TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 48. Ora, se o entendimento de que o crime de corrupção ativa não se consuma com a promessa de vantagem não encontra, de facto, respaldo no n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal, o mesmo se pode dizer quanto à invocação do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 119.º do mesmo Código. A interpretação deste enunciado normativo na parte que se refere ao momento da consumação depende necessariamente do modo como dado crime se encontra legalmente tipificado – in casu , o crime previsto no n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal –, pelo que a interpretação segundo a qual o crime de corrupção ativa não se encontra consumado com a promessa de vantagem, mas apenas com o recebimento da vantagem pelo funcionário não encontra, por si, suporte no preceituado no n.º 1 do artigo 119.º do CP. Ou, dito de outro modo, não se encontra nesse preceito qualquer elemento textual que apoie entendi- mento normativo contrário ao que resulta da leitura do artigo 374.º, n.º 1, Código Penal; o elemento literal constante do n.º 1 do artigo 119.º não permite, por si, a afirmação de que mesmo que exista promessa da atribuição de vantagem, o início do prazo de prescrição do procedimento criminal relativo a crimes de cor- rupção ativa deve ser adiado até à entrega do “último suborno”. 49. Pelo contrário, se, nos termos do enunciado normativo constante do n.º 1 do artigo 374.º do Código Penal, o crime de corrupção ativa é tido por consumado com a promessa de entrega e, nessa exata medida, o agente já se encontra sujeito a perseguição criminal pela prática desse crime, então o início do prazo de prescrição acompanhará o momento do preenchimento do tipo, a não ser que o legislador tivesse expressamente adotado outra solução normativa – o que não se verifica. 50. É certo que, neste contexto, não cabe ao Tribunal entrar na discussão sobre a natureza do crime de corrupção ativa e muito menos procurar aquela que seria a melhor interpretação do direito infraconstitucional. Cabe sim, de acordo com o acima exposto, considerar que o princípio da legalidade criminal não deixa espaço para interpretações que contrariem o elemento literal do tipo, em especial quando essas são realizadas em sentido desfavorável ao arguido. Pois, se assim fosse, a liberdade dos cidadãos seria colocada em causa pela aplicação de parâmetros legalmente imprevistos, de critérios normativos que se encontram para além das exigências do legislador no exercício do poder punitivo (Acórdão n.º 183/08). 51. Trata-se de um “princípio-garantia”, por visar “instituir directa e imediatamente uma garantia dos cidadãos” (cfr. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 1167) Deste modo, o princípio da legalidade criminal verá a sua aplicação reforçada nos casos em que “fun- cione” como garantia do arguido, ou seja, sempre que a ultrapassagem do sentido semântico da norma criminal funcione contra o arguido. Ainda que proferidas no contexto da discussão sobre a admissibilidade da analogia em direito penal, neste sentido são particularmente impressivas as palavras de Jorge de Figueiredo Dias (cfr. Direito Penal. Parte Geral, Tomo II, As Consequências Jurídicas do Crime, 2.ª Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, p. 187): «Depois do que ficou dito, torna-se evidente que o argumento de analogia, largamente admitido na generali- dade dos ramos do direito tem em direito penal de ser proibido, por força do conteúdo de sentido do princípio da legalidade, sempre que este funcione contra o agente e vise servir a fundamentação ou agravação da sua responsa- bilidade» 52. Assim sendo, se tudo está em saber se a interpretação normativa extraída dos artigos 374.º, n.º 1, e 119.º, n.º 1, do Código Penal, segundo a qual, no crime de corrupção ativa, a entrega da vantagem indevida consubstancia o momento da consumação do crime, se enquadra ainda dentro da moldura semântica do texto da lei penal, a resposta terá de ser negativa.

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