TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

419 acórdão n.º 90/19 45. Poder-se-ia pensar que a tipificação da “promessa de entrega” esvaziaria a punibilidade da tentativa, mas não é assim: visto que o crime de corrupção de ativa consuma-se com a mera “promessa de entrega” enquanto manifestação da vontade de oferta da vantagem junto do funcionário, é nos casos em que essa “promessa” não chega ao conhecimento do funcionário que essa conduta é apenas punível a título de tenta- tiva (cfr. António M. de Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal … cit., pp. 683 e 684). 46. Assim sendo, chega-se à conclusão de que a interpretação normativa em escrutínio nos presentes autos – a de que o prazo de prescrição do crime de corrupção ativa é contado a partir da data em que ocorra a entrega de uma dada vantagem ao funcionário, e não a partir da data em que ocorra a promessa dessa van- tagem – não beneficia de respaldo na letra da lei do artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal. 47. Neste sentido já se pronunciou a doutrina penalista, em especial Cláudia Cruz Santos (cfr. “Os crimes de corrupção – notas críticas a partir de um regime jurídico-penal sempre em expansão”, in Revista Julgar, n.º 28, Coimbra Editora, Coimbra, 2016, pp. 97 e 98): «(…) reconhece-se que o facto de a consumação ocorrer com o mero pedido ou a mera oferta da vantagem conhecidos pelos seus destinatários, porventura em momento muito anterior à prática do ato ou à transferência da vantagem que com frequência desencadeiam a suspeita e originam o inquérito, poderia, em alguns casos, tornar já prescrito o procedimento pelo crime que só agora se descobriu. Estes argumentos pareciam convergir na conclusão da necessidade de alargamento dos prazos prescricionais, entendimento esse que o legislador de 2010 terá assumido. (…) Aquilo com que se já não pode transigir é com a ideia de que afinal os crimes de corrupção não se consu- mariam com o pedido ou a oferta conhecida pelos destinatários, tratando-se antes de um “crime de consumação continuada.”» A Autora afirma mesmo tratar-se de uma interpretação normativa contra legem (cfr. Os crimes de corrup- ção… cit ., pp. 98 e 99): «(…) Um tal entendimento é inaceitável por várias razões. Em primeiro lugar, corresponde, sem fundamento dogmático e, porventura pior, sem fundamento legal, à criação de uma nova categoria (a de crime de consumação continuada) que desfavorece o arguido, em manifesta violação desde logo do princípio da legalidade. Se não temos aqui, manifestamente, nenhuma hipótese de crime continuado nem de crime duradouro, como pode criar-se ex novo uma categoria que retarda o momento da consumação do crime? Pior, que o retarda contra lei, na medida em que a mais singela análise dos tipos incriminadores da corrupção faz concluir pela existência de crimes instantâneos? O que nos remete para o segundo argumento: ao limitar ao mínimo os elementos do tipo objetivo dos crimes de corrupção, o legislador fê-lo seguramente para facilitar a punição, alargando o âmbito de aplicação da norma. Ou seja: deixou claro que, para eliminar dificuldades probatórias, não se exige a ocorrência efectiva do ato merca- dejado ou a transferência da vantagem para se considerar consumado um crime de corrupção. Se assim é porque convém à realização da justiça, não pode depois entender-se que assim já não é quando, por força de outras cir- cunstâncias, já não convém. Em terceiro lugar, cumpre sublinhar que só essa antecipação do momento da consumação justifica o prazo excepcionalmente longo de prescrição de procedimento criminal (quinze anos) admitido para crimes de corrup- ção. Não pode, por tanto, justificar-se um prazo excepcionalmente longo de prescrição do procedimento criminal invocando-se a antecipação da consumação relativamente a atos posteriores e vir depois sustentar-se que, afinal, enquanto tais atos ocorrerem se vai prolongando a consumação (…)»

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=