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> Colóquios > X Aniversário do Tribunal Constitucional > Legitimação da justiça constitucional e composição dos tribunais constitucionais

Legitimação da justiça constitucional e composição dos tribunais constitucionais
M. Rebelo de Sousa
(Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa)

 

Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
Senhores Conselheiros
Minhas Senhoras e meus Senhores

1.1. A minha primeira palavra é de agradecimento a V. Ex.a, Senhor Presidente, e, na sua pessoa, ao Tribunal Constitucional pelo convite, que tanto me honrou, para participar nas comemorações dos 10 anos da instalação deste prestigiado órgão de soberania.

1.2. Uma segunda palavra prévia se impõe, e ela é de saudação muito sincera pela data celebrada. Uma década no final do Século XX representa já período de tempo assinalável numa História Constitucio­nal como a nossa, na qual durante muito menos do que dez anos vigo­raram duas Constituições — a de 1822 e a de 1838 — e pouco mais vigoraria uma terceira — a de 1911 — defrontada com atribulações múltiplas de todos nós conhecidas.

Muitas vezes, em Portugal, se perde a noção da relatividade das cousas e se formulam juízos injustos, porque fundados na ignorância da História e até mesmo sobrevalorizadores da nossa existência em termos de estabilidade constitucional e de institucionalização democrática.
Outras vezes se confundem apreciações conjunturais com críticas de fundo ao desempenho das missões constitucionais.

Por umas razões ou por outras, subestima-se ou mesmo aprecia-se em tons demasiado carregados a actuação do Tribunal Constitucional, que, em termos globais, correspondeu às expectativas reconstituintes de 1982, e não questionou o traçado do sistema de governo acolhido pela Lei Fundamental.

Digo-o, aliás, com estrita objectividade, que o mesmo é dizer calando o que pudesse existir de subjectivo na lembrança de momentos inesquecíveis, que pude acompanhar de muito perto, e que foram o da primeira revisão constitucional e o da apresentação, sob a forma de proposta governamental, debate e aprovação da Lei sobre organização, funcionamento e processo no Tribunal Constitucional.

1.3. Reiterando os cumprimentos por esta iniciativa, deixaria, neste ensejo, a sugestão de que, em futura reflexão, se procedesse à análise de certas questões pontuais particularmente relevantes no tocante ao sistema de fiscalização da constitucionalidade em vigor em Portugal.

Seriam os casos, por exemplo, do âmbito da fiscalização da legali­dade (ligada ao conceito de acto legislativo de valor reforçado), das pre­sentes virtualidades da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, da fiscalização da constitucionalidade de actos comunitários dotados de aplicabilidade directa ou mesmo tão somente de efeito directo, da pon­deração da fiscalização sobre determinados actos políticos «stricto sensu», da fiscalização sucessiva abstracta exercida sobre actos jurisdicionais e da incidência da mesma fiscalização sucessiva abstracta quando incidindo sobre actos legislativos de conteúdo administrativo concreto e/ou indi­vidual.

Seria ainda o caso das competências do Tribunal Constitucional sobre matéria que não se reconduza à jurisdição constitucional e nomea­damente sobre matéria de contencioso eleitoral. E, porque não, a pró­pria orgânica e funcionamento do Tribunal Constitucional.

2.1. De qualquer modo, merece louvor indiscutível a presente reu­nião científica, que acabou por permitir que alguns dos tópicos aludi­dos fossem abordados e é no quadro do tema que me foi distribuído que passo a analisar a composição de um órgão com as características do Tri­bunal Constitucional no contexto de uma Constituição como aquela que nos rege desde 1976.

2.2. Não há, no domínio versado, soluções universais e intemporais pois todas elas dependem não apenas da visão que genericamente se perfilhe quanto à essência da jurisdição constitucional, mas também, e de modo especial, dos princípios da ordem constitucional vigente num determinado Estado em certo momento histórico, com particular inci­dência no regime político, no sistema de governo e no sistema de fis­calização da constitucionalidade dos actos do poder político constituído.

Por outro lado, não se pode ignorar a lição da experiência consti­tucional vivida.

2.3. Compreender-se-á, assim, que comece por breve nota acerca da jurisdição constitucional hoje — prometendo não invadir tema já amplamente escalpelizado, e tratando sobretudo do Direito Comparado em matéria de composição dos Tribunais Constitucionais —, passando depois aos dados relevantes do ordenamento constitucional português vigente e ao balanço da década que ora termina. Concluirei com a formulação dos juízos tidos por pertinentes.

3.1. Fez época, já lá vão mais de 60 anos a polémica entre Cari Schmitt e Hans Kelsen acerca da caracterização política ou jurisdicional dos Tribunais Constitucionais e, em particular, da legitimidade do modelo austríaco de fiscalização da constitucionalidade dos actos do poder político constituído do Estado, nomeadamente das leis.

São hoje tidos por pacíficos argumentos de autores como Cappelletti, Favoreu e Stern, entre tantos outros, no sentido da legitimidade da justiça constitucional em geral e dos Tribunais Constitucionais em espe­cial. Argumentos esses uns de feição negativa, respondendo às objecções de violação da separação ou da divisão de poderes, ou seja, de indevida invasão dos planos político «stricto sensu», legislativo e mesmo administrativo. Assim: a detecção de alterações de contornos jurídicos na divisão de poderes do Estado contemporâneo, com o empolamento do legislador e do administrador; a necessidade de protecção de grupos sem expressão partidária e representação noutros órgãos de soberania; a relevância crescente dos sistemas partidários na prática dos sistemas de governo, com inversão de relações de subordinação jurídico-política; o reforço das maiorias e o chamado efeito marginalizador das mino­rias; a repercussão mediata dos sistemas eleitorais; o próprio processo de integração política gorvernamentalizador em áreas como a das Comu­nidades Europeias; a multiplicação e a complexificação das modalidades de lesão dos direitos fundamentais.

Outros argumentos revestem-se de feição positiva, neles avultando a influência da História; a titulação constitucional; a própria projecção do sistema de governo como um todo e dos órgãos de base electiva na composição dos órgãos ou dos órgãos jurisdicionais com competência de controlo da constitucionalidade; o estatuto dos magistrados; os mecanismos de aproximação da justiça constitucional das realidades sociais, nomeadamente o seu papel crucial da defesa dos direitos fundamentais e na participação dos particulares na garantia da Constituição; a utilidade de uma arbitragem na arena política, tão bem definida por Höker Aschoff, primeiro Presidente do «Bunderverfassungsgericht» alemão: «Não é tarefa do Tribunal Constitucional decidir sobre lutas políticas, mas apenas assegurar que nessas lutas se respeitem as normas da Lei Fundamental».

3.2. Mas, se a questão da legitimidade da Justiça Constitucional a cargo de órgãos não exclusivamente políticos perdeu boa parte da sua acuidade polémica, o mesmo se não dirá da recorrente discussão acerca das componentes políticas e jurídica de uma actividade que quase una­nimemente se considera localizada em zona de tensão entre esses dois apa­rentes polos.

Para uns, a maioria dos autores, estamos, designadamente no caso do Tribunal Constitucional, perante actuação jurídica, porque ocupada prevalecentemente com a determinação do Direito mediante critérios de racionalidade jurídica, vinculada na sua essência; sem carácter generica­mente oficioso; arrancando da independência e imparcialidade orgânica e dos titulares; recorrendo a procedimento também ele juridificado.

Para outros, o que avulta são o contexto, o conteúdo e os efeitos da actuação, e esses são políticos, como políticos são o impulso que justifica ao menos a fiscalização sucessiva abstracta, a inserção da fisca­lização preventiva na formação da vontade legiferante e o próprio modo de designação dos juízes, onde e quando se estiver perante Tribunais Constitucionais, relativamente aos quais convirjam composição e com­petência ligadas de forma mais directa aos órgãos de soberania governativos.

Dentro da doutrina que privilegia a visão jurídica da justiça cons­titucional é ainda possível encontrar a que dominantemente caracteriza os respectivos órgãos — em particular os Tribunais Constitucionais — como órgãos jurisdicionais, acentuando o estatuto dos magistrados, a pas­sividade, a «litis» na fiscalização concreta, o procedimento e a natureza jurídica de decisão, e a que neles vê legisladores negativos ou mesmo posi­tivos, mediatos ou porventura imediatos, para o efeito sublinhando os traços definidores da fiscalização preventiva, da fiscalização sucessiva abstracta e a natureza jurídica das decisões dotadas de eficácia «erga omnes», sobretudo as que se podem revestir de conteúdo incidente no condicionamento substancial e temporal dos efeitos do juízo de inconstitucionalidade.
3.3. Tenho para mim que a compreensão adequada da natureza da justiça constitucional bem como dos respectivos órgãos é indissociável da própria compreensão multidimensional do Direito Constitucional.

Na verdade, aquela decorre da existência de Constituição como expressão de valores indispensáveis à vivência colectiva, de afirmação crescente da rigidez ou mesmo da hiperrigidez constitucional, do prin­cípio da constitucionalidade, das resultantes exigências da efectivação dos princípios constitucionais, princípios estes em que se destacam os defi­nidores do Estado de direito democrático — da protecção dos direitos fundamentais à garantia do regime político democrático, da separação ou divisão de poderes à salvaguarda das minorias —, mas que podem abarcar outras matérias tão relevantes como a forma do Estado ou o regime económico.

A Constituição é uma realidade quadridimensional. Uma dimen­são normativa, enquanto conjunto de princípios e regras de Direito. Uma dimensão volitiva, enquanto acto do poder político do Estado. Uma dimensão axiológica, enquanto pauta de valores. Uma dimen­são estrutural, enquanto projecção das estruturas económicas, sociais e culturais da colectividade na génese, no conteúdo e na eficácia cons­titucionais e ainda enquanto actuação da Constituição sobre essas estru­turas.

Mas, se assim é, validade jurídica da Constituição — como do Direito em geral e mais do que quanto a todo ele — desdobra-se, ela também, em três dimensões ou planos complementares: a validade for­mal ou sistemática, ligada à legalidade «lato sensu»; a validade real ou empírica ligada à efectividade ou eficiência; a validade axiológica ligada à legitimidade. A tripartização, que é de Wroblewski, e quase se sobre­põe à de François d'Ost, permite que se estabeleça a correspondência entre dimensão normativa da Constituição, validade normativa sistemá­tica e legalidade «lato sensu»; entre dimensões volitiva e estrutural da Constituição, validade empírica e efectividade; entre dimensão axiológica da Constituição, validade axiológica e legitimidade.

Ora, toda a justiça constitucional actua de modo a envolver estes três planos de validade.

No raciocínio de quem a exercita convergem considerações pura e simplesmente normativistas, considerações de efectividade (quer quanto à prática a que corresponde ou pode corresponder o princípio ou a norma constitucional-parâmetro e a que corresponde ou pode corres­ponder o acto ou a regra à sua luz apreciada), e consideração de legiti­midade (como as atinentes aos juízos de valor acolhidos ou passíveis de acolhimento no princípio ou na norma constitucional-parâmetro e os acolhidos ou susceptíveis de o serem no acto ou na regra apreciados).

Como a legitimidade ganha crescente relevo em sistemas constitu­cionais que recorrem a sistemas normativos ou de valores externos ao jurí­dico (como, por exemplo, nos princípios materiais estruturantes ou nas regras impositivas no domínio dos direitos fundamentais) e a efectivi­dade avulta em sistemas constitucionais não escritos e tem conhecido acei­tação indiscutível nos restantes, na sua versão moderada e formulação negativa — não admira que se continue a mencionar as vertentes ideo­lógica e política da justiça constitucional. E que Häberle tenha, pelo menos desde 1980, acentuado — ainda que superlativizando-a — a justiça constitucional como força política e elemento determinante de toda uma cultura cívica.

No entanto, mesmo no plano jusconstitucional, é a validade nor­mativa ou sistemática a que tem prevalecido, quer sob a forma de dou­trina da «political question» ou da «self-restraint» pura — particularmente concebidas nos quadros da Common Law —, quer sob a forma de positivismo normativistas ligado à hermenêutica subsuntiva, e depois da hermenêutica concretizadora, da metódica normativo-estruturante ou da pista derivada — para que me inclino — e que é a da teoria dos limi­tes constitucionais funcionais, recentemente desenvolvida por Werner Heun, na sequência de Christian Starck.

É certo que sempre se poderá dizer, na esteira de Luhman, que é o próprio procedimento constitucional que alimenta a legitimidade do órgão que o desenvolve. E, nessa medida, estaríamos perante uma rea­lidade política.

Mas, essa verificação, que vale para todos os órgãos de soberania em termos de legitimação de exercício, conhece a fronteira da legitimidade de título constitucional, como regra nas Democracias dos nossos dias. É a Constituição que define a divisão de poderes, na qual cabe a jus­tiça constitucional, que não é nem poder constituinte nem poder cons­tituído.

Daí que os órgãos dela incumbidos não sejam dotados de competências virtualmente expansivas, em contraste com as dos demais órgãos nomeadamente de soberania, antes conhecem limites impostos pela lógica do sistema de governo existente e em que se inserem, o que implica um alargamento da visão clássica do sistema de governo, nele incluindo, além da Administração Pública, os Tribunais.

Recordemos o disposto, entre nós, no tocante à possibilidade de não promulgação de decreto parlamentar objecto de veto por inconstitucionalidade e, depois, de confirmação pela Assembleia da República, nos termos constitucionais. Ele retrata uma fronteira no sistema de governo e mostra que o Tribunal Constitucional não se encontra sobre ou à margem dele e da sua lógica global.

3.4. Se o que fica dito pode valer em termos genéricos, já a con­cretização da justiça constitucional depende das famílias de Direito.

Entre a tradição francesa, avessa ao controlo por órgãos não polí­ticos, e que viria a convolar-se, por efeito de factores múltiplos, no modelo europeu continental da «Verfassungsgerichtsbarkeit», e a linhagem da «judicial review» da Common Law, ou de parte signi­ficativa desta família, foi toda uma diversidade de origens, de inspira­ções e de práticas, estas só confluentes a partir do final da Segunda Grande Guerra. Confluência esta que admite o papel criador de Direito da justiça constitucional, sem com isso necessariamente conferir a toda a justiça constitucional ou mesmo à generalidade das situações quer uma feição de criação originária, quer sobretudo o exercício de qualquer função legiferante. Ordens jurídicas haverá, em que, na famí­lia da Common Law, se poderá falar em criação originária pelos tri­bunais a propósito do caso concreto. Mas, mesmo nessas, uma coisa é a criação de Direito e outra a legislação, enquanto modo substancialmente distinto de produção jurídica. Por maioria de razão, na famí­lia de Direito legislado, todas as evoluções recentes, da tópica à sinépica, da jurisprudência reflexiva à autopoiética, não anulam a natureza não legislativa de uma actividade exercida por órgão ou órgãos, que mesmo quando criam normas, possuem inserção no sistema de governo que os aparta da missão de protagonismo demo-representativo-político-propulsor.

3.5. Por outro lado, dentro de cada família de Direito, e, neste caso, no quadro do chamado modelo austríaco ou misto por ele dominado, os elementos determinantes da configuração material da justiça consti­tucional são o regime político e, consequentemente, o sistema de governo «lato sensu».

Na verdade, o regime político democrático pode assumir gradua­ções no traçado constitucional, apuradas a partir de um limiar mínimo definidor, graduações essas sensíveis nos meios de consagração e de garantia dos direitos fundamentais. Em conformidade, a justiça cons­titucional pode envolver maior ou menor expressão de meios de controlo da constitucionalidade, maior ou menor amplitude de actos ou regras controladas, maior ou menor imediatividade dos particulares em relação às vias existentes.
Mas as graduações no regime político democrático não se exprimem apenas no plano dos direitos fundamentais. Projectam-se naturalmente no sistema de governo «lato sensu».

E o sistema de governo em sentido amplo que define os protago­nistas orgânicos da implementação constitucional democrática, circuns­crevendo a arena de actuação e prevendo mecanismos de avaliação nor­mativa, de controlo da efectividade e de legitimação. Com a tradicional classificação de sistemas de governo que excluía a Administração Pública e os Tribunais em geral e o Tribunal Constitucional em particular, deve cruzar-se uma outra que gradue os sistemas de governo quanto ao papel dos órgãos jurisdicionais no tocante à avaliação normativa, ao controlo de efectividade e à legitimação.

Sistemas de arbitragem, efectivação e legitimação com saliência jurisdicional moldam-se melhor à linhagem da Common Law, pelo que encon­tramos em Estados com o chamado modelo austríaco quase exclusiva­mente sistemas de jurisdição fraca e de jurisdição de grau médio. Estas considerações valem, «mutatis mutandis», para a jurisdição constitucional.

Atendendo à amplitude dos meios de fiscalização da constitucionalidade (envolvendo o respectivo objecto), do acesso dos cidadãos e da relevância das decisões dos correspondentes órgãos nos domínios da legalidade «lato sensu», da efectividade e da legitimidade, é possível dis­tinguir, dentro dos Estados com modelo austríaco ou convergente com ele, e adaptando classificação um pouco diversa de Garlicki e Zakrewski, jurisdições activas como a alemã federal, jurisdições médias como a por­tuguesa, a italiana e a espanhola e jurisdições fracas com tendência a médias como a belga, a francesa e a grega, se aceitarmos que as três cami­nham para o chamado modelo austríaco.

3.6. Mas será que esta configuração material se projecta na com­posição dos Tribunais Constitucionais e aparentados, ou ela reflecte ainda, dominantemente, outras realidades que não o peso da jurisdição constitucional no traçado do regime político e do sistema de governo?

Relembremos dados de todos conhecidos:
1.° O número relativamente exíguo de juízes constitucionais, muito inferior ao de instâncias judiciais supremas comuns (entre 9 e 16 — 9 na França, para 12 na Bélgica e na Espa­nha, 13 em Portugal, 14 na Áustria, 15 na Itália e 16 na Alemanha);

2.° A diversidade de origens ou modos de designação, desde o monopólio parlamentar absoluto efectivo na RFA, na Suíça e na Bélgica, ao monopólio parlamentar atenuado em Portugal, à cumulativa intervenção dos magistrados judiciais na Itália e na Espanha, à participação do Chefe do Estado na Itália e em França e à proposta governamental parcial na Espanha e na Áustria;

3.° Existindo designação parlamentar, ela supõe maiorias qualifi­cadas, por exemplo, de 2/3 na RFA, em Portugal e na Bélgica e de 2/3 e depois 3/5 na Itália, como em Espanha, travando abusos de maiorias absolutas e impondo acordos interpartidários com escolhas a nível extra-parlamentar, de decisão nacional dos partidos intervenientes, como acontece com o acordo bipartidário austríaco, sucedeu com a convenção pluripartidária italiana estabilizada desde 1952 (não poucas vezes acidentada na sua concretização — que o digam Basso, Elia e Mancini); e ainda o acordo tripartido alemão e o acordo de blocos português;

4.° Esta repartição por acordo interpartidário chegou a determi­nar quase sempre as designações presidenciais, por exemplo em Itália, até ao Presidente Cossiga, como o revela Jörg Luther;

5.° A composição dos Tribunais Constitucionais projecta ainda a forma de Estado, nas Federações (com intervenção das Câma­ras de representação federada, na RFA, na Áustria e na Suíça), bem como diversidades linguístico-culturais (como na Suíça, na Bélgica e o era na Jugoslávia);

6.° Do mesmo modo, participam na designação os Senados na Itá­lia, na França e na Bélgica;

7.° O Presidente do Tribunal é designado externamente e não eleito na RFA, na Áustria, na Suiça e na França;

8.° A exigência quase unânime de formação jurídica e ainda a de experiência profissional jurídica na Áustria, na Itália, na Espa­nha e na Bélgica e, mais importante, a designação parcial obrigatória de entre magistrados judiciais nos casos em que os próprios intervêm nessa designação (Itália, Espanha e França), bem como noutros sem sua intervenção (Alemanha — 3 de 4 eleitos pelo Bundestag e pelo Bundesrat devem ser juízes de tribunais supremos da Federação com 3 anos de antiguidade no serviço activo; Portugal);

9.° A exigência, rara, de limite mínimo de idade na Alemanha e na Bélgica (40 anos) e a previsão de reforma na RFA e na Itá­lia (68 anos) e na Áustria (70 anos);
10.° A longa duração do mandato, considerada, também ela garan­tia de independência, indo de 6 anos em Portugal e na Suíça a 9 anos na Itália, Espanha e Franca, 12 na Alemanha e a vitaliciedade na Áustria e na Bélgica;

11.° Os limites à relegibilidade na Alemanha e a renovação parcial do órgão, por exemplo, em Espanha, em Portugal e na França.
Antes de sintetizar as conclusões inferíveis do panorama descrito, vale a pena recordar o que Kelsen opinava acerca da composição de um Tribunal Constitucional: advogava o número restrito de titulares, atendendo à missão jurídica exclusiva; previa a convergência da eleição parlamentar sob proposta do Governo ou o inverso com a intervenção do Chefe do Estado; excluía membros do Governo e do Parlamento; sendo impossível impedir a influência partidária, defendia a transpa­rência máxima no processo de designação parlamentar; restringia a titularidade a membros com formação jurídica aventando a própria existência de Comissão Comum de todas as Faculdades de Direito, porventura com o direito de apresentar listagem de nomes aos órgãos designantes.

Olhando para o panorama antes descrito, nele detectamos alguns denominadores comuns, como o número exíguo de juízes, a formação jurídica, a projecção da forma de Estado, a tendência para mecanismos que salvaguardem a independência dos designados, como a exigência de maiorias parlamentares qualificadas e a duração do mandato.

Já não encontramos, porém, uma lógica de sistema de governo em sentido clássico, embora desponte uma lógica de sistema de governo em sentido amplo.

Sistemas parlamentares com pendor de Assembleia, como o ita­liano, consagram a intervenção presidencial. Sistemas parlamentares racionalizados, como o espanhol, prevêem intervenção governamental, mas não determinante do Chefe do Estado.

Sistemas semipresidenciais de pendor parlamentar como o aus­tríaco, acolhem designação governamental. Isto é, o sistema de governo em sentido clássico só moderadamente influencia a composição dos Tri­bunais Constitucionais.

Em contrapartida, se somarmos todos os elementos recenseados deparamos com uma constelação fortemente jurídica, de origem ou habilitação para a magistratura, com grande experiência profissional, longuíssima duração de mandato, inelegibilidade subsequente e limite mínimo de idade na jurisdição mais forte, que é a alemã. Depois, a cons­telação de factores combina-os em termos mais mitigados nas jurisdições de grau médio como a portuguesa, a italiana e a espanhola, aparecendo a jurisdicionalização com garantias de independência a crescer nas juris­dições fracas, a caminho de médias. O caso austríaco é talvez o que mais se assemelha ao alemão, encontrando-se no limiar entre jurisdições médias e fortes.

Por outras palavras, podem ser mais relevantes, a meu ver, em ter­mos de independência e afirmação dos Tribunais Constitucionais, a for­mação jurídica, a origem na magistratura, a experiência profissional, a duração do mandato do que a questão estrita dos órgãos intervenientes na designação.

4.1. Em Portugal papel precursor desempenharam os Professores Jorge Miranda e Francisco Lucas Pires em 1975 e o projecto de Cons­tituição do CDS do mesmo ano. Se o Professor Francisco Lucas Pires não concretizou quanto à composição do Tribunal Constitucional que advogava, já o Professor Jorge Miranda avançaria a proposta de nove juízes, dos quais 3 nomeados pelo Presidente da República, 3 pelo Presi­dente do Parlamento ouvida a Comissão de Justiça e 3 eleitos pelo Supremo Tribunal de Justiça, durando o mandato 9 anos sem recondução e com rotação anual. 5 dos juízes deveriam ser escolhidos de entre juízes do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações e das Auditorias Admi­nistrativas e os restantes poderiam ser escolhidos de entre antigos Minis­tros da Justiça, membros da Comissão Parlamentar de Justiça, professores universitários de Direito Público e advogados com mais de 25 anos de exercício da profissão.

O projecto de Constituição do CDS propunha l Presidente e 9 juízes, aquele e 3 dos juízes nomeados pelo Presidente da República, 3 pelo Presidente da Assembleia Legislativa e 3 pelo Presidente do Supremo Tri­bunal de Justiça; 2 de cada terço deveriam ser escolhidos de entre juízes do Supremo Tribunal de Justiça ou das Relações e o Presidente e os restantes de entre doutores em Direito ou licenciados em Direito com mais de 15 anos de exercício profissional. O mandato duraria 6 anos, admitindo-se uma recomendação; bienalmente se renovaria 1/3 dos juízes.

4.2. Em 1978 tive a honra de poder colaborar com o Dr. Francisco Sá Carneiro na redacção de um projecto de revisão constitucional, no qual se previa, tal como no projecto de 1975 do Professor Jorge Miranda, 9 juízes, dos quais 3 nomeados pelo Presidente da República, 3 eleitos pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas sendo os 3 restantes eleitos pela Assembleia da República e não nomeados pelo seu Presidente. O man­dato seria de 9 anos, com renovação trienal e não anual. 5 dos juízes deveriam ser escolhidos de entre juízes dos Supremos Tribunais de Justiça e das Relações e os restantes poderiam ser escolhidos de entre professores universitários de Direito (não necessariamente de Direito Público), fun­cionários públicos e advogados, todos com mais de 15 anos de exercí­cio de profissão.

Já em 1980 apresentou o Professor Jorge Miranda um projecto de revisão constitucional, alterando radicalmente a sua posição de 1975. O Tribunal Constitucional deveria ter 16 juízes: 3 designados pelo Pre­sidente da República, 3 pela Assembleia da República, 2 pelo Conselho da República, 2 pelo Supremo Tribunal de Justiça ou l pelo Supremo Tribunal de Justiça e l pelo Supremo Tribunal Administrativo existindo este, 6 pelo Conselho Superior Judiciário de harmonia com o princípio da representação proporcional. Os juízes designados pelo Presidente da República, pela Assembleia da República e pelo Conselho da Repú­blica seriam escolhidos de entre juristas de comprovado mérito, os indi­cados pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Administrativo de entre os seus membros e os restantes 4 de entre juízes dos tribunais de l.a instância e 2 de entre juízes de tribunais de 2.a instância. O mandato seria de 8 anos sem recondução no período imediato, com renovação quadrienal de metade dos juízes.

Em 1981, os Drs. Barbosa de Melo e Cardoso da Costa e o Pro­fessor Vieira de Andrade apresentaram o seu «Estudo e Projecto de Revisão Constitucional», cuja proposta seria perfilhada ou convergente com a de um projecto do Professor Diogo Freitas do Amaral, objecto de debate interno na AD. Propunham os três prestigiados juristas uma composição de 9 juízes, designados de entre juristas de reconhecido mérito: 3 pelo Presidente da República, 3 pela Assembleia da Repú­blica, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções e 3 pelos magistrados dos tribunais superiores, de entre os seus pares, com mandato de 6 anos e renovação trienal em cada 2 anos. Mais anotavam terem seguido o exemplo italiano; pretendido remeter o desen­volvimento da matéria para a lei; acentuado a importância da formação jurídica; incluído nos tribunais superiores as Relações, o Supremo Tri­bunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo; admitindo a recondução dos juízes; ponderado a exigência de maioria parlamentar de 2/3, mas afastando-a em paralelo com a omissão da referenda governa­mental da designação pelo Presidente da República.

4.3. Dos projectos partidários de revisão constitucional apresenta­dos em 1981, um — o do MDP/CDE — propunha um Conselho Constitucional, órgão «sui generis» com competência jurisdicional, integrando 11 membros: 4 cidadãos de reconhecido prestígio democrático designados pelo Presidente da República; 4 eleitos pela Assembleia da República, em lista completa nominativa, representando os 4 maiores par­tidos parlamentares; 2 magistrados judiciais designados pelo plenário do Conselho Superior de Magistratura, l juiz dos tribunais superiores e l de l.a instância; l designado pelo Conselho Superior do Ministé­rio Público de entre magistrados do Ministério Público. Os mandatos eram iguais aos do Presidente da República e à legislatura nuns casos, e de 4 anos nos demais.

Para o projecto da FRS o Tribunal Constitucional teria 15 juízes, designados do seguinte modo: 5 pelo Presidente da República, 5 pela Assembleia da República; 5 pelo Conselho Superior de Magistratura, por maioria qualificada de 2/3 dos membros em efectividade de funções, todos por 6 anos; os 10 primeiros de entre cidadãos de reconhecido mérito, não necessariamente juristas, e os restantes 5 — 2 de entre juízes dos tribunais superiores e 3 de entre os juízes dos tribunais de l.a instância.

Finalmente, no projecto da AD, o Tribunal Constitucional tinha 9 juízes, escolhidos de entre juristas de reconhecido mérito, sendo o Presidente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 2 nomeados pelo Presidente da República, 2 eleitos pela Assembleia da República, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, 2 pelos magistrados do Supremo Tribunal de Justiça de entre os seus membros e 2 pelos magistrados do Supremo Tribunal Administrativo, também de entre os seus pares. Todos com mandato hexenal e havendo reno­vação de metade dos juízes em cada triénio.

4.4. Foram longos e espinhosos os debates parlamentares sobre a matéria, com relevo para a clivagem entre maioria de juristas e de magis­trados no projecto da AD versus possível maioria de não juristas e/ou não magistrados na da FRS; não autonomia da presidência do Tribunal Constitucional no primeiro e autonomia perante o Supremo Tribunal de Justiça, no segundo.

Seria este o último tópico da revisão constitucional a ser objecto de consenso, aliás extra-parlamentar, negociado e formado entre os líderes do PSD, do PS e do CDS e depois votado por 159 Deputados dos 3 partidos e do PPM, pronunciando-se contra, 48 Deputados do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE. Referência especial merece, no entanto, a declaração de voto de diversos parlamentares socialistas.

Para quem pôde acompanhar de muito perto o acordo estabelecido foi evidente a primazia de um objectivo político, com alguma justificação conjuntural — tornar impossível a designação de juízes pelo Presi­dente da República, no que pesou a acrimónia convergente dos três partidos signatários relativamente ao então titular do órgão. A solução encontrada foi a da aplicação mitigada do modelo alemão no tocante à designação parlamentar e à correspondente maioria qualificada relativa­mente a 10 dos 13 juízes, sendo os restantes cooptados.

Tudo o mais seria objecto de concessões recíprocas; a AD cederia ao PS a possibilidade de uma maioria de não magistrados, e da abertura a Tribunais não superiores; o PS cederia à AD a exigência de serem todos os juízes de formação jurídica.

O mandato de seis anos era pacífico para ambas as partes.

A apreciação parlamentar da solução encontrada, e que ia ao arre­pio dos projectos de revisão, mereceria a defesa de dois protagonis­tas qualificados do acordo, o Deputado Almeida Santos, pelo PS, e o sau­doso Deputado Sousa Tavares, pelo PSD e o ataque do Deputado Jorge Mirada, da ASDI, e também do Deputado Vital Moreira, do PCP.

Criticou este a natureza conjunturalista da solução, a sua contradição com o sistema de governo semipresidencial, a originalidade em termos de Direito Comparado e o comprometimento da independência do Tri­bunal devido à intervenção determinante do Parlamento. Responderam aqueles invocando os exemplos alemão, suiço e jugoslavo, a fluidez do sistema presidencial, a garantia da independência pela maioria qualifi­cada e pela exigência de haver 6 magistrados judiciais, de entre eleitos e cooptados.

4.5. A clara noção dos riscos de partidarização da designação dos juízes do Tribunal Constitucional levaria os Drs. Barbosa de Melo e Cardoso da Costa a sugerirem, no projecto que viria a ser quase inte­gralmente acolhido na proposta de lei sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, a eleição por lista dos juízes designados pela Assembleia da República, a eleição nome a nome dos juízes cooptados, com voto de 7 juízes eleitos e a absoluta paridade formal entre todos os juízes.

Depois de amplo debate parlamentar, em que sustentei, na quali­dade de Ministro para os Assuntos Parlamentares, tal entendimento, rebatido parcialmente, quanto ao primeiro ponto pelos Deputados Car­los Candal e Nunes de Almeida, do PS, António Vitorino, da UEDS, Jorge Miranda, da ASDI e Monteiro Taborda, do MDP/CDE, vingaria a votação em lista mas com individualização de voto para os juízes elei­tos e também a distinção entre o processo de eleição (com proponentes e aceitação) e de cooptação (com sigilo na proposta e não aceitação prévia dos indicados).

4.6. Logo aquando da primeira eleição de juízes para o Tribunal Constitucional, e como prolongamento do acordo projectado na revisão constitucional, esteve subjacente um «gentlemens agreement» entre dois blocos: o então bloco da AD e o bloco oposicionista. Cada bloco indi­caria 5 juízes cabendo então à área do PSD 3 e à do CDS 2, à do PS 4 e à do PCP e de outros partidos de esquerda 1. Não se enten­dia que a área envolvesse filiação e deveria haver aceitação de cada bloco dos nomes do outro.

A negociação foi muito complexa, tendo decisões essenciais sido tomadas pelas lideranças partidárias, havendo dificuldades apreciáveis de aceitação por múltiplos convidados e tendo o Governo de chamar a si intervenção constitucionalmente pouco ortodoxa nos convites a juízes da área da AD. Tudo culminando em convite telefónico de Minis­tro do PDS, em nome do Grupo Parlamentar do partido, a futuro juiz, então ausente de Lisboa, a escassas horas do termo do prazo de apre­sentação de candidaturas.

Também complexo seria o processo de cooptação com dificuldades no consenso em termos do décimo terceiro nome e votações conse­cutivas até sua determinação, com o que então foi considerado uma concessão do bloco de direita.

A experiência então vivida levar-me-ia a comentar criticamente, em estudo publicado em 1983, a forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional, marcadamente partidocrática, embora também ressalvando esperar que a actuação do Tribunal rapidamente redimiria o pecado original.

A verdade é que eventos os mais variados trouxeram a primeiro plano a dificuldade de manter viva a fórmula 5+5 de 1982-83.

Duas vacaturas (em 1984 e 1985) suscitaram reivindicações efémeras do PRD, entre 1985 e 1987 e depois invocações pelo PSD de jus­tiça na alteração do acordo, após a maioria absoluta obtida naquele último ano.

Igualmente seria difícil o processo de ajuste de nomes pela pri­meira renovação hexenal da composição do Tribunal Constitucional. Acabaria por ser mantida a fórmula 5+5, embora com correlação 4+1 no bloco de direita, e os resultados da cooptação seriam interpretados como favorecendo, desta vez, o aludido bloco.

Naturalmente, que as identificações de área política para os juízes cooptados é muito mais difícil do que para os eleitos, mas nem por isso juristas qualificados como Pierre Bon, deixaram de a fazer, aliás em termos bem mais acutilantes.

Em 1989, a matéria de composição do Tribunal Constitucional resistiria à revisão da Constituição.

Em 1991, o Professor Jorge Miranda continuava a criticar a com­posição do Tribunal Constitucional, por não assegurar a pluralidade de origem proporcionadora do máximo equilíbrio do sistema, por ser incon­gruente com o sistema de governo semipresidencial e por introduzir conotações político-partidárias na magistratura a designação parlamen­tar de juízes de carreira.

Em 1992, mantendo embora as reticências iniciais ao sistema vigente, reconheci que as facetas negativas desse sistema teriam sido parcialmente ultrapassadas pelo nível doutrinário da jurisprudência cons­titucional.

4.7. Entretanto, desde 1983, o Tribunal Constitucional viria a definir-se como órgão de controlo e não co-produtor de normas jurídicas; controlo de resultados e de procedimento; alargando a densidade do controlo em função da própria intensidade constitucional; acentuando o controlo em situações de legislação em causa própria, de fraude à fis­calização da constitucionalidade, de matérias de unidade do Estado, de violação de conteúdo essencial de direitos, liberdades e garantias e de cer­tos princípios jurídicos estruturais; e ainda de estatuto das magistraturas.

Do ponto de vista metodológico, como muito bem apontou em 1989 o Professor Gomes Canotilho, é visível uma orientação domi­nante normativa-estruturante, optando pelo Direito Judicial de alcance médio, entre o Richterrecht radical-construtivista e o positivismo normativo clássico. Diria eu, privilegiando a validade normativa com acolhimen­tos mitigados da legitimidade e da efectividade.

É possível, no entanto, encontrar duas fases relativamente distintas na jurisprudência constitucional: a primeira vai de 1983 a 1989 e é tendencialmente mais concretizadora ofensiva, abarcando matéria de regime económico e direitos económicos sociais e culturais; a segunda, subsequente à revisão constitucional de 1989 e porventura reflectindo além dela um novo equilíbrio interno, é mais concretizadora defensiva, sendo solicitada a projectar-se menos sobre a interpretação normativa ligada à legitimação, para se ocupar com a arbitragem político-constitucional envolvendo a conjugação do normativo com a efectividade.

Simultaneamente, verifica-se maior dispersão de posicionamentos metodológicos, embora a metódica real-normativa de Müller ainda deixe o seu traço dominante.
No que interessa neste particular, a uma fase de liderança miti­gada do bloco de esquerda sucede uma liderança também mitigada de um aparente bloco de direita, o que, a verificar-se, demonstraria a con­fluência de duas virtualidades: a consonância com a evolução do tecido sócio-político e a moderação dos excessos ou abusos da afirmação de uma maioria parlamentar absoluta realmente subordinada ao Executivo.

5.1. Dez anos depois, que matéria mereceria eventual reponderação em termos de composição do Tribunal Constitucional?

Não me impressiona hoje tanto a questão da designação de magis­trados pela Assembleia da República, tão comum no Direito Comparado.

Também não está provado que a designação parlamentar por maio­ria qualificada não tenha permitido assegurar o retrato da evolução polí­tica mitigada por uma visão de regime.

Por outro lado, ainda que me incline para a bondade teórica de alguma participação presidencial na designação dos juízes constitucionais, não sopram nesse sentido, antes no da parlmentarização do sistema de governo em sentido restrito — e a meu ver mal — os ventos do sistema partidário vigente. Isto é, em termos de legitimidade e de efectividade, esta alteração, que seria porventura pertinente, não se configura como consensual.

No entanto, e mais essencial, há apelos radicados na legalidade «lato sensu» e sobretudo no que dá vigor à jurisdição constitucional, que podem, quem sabe, suscitar consenso.

Assim, a exigência de período de actividade jurídica profissional mínima de 15 anos, travão a destemperos partidários futuros. Não se deve confiar na felicidade de escolhas pontuais passadas.

Assim, o alargamento do mandato para 9 anos, mas também a interdição de recondução.

Assim, o avanço para uma maioria, ainda que tangencial (7 em 13) de magistrados, ressalvada uma maioria de entre eles proveniente de tribunais superiores, hoje já experimentando uma renovação apreciável que afasta o argumento do anquilosamento dos juízes.

A verificar-se que o sistema de partidos se mantém reticente ao passo apontado, ao menos que se estude a participação dos magistrados na designação dos seus pares ou de uma parte deles, e com prevalência numérica dos provenientes de tribunais superiores.

Por outras palavras, penso que a conversão da nossa jurisdição de grau médio em forte, sendo necessariamente condicionada pela cul­tura cívica e jurídica envolvente, nunca poderá ocorrer à margem de exigência acrescida em termos de preparação e experiência jurídica e de valorização da judicatura e da sua integração no sistema de governo global.

Cultura jurídica florescente e juridifícação crescente do Tribunal Constitucional são mais importantes do que a repartição de designados políticos por órgãos governativos em sentido restrito.

Não se trata de aceitar acriticamente o Governo dos Juízes, moda tão sedutora quanto perigosa em Estados a braços com a ruptura do sis­tema político, e dentro dela do sistema partidário.

Trata-se de encontrar fórmulas de integração da jurisdição no sis­tema de governo global de assumir que a Justiça Constitucional, para ser pujante, tem de ser mais exigente, mais juridificada e mais jurisdicionalizada.

Assim o sistema partidário o entenda e acolha, renunciando a con­verter o Tribunal Constitucional em bode expiatório das misérias do quotidiano político.

 




 



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