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A Fiscalização concreta de constitucionalidade como forma priviligiada de dinamização do Direito Constitucional (o sistema vigente e o ir e vir dialético entre o Tribunal Constitucional e os outros Tribunais)
A. Monteiro Diniz
(Conselheiro do Tribunal Constitucional)

 

1. O Tribunal Constitucional, no exercício da sua competência como órgão superior da justiça constitucional, proferiu nos dez primeiros anos da sua existência um total de 3429 acórdãos, distribuídos pelos seguintes tipos de fiscalização da constitucionalidade: fiscalização preventiva — 52; fiscalização sucessiva abstracta — 193; fiscalização por omissão — 5; fiscalização concreta — 3179.

A fiscalização concreta da constitucionalidade, que por si só repre­senta mais de 80% da actividade do Tribunal, faz coexistir, no plano do recurso, dois órgãos de justiça constitucional — os tribunais integrados numa das quatro ordens de tribunais previstos na Constituição e o Tribunal Constitucional — constituindo por isso a sua apreciação, ainda que circunscrita a algumas espécies jurisprudenciais, um instrumento privilegiado para avaliar sobre o inter-relacionamento entre a jurisdição constitucional e a jurisdição dos outros tribunais.

Por outro lado, a legitimação de um tribunal como o Tribunal Constitucional, sem tradição no quadro das nossas instituições judiciá­rias, há-de também fundar-se no contributo que a sua actividade possa emprestar a um progressivo desenvolvimento da ideia constitucional e no grau de influenciação que as suas decisões venham a alcançar junto da comunidade jurídica e muito especialmente, junto dos outros tribunais.

Nos desenvolvimentos seguintes, para além de uma breve notícia sobre os sistemas de fiscalização jurisdicional das leis que anteriormente vigoraram entre nós, procurará captar-se o que de mais sugestivo foi evidenciado pelo modelo actual do controlo concreto da constitucionalidade, durante os dez anos que leva de existência, seja a montante, no plano das iniciativas geradoras da desaplicação das normas ou da suscitação da sua inconstitucionalidade, seja a juzante, no plano da acei­tação e cumprimento por parte dos outros tribunais das decisões do Tribunal Constitucional.

2. O princípio do controlo jurisdicional da constitucionalidade das leis foi introduzido no ordenamento português pela Constituição de 1911 que, por influxo da constituição norte-americana e da constituição brasileira de 1891, instituiu um sistema de fiscalização judicial difuso, incidental e concreto.

Este modelo de fiscalização transitou para a Constituição de 1933, se bem que, aquando da revisão de 1971, mantendo-se embora o sistema originário, se tenha admitido a possibilidade de a lei concentrar em algum ou alguns tribunais a competência para a apreciação da inconstitucionalidade de normas, nos casos não reservados ao parlamento (apreciação da inconstitucionalidade orgânica ou formal de normas constantes de diplomas promulgados pelo Presidente da República ou de tratados internacionais), podendo então ser conferida às decisões desses tribunais, força obrigatória geral.

Todavia, esta faculdade concedida ao legislador ordinário não veio a ser exercida mantendo-se o sistema inalterado até ao termo da sua vigência.

No plano da efectiva prática constitucional, há-de dizer-se que a fis­calização judicial difusa consagrada nas Constituições de 1911 e 1933, se veio a revelar quase inteiramente inoperante.

As razões deste insucesso podem atribuir-se, numa avaliação sumá­ria e imediata, à instabilidade política, social e institucional que, durante toda a sua vigência, atravessou o regime democrático-parlamentar da I República e ao cariz anti-democrático do regime autoritário instituído pela Constituição de 1933.

Neste último caso, aliás, o texto constitucional pouco mais repre­sentava do que um esquema organizatório da estrutura do Estado e do poder político, não se traduzindo no plano prático do direito e da actividade judiciária por uma efectiva vinculatividade que se projectasse sobre as situações concretas da vida dos cidadãos.

E daí os raríssimos casos em que os tribunais foram confrontados com questões de inconstitucionalidade ou desaplicaram normas com fundamento na sua ofensa ao texto constitucional.

3. Na estrutura constitucional provisória após o 25 de abril, ao lado do sistema judicial de fiscalização difusa e concreta que se manteve, foi instituído um controlo não judicial concentrado, a cargo, primeiramente, do Conselho de Estado e, depois, do Conselho da Revolução.

O texto originário da Constituição veio definir um sistema próximo deste, combinando a fiscalização judicial difusa e a fiscalização não judicial concentrada abstracta, se bem que com alguns elementos inovadores.

Com efeito, e no que aqui importa sublinhar, foi criado um novo órgão de fiscalização — a Comissão Constitucional — para o qual cabia recurso, obrigatório para o Ministério Público em certos casos, das decisões dos tribunais que julgassem no sentido da inconstitucionalidade ou que aplicassem norma por ela anteriormente havida como inconsti­tucional.

A revisão de 1982 definiu depois, em moldes que no essencial ainda perduram, o actual sistema de fiscalização de constitucionalidade.

O legislador da revisão não se limitou a retomar o modelo da fis­calização difusa, nem substituiu o Conselho da Revolução por um novo órgão político, antes criou um Tribunal Constitucional, configurado como órgão jurisdicional, ao qual, para além do controlo, a título prin­cipal, das questões de constitucionalidade e em certos casos de ilegali­dade, foi atribuída competência para, em via de recurso, apreciar as questões de inconstitucionalidade decididas a título incidental, pelos tribunais nos feitos submetidos a julgamento.

O âmbito do recurso de constitucionalidade foi alargado em ter­mos de passar a compreender também as decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha sido sus­citada durante o processo, o que se traduziu num reforço do princípio da constitucionalidade das leis, concedendo-se um tratamento quase simétrico às decisões de provimento da inconstitucionalidade da norma impugnada (decisões de acolhimento) ou da sua rejeição (decisões de rejeição).

Não obstante a maior amplitude assim concedida ao recurso de constitucionalidade, na revisão de 1989, na qual aliás, se não introdu­ziram modificações substanciais no sistema de fiscalização, foram, ainda assim, apresentadas propostas de aditamento ao texto constitucional no sentido de nele se consagrar uma acção constitucional e um direito de recurso constitucional de defesa exercidos fora do específico plano do recurso das decisões judiciais, não logrando porém, tal iniciativa, alcan­çar a aprovação da Assembleia da República.

Como quer que seja, o sistema instituído em 1982 — controlo difuso e concreto a cargo dos tribunais ordinários com recurso para o órgão próprio de controlo concentrado, ao qual pertence especifica­mente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 223. ° da Constituição) — funcionou desde então, em termos de gerar as expressões numéricas já referidas.

Concretizando um pouco, pode referir-se que dos 3179 acórdãos proferidos em fiscalização concreta, 1302 correspondem a julgamentos de inconstitucionalidade, 909 a julgamentos de não inconstitucionalidades e 968 a decisões de conteúdo processual, relativas, na sua maior parte, ao não conhecimento dos recursos por ausência dos respectivos pressupos­tos de admissibilidade.

Destes recursos, 2011 reportam-se a decisões de acolhimento e os restantes a decisões de rejeição, havendo mais de 70% do total sido interpostos pelo Ministério Público.

Não deixa de surpreender o relativamente escasso número de recur­sos de iniciativa das partes e o elevado número de entre eles que veio a decair mercê de insuficiências processuais.

É certo que o quadro de pressupostos de admissibilidade dos recur­sos interpostos de decisões de rejeição é particularmente complexo, exi­gindo dos recorrentes um perfeito domínio da respectiva disciplina adjectiva e da jurisprudência que sobre ela vem sendo definida pelo Tribunal Constitucional, alguma com marcada feição integrativa.

De qualquer modo, deverá concluir-se que a montante do sistema, na dinâmica gerada ao nível do controlo difuso, seja por acção oficiosa dos tribunais, seja por impulso e iniciativa do Ministério Público e das partes, se foi criando ao longo destes anos uma progressiva «consciência constitucional», que não tem qualquer paralelo com as experiências frustantes observadas na vigência dos textos constitucionais de 1911 e 1933.

4. No actual sistema jurídico constitucional todos os tribunais, seja qual for a ordem em que se integram, são órgãos de justiça cons­titucional, incumbindo-lhes «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos», sendo-lhes vedado nos feitos submetidos a julgamento «aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigos 205.°, n.º 2, e 207.°).

Ao contrário do que acontece nos sistemas de mero incidente em sentido estricto, os tribunais têm acesso directo à Constituição devendo recusar a aplicação das normas que julguem inconstitucionais.

Trata-se porém, como tem sido afirmado pela jurisprudência do Tri­bunal Constitucional, de uma competência vinculada, no sentido de que os tribunais ordinários só podem decidir as questões de constitu­cionalidade que tenham por objecto as normas jurídicas que forem aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento.

Deste modo, se determinada norma jurídica não for aplicável à matéria da causa, isto é, se a respectiva decisão não convocar a sua apli­cação, o tribunal não deve pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessa mesma norma.

E na hipótese de assim acontecer, não se abre a via do recurso de constitucionalidade, porquanto a decisão que viesse a ser proferida sobre tal questão seria inteiramente irrelevante para o julgamento da causa principal.

A fiscalização concreta de constitucionalidade incide sobre uma norma com incidência limitada ao caso do processo, devendo ademais verificar-se uma relação de nexo incindível entre ela e a questão jurídico-material a decidir.

E as decisões dos tribunais que julguem as questões de constitucio­nalidade são recorríveis para um órgão constitucional específico e exte­rior à jurisdição ordinária.

O Tribunal Constitucional, enquanto órgão superior autónomo da fiscalização concentrada, mesmo quando intervém em sede de fiscaliza­ção concreta de constitucionalidade, mais do que um direito de fisca­lização judicial actua, como tem sido assinalado pela doutrina, uma «competência de rejeição que pressupõe a fixação, com efeitos gerais, da inconstitucionalidade das normas que lhe são submetidas».

Com efeito, o julgamento pelo Tribunal Constitucional dos recur­sos de constitucionalidade coenvolve, ao menos potencialmente, a rejei­ção da norma em controvérsia, já que sendo ela avaliada na sua relação com um dado caso concreto, acaba também por o ser na sua expressão genérica e abstracta.

Com o julgamento de inconstitucionalidade, começa a abrir-se a via para o processo conducente à expurgação do ordenamento, como a par­tir de então, as decisões dos tribunais que contrariem a decisão do Tri­bunal Constitucional ficam sujeitas a recurso obrigatório por parte do Ministério Público.

Por outro lado, as decisões do Tribunal Constitucional que con­cedem provimento aos recursos envolvem a reforma das decisões recor­ridas em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconsti­tucionalidade ou da ilegalidade, projectando-se sobre o sentido decisório da causa principal.

E esta projecção pode mesmo situar-se no espaço de delimitação de competências interpretativas do direito ordinário, como sucede, nos casos em que o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado apli­cação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, caso em que esta haverá de ser aplicada com tal interpretação no processo em causa.

Chegados ao ponto em que, a juzante, se dá a confluência dos órgãos de justiça constitucional, importa observar, qual tem sido o grau de acolhimento e aceitação pelos outros tribunais das decisões do Tri­bunal Constitucional.

5. Sempre que o Tribunal Constitucional concede provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos seguem para o tribunal de onde provieram, a fim de este, consoante o caso, reformar ou mandar reformar a decisão em conformidade com o julgamento sobre a ques­tão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.

O tribunal a quo acha-se adstrito ao cumprimento e à execução daquela decisão em termos de assegurar a concretização dos seus efeitos. Como se acha adstrito também às decisões do Tribunal Constitucional que declarem, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade (ou a ilegalidade em certos casos) de normas jurídicas.

Fora deste específico plano, as decisões do Tribunal Constitucional não obrigam os outros tribunais em termos de estes lhe deverem aca­tamento, valendo apenas na proporção das razões que as suportam.

Descendo a um plano concretizador, há-de ter-se por harmonizável com o sistema o facto de, existindo embora uma jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional no sentido de não julgar inconsti­tucional a norma do artigo 16.°, n.º 3, do novo Código de Processo Penal (permite que o Ministério Público requeira a realização do julga­mento pelo tribunal singular em determinadas situações que, em prin­cípio, exigiriam a intervenção do tribunal colectivo), muitos tribunais terem continuado a decidir no sentido da sua inconstitucionalidade. Os cerca de 120 recursos obrigatórios interpostos de tais decisões, pro­venientes das mais diversas comarcas, não consentem outra ilação que não seja a de os respectivos juízes não terem aceite como convincente a fundamentação ali desenvolvida pelo Tribunal Constitucional.

Refira-se, aliás, que, com o passar do tempo, diminuiu significati­vamente o número dos recursos respeitantes a tal questão de constitu­cionalidade, sendo hoje em dia muito raras as decisões dos tribunais que desaplicam aquela norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

O mesmo se poderá dizer a respeito de diversas outras matérias em que, a despeito de já existir uma determinada linha jurisprudencial do Tribunal Constitucional, não haver ela sido adoptada por alguns tribunais, só tal vindo a acontecer a partir do momento em que as res­pectivas normas foram inconstitucionalizadas com força obrigatória geral.

Foi o caso dos preceitos dos n.os l e 2 do artigo 30. ° do Código das Expropriações de 1976, que fixavam para efeito de expropriação, res­pectivamente, o valor dos terrenos situados fora dos aglomerados urba­nos e em zona diferenciada do aglomerado urbano e que vieram a ser declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, por violação do princípio da justa indemnização constante do artigo 62.°, n.° l, da Constituição.

Como foi também, embora com algumas peculiaridades, o caso de diversas normas do Estatuto dos Oficiais das Forcas Armadas de 1965 e do Estatuto do Oficial do Exército de 1971, na parte em que reco­nheciam ao Supremo Tribunal Militar competência em matéria de contencioso administrativo militar, também declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 218.° da Constituição, na versão de 1982, hoje artigo 215.°

O facto de o Tribunal Constitucional haver proferido mais de 70 acórdãos contendo julgamentos de inconstitucionalidade — 20, em matéria de expropriações, e 51, versando a competência do Supremo Tri­bunal Militar — não pode também ser entendido como uma expressão de conflitualidade no sistema, se bem que neste último caso se possa falar em manifesto desvio, porquanto o Supremo Tribunal Militar, directa­mente confrontado com repetidos julgamentos de inconstitucionalidade das mesmas normas, prosseguiu, em outros processos, na sua aplicação implícita, só deixando de o fazer após a imposição da força obrigatória geral.

Aliás, não no caso do Supremo Tribunal Militar, em que os sucessivos julgamentos de inconstitucionalidade respeitavam a decisões desse mesmo tribunal, mas em outras situações genéricas, sempre se poderá questionar o maior ou menor grau de publicitação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, em termos de ser dela exigível um imediato conhecimento por parte dos outros tribunais.           

Seja como for, pode seguramente afirmar-se, que as decisões do Tribunal Constitucional mesmo quando não dotadas de força vinculativa, têm vindo progressivamente a funcionar como instrumento privi­legiado nas decisões dos outros tribunais quando chamados a julgar casos paralelos ou afins.

Temas jurídico-constitucionais particularmente significativos como os relativos ao princípio da igualdade, ao regime e força jurídica dos direi­tos, liberdades e garantias, às garantias do processo criminal, à segu­rança no emprego, aos direitos das organizações representativas dos trabalhadores, à liberdade sindical, citados a título meramente exemplificativo, todos eles com forte incidência nos códigos e nos diplomas legais cuja disciplina está mais próxima das realidades que importam aos cidadãos, foram largamente tratados na jurisprudência do Tribunal Cons­titucional, projectando-se depois no universo dinâmico da vida e da prática judiciárias.

Aliás, deverá assinalar-se que muitas das declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, decretadas na sequência de anteriores julgamentos de inconstitucionalidade, tiveram por génese decisões de acolhimento dos tribunais comuns, como sucedeu, entre outros casos, com os limites das pensões de aposentação dos ex-funcionários da antiga administração ultramarina; com a norma que per­mitia o julgamento em processo de transgressão sem que ao réu fosse nomeado defensor oficioso, quando ele, notificado editalmente para a audiência se não encontrasse presente; com a norma do Código da Estrada que atribuía competência à Direcção-Geral de Viação para aplicar a medida de inibição da faculdade de conduzir ao condu­tor que, tendo cometido uma transgressão estradal, pagasse volunta­riamente a multa; com a matéria de execução e impugnação de coimas laborais; com o acesso a actas de júris de concursos públicos; com a res­trição ao uso do cheque e com diversas situações reportadas à viola­ção do preceito que estabelece a competência legislativa reservada da Assembleia da República (infracções fiscais aduaneiras, competência dos Tribunais de Família e de Menores, competência dos tribunais do tra­balho em matéria de cumprimento de deprecadas, além de muitas outras).

A jurisprudência que assim se foi desenvolvendo contribuiu deci­sivamente para que o direito constitucional entre nós, fosse «desco­berto» e «revitalizado», sobretudo no plano concreto da vida judiciária, verificando-se que, independentemente da força vinculativa própria, os outros tribunais passaram a acompanhar, de modo geral, no âmbito das questões de constitucionalidade, o sentido das decisões do Tribunal Constitucional.

6. Passando ao plano do obrigatório cumprimento das decisões do Tribunal Constitucional pelos outros tribunais, deve reconhecer-se que o sistema de justiça constitucional tem funcionado sem pontos de fric­ção ou conflitualidade dignos de destaque.

E se o funcionamento do sistema, como era previsível, não tem levantado problemas no que toca às decisões de mais fácil concretização, as chamadas decisões de conteúdo simples ou típico, outrotanto se poderá genericamente dizer a respeito de decisões de conteúdo com­plexo ou atípico, como sucede, nomeadamente, com as decisões interpretativas de provimento e de rejeição, nas quais o juiz «a quo» pode ser confrontado com situações de alguma complexidade.

Quando o Tribunal Constitucional não julgar certa norma incons­titucional, com fundamento em determinada interpretação que dela faça, essa norma deve vir a ser aplicada com tal interpretação no pro­cesso em causa.

Não sendo muito numerosas, foram todavia já proferidos diversos acórdãos em fiscalização concreta nos quais o Tribunal julgou através de decisões interpretativas, quer sob a forma de decisões de acolhimento quer sob a forma de decisões de rejeição, pois que, em bom rigor, estas deci­sões, embora sem conteúdo típico, acabam por ser redutíveis a deci­sões de inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade.

A referência de algumas dessas decisões permitirá avaliar o grau de complexidade na sua concretização e as eventuais dificuldades que esta possa ter comportado.

— O acórdão n. ° 63/85, julgou que a norma do artigo 26. °, n.° 3, do Decreto-Lei n. ° 85-C/75 (Lei da Imprensa), interpretada como não presumindo que o director do periódico é autor dos escritos assinados por pessoal insusceptível de responsabilizar-se, não é, nessa medida inconstitucional, determinando ao tribunal «a quo» a reforma da deci­são em termos de nela ser assim aplicada aquela norma.

— O acórdão n. ° 70/85, julgou que a norma do artigo 51. ° do Decreto-Lei n.° 402/82 (alterações ao Código de Processo Penal eregime de execução das penas), que definiu o conceito de prisão maior, e inconstitucional no sentido que lhe foi dado por uma deliberação do S.T.J. tomada em providência extraordinária de «habeas corpus», abstendo-se porém de fixar qual a interpretação susceptível de não inconstitucionalizar aquele conceito.

— O acórdão n. ° 150/87 da l.a Secção do Tribunal, julgou a norma do artigo 664.° do Código de Processo Penal de 1929, que determinava que os recursos, antes de irem aos juízes do julgamento, iriam com vista ao Ministério Público se a não tivesse tido antes, incons­titucional pois que, no caso concreto, o Ministério Público, já para além da possibilidade de resposta do arguido, tivera ensejo de trazer ao julgamento uma acrescida argumentação acusatória.

— Mais tarde, o acórdão n. ° 398/89, da 2.a secção, não julgou inconstitucional aquela norma desde que interpretada no sentido de «não consentir ao Ministério Público emitir parecer que possa agravar a posição dos réus ou, quando isso aconteça, ser dada aos réus a pos­sibilidade de responderem».

— Finalmente, o plenário do Tribunal, em recurso por divergência jurisprudencial (divergência derivada das posições atrás referidas), no acórdão n.° 150/93, julgou a mesma norma não inconstitucional, «inter­pretada no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus, deve ser dada a estes a possibilidade de responderem».

— O acórdão n.° 106/92, julgou inconstitucional a norma da alí­nea i) do artigo 69. ° do Estatuto da Ordem dos Advogados de 1984, quando interpretada no sentido de abranger os trabalhadores das empre­sas públicas não sujeitos ao regime geral da função pública.

— O acórdão n. ° 271/92, julgou inconstitucional a norma do n. ° l do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 138/85, interpretada no sen­tido de que os tribunais comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais.

O cumprimento de decisões deste tipo, independentemente das complexas questões doutrinais que a seu propósito têm sido levanta­das, poderá importar para os tribunais ordinários, ao menos em certos casos, delicadas operações interpretativas, não se conhecendo porém que alguma vez tivessem sido opostos reais obstáculos ou dificuldades à sua concretização, em termos de se poder dizer desrespeitado o espírito do sistema da fiscalização de constitucionalidade.

7. Sabe-se, é essa a lição das experiências vividas em outros países, que nem sempre tem sido fácil a coexistência das competências dos Tribunais Constitucionais e dos outros tribunais.

No caso português revestem-se de particular melindre os casos em que as decisões dos Tribunais Supremos são sindicadas e revogadas pelo Tribunal Constitucional e têm-no sido, mesmo ao nível mais elevado dos Assentos do Supremo Tribunal de Justiça (os acórdãos n.os 8/87, 359/91 e 401/91, declararam inconstitucionais, com força obrigatória geral, respectivamente, normas respeitantes ao recurso em processo sumário, à atribuição do direito de arrendamento ao progenitor não arrendatário no caso de haver filhos menores nascidos fora do casamento, e ao âmbito dos poderes de cognição dos tribunais da Relação em recursos das decisões finais dos tribunais colectivos de l.a  instância, normas essas entendidas com a sobreposição interpretativa de assentos que sobre elas foram tirados).

Independentemente de quanto a este respeito possa dizer-se, impor­tará acima de tudo criar uma espécie de autocontrolo institucional que propicie e favoreça o funcionamento harmónico e integrado do sistema de fiscalização constitucional.

Escreveu um dia o Prof. Gomes Canotilho que «o direito dos juízes deve ser não apenas dogmaticamente sustentável (segundo as regras racionais e objectivas de interpretação/concretização) e intrinsecamente justo (as normas de decisões dos juízes impostas pelos princípios da justiça) mas também juridico-constitucionalmente legitimado (dentro das competências e funções atribuídas pela Constituição a um órgão jurisdicional)».

Parece legitima a afirmação de que o Tribunal Constitucional tem vindo a adoptar uma «metódica realista» assumindo uma forma de protagonismo discreto e procurando definir linhas de orientação jurisprudencial suficientemente fundamentadas.

As realidades da prática judiciária — as espécies e situações jurisprudenciais referidas são mero afloramento de um quadro global — revelam que, apesar de algumas disfunções, o actual sistema de fiscali­zação da constitucionalidade para além de ter operado uma acentuada sensibilização da ideia constitucional entre os seus diversos protagonis­tas e intervenientes, contribuiu outrossim para uma acrescida «constitucionalização» do ordenamento jurídico.

E entende-se que a consecução deste resultado só terá sido possível por força da existência de um órgão superior de fiscalização capaz de fazer repercutir sobre o ordenamento, nomeadamente através da dinâmica dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, todo o sen­tido e alcance das normas t princípios constitucionais.

 




 



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