ACÓRDÃO Nº 713/2019
Processo n.º 796/19
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A. e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 25 de outubro de 2018.
Esta decisão negou provimento ao recurso pelo mesmo interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou (apenas) parcialmente procedente recurso contra a decisão do Diretor de Finanças de Lisboa determinando – nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea f), e do artigo 89.º-A, n.º 5, da Lei Geral Tributária (LGT) – a fixação da matéria coletável do IRS relativo ao ano de 2013 por métodos indiretos.
2. No recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para o Tribunal Central Administrativo Sul, o recorrente alegou, para o que aqui releva, o seguinte:
«(...)
ii.) Da nulidade processual da sentença recorrida, nos termos do artigo 195.°, n.° 1, do CPC, dada a omissão da inquirição da testemunha arrolada e da falta de fundamentação da referida dispensa
§34. O artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPC, estabelece o seguinte:
«Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». (sublinhado nosso)
§35. Assim, estar-se-á perante uma nulidade sempre que a omissão de um ato ou formalidade possa influir no exame ou na decisão da causa.
§36. Na situação em presença, e embora o Recorrente tenha arrolado uma testemunha na sua petição inicial, o Douto Tribunal a quo não só não procedeu à sua inquirição como não fundamentou de todo a referida dispensa, limitando-se a declarar o seguinte no momento da prolação da sentença:
«Atentos o pedido e a causa de pedir tal como se encontram formulados no requerimento Inicial e os documentos constantes dos autos, afigura-se desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pelo Recorrente».
§37. Ou seja, o Douto Tribunal a quo, sem ter sequer questionado o Recorrente sobre a concreta factualidade sobre a qual pretendia a inquirição da testemunha arrolada, considerou ser a mesma desnecessária.
§38. Importa neste contexto referir que a parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT foi declarada inconstitucional por excluir em absoluto a prova testemunhal, tendo, para o efeito, concluído o Tribunal Constitucional que há factos para cuja clarificação pode revelar-se necessário e adequado o recurso a este meio probatório;
«Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos - que, no entendimento da 'parte', conduzam à defesa do seu direito ou Interesse legalmente protegido - não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente que vai ficar afetada aquela defesa, porventura tornando Inviável ou Inexequível o direito de acesso aos tribunais. E, nesse contexto, a solução legislativa que Isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afetadora do direito consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração dos factos Invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo».
- Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 759/2013, de 30 de outubro de 2013,
§39. Ora, o Recorrente pretendia que a sua testemunha fosse Inquirida quanto à matéria de facto constante dos artigos 12.º, 15.º e 16.º da petição inicial.
§40. Importa pois ter em consideração que o Douto Tribunal a quo decidiu o seguinte:
«O Recorrente não logrou explicar o porquê de os mútuos convencionados com a sociedade B., com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, no valor total de € 2.100.000,00, por um período de 10 anos, tendo por fim o investimento em energias renováveis (cfr. letras H eido probatório), não venceram juros [...]».
§41. Quer isto dizer que a específica matéria de facto sobre a qual a testemunha iria ser ouvida inclui precisamente aquela que não foi dada por provada pelo Douto Tribunal a quo.
§42. Com efeito, a audição da testemunha arrolada pelo Recorrente (C. - Administrador da D., S.A.) permitiria ao Douto Tribunal a quo comprovar não só a efetiva existência da dívida do Recorrente à B. decorrente do contrato de mútuo celebrado a 18 de fevereiro de 2013 (facto já dado por provado na alínea H) do probatório), bem como qual a motivação da B. subjacente à concessão do referido empréstimo - a colocação desta numa posição negocial favorável à futura aquisição do capital social da E., S.A. face aos respetivos acionistas.
§43. Assim, resulta claro que se o Douto Tribunal a quo tivesse procedido à diligência Instrutória oportunamente requerida pelo Recorrente tal implicaria necessariamente a prolação de uma decisão jurisdicional distinta.
§44. Constata-se pois que aquela omissão teve influência direta no exame realizado pelo Douto Tribunal a quo e, consequentemente, na decisão da causa, motivo pelo qual é necessariamente geradora de nulidade.
§45. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos tribunais superiores;
«A omissão desta pronúncia influi claramente, quer no exame, quer na decisão da causa, ao violar-se um princípio básico do direito processual, o do contraditório, não se permitindo que ao processo sejam trazidos elementos de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis ao Direito. (Neste mesmo sentido cfr. acórdão da 2ª Secção do STA, proferido em 10/07/2002, no recurso nº 025998). Apesar da vastíssima motivação que faz parte integrante da sentença sob recurso, não podemos deixar de acompanhar o raciocínio do recorrente. Efetivamente, independentemente de se aferir da validade da confissão judicial, nos termos em que a mesma foi estabelecida, é certo que por ele haviam sido arroladas sete testemunhas, as quais seriam suscetíveis de alterar a matéria levada ao probatório, especialmente no que concerne à matéria de facto dada como "não provada". Daí que, em concreto, temos de concluir pela verificação da nulidade processual e consequentes efeitos invalidantes, porquanto estamos face a nulidade que é suscetível de afetar os direitos adjetivos e/ou substantivos das partes, mormente, do ora Recorrente e que importa declarar com as legais consequências. Assim sendo, no caso dos autos, cometida a supra identificada nulidade e arguida a mesma em tempo, importa, fazendo atuar o disposto no artigo 201º. nº 2, do CPC [atual artigo 195.º, n.º 2, do CPC], anular os termos processuais subsequentes ao momento em que se omitiu pronúncia acerca da produção da prova indicada no final da petição inicial, e consequentemente da própria sentença». (sublinhados nossos)
- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00746/08.5BEPNF, de 12 de janeiro de 2012.
«Quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa e seja preterida a produção de prova, se a omissão afetar o julgamento da matéria de facto, tal implicará a anulação da sentença por défice instrutório».
- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 0170/08.OBEBRG, de 7 de dezembro de 2016
§46. Tendo em conta o exposto supra, resulta clara a nulidade processual da sentença recorrida, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, dado que a omissão da inquirição da testemunha arrolada influiu na boa decisão da causa, por visar provar matéria que foi não foi dada por provada, resultando ademais, e nessa exata medida, numa inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da CRP.
§47. Por outro lado, sublinhe-se que o Douto Tribunal a quo não fundamentou a desnecessidade da prova testemunhal, não sabendo o Recorrente quais as concretas razões de tal decisão, principalmente na medida em que a maioria dos factos por si alegados na petição inicial não foram dados por provados, o que, só por si, implicará a revogação da sentença recorrida.
§48. Neste sentido se pronunciou inclusivamente esse Douto Tribunal ad quem, numa situação em que até houve fundamentação (embora deficiente):
«Salvo o devido respeito, o despacho objeto do presente recurso não cumpre estes ditames, na medida em que não se mostra devidamente fundamentado (não permite perceber as razões pelas quais a prova requerida se mostra claramente desnecessária), nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção de prova testemunhal, o que tornava imprescindível essa fundamentação. Note-se que a prova testemunhal requerida pelos Recorrentes visa a prova dos factos constantes, nomeadamente, nos artigos 9.º, 15.º, 16.º, 17.º, 19.º, 24.º e 25.º da p.i., os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que dificilmente se encontrará integralmente refletida nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor. Assim, face à insuficiente fundamentação do despacho recorrido não pode concluir-se pela "clara desnecessidade" da prova requerida, na medida em que se ignora se a matéria de facto sobre a qual se requereu prova testemunhal está efetivamente provada por documentos e/ ou se a mesma é claramente desnecessária para a apreciação das questões jurídicas colocadas na ação. Por todo o exposto, impõe-se o despacho revogar recorrido e ordenar a baixa dos autos para aí ser proferido novo despacho que admita a prova testemunhal requerida ou a indefira fundamentadamente».
- cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 08110/11, de 18 de dezembro de 2014.
§49. Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que revogue a sentença recorrida, dada a inexistência de fundamentação para a dispensa da inquirição da testemunha arrolada, tudo com as demais consequências legais, nomeadamente a baixa dos autos ao Douto Tribunal a quo para efeitos de concretização da referida diligência probatória ou para prolação de decisão que fundamentadamente a indefira, tudo com as demais consequências legais.
(...)
[Conclusões:]
E) Adicionalmente, a sentença recorrida é nula por não ter o Douto Tribunal a quo procedido à inquirição da testemunha arrolada na petição inicial - não tendo sequer questionado o Recorrente sobre os factos que aquela visava provar -, na medida em que esta concreta factualidade não foi dada como provada;
F) A omissão dessa diligência instrutória teve influência direta na decisão da causa e consubstancia uma inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da CRP;
G) O Douto Tribunal a quo não fundamentou a desnecessidade da prova testemunhal, não sabendo o Recorrente quais as concretas razões de tal decisão, principalmente porque a maioria dos factos por si alegados na petição inicial, suportados documentalmente, não foram dados por provados;
H) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que reconheça a nulidade de que padece a sentença recorrida, por violação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC».
3. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:
«1. O presente requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é interposto do Acórdão proferido por esse Douto Tribunal a 25 de outubro de 2018, tendo efeito suspensivo ao abrigo do artigo 78.º da LTC.
2. O recurso em apreço é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pretendendo ver-se apreciada a inconstitucionalidade do artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”), por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 20, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), na interpretação de que não é nula uma sentença que omite diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunha, cuja realização foi requerida pelo sujeito passivo para comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos por si declarados e de qual a fonte das manifestações de fortuna identificadas pela Administração Tributária, quando incide sobre si o ónus da prova desses factos e a sentença vem a considerar incumprido tal ónus, julgando, em consequência, preenchidos os pressupostos para a avaliação indireta da sua matéria coletável de IRS ao abrigo do artigo 87.º, n.º 1, alínea f), da LGT.
3. No âmbito do processo em causa, esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente de forma processualmente adequada, expressa, clara e percetível, em sede de alegações de recurso, as quais por referência à normal e típica tramitação do processo configuram o momento processual apropriado para o efeito, por se tratar de questão que apenas se colocou com a prolação da sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra – cfr. respetivos parágrafos 34.º a 49.º e conclusões E) a H) das alegações de recurso do Recorrente, apresentadas a 12 de novembro de 2018.
4. Com efeito, é relativamente à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que decorre a aplicação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC segundo a interpretação normativa que se reputa inconstitucional.
5. No entender do Recorrente, tal interpretação normativa extraída do artigo 195.º, n.º 1, do CPC viola o direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP e, nessa exata medida, viola o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da CRP – decorrendo tais princípios do próprio conceito de Estado de Direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP.
6. O Acórdão Recorrido aplicou o artigo 195.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a interpretação normativa considerada inconstitucional, entendendo que o Tribunal pode livremente dispensar a produção de prova requerida pelo contribuinte, ainda que esta seja suscetível de alterar a matéria levada ao probatório, principalmente no que concerne à matéria de facto não provada, e mesmo quando incida sobre o contribuinte o ónus da prova desses factos.
7. Com efeito e apesar de não se ter pronunciado expressamente sobre o vício de inconstitucionalidade invocado, considerou a Decisão recorrida que, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, «o facto do Tribunal a quo ter considerado dispensável a inquirição das testemunhas e essa dispensa, também não constitui nulidade processual», entendendo ainda o seguinte:
«Poderá, é certo e como ficou dito, questionar-se a falta de inquirição da testemunha como erro de julgamento, na medida em que poderia a omissão dessa diligência ter impedido o ora Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou. É precisamente isso que alega o Recorrente, que «a omissão dessa diligência instrutória teve influência direta na decisão da causa e consubstancia uma inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18°, n°2, e 20°, n°1, da CRP». No presente caso, o recorrente arrolou uma testemunha. O Tribunal a quo considerou ser a mesma desnecessária. Alega o recorrente nas alegações de recurso (39.) que pretendia que a testemunha fosse inquirida quanto à matéria de facto constante dos artigos 12°, 15° e 16° da petição inicial. […] O recorrente pretendia com a prova testemunhal provar um facto (art. 12° da pi) que já consta na al. H) da factualidade provada, bem como provar factos (arts. 15 e 16 da pi) que se prendem com a posterior venda da posição acionista do recorrente ou a aquisição dos créditos alegadamente emergentes de contratos por si outorgados, que, entre outros, porque posteriores à efetividade da transferência bancária nada acrescentam no sentido do esclarecimento da operação em causa. Concluindo, a inquirição da única testemunha arrolada na petição inicial revela-se uma diligência inútil, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao dispensar aquela diligência».
– cfr. páginas 47 e 48 do Acórdão recorrido.
8. Ora, a audição da testemunha arrolada pelo Recorrente permitiria ao Douto Tribunal comprovar não só a efetiva existência da dívida do Recorrente à B. decorrente do contrato de mútuo celebrado a 18 de fevereiro de 2013, bem como qual a motivação da B. subjacente à concessão do referido empréstimo – a colocação desta numa posição negocial favorável à futura aquisição do capital social da E., S.A. face aos respetivos acionistas.
9. Note-se que este condicionalismo contratual foi, na decisão recorrida, o fundamento de reconhecimento da validade da decisão do Diretor de Finanças de Lisboa, decretando a avaliação, com recurso a métodos indiretos, da sua matéria coletável de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do Recorrente, tendo em conta que o Douto Tribunal a quo entendeu não estar demonstrado, designadamente, o motivo pelo qual o contrato de mútuo em causa não tinha garantias associadas, ter um longo prazo de restituição do capital mutuado e não ter qualquer estipulação de juros.
10. Neste sentido, atente-se no voto de vencido lavrado pela Ex.ma Juíza Desembargadora ANABELA RUSSO:
«A Administração Tributária, entendendo que era inverosímil que o Recorrente e aquela sociedade (B.) tivessem celebrado o referido acordo ("mútuo") desvalorizou a sua existência para efeito de prova do circuito financeiro que exigiu ao contribuinte (em ordem a demonstrar que não tinha omitido na sua declaração de IRS rendimentos que devia ter declarado), elegendo aquela factualidade como um dos fundamentos essenciais em que suportou a necessidade de se recorrer a métodos indiretos para tributação da matéria coletável. Neste contexto, a pretensão do Recorrente de justificar ou comprovar os motivos que estão na base do acordo nos precisos termos em que foi firmado, designadamente o interesse de cada uma das partes com a sua celebração, e, muito concretamente, o interesse/vantagens da B. com a celebração daquele Concreto acordo – face à fundamentação do ato - não pode deixar de ser entendido como relevante […]. Em suma, quer a Administração Tributária na decisão recorrida, quer a sentença em 1a instância, quer a posição que obteve vencimento neste Tribunal Central consideraram relevante para a fundamentação da decisão impugnada e na sindicância desta o referido condicionalismo contratual e, sobretudo, a falta de explicação dele, o que é, em nosso entender, quanto basta para concluir pela pertinência do depoimento - hoje indiscutivelmente admissível no âmbito deste tipo de processo e para prova do facto a provar (vide, por todos, nesta questão, o acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de outubro de 2013, proferido no processo n.º 474/2013). Assim, partindo dos factos dados como apurados em 1ª instância e a relevância que em sede de decisão de direito foi dada a esse fundamento no que respeita à não prova da origem do "rendimento" ou "despesa efetuada" e no discurso jurídico conducente à legitimação, por causa desse fundamento, do recurso a métodos indiretos, a sentença devia ser anulada e […] ordenada a baixa dos autos para a produção de prova requerida […]».
[sublinhados nossos] – cfr. páginas 3 a 5 do voto de vencido que integra o Acórdão recorrido.
11. Ao invés, entendeu o Acórdão recorrido que a omissão da diligência em causa não impediu o Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou, e que, por isso, não coloca em causa qualquer direito do Recorrente – designadamente o seu direito à produção de prova e a uma tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º da CRP.
12. A este respeito, e sem prejuízo do desenvolvimento do tema em sede de alegações a apresentar junto do Tribunal Constitucional, importa neste contexto referir que a parte final do n.º 3 do artigo 146.º-B do CPPT foi declarada inconstitucional por excluir em absoluto a prova testemunhal em matéria de aplicação de métodos indiretos, tendo, para o efeito, concluído que há factos para cuja clarificação pode revelar-se necessário e adequado o recurso a este meio probatório:
«Neste circunstancialismo, e perante situações em que, face ao normativamente consagrado, a demonstração dos factos – que, no entendimento da 'parte', conduzam à defesa do seu direito ou interesse legalmente protegido – não é possível, de todo, deixar de fazer-se através de prova testemunhal, desde que, repete-se, essa seja, nos termos gerais legalmente admissível, claramente que vai ficar afetada aquela defesa, porventura tornando inviável ou inexequível o direito de acesso aos tribunais. E, nesse contexto, a solução legislativa que isso consagre não pode deixar de considerar-se como desproporcionada e afetadora do direito consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, pois que totalmente preclude uma apreciação e valoração dos factos invocados como consubstanciadores da pretensão deduzida em juízo»
– cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 759/2013, de 30 de outubro de 2013.
13. Constata-se pois que a omissão daquela diligência instrutória oportunamente requerida pelo Recorrente – porque implicaria necessariamente a prolação de uma decisão jurisdicional distinta – teve influência direta no exame realizado pelo Douto Tribunal a quo e, consequentemente, na decisão da causa, motivo pelo qual é necessariamente geradora de nulidade – cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00746/08.5BEPNF, de 12 de janeiro de 2012.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal que se digne admitir o presente recurso jurisdicional, por tempestivo e por estarem preenchidos os demais pressupostos legais para o efeito, seguindo-se os demais termos legais com efeito suspensivo da decisão recorrida.»
4. A decisão recorrida apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:
«(...)
Invoca, ainda, o recorrente que o Tribunal a quo não fundamentou a desnecessidade da prova testemunhal, não sabendo o recorrente quais as concretas razões de tal decisão.
Vejamos.
No caso vertente, o Juiz "a quo" proferiu despacho sucinto a dispensar a inquirição das testemunhas (despacho imediatamente anterior à sentença recorrida), com o seguinte conteúdo:
«Atentos o pedido e a causa de pedir, tal como se encontram formulados no requerimento inicial e os documentos constantes dos autos, afigura-se desnecessária a produção de prova testemunhal requerida pejo Recorrente»
No entanto, a lei não prescreve tal despacho, pelo que não vemos como sustentar que a omissão ou fraca fundamentação do mesmo consista um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade.
O que a lei refere, no n.º 1 do art. 113º do CPPT, é que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova, caso conclua pela afirmativa, deve, após vista ao Ministério Público, de imediato proferir sentença. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz expresse o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo.
«O Recorrente invoca também como nulidade processual a falta de notificação do despacho que dispensou a inquirição da testemunha por ele arrolada. Salvo o devido respeito, a falta dessa notificação também não constitui nulidade processual, na medida em que a lei não impõe tal notificação nem da omissão da mesma resulta prejuízo algum para o ora Recorrente, sendo a mesma insuscetível de influir na decisão.
Desde logo, a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes. O que a lei refere, no n.º 1 do art. 131.º do CPPT, é que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova, caso conclua pela afirmativa, deve, após vista ao Ministério Público, de imediato proferir sentença. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz expresse o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela Fazenda Pública, quer o faça oficiosamente, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir sentença de imediato (após dar vista ao Ministério Público, entenda-se), é porque entendo desnecessária a produção de prova.
Ora, se a lei não prescreve tal despacho, não vemos como sustentar que a omissão do mesmo consista um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade. Recorde-se que a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido nos autos.
Aliás, qual seria a utilidade desse despacho? Se o juiz entende conhecer imediatamente do pedido, não vemos por que há de proferir despacho a anunciar que o vai fazer e só depois conhecer do pedido, ao invés de fazê-lo de imediato. Tal despacho não teria utilidade alguma, nem sequer a de dar a conhecer às partes que não houve lugar à produção de prova. É que estas, logo que notificadas da sentença, facilmente se podem aperceber de que não houve fase de instrução, quer porque não foram notificadas da prática de quaisquer diligências instrutórias, quer porque não foram notificadas para alegar nos termos do art. 120.º do CPPT, quer porque na sentença não existirá qualquer referência àquelas diligências na apreciação crítica dos elementos de prova que o juiz utilizou para formar a sua convicção. Nem se diga que as partes não podem aperceber-se através da notificação da sentença de que não houve lugar à fase da instrução, que poderia ter ocorrido à sua revelia, que poderia ter ocorrido mesmo que não tenha havido notificação nos termos do art. 120.º do CPPT e, finalmente, que poderia ter tido ocorrido sem que lhe seja feita referência alguma para fundamentar o julgamento da matéria de facto. Na verdade, se em relação a esta última circunstância, é certo que a mesma, só por si, nada revela relativamente à prática ou não de diligências instrutórias (se bem que, normalmente, o juiz deva proceder à análise crítica de toda a prova produzida), já as duas primeiras circunstâncias - ter havido lugar à instrução à revelia das partes, que não teriam sido notificadas para assistir às diligências instrutórias ou aos seus resultados, e não terem as partes sido notificadas para alegarem - são situações patológicas, que não podem erigir-se em critério de normalidade para aferir da regularidade da tramitação processual; a regra é que seja observado o formalismo processual prescrito na lei:·normal é que, se existir instrução, as partes sejam notificadas para as diligências instrutórias, designadamente para a inquirição das testemunhas, e normal é também que, terminada que seja a instrução, as partes sejam notificadas para alegações.
Mas, se porventura ocorressem tantos e tão graves atropelos no processo - que, esses sim, constituiriam nulidades (Na verdade, caso houvesse lugar à realização de diligências instrutórias, designadamente à inquirição de testemunhas, a falta de notificação das partes para estarem presentes na diligência, bem como a falta de notificação para alegações, constituiriam nulidades, porque desvios ao formalismo processual prescrito na lei - cfr. arts. 118.º, n.º 3, do CPPT, do qual se infere a necessidade de notificação das partes, e 120.º do mesmo Código - e suscetíveis de influir no exame e decisão da causa.) -, nem por isso as partes ficariam desprotegidas pela ausência de despacho a dispensar a realização de diligências instrutórias e respetiva notificação.
Na verdade, essas nulidades sempre poderiam ser arguidas no recurso a interpor da sentença final, bem como deveriam ser conhecidas oficiosamente pelo tribunal ad quem.
Nem se diga que esse despacho (a anunciar o conhecimento imediato do pedido) teria como vantagem a possibilidade de as partes poderem suscitar desde logo a sua reapreciação por instância superior, mediante recurso, assim obviando à prossecução do processo e à prolação de sentença que, a verificar-se a nulidade, viriam a ser anulados por força da mesma. É que, embora admitamos que, a ser proferido despacho que dispense a produção da prova, este será passível de recurso, tal recurso sempre seria a subir com o que fosse interposto da decisão final (cfr. art. 285.º do CPPT), motivo por que nem sequer se pode invocar que a prolação desse despacho teria o mérito de, através da possibilidade do recurso do mesmo, obstar à prossecução do processo e à prática de atos que poderiam vir a ser anulados. Note-se, finalmente e de novo, que o facto de sustentarmos a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo. Na verdade, sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só as partes podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente [cfr. art. 682.º, n.º 3, do CPC, por força do art. 2.º, alínea e), do CPPT].
Assim, também a falta de notificação do despacho que dispensou a inquirição das testemunhas não constitui nulidade (Neste sentido, não encontramos jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mas do Tribunal Central Administrativo Sul, de que são exemplo mais antigo os seguintes acórdãos:
- de 19 de outubro de 2004, proferido no processo n.º 7203/02, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fd7c059808b3d0e180256f350037a5ee;
- de 7 de março de 2006, proferido no processo n.º 1186/03, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/40870d90eef78fc58025712b00442a1a;
- de 30 de setembro de 2008, proferido no processo n.º 2330/08, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/f55cb59c24ede773802574d7004e9b28;
- de 7 de outubro de 2008, proferido no processo n.º 2065/07, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d7316e11396cd64a802574e 100333f43.).»
Deste modo, o facto do Tribunal a quo ter considerado dispensável a inquirição das testemunhas e essa dispensa, também não constitui nulidade processual.
Poderá, é certo e como ficou dito, questionar-se a falta de inquirição da testemunha como erro de julgamento, na medida em que poderia a omissão dessa diligência ter impedido o ora Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou.
É precisamente isso que alega o Recorrente, que «a omissão dessa diligência instrutória teve influência direta na decisão da causa e consubstancia uma inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18º, nº 2, e 20º, nº 1, da CRP»
No presente caso, o recorrente arrolou uma testemunha.
O Tribunal a quo considerou ser a mesma desnecessária.
Alega o recorrente nas alegações de recurso (§39.) que pretendia que a testemunha fosse inquirida quanto à matéria de facto constante dos artigos 12º, 15º e 16º da petição inicial.
Entende o recorrente que a audição da testemunha arrolada pelo recorrente (o Administrador da D., S.A.) permitiria comprovar não só a efetiva existência da dívida do recorrente à B. decorrente do contrato de mútuo celebrado a 18 de fevereiro de 2013 [facto já dado por provado na alínea H) do probatório], bem como qual a motivação da B. subjacente à concessão do referido empréstimo - a colocação deste numa posição negocial favorável à futura aquisição do capital da E., S.A. face aos respetivos acionistas.
Apreciando.
O recorrente pretendia com a prova testemunhal provar um facto (art. 12º da pi) que já consta na al. H) da factualidade provada, bem como provar factos (arts. 15 e 16 da pi) que se prendem com a posterior venda da posição acionista do recorrente ou a aquisição dos créditos alegadamente emergentes de contratos por si outorgados, que, entre outros, porque posteriores à efetividade da transferência bancária nada acrescentam no sentido do esclarecimento da operação em causa.
Concluindo, a inquirição da única testemunha arrolada na petição inicial revelase uma diligência inútil, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao dispensar aquela diligência.
Não há, pois, erro de julgamento na dispensa da prova testemunhal.»
5. Através da Decisão Sumária n.º 645/2019, foi decidido não conhecer o referido recurso, por não se encontrarem preenchidos vários dos pressupostos processuais de que dependia esse conhecimento. Foi a seguinte, no essencial, a fundamentação apresentada:
«6. Em primeiro lugar, é muito duvidoso que o recorrente tenha suscitado perante o tribunal recorrido, de modo prévio e adequado, uma questão de constitucionalidade de que esse tribunal ficasse obrigado a conhecer. De facto, como resulta da leitura do ponto 2, supra, as únicas alusões que o recorrente faz a matérias de constitucionalidade são as de que: (i) «Tendo em conta o exposto supra, resulta clara a nulidade processual da sentença recorrida, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, dado que a omissão da inquirição da testemunha arrolada influiu na boa decisão da causa, por visar provar matéria que foi não foi dada por provada, resultando ademais, e nessa exata medida, numa inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da CRP»; e (ii) «A omissão dessa diligência instrutória teve influência direta na decisão da causa e consubstancia uma inadmissível lesão do direito do Recorrente à produção de prova constitucionalmente consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da CRP».
Tais alusões não se perfilam como uma suscitação de uma questão de constitucionalidade, tanto mais quando se considera que este pressuposto processual não se basta com uma simples alusão a enunciados normativos ordinários, mas antes exige – de acordo com a interpretação que o Tribunal Constitucional vem consistentemente fazendo do artigo 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da LTC – que o recorrente haja identificado tais enunciados de modo expresso e claro, delimitando e especificando pela positiva o objeto do recurso perante o tribunal recorrido.
7. Em segundo lugar, afigura-se também muito duvidoso que a pretensão do recorrente apresente o caráter normativo necessário para que pudesse ser conhecida por este Tribunal. De facto, não pode deixar de notar-se que o presente recurso não parece vir colocar uma autêntica questão de constitucionalidade, mas antes uma questão de direito ordinário, na medida em que a discordância do recorrente se dirige muito mais à concreta atividade subsuntiva empreendida pelo tribunal recorrido do que a uma norma, propriamente dita, que pelo mesmo tenha sido aplicada.
O recorrente não pugna verdadeiramente pela inconstitucionalidade de uma norma nos termos da qual pode ser omitida a inquirição de uma testemunha suscetível de influir na decisão da causa, antes se insurgindo contra o facto de o tribunal recorrido ter concluído que, no seu concreto caso, a inquirição da testemunha por si arrolada era insuscetível de influir na decisão da causa. Foi aliás explicitamente no plano do direito ordinário que o tribunal recorrido abordou a questão colocada pelo recorrente, quando afirmou: «Poderá, é certo e como ficou dito, questionar-se a falta de inquirição da testemunha como erro de julgamento, na medida em que poderia a omissão dessa diligência ter impedido o ora Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou» (sublinhado nosso).
O Tribunal Constitucional, porém, não tem competência para sindicar a atuação subsuntiva dos tribunais judiciais, a qual se desenvolve no estrito plano do direito infraconstitucional, sob pena de ingerência na esfera de competências que no nosso ordenamento jurídico estão confiadas a esses tribunais. A competência do Tribunal Constitucional num recurso como o presente cinge-se à apreciação da possível desconformidade de uma norma de direito infraconstitucional com a Constituição.
8. Por fim, ainda que se reconhecesse caráter normativo à pretensão recursória em apreço e se concedesse ter sido suscitada prévia e adequadamente uma questão de constitucionalidade, não poderia concluir-se que o entendimento atribuído pelo recorrente ao tribunal a quo tenha respaldo na decisão recorrida, como sua ratio decidendi. Note-se que este pressuposto processual constitui um corolário do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade conforme concebidos no ordenamento jurídico português: embora tais recursos se restrinjam à questão da invalidade da norma (vd. o artigo 280.º, n.º 6, da Constituição), a decisão que no seu âmbito for proferida não pode deixar de ter efeitos sobre a decisão recorrida, sob pena de não apresentar o dito caráter instrumental (cf. e.g. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 498/96). Ora, um eventual juízo de inconstitucionalidade só pode repercutir-se na solução a dar a um caso se, entre outras condições, houver uma perfeita coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade é invocada e aquele que efetivamente foi aplicado pelo tribunal recorrido para sustentar a sua decisão (cf. e.g. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 472/08).
No caso sob apreciação, conforme indicado, não se verifica essa coincidência. De facto, o entendimento que o recorrente atribui ao tribunal recorrido integra, a título essencial, o elemento de que «a omissão da inquirição da testemunha arrolada influiu na boa decisão da causa». Sublinha o recorrente que essa omissão «implicaria necessariamente a prolação de uma decisão jurisdicional distinta». Ora, é manifesto que o tribunal a quo não fez uma tal interpretação do direito ordinário aplicável ao caso. Bem diversamente, o que esse tribunal considerou foi que a diligência requerida pelo recorrente era «desnecessária» – ou seja, que não era suscetível de influir na boa decisão da causa nem implicaria (muito menos «necessariamente») a prolação de uma decisão distinta –, uma vez que, através dela, o recorrente pretendia «provar um facto (...) que já consta (...) da factualidade provada, bem como provar factos (...) que se prendem com a posterior venda da posição acionista do recorrente ou a aquisição dos créditos alegadamente emergentes de contratos por si outorgados, que, entre outros, porque posteriores à efetividade da transferência bancária nada acrescentam no sentido do esclarecimento da operação em causa». Conclui, pois, o tribunal recorrido reiterando que «a inquirição da única testemunha arrolada na petição inicial revelase uma diligência inútil, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao dispensar aquela diligência.»
Mesmo no voto de vencido que o recorrente invoca em seu abono, o entendimento que foi acolhido foi o de que o interesse do recorrente em ver inquirida a testemunha por si arrolada era «relevante», o que exprime uma divergência quanto – mas apenas quanto – à correta subsunção dos factos do caso concreto ao direito ordinário aplicável. Também aqui, por conseguinte, a questão estava colocada estritamente num plano infraconstitucional, não normativo e distinto daquele em que o recorrente, para os efeitos do presente recurso de constitucional, procurou estruturá-la.»
6. Inconformado, o recorrente vem agora reclamar para a conferência dessa Decisão Sumária, o que faz, fundamentalmente, nos seguintes termos:
«I. Enquadramento
§1. Por decisão sumária de 1 de outubro de 2019, o Juiz Conselheiro Relator decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto pelo Recorrente pelas seguintes razões:
(...).
§2. Em suma, o Juiz Conselheiro Relator fundamenta a sua decisão de não admissão do recurso (i) na alegada falta de invocação perante o tribunal recorrido, de modo prévio e adequado, da questão de constitucionalidade; (ii) na alegada falta de caráter normativo da mesma questão; e (iii) no facto de, segundo entende, a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se suscita não ter sido a ratio decidendi da decisão recorrida.
§3. O Recorrente discorda do entendimento perfilhado pelo Juiz Conselheiro Relator no âmbito da decisão sumária, reputando de ilegal a decisão de não admissão do recurso, pelas razões que infra se expõem.
II. Do erro de julgamento da decisão sumária
§4. No âmbito do presente recurso, o Recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 195.°, n.º 1, do Código de Processo Civil ("CPC"), por violação dos artigos 18.°, n.º 2, e 20, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), na interpretação de que não é nula uma sentença que omite diligências de prova, designadamente a inquirição de testemunha, cuja realização foi requerida pelo sujeito passivo para comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos por si declarados e de qual a fonte das manifestações de fortuna identificadas pela Administração Tributária, quando incide sobre si o ónus da prova desses factos e a sentença vem a considerar incumprido tal ónus, julgando, em consequência, preenchidos os pressupostos para a avaliação indireta da sua matéria coletável de IRS ao abrigo do artigo 87.°, n.º 1, alínea f), da LGT.
§5. Ou seja: a questão que o Recorrente pretende ver apreciada por esse Douto Tribunal é a de saber se é conforme à CRP, em concreto aos artigos 18.°, n.º 2, e 20.°, n.º 1, a interpretação do artigo 195.°, n.º 1, do CPC feita pelo Tribunal a quo no sentido de que não padece de nulidade uma sentença que indefere a realização de diligências probatórias requeridas pelo sujeito passivo para comprovação de factos cujo ónus da prova lhe incumbe e que posteriormente julga improcedente a ação por considerar esses mesmos factos como não provados.
II.A Da invocação prévia e adequada da questão de constitucionalidade em apreço
§6. De acordo com o entendimento do Juiz Conselheiro Relator, o Recorrente fez apenas duas alusões a matérias de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, as quais «não se perfilam como uma suscitação de uma questão de constitucionalidade».
§7. Ora, atentando nas alegações de recurso apresentadas a 12 de novembro de 2018 perante o tribunal recorrido, verifica-se que o Recorrente, após demonstrar a manifesta nulidade da sentença recorrida decorrente da omissão de inquirição da testemunha arrolada, suscitou clara e expressamente a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da CRP, do entendimento segundo o qual essa omissão não seria geradora de nulidade - cfr. parágrafos 34.º a 49.º e conclusões E) a H) das alegações de recurso.
§8. Ou seja, o Recorrente não se limitou a aludir genericamente à eventual inconstitucionalidade do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, antes especificando a interpretação normativa desse artigo cuja inconstitucionalidade questiona e, bem assim, individualizando os preceitos constitucionais que considera violados pela mesma.
§9. Conclui-se, assim, que ao contrário do que consta da decisão ora reclamada o Recorrente suscitou de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso, devendo por isso o mesmo ser admitido e apreciado por esse Douto Tribunal, revogando-se a decisão objeto da presente reclamação.
II.B Do caráter normativo da questão de constitucionalidade em apreço
§10. No que respeita a esta questão, considera o Juiz Conselheiro Relator que (...).
§11. Em síntese, o Juiz Conselheiro Relator parece considerar que o que o Recorrente pretende ver apreciado no âmbito do presente recurso de constitucionalidade é o erro de julgamento em que incorreu o acórdão recorrido quando decidiu que a inquirição da testemunha arrolada não influía na decisão da causa e não era, em consequência, geradora de nulidade.
§12. Ora, contrariamente a tal entendimento, a questão trazida pelo Recorrente à apreciação deste Douto Tribunal é a de saber - conforme expressamente referido no requerimento de interposição de recurso - se, para além de enfermar de erro de julgamento (questão que naturalmente não se discute nesta sede), a decisão recorrida padece também de inconstitucionalidade em virtude da interpretação que fez do artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
§13. Com efeito, o Recorrente não pretende que esse Douto Tribunal se pronuncie sobre a correção da decisão recorrida ao considerar como não geradora de nulidade a dispensa pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de inquirição da testemunha arrolada pelo Recorrente, mas antes que aprecie a conformidade à CRP da interpretação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC no sentido de que não é nula uma sentença que dispensa a realização de uma diligência probatória requerida pelo sujeito sobre quem recai o ónus da prova e que posteriormente julga improcedente a ação por considerar não estar satisfeito tal ónus.
§14. É, assim, manifesto o caráter normativo da questão suscitada no âmbito do presente recurso, o qual deve em consequência ser admitido e apreciado por esse Douto Tribunal, revogando-se a decisão ora reclamada.
II.C Da questão normativa em crise como ratio decidendi da decisão recorrida
§15. Por último, considera o Juiz Conselheiro Relator que não se verifica uma coincidência entre o enunciado normativo cuja inconstitucionalidade é invocada pelo Recorrente no âmbito do presente recurso e o que foi aplicado pelo Tribunal a quo na sua decisão, donde conclui não ser admissível o recurso porque um eventual juízo de inconstitucionalidade não teria repercussões do âmbito dos presentes autos.
§16. Quanto a este ponto, pode ler-se na decisão sumária;
(...)
§17. Ora, tal como supra se sublinhou, o objeto do presente recurso não é a aferição da correção da decisão de não Inquirir a testemunha arrolada pelo Recorrente, mas antes a interpretação que o tribunal recorrido - ainda que implicitamente - fez do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
§18. Neste contexto, entende o Juiz Conselheiro LOPES DO REGO:
«A aplicação da norma tanto pode ser expressa como implícita: não é naturalmente indispensável que o julgador haja explicitamente fundamentado de direito a decisão que tomou através da invocação dos preceitos legais (ou da interpretação dos mesmos) especificados pelo recorrente como estando feridos de inconstitucionalidade». - cfr. LOPES DO REGO, "Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional", Almedina, 2010, página 111.
§19. Ou seja: a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade não está dependente de qualquer referência expressa na decisão recorrida ao disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, bastando-se com a demonstração pelo Recorrente de que o tribunal recorrido aplicou a norma em causa na interpretação cuja inconstitucionalidade ora se suscita.
§20. No caso em apreço, o Recorrente chamou à colação o voto de vencida da Ex.ma Juíza Desembargadora ANABELA RUSSO precisamente para demonstrar que o tribunal recorrido aplicou a interpretação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC cuja inconstitucionalidade ora se suscita.
§21. Com efeito, como ilustra o referido voto de vencido, o depoimento da testemunha arrolada era suscetível de influir na decisão da causa, mais aí se enfatizando que «quer a sentença de 1.ª instância, quer a posição que obteve vencimento neste Tribunal Central consideraram relevante para a fundamentação da decisão impugnada e na sindicância desta o referido condicionalismo contratual [que o Recorrente pretendia clarificar através da prova testemunhal em referência] e, sobretudo, a falta de explicação dele».
§22. Assim, resulta inequivocamente do referido voto de vencido que tanto a sentença de primeira instância como a decisão recorrida se basearam precisamente na falta de comprovação dos factos que o Recorrente pretendia provar através da prova testemunhal requerida para decidir pela improcedência da ação.
§23. O mesmo é dizer que, estando o Tribunal a quo em dúvida quanto à pertinência do depoimento da testemunha arrolada - o que se demonstra pelo facto de uma das Meritíssimas Juízas que compunham o coletivo considerar que a prova dos factos que o mesmo visava demonstrar teria certamente alterado a decisão da causa -, decidiu pela validade da sentença recorrida.
§24. Ou seja: confrontado com a possibilidade de a omissão de inquirição da testemunha ter influído na decisão da causa - e não alcançando uma conclusão unânime quanto a esse ponto o Tribunal a quo concluiu ainda assim que a sentença objeto de recurso não enferma de nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
§25. Ora, resulta do artigo 195.º, n.º 1, do CPC (na parte que para aqui releva) que «[...] a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade [...] quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa» [sublinhado nosso].
§26. Verifica-se, assim, que o referido normativo legal não exige, para sancionar certa omissão com nulidade, que se encontre demonstrada a influência da mesma na decisão da causa, mas apenas que se verifique a possibilidade de nela ter influído.
§27. Neste contexto, o Tribunal a quo entendeu, por maioria dos Meritíssimos Juízes que compunham o coletivo, que, no caso concreto, a omissão não influiu na decisão da causa - e ainda que tal conclusão fosse controvertida e questionável, atenta a natural dificuldade de realizar o necessário juízo de prognose póstuma que permitiria concluir acerca do desfecho da ação caso a omissão não se tivesse verificado -, seria conforme à CRP decidir que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não era nula.
§28. Sucede que, independentemente da posição perfilhada pelo tribunal recorrido quanto à influência concreta que a inquirição da testemunha previsivelmente teria na decisão da causa, a nulidade da sentença depende apenas da verificação de suscetibilidade para influir na referida decisão, o que inequivocamente se verifica no caso em apreço.
§29. Ora, tal como o Recorrente oportunamente alegou perante o Tribunal a quo, entender diversamente - isto é, que a omissão de realização da diligência probatória requerida pelo detentor do ónus da prova e subsequente indeferimento da ação por falta de demonstração dos factos que essa mesma diligência visava provar não inquina de nulidade a sentença - colide frontalmente com o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.° da CRP.
§30. Assim sendo, é manifesto que a procedência do presente recurso de constitucionalidade conduzirá à conclusão de que perante a possibilidade de a omissão de inquirição da testemunha arrolada influir na decisão da causa a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é necessariamente nula sob pena de inconstitucionalidade material da norma ínsita no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
§31. Neste contexto, e uma vez que a decisão recorrida se baseou precisamente no entendimento de que a referida omissão não é geradora de nulidade da sentença - perfilhando assim claramente o entendimento normativo cuja inconstitucionalidade se suscita no âmbito do presente recurso -, é por demais evidente que a apreciação do presente recurso de constitucionalidade terá efeitos relevantes no caso concreto.
§32. Por tudo quanto ficou exposto, conclui-se que estão verificados todos os pressupostos necessários à apreciação do presente recurso de constitucionalidade por esse Douto Tribunal, pelo que se requer a esse Douto Tribunal que anule a decisão sumária proferida pelo Juiz Conselheiro Relator e a substitua por acórdão que admita o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto, tudo com as demais consequências legais.
III. Conclusões
A) A questão que o Recorrente pretende ver apreciada no âmbito do presente recurso é a de saber se é conforme à CRP, em concreto aos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, a interpretação do artigo 195.º. n.º 1, do CPC feita pelo Douto Tribunal a quo no sentido de que não padece de nulidade uma sentença que indefere a realização de diligências probatórias requeridas pelo sujeito passivo para comprovação de factos cujo ónus da prova lhe incumbe e que posteriormente julga improcedente a ação por considerar esses mesmos factos como não provados;
B) O Recorrente suscitou de modo processualmente adequado perante o Tribunal a quo a questão de constitucionalidade objeto do presente recurso, uma vez que não se limitou a aludir genericamente à eventual inconstitucionalidade do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, antes especificou a interpretação normativa do mesmo cuja inconstitucionalidade questiona e individualizou os preceitos constitucionais que considera violados pela mesma;
C) A questão de constitucionalidade suscitada no âmbito do presente recurso tem caráter normativo, na medida em que o Recorrente não pretende que esse Douto Tribunal se pronuncie sobre a correção da decisão recorrida, mas antes que aprecie a conformidade à CRP da interpretação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC efetuada pelo Tribunal a quo);
D) A admissibilidade do presente recurso não depende de qualquer referência expressa na decisão recorrida à aplicação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, bastando-se com a demonstração pelo Recorrente de que o Tribunal a quo aplicou a norma em causa na interpretação cuja inconstitucionalidade ora se suscita;
E) Do voto de vencido da Ex.ma Juíza Desembargadora ANABELA RUSSO resulta que não foi unânime a decisão de que o depoimento da testemunha arrolada pelo Recorrente não teve influência na decisão da causa, tendo ainda assim o Tribunal a quo decidido não ser nula a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra;
F) Ou seja: confrontado com a possibilidade de a omissão de inquirição da testemunha ter influído na decisão da causa, o Tribunal a quo considerou não ser nula a sentença, pese embora a mesma tenha assentado na falta de comprovação dos factos que essa mesma inquirição visava demonstrar;
G) De acordo com o artigo 195.º, n.º 1, do CPC basta que certa omissão possa ter influído (em abstrato) na decisão da causa para que seja geradora de nulidade, sendo certo que qualquer interpretação diversa será necessariamente desconforme com o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º da CRP;
H) Assim, a interpretação normativa do artigo 195.º, n.º 1, do CPC adotada pelo Tribunal a quo é materialmente inconstitucional, por violação dos supra referidos preceitos constitucionais;
I) Uma vez que a decisão recorrida se baseou precisamente no entendimento normativo cuja inconstitucionalidade ora se suscita e estando demonstrada a sua desconformidade à CRP, é manifesto que a apreciação do presente recurso de constitucionalidade terá efeitos relevantes no caso concreto, não sendo despicienda essa apreciação;
J) Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade, devendo ser anulada a decisão sumária proferida pelo Juiz Conselheiro Relator e emitido acórdão que a substitua, admitindo o presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.»
7. Notificada para o efeito, a recorrida não se pronunciou.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
8. O recorrente vem reclamar da Decisão Sumária n.º 645/2019, que decidiu não conhecer o objeto do recurso por si interposto, por julgar não se acharem verificados todos os requisitos necessários para o efeito. A presente reclamação, porém, não pode ser deferida. A reclamação em apreço vem, aliás, reforçar as conclusões apresentadas na referida Decisão Sumária, nos termos que em seguida se expõem.
9. O recorrente vem argumentar que a aplicação da norma reputada de inconstitucional «tanto pode ser expressa como implícita», não estando, portanto, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade em questão «dependente de qualquer referência expressa na decisão recorrida ao disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, bastando-se com a demonstração pelo Recorrente de que o tribunal recorrido aplicou a norma em causa na interpretação cuja inconstitucionalidade ora se suscita». Esse entendimento não merece reparo, nem a Decisão Sumária aqui reclamada se pronunciou em sentido que com ele conflitue.
O que se não pode entender é que, no caso em apreço, o tribunal recorrido tenha aplicado, seja explícita seja implicitamente, a suposta norma. O recorrente – recorde-se – argumenta que: «§20. No caso em apreço, o Recorrente chamou à colação o voto de vencida da Ex.ma Juíza Desembargadora ANABELA RUSSO precisamente para demonstrar que o tribunal recorrido aplicou a interpretação do artigo 195.º, n.º 1, do CPC cuja inconstitucionalidade ora se suscita. §21. Com efeito, como ilustra o referido voto de vencido, o depoimento da testemunha arrolada era suscetível de influir na decisão da causa, mais aí se enfatizando que “quer a sentença de 1.ª instância, quer a posição que obteve vencimento neste Tribunal Central consideraram relevante para a fundamentação da decisão impugnada e na sindicância desta o referido condicionalismo contratual [que o Recorrente pretendia clarificar através da prova testemunhal em referência] e, sobretudo, a falta de explicação dele”. §22. Assim, resulta inequivocamente do referido voto de vencido que tanto a sentença de primeira instância como a decisão recorrida se basearam precisamente na falta de comprovação dos factos que o Recorrente pretendia provar através da prova testemunhal requerida para decidir pela improcedência da ação. §23. O mesmo é dizer que, estando o Tribunal a quo em dúvida quanto à pertinência do depoimento da testemunha arrolada - o que se demonstra pelo facto de uma das Meritíssimas Juízas que compunham o coletivo considerar que a prova dos factos que o mesmo visava demonstrar teria certamente alterado a decisão da causa -, decidiu pela validade da sentença recorrida. (...) §26. Verifica-se, assim, que o referido normativo legal não exige, para sancionar certa omissão com nulidade, que se encontre demonstrada a influência da mesma na decisão da causa, mas apenas que se verifique a possibilidade de nela ter influído. §27. Neste contexto, o Tribunal a quo entendeu, por maioria dos Meritíssimos Juízes que compunham o coletivo, que, no caso concreto, a omissão não influiu na decisão da causa - e ainda que tal conclusão fosse controvertida e questionável, atenta a natural dificuldade de realizar o necessário juízo de prognose póstuma que permitiria concluir acerca do desfecho da ação caso a omissão não se tivesse verificado -, seria conforme à CRP decidir que a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra não era nula. §28. Sucede que, independentemente da posição perfilhada pelo tribunal recorrido quanto à influência concreta que a inquirição da testemunha previsivelmente teria na decisão da causa, a nulidade da sentença depende apenas da verificação de suscetibilidade para influir na referida decisão, o que inequivocamente se verifica no caso em apreço.»
A fim de firmar a aplicação da suposta interpretação pelo tribunal recorrido, a reclamação em apreço acaba por infirmar a noção de que essa aplicação tenha tido lugar, bem como a de que a questão aqui em causa tenha caráter normativo.
10. Começando pela primeira questão, importa recordar que, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente afirmou que o Acórdão recorrido «aplicou o artigo 195.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a interpretação normativa considerada inconstitucional, entendendo que o Tribunal pode livremente dispensar a produção de prova requerida pelo contribuinte, ainda que esta seja suscetível de alterar a matéria levada ao probatório, principalmente no que concerne à matéria de facto não provada, e mesmo quando incida sobre o contribuinte o ónus da prova desses factos». E prosseguiu nos seguintes termos: «Ora, a audição da testemunha arrolada pelo Recorrente permitiria ao Douto Tribunal comprovar não só a efetiva existência da dívida do Recorrente à B. decorrente do contrato de mútuo celebrado a 18 de fevereiro de 2013, bem como qual a motivação da B. subjacente à concessão do referido empréstimo – a colocação desta numa posição negocial favorável à futura aquisição do capital social da E., S.A. face aos respetivos acionistas. (...) Ao invés, entendeu o Acórdão recorrido que a omissão da diligência em causa não impediu o Recorrente de fazer prova de factualidade que alegou, e que, por isso, não coloca em causa qualquer direito do Recorrente – designadamente o seu direito à produção de prova e a uma tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados nos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º da CRP.»
Ou seja, confirma-se a ideia de que um elemento central da questão de constitucionalidade trazida a este Tribunal pelo recorrente era o de que a diligência probatória em causa era suscetível de influir na decisão da causa, elemento que não decorre da decisão recorrida. É este preciso elemento que impede a conclusão de que a questão em apreço tenha caráter normativo, uma vez que a determinação da potencial relevância de uma dada diligência probatória – que o recorrente entendia verificar-se mas o tribunal recorrido não – constitui pura matéria de direito ordinário, e não uma questão de conformidade de uma dada norma ou interpretação do direito ordinário com a Constituição.
Deve sublinhar-se que o pressuposto de a questão apresentada revestir caráter normativo, diversamente de outros a que está subordinada a possibilidade de conhecimento de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, não tem natureza apenas formal ou procedimental, sendo antes essencial para delimitar a competência do Tribunal Constitucional no confronto com as outras ordens jurisdicionais (vd. e.g. o Acórdão n.º 361/98). Esse pressuposto impede que tais recursos visem a sindicância das decisões dos tribunais judiciais em si mesmas consideradas – ou seja, uma apreciação dos concretos termos em que aí foram aplicadas determinadas normas de direito ordinário (cf. e.g. o Acórdão n.º 466/2016). Independentemente da razão que possa porventura assistir a um recorrente relativamente a uma dada questão de direito ordinário, está simplesmente fora das competências do Tribunal Constitucional realizar esse tipo de sindicância, sob pena de ingerência em competências que no nosso sistema jurídico se encontram confiadas de modo exclusivo aos tribunais de outras ordens jurisdicionais.
11. Do mesmo passo, sai também reforçada a noção de que a questão colocada pelo recorrente não tem suficiente respaldo na decisão recorrida como sua ratio decidendi, pressuposto este cujo sentido ficou já explanado na Decisão Sumária aqui reclamada. Atenta a lógica em que se desenvolve a decisão recorrida, não pode considerar-se que o tribunal a quo tenha considerado que a diligência probatória em causa poderia ter influído na decisão da causa – ou seja, que era suscetível de ter influído na decisão da causa – mas que isso não se verificava efetivamente, até porque uma tal conclusão pressuporia que a diligência tivesse efetivamente tido lugar. Conforme afirmou o tribunal a quo, a testemunha arrolada pelo recorrente visava provar «um facto (art. 12º da pi) que já consta na al. H) da factualidade provada, bem como provar factos (arts. 15 e 16 da pi) que se prendem com a posterior venda da posição acionista do recorrente ou a aquisição dos créditos alegadamente emergentes de contratos por si outorgados, que, entre outros, porque posteriores à efetividade da transferência bancária nada acrescentam no sentido do esclarecimento da operação em causa.» Assim, ao afirmar a «inutilidade» dessa diligência probatória, não considerou o tribunal recorrido senão – embora, aqui sim, implicitamente – que a mesma nunca poderia influir na decisão da causa. Ou seja, e em definitivo, que não era suscetível de produzir esse efeito. Assim, um juízo de inconstitucionalidade eventualmente emitido pelo Tribunal Constitucional no presente caso nunca poderia repercutir-se sobre a decisão recorrida em termos de impor a sua reforma: seria, também ele, inútil.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de dezembro de 2019 - Lino Rodrigues Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita - João Pedro Caupers