é extraível.
32. Esta questão de natureza normativa é dotada da necessária generalidade e abstração, tem vocação para uma aplicação genérica, não pretendendo sindicar o puro ato de julgamento enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto a que diz respeito.
33. Note-se que, conforme se esclareceu no requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, uma das questões que se colocou à consideração deste Tribunal foi também apreciada no Acórdão n.° 404/2000, deste Tribunal Constitucional, nunca tendo sido posta em causa a sua natureza normativa.
34. Simplesmente, como também se exarou no referido requerimento e interposição, tal Acórdão foi proferido há mais de 20 (vinte) anos, ao abrigo e tendo como contexto de enquadramento normativo diferente e anterior legislação - a LPTA - razão pela qual se justifica plenamente a intervenção deste Tribunal.
35. Trata-se, agora, de legislação totalmente nova, imbuída de espírito totalmente diferente do que presidiu à LPTA, e cuja interpretação pode e deve ser escrutinada à luz da Constituição, e devendo sê-lo na sua redação atual - in casu, na versão que resultou do Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10 - pois foi por via deste diploma que se introduziu a remissão para a norma constante do artigo 279.° do CC em termos e moldes que geraram e geram dúvidas e interpretações divergentes.
36. Não desconhece a Recorrente que a este Tribunal não compete apreciar a validade das decisões judiciais no que se reporta à eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual incorreção da interpretação e aplicação desses mesmos preceitos; o Tribunal Constitucional limita-se a apreciar a validade de tais critérios normativos - devidamente destacados da decisão concreta - face ao bloco de constitucionalidade relevante.
37. Por essa razão, a Exma. Juíza Conselheira Relatora foi especialmente cautelosa na análise dos pressupostos de admissão de recurso, designadamente limitando o objeto do recurso à questão da constitucionalidade da interpretação normativa extraída dos artigos 58.° n.° 2, 59.°, n.°s 1 e 2 e 101.°, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugados com o artigo 279.° do Código Civil, segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação, em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.°, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito, por considerar que era a única questão normativa que foi ratio decidendi da decisão recorrida,
38. Pelo que, também por esta razão, não merece acolhimento a argumentação expendida pela Recorrida quanto à impossibilidade de conhecimento do recurso por falta de natureza normativa.».
8. Por despacho de 15 de julho de 2021 decidiu-se declarar o presente processo urgente neste Tribunal Constitucional, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LTC, aplica-se ao Tribunal Constitucional o regime geral sobre férias judiciais, relativamente aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade. Remete esta norma para o regime resultante da conjugação do artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) com o artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável, subsidiariamente, àqueles recursos, ex vi artigo 69.º, da LTC.
O referido artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário determina que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.
O artigo 138.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe que, em regra, se suspendem durante as férias judiciais os prazos processuais.
O regime geral resultante das normas analisadas compreende, porém, exceções. Desde logo, o artigo 43.º, n.º 5, da LTC permite que, no Tribunal Constitucional, possam correr em férias judiciais, por determinação do relator, a requerimento de qualquer dos interessados no recurso, os prazos processuais previstos na lei, quando se trate de recurso de constitucionalidade interposto de decisão proferida em processo qualificado como urgente pela respetiva lei processual.
O Tribunal Constitucional tem entendido, relativamente à exigência legal de que o recurso de constitucionalidade seja «interposto de decisão proferida em processo qualificado como urgente pela respetiva lei processual», que preenchem tal requisito os casos em que a qualificação surge ope legis e os casos em que, no exercício de um poder conferido por lei, essa qualificação é feita ope judicis. Entendeu o legislador que, sendo o processo tramitado com urgência na ordem jurisdicional de onde ele provém, deve ser dada a possibilidade de, a requerimento de qualquer dos interessados no recurso de constitucionalidade, os respetivos prazos de tramitação não se suspenderem durante as férias judiciais, por decisão do relator, de modo a que também no Tribunal Constitucional se possa atender à necessidade de decidir a causa no mais curto período de tempo. Tal é, de resto, consonante com a função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base.
A qualificação como urgente do processo na ordem jurisdicional de onde ele provém é, pois, um pressuposto para que, no Tribunal Constitucional, o relator possa determinar, a requerimento de qualquer interessado, que os prazos processuais não se suspendam durante as férias judiciais.
O processo onde se insere a decisão objeto de recurso para o Tribunal Constitucional reporta-se a ação de contencioso pré-contratual, que é qualificado como urgente, de acordo com os artigos 36.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, estando em causa, neste recurso, questão de constitucionalidade referente à contagem do prazo legal previsto no artigo 101.º daquele código, de acordo com o qual «os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º».
Tal qualificação legal mostra-se suficiente para que se encontre preenchido o pressuposto, sendo, pois, de concluir no sentido da atribuição da qualificação de urgência, por aplicação do regime aplicável ao processo-base, neste aspeto particular, por expressa remissão do n.º 5 do artigo 43.º da LTC, e, em consequência, declara-se o presente processo urgente, neste Tribunal Constitucional, determinando-se que os prazos processuais relativos à tramitação do presente recurso corram durante as férias judiciais, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 5, da LTC.
Defere-se, deste modo, o requerimento formulado pela recorrida B., S.A.».
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
A. Das questões prévias ao conhecimento do mérito do recurso
9. Como vimos em sede de relatório, os recorridos Ministério da Defesa e B. invocaram, cada um, um fundamento que consideram obstativo ao conhecimento de mérito do recurso.
O Ministério da Defesa defendeu que não se podia conhecer do objeto do recurso uma vez que o mesmo é intempestivo. Assim sustentou por entender que com a notificação do acórdão de 9 de julho de 2020 do Supremo Tribunal Administrativo, que não admitiu o recurso de revista para o mesmo interposto, a recorrente dispunha, a partir da data da respetiva notificação, de 10 dias para recorrer para este Tribunal. Tal entendimento tem por base um outro de acordo com o qual a prolação daquele aresto de 9 de julho de 2020 determinou o esgotamento das vias de recurso ordinário que no caso cabiam para efeitos de recurso de constitucionalidade, sendo que o pedido de reforma de tal aresto, por não se configurar como uma via de recurso ordinário para efeitos de esgotamento das vias de recurso, não pode ser tido em conta para efeitos de contagem de prazo do recurso para o Tribunal Constitucional.
Já a B.veio sustentar que o recurso não deve ser conhecido por o respetivo objeto se dirigir não a uma dimensão normativa que tenha sido extraída dos preceitos legais em causa pelo tribunal a quo mas ao processo interpretativo a que o mesmo procedeu, e, em suma, à decisão judicial, pretendendo a recorrente, na verdade, que este Tribunal aprecie se o tribunal recorrido interpretou corretamente as normas do CPTA e do CC.
10. Apreciando a invocada intempestividade do recurso interposto nestes autos, começa-se por recordar que, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos de interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção. No entanto, o n.º 2 do mesmo normativo estabelece uma prorrogação, aplicável aos casos em que o recorrente interpôs recurso ordinário, cuja admissibilidade vem a ser recusada, com fundamento em irrecorribilidade da decisão. Nessas situações, o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade conta-se a partir do momento em que se torne definitiva a decisão que não admitiu o recurso.
Tal prorrogação do prazo de recurso igualmente deverá operar nos casos em que a parte deduza incidentes pós-decisórios, perante o tribunal a quo. E assim é, porquanto, não dispondo o Tribunal Constitucional de competência para a sua apreciação, estes nunca poderão ser incluídos no recurso de constitucionalidade, mas suscitados de forma prévia e autónoma junto do tribunal que proferiu tal decisão. Assim, também nestes casos, o prazo para interposição do recurso de constitucionalidade só começará a correr quando seja proferida decisão definitiva a respeito dos incidentes pós-decisórios e desde que estes não sejam qualificados como anómalos, na ordem jurisdicional respetiva.
No presente caso, sendo certo que a recorrente deduziu um incidente pós-decisório relativo à decisão do Supremo Tribunal Administrativo que, com definitividade, não admitiu o recurso de revista interposto da decisão que aqui figura como recorrida, não menos certo é que tal incidente, dirigido à apreciação de nulidades dessa decisão, não se configura como anómalo. Conclui-se, assim, que a notificação da decisão que recaiu sobre o referido incidente marca o início da contagem do prazo de 10 dias para a interposição do recurso de constitucionalidade da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul, pelo que o presente recurso é tempestivo.
11. A respeito da invocada ausência de normatividade do objeto do recurso, dir-se-á que, pese embora se reconheça que as alegações apresentadas pela recorrente neste Tribunal se dirigem, em larga medida, à defesa daquela que consideram ser a correta e justa interpretação da conjugação dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, com o artigo 279.º do CC, e por esse facto, não podendo ser tidas em consideração na análise a empreender, tal elemento não é, por si só, suficiente para afastar a natureza normativa do objeto do recurso delimitado no respetivo requerimento de interposição, o qual se nos afigura ainda dotado das necessárias características de generalidade e abstração inerentes ao conceito funcional de norma, tanto mais que a interpretação ora sindicada, como se verá, foi já objeto de apreciação por este Tribunal.
Improcedendo as questões prévias invocadas pelos recorridos é, pois, chegado o momento de apreciar o mérito do recurso.
B. Do mérito do recurso
12. De acordo com a delimitação operada no despacho que determinou a prolação de alegações, constitui objeto do presente recurso a interpretação normativa extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do CC, segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.
Atenta tal delimitação constata-se que a questão de constitucionalidade em presença, ainda que reconduzida, em parte, a distintos preceitos e diplomas legais, foi já objeto de análise no âmbito do Acórdão n.º 404/2000, da 1.ª Secção, no qual se decidiu não julgar inconstitucional a «interpretação (…) dos artigos 28.º e 29.º, n.º 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LPTA) conjugada com o artigo 279.º do Código Civil, na medida em que entende que na contagem do prazo de propositura do recurso contencioso não se atende à norma da alínea b) do artigo 279º mas apenas à da alínea c) do mesmo preceito».
A referida Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de julho, foi a lei reguladora do processo naqueles tribunais até ser revogada pelo Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro [cfr. artigo 6.º e)], que aprovou o atual regime jurídico pelo qual se rege o processo nos Tribunais Administrativos, constante do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Podendo-se afirmar que a LPTA é a antecessora do CPTA no que respeita ao regime regulador do processo nos Tribunais Administrativos, importa atender ao conteúdo normativo dos artigos da LPTA que suportam o objeto do recurso apreciado no aludido Acórdão n.º 404/2000 e dos que, no presente recurso, são a base normativa da interpretação sindicada, por ser, neste ponto, que não há total coincidência.
O artigo 28.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da LPTA, sob a epígrafe prazos de recurso, dispunha do seguinte modo:
«1 - Os recursos contenciosos de atos anuláveis são interpostos nos seguintes prazos (…)
a) 2 meses, se o recorrente residir no continente ou nas regiões autónomas;
(…)
2 - Os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto nos artigos 31.º, n.º 2, e 85.º»
Por seu turno, o artigo 29.º da LPTA, que regia sobre o recurso de ato expresso, dispunha no seu n.º 1 o seguinte:
«1 - O prazo para a interposição de recurso de ato expresso conta-se da respetiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei.»
No âmbito do CPTA, o artigo 58.º, referente aos prazos de impugnação, refere o seguinte:
«1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) (…)
b) Três meses, nos restantes casos.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte. (…)».
Já o artigo 59.º do mesmo código, que dispõe sobre o início dos prazos de impugnação, prescreve do seguinte modo:
«1 - Sem prejuízo da faculdade de impugnação em momento anterior, dentro dos condicionalismos do artigo 54.º, os prazos de impugnação só começam a correr na data da ocorrência dos factos previstos nos números seguintes se, nesse momento, o ato a impugnar já for eficaz, contando-se tais prazos, na hipótese contrária, desde o início da produção de efeitos do ato.
2 - O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação ao interessado ou ao seu mandatário, quando este tenha sido como tal constituído no procedimento, ou da data da notificação efetuada em último lugar caso ambos tenham sido notificados, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação, mesmo que obrigatória. (…)»
A propósito do contencioso pré-contratual, o artigo 101.º, respeitante ao prazo, dita o seguinte:
«Os processos do contencioso pré-contratual devem ser intentados no prazo de um mês, por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, sendo aplicável à contagem do prazo o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º».
Por fim, o artigo 279.º, n.º 1, alíneas b) e c), que apresenta a mesma redação relativamente ao momento de vigência da LPTA, dita o seguinte:
«b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;»
Como é bom de ver, não se vislumbra que a diferença entre os preceitos e diplomas legais em que se aloja o objeto do recurso apreciado no âmbito do Acórdão n.º 404/2000 e o que aqui se analisa releve sob o ponto de vista substantivo para efeitos da decisão da questão de constitucionalidade em apreço. Com efeito, o cerne da questão ali tratada e da que aqui cabe dissecar prende-se com as regras de contagem de um prazo administrativo, fixado em meses, sendo que, na LPTA, como sucede atualmente no CPTA, já se fazia remissão para as regras de cômputo do termo dos prazos constantes do artigo 279.º do CC, cujas alíneas b) e c) do respetivo n.º 1 conservam, ainda hoje, a redação que vigorava aquando da vigência da LPTA. Não releva igualmente neste âmbito a diferença relativa ao tipo de ação em causa num (contencioso de anulação) e noutro processo (contencioso pré-contratual).
Considera-se, pois, que mantém total pertinência a fundamentação expendida no aludido aresto, procedendo-se, assim, à respetiva transposição para o juízo a empreender no presente processo. Transcrevem-se de seguida, as partes relevantes de tal aresto:
«No caso em apreço, vem claramente assente nos autos que o recorrente foi notificado da deliberação impugnada no dia 2 de Outubro de 1997, tendo a petição do recurso contencioso dado entrada em Tribunal no dia 3 de Dezembro de 1997.
Também não se discute nos autos que o prazo legal de interposição do recurso é de dois meses.
A única divergência que ocorre, é a de que o recorrente entende que mesmo contando o prazo de interposição do recurso contencioso nos termos da alínea c) do artigo 279º do Código Civil, se não se aplicar também e simultaneamente a essa contagem de prazo o que se dispõe na alínea b) da mesma norma, se está a restringir de foram inconstitucional os direitos fundamentais à tutela jurisdicional efectiva e ao recurso dos actos administrativos que, por serem direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos termos da Constituição.
4. – Nos autos, a decisão de 1ª instância do TACC, depois confirmada pelo STA, limitou-se a aplicar a alínea c) do artigo 279º do Código Civil (CC): o recorrente foi notificado da deliberação impugnada no dia 2 de Outubro de 1997, sendo o prazo de recurso de dois meses, concluiu-se que o prazo terminava em 2 de Dezembro de 1999, pelo que tendo o recurso sido interposto em 3 de Dezembro de 1997 estava fora de prazo, e, por isso, foi rejeitado por extemporaneidade.
No STA, a questão foi tratada da forma seguinte: "Não a tem quanto à primeira, pois como se afirma no parecer do Ilustre Magistrado do MºPº, junto deste Tribunal e na Jurisprudência aí citada, o prazo de interposição de recurso termina no dia do segundo mês correspondente àquele em que ocorreu a notificação do acto recorrido. A alínea c) do artº 279º do C. Civil é clara.
É certo que nos termos da alínea b) do mesmo artigo se dispõe que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, mas tais regras têm diferentes campos de aplicação, estando a regra da alínea c) em consonância com o disposto no n.º1 do artigo 29º da LPTA, onde se dispõe que o prazo de interposição do recurso de acto expresso se conta a partir da respectiva notificação ou publicação."
5. – Importa desde já referir que este Tribunal tendo a sua competência limitada às questões de constitucionalidade, não pode apreciar qualquer divergência interpretativa em matéria de direito infraconstitucional que é, afinal, o que está na base do presente recurso.
Porém, o recorrente suscita a inconstitucionalidade da interpretação feita na decisão recorrida, na medida em que, ao não considerar aplicável a alínea b) do artigo 279º do CC na contagem do prazo de interposição do recurso contencioso, se estaria a restringir o direito à tutela jurisdicional efetiva e ao recurso contencioso.
Vejamos.
De acordo com o artigo 20º da Constituição, nele se estabelece que "a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiências dos meios económicos" (n.º 1); e que "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".
Assim, o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva compreende, além de outros direitos, a garantia da via judiciária que consiste no direito de recurso a um tribunal e à obtenção de uma decisão jurídica em prazo razoável e mediante processo equitativo, não podendo tal direito de acesso ser negado por insuficiência económica.
Esta garantia da via judiciária abrange ainda o estabelecimento dos mecanismos adequados e necessários à defesa dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos cidadãos, por forma a constituir-se uma proteção plena, sem lacunas. Todavia, o legislador ordinário conserva ainda uma ampla margem de liberdade de conformação na disciplina de diversos aspetos – alguns essenciais – da regulamentação do direito constitucional ao recurso contencioso, como, por exemplo, o âmbito do recurso, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e outros.
A garantia constitucional do direito à tutela jurisdicional efetiva não implica que seja inteiramente livre o acesso aos tribunais, podendo existir razões de ordem pública, de justiça, de segurança e de eficiência que levem o legislador a limitar as formas pelas quais se concretiza o recurso à justiça administrativa. O legislador apenas está impedido de criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, sem fundamento e de forma excessiva ou desproporcionada, o acesso dos cidadãos aos tribunais em geral ou à justiça administrativa.
Esta garantia do direito à tutela jurisdicional efetiva consta também do artigo 268º, da Constituição, no qual se estabelecem os Direitos e garantias dos administrados, tendo o n.º4 do preceito o seguinte teor: "É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas."
O legislador do processo administrativo fixou o prazo de recurso contencioso de atos anuláveis em 2 meses, se o recorrente residir no continente ou nas regiões autónomas (artigo 28º, alínea a), da LPTA). No número 2 do mesmo preceito, o legislador ordinário determinou que os prazos estabelecidos no n.º 1 se contam nos termos do artigo 279º do Código Civil. No que se refere ao momento do início do prazo para interposição de recurso de ato expresso, o legislador do processo administrativo estabeleceu que o prazo de recurso se conta a partir da respetiva notificação.
A questão de constitucionalidade que vem suscitada pelo recorrente é a de saber se a forma de contagem do prazo de recurso utilizando apenas a alínea c) do artigo 279º do CC constitui uma restrição do direito fundamental de recurso contencioso e, portanto, se será violadora do direito à tutela jurisdicional efetiva.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Com efeito, o legislador ordinário dispõe de uma larga margem de conformação em matéria de fixação dos prazos de recurso. Aliás, o recorrente não questiona o prazo de recurso em si mesmo, mas tão somente a forma como as instâncias procederam à sua contagem: segundo o recorrente haveria que contar o prazo de 2 meses de acordo com a alínea c) do artigo 279º do CC e, depois, como a alínea b) se aplica "na contagem de qualquer prazo" haveria adicionar mais um dia, uma vez que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento.
Porém, um tal entendimento não colhe qualquer apoio da doutrina civilista ou da jurisprudência (cf. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 23-05-89 – Rec. 24882, BMJ nº 387, pág. 352, de 13-02-92 Rec. 30068, BMJ nº 414, pág. 605 e de 12-03-92 – Rec. 30044, BMJ nº 415, pág. 696 e também Ferreira Pinto e Guilherme da Fonseca, in "Direito Processual Administrativo Contencioso", pág. 96, nota 321). Assim, Pires de Lima e Antunes Varela referem em comentário ao artigo 279º (in "Código Civil Anotado", 4ª Edição, pág. 256) que "2. Entre as várias regras contidas na disposição, reveste especial interesse o disposto na alínea b), visto ter-se adotado o regime processual de contagem dos prazos (Cód. Proc. Civil, art. 148º, n.º1), em prejuízo do sistema do Código Civil de 1867 (art. 562º). Os prazos contam-se, portanto, a partir da entrada em vigor da nova lei civil, com mais um dia ou uma hora, conforme os casos.
3. A doutrina da alínea c) harmoniza-se com as regras das alíneas anteriores. Assim, o prazo de uma semana que começou numa segunda-feira termina às 24 horas da Segunda-feira seguinte, não se contando, portanto, o dia do início do prazo. O mesmo acontece com o prazo de meses ou anos. (...)"[sublinhado agora].
Verifica-se assim que a regra de cálculo do prazo fixado em semanas, meses ou anos, estabelecida na alínea c) do artigo 279º do Código Civil, tem ínsita a que se estabelece na alínea b) do mesmo preceito, não havendo, por isso, que fazer preceder o seu funcionamento da prévia aplicação desta alínea b). Portanto, desde logo parece não ter qualquer fundamento a tese que o recorrente defende quanto ao modo de contagem do prazo de recurso fixado em meses.
Mas a questão de constitucionalidade que vem suscitada não tem qualquer razão de ser: de facto, o estabelecimento de um prazo para interpor um recurso contencioso e a forma diferente de calcular a contagem desse prazo, conforme os casos a que são aplicados, não dificulta nem prejudica de forma desproporcionada ou irrazoável o direito de acesso dos particulares ao recurso contencioso, não violando o direito à tutela jurisdicional efetiva o cálculo de tal prazo fixado em meses e contado apenas com recurso à alínea c) do artigo 279º do Código Civil.»
Ora, não existindo razões que justifiquem uma apreciação distinta da já anteriormente efetuada no aresto que se vem de citar, é de proferir, in casu, idêntico juízo de não inconstitucionalidade incidente sobre a interpretação extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do CC, segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito, por não se vislumbrar que a mesma importe a violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e o direito de impugnação dos atos administrativos, consagrados, respetivamente, nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição, ou de qualquer outra norma ou princípio constitucional, designadamente o invocado princípio da igualdade.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a interpretação extraída dos artigos 58.º, n.º 2, 59.º, n.os 1 e 2 e 101.º, todos do CPTA, conjugados com o artigo 279.º do CC, segundo a qual, na contagem do prazo de propositura da ação de impugnação do ato de adjudicação em sede de contencioso pré-contratual, não se atende à norma da alínea b) do artigo 279.º, mas apenas à norma da alínea c) do mesmo preceito.
b) e, em consequência, julgar improcedente o presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Lisboa, 12 de agosto de 2021 - Maria de Fátima Mata-Mouros
A Relatora atesta o voto de conformidade do Senhor Vice-Presidente, Conselheiro Pedro Machete, e dos Senhores Conselheiros José António Teles Pereira e José João Abrantes, que intervieram por meios telemáticos.
Maria de Fátima Mata-Mouros