DECISÃO SUMÁRIA Nº 292/13
Processo n.º 442/13
1.ª Secção
Conselheiro: Conselheiro José da Cunha Barbosa
1. A. e B., melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de abril de 2013, que negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes.
2. Mediante o presente recurso de constitucionalidade, os recorrentes pretendem ver apreciada “a inconstitucionalidade da norma do artigo 380º do CPP, quando interpretada no sentido de impor a interposição de um recurso penal para o Tribunal da Relação, no prazo fixado no art. 411º, nº 1 do CPP, independentemente de ter havido um pedido prévio de correção da sentença” e, consequentemente, “a interpretação de que o pedido de correção de uma decisão em processo penal, formulado pelo Arguido, não suspende nem interrompe o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão”. Concluem o respetivo requerimento do seguinte jeito:
«(...)
1. Os ora Recorrentes pretendem que este Alto Tribunal aprecie a inconstitucionalidade da norma do artigo 380º do CPP, quando interpretada no sentido de impor a interposição de um recurso penal para o Tribunal da Relação, nos prazos fixados no art. 411º, nº 1 do CPP, independentemente de ter havido um pedido prévio de correção da sentença.
2. E, consequentemente, a inconstitucionalidade da interpretação do art. 380º do CPP segundo a qual o pedido de correção de uma decisão em processo penal, formulado pelo Arguido, não suspende nem interrompe o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão
3. Tal interpretação viola claramente o disposto no art. 32º da CRP, nomeadamente, o direito ao recurso.
4. Da interpretação feita pelo Acórdão recorrido dos arts. 380º e 411º ambos do CPP, resulta que o prazo para a interposição do recurso continua a correr a partir do termo inicial fixado no art. 411º, mesmo quando o arguido requeira a correção da sentença ao abrigo do disposto no art. 380º do CPP.
5. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a interpretação normativa que o Acórdão aqui recorrido perfilha e que acabamos de expor para o referido art. 380º do CPP viola materialmente o art. 32º, nº 1 da CRP — princípio das garantias de defesa de processo criminal, incluindo o direito de recurso.
6. O facto do Tribunal de 1ª Instância ter classificado o erro que afinal foi corrigido como mero lapso de escrita e não como ambiguidade ou obscuridade (tal como foi qualificado pelos Recorrentes no seu pedido de correção), para o caso em concreto pouco importa.
7. É irrelevante se tratou de um erro material ou se, pelo contrário, se tratou de uma ambiguidade ou obscuridade.
8. De facto, não se justifica decidir, nesta matéria por um tratamento diferenciado consoante esteja em causa uma obscuridade ou ambiguidade ou esteja em causa um erro, nomeadamente um erro de escrita ou de cálculo.
9. Nos casos em que o pedido de correção da sentença se baseia num erro, ambiguidade ou obscuridade existente (os que são verdadeiramente casos de aplicação do artigo 380.º do CPP), a ideia de que o prazo para interpor recurso deve começar a contar, para o arguido que pediu a correção da sentença, do conhecimento da decisão que recaia sobre tal pedido de correção (a qual é complemento e parte integrante da sentença corrigida ou aclarada) é o corolário lógico de se considerar que este incidente pós-decisório é necessário ao cabal conhecimento, por parte do recorrente, da decisão final do tribunal recorrido (a quem incumbe, em primeira linha, a apreciação de tal requerimento — cf. artigo 380.º, n.º 1, do CPP) e, consequentemente, do exercício, em concreto, do direito ao recurso.
10. O pedido de correção da sentença surge porque o seu destinatário (arguido) a considera errónea, obscura ou ambígua. Até ser proferida decisão quanto a esse pedido, o requerente está (ou pode estar) colocado num estado de incerteza quanto aos termos finais da sentença em relação à qual tem que definir o seu interesse em recorrer e, na hipótese afirmativa, conformar o teor do seu recurso. O mesmo é dizer que, em determinadas circunstâncias, o resultado daquele incidente pós-decisório, qualquer que ele seja, é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso, pois mesmo que o pedido de correção venha indeferido, só com o conhecimento desta decisão poderá o arguido estar certo do alcance da sentença de que recorre e, consequentemente, construir a sua defesa em sede de recurso (ou até, decidir se toma, ou não, essa iniciativa processual). Só nesse momento, o arguido fica certificadamente, e em definitivo, na posse de todos os dados a ponderar na determinação da sua vontade, quanto ao se e ao modo do exercício do direito ao recurso.”
11. O Tribunal a quo olvidou-se que os ora Recorrentes efetivamente pediram a correção de uma parte da fundamentação da matéria de facto dada como provada, mas a qual imputava aos ora Recorrentes (e não a um qualquer outro arguido do processo) factos que, na sua opinião, teriam (tendo em conta a prova produzida em sede de julgamento) que ser imputados a um outro arguido – o tal arguido D..
12. O lapso foi corrigido, e em consequência, deixou de constar da fundamentação da matéria de facto que tais factos foram praticados pelos ora Recorrentes e passou a constar que tais factos tinham sido praticados por outro arguido – D..
13. Tal realidade diz respeito aos ora recorrentes: estavam-lhes a ser imputados factos que deveriam ser imputados a outro arguido!
14. Tendo o tribunal de 1ª Instância corrigido o erro, tal correção – como é óbvio – beneficiou os ora Recorrentes. Em sede de recurso os Recorrentes já não tiveram que se preocupar com aquela parte da fundamentação.
15. Quando os Arguidos (ora Recorrentes) atuam de boa-fé e ficam numa posição real de impossibilidade de formular adequadamente o seu recurso (como foi o caso) eles não “inventam um erro”. O que fazem é: após se aperceberem que há uma parte da decisão, que, segundo eles, não faz sentido, em nome do tão falado princípio da cooperação e o princípio da certeza e segurança jurídica – indicam/expõem o erro que entendem existir e pedem a sua correção.
16. Porém, os Recorrentes só têm a certeza se tal erro/obscuridade/ambiguidade é entendida como tal pelo Tribunal após sair a decisão do pedido de correção. Os recorrentes até podiam entender que havia um erro/obscuridade ou ambiguidade e o tribunal entender que não (principalmente quando estamos a falar de matéria de facto e sua fundamentação, relativamente à qual, como sabemos, vale o principio da livre apreciação do Tribunal art. 127º, do CPP).
17. Ambos os Recorrentes, estão, nos presentes autos, sujeitos à Medida de Coação de Prisão Preventiva, pelo que fazer “manobras dilatórias” ou fazer com que o presente processo “vire pista de obstáculos” em nada os beneficiariam, bem pelo contrário, apenas os prejudicaria.
18. O entendimento levado ao acórdão aqui recorrido quanto à interpretação do art. 280º do CPP é clara e materialmente violador de normas e princípios constitucionais, nomeadamente, do art. 32º, nº 1 da CRP.
19. O dito acórdão condenatório de 21/11/2012 apenas ficou completo com o referido despacho de correção de 21/12/2012, ou seja, só com este despacho se cristalizou a decisão consubstanciada naquele acórdão de 21/11/2012, estabilizando-se no seio do processo.
20. Pelo que, só a partir da notificação desse despacho de correção (concretizada em 21/12/2012), puderam os recorrentes saber, com absoluta certeza, qual a totalidade dos factos que lhe eram imputados e, em consequência, ponderar de forma integralmente esclarecida os termos e fundamentos a incluir no futuro recurso.
21. Assim, a interpretação segundo a qual o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando o arguido requeira a correção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do cpp, é inconstitucional, por revelar uma estruturação do processo penal incompatível com o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
22. Deve ser considerada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 380º do mesmo Código de Processo Penal, não suspende o prazo para aquele interpor recurso dessa mesma decisão, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
23. Devendo, em consequência, a decisão recorrida ser reformulada em conformidade com o alegado juízo de inconstitucionalidade.
24. Decidindo-se, em consequência, que o prazo de recurso dos ora Recorrentes (aqueles que pediram a correção da sentença) apenas começa a contar da data em que foram notificados da decisão do pedido de correção,
25. Decidindo-se, ainda e em sequência, que assim sendo o recurso interposto pelos arguidos a 15/01/2013 e a 21/01/2013 foram interpostos dentro do prazo legal que tinham para o efeito.
(...)»
3. Os recorrentes foram condenados em pena de prisão efetiva, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em decisão proferida pela 2.ª Secção da Vara Mista de Coimbra, em 20 de novembro de 2012. Considerando o acórdão como “obscuro e ambíguo”, os recorrentes, lançando mão do disposto no artigo 380.º, n.º 1, do CPP, requereram a correção do mesmo (fls. 1088), na parte em que, na “motivação de decisão de facto”, se lê: “De resto, do facto de resultar das cartas e sms que os arguidos C. e A. também desenvolviam atividade de tráfico em que eram fornecidos por outros indivíduos, isso não desvirtua a prova deste processo quanto ao envolvimento dos arguidos B. e A. nestes factos concretos”. Em 21 de dezembro de 2012, o tribunal recorrido procedeu à correção do acórdão, salientando, porém, não entender “como tal lapso material manifesto, que os recorrentes verificaram, assinalando mesmo a correção a fazer-se, poderá criar-lhes qualquer incerteza que imponha novo prazo de recurso pois, como é notório, com a correção do lapso no sentido lógico que para os mesmos flui evidente, não se altera em nada o acórdão em apreço”.
Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso do despacho de fls. 1090 para o Tribunal da Relação de Coimbra, argumentando que haveria que “interpretar adequadamente os citados artgs. 380.º e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, harmonizando-as com a nossa Lei Fundamental (com respeito, designadamente pelo seu art.º 32.º), sendo que os princípios da segurança jurídica e do efetivo direito ao recurso impõem que, em sede de processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada, ou seja, da decisão que recaiu sobre o pedido de correção”. Concluiriam o respetivo recurso nos seguintes termos:
«(...)
1. No seu requerimento de correção do Acórdão os ora Recorrentes para além de indicarem a parte do Acórdão que consideravam como obscura e ambígua alegaram que até ser proferida decisão sobre aquele requerimento de correção, os arguidos encontravam-se colocados num estado de incerteza quanto aos termos finais do Acórdão e em relação ao qual tinham que definir os exatos termos do recurso que iriam interpor, requerendo a final que a contagem do prazo a interpor do Acórdão condenatório apenas se iniciasse a partir da notificação aos arguidos da decisão do requerimento de correção.
2. É que com a correção requerida, e que posteriormente foi determinada e realizada pelo Tribunal a quo, o ora Recorrente A. tem uma participação menos ativa na alegada atividade de tráfico. Pois na parte em que se requereu a correção do Acórdão eram-lhe imputados factos que tinham sido praticados por outro arguido no processo – D..
3. O presente recurso a questão que se coloca é a de saber se face à apresentação dum pedido de aclaração/Correção/retificação da sentença/Acórdão, o prazo para o recurso se conta, ou não, a partir da notificação do despacho que aprecia tal requerimento.
4. Os Arguidos entendem que sim.
5. O Tribunal Constitucional no seu acórdão 16/2010 de 12.01.2010, decidiu “julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.”
6. No acórdão 293/2012 de 6.06.2012 decidiu “julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.”
7. No caso, os ora Arguidos pediram a correção do Acórdão com base em obscuridade e ambiguidade como supra se referiu, tendo, em consequência, o acórdão sido corrigido pelo Tribunal a quo nos exatos termos requeridos pelos Arguidos.
8. Consequentemente, transpondo para o caso esta doutrina constitucional, só se poderá concluir que a formulação pelos ora Arguidos de tal pedido de correção suspende o prazo para a interposição do recurso do Acórdão proferido nos presentes autos, com todas as consequências legais.
9. Os princípios da segurança jurídica e do efetivo direito ao recurso impõem que, em sede de processo penal, o prazo para a interposição do recurso se conte a partir da notificação da decisão consolidada, ou seja, da decisão que recaiu sobre o pedido de correção.
10. Deve o Despacho recorrido ser substituído por outro que declare que o pedido de retificação/correção do Acórdão apresentado pelos arguidos a 20 de dezembro de 2012 suspende o prazo para a interposição do respetivo recurso, devendo o prazo para o efeito (prazo de 30 dias) começar-se a contar da data da notificação da decisão que recaiu sobre o requerimento de retificação/correção do Acórdão condenatório.
(...)»
O Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso com base nos seguintes argumentos:
«(...)
Está em causa o efeito do requerimento de aclaração ou correção da sentença final no prazo de interposição do recurso da sentença – dando ou não lugar à contagem de novo prazo a partir da notificação do despacho sobre o pedido de correção.
A decisão recorrida louva-se no Acórdão do STJ de 19.01.2011, processo n.º 882/05.0TAOLH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt cujo sumário é reproduzido na douta resposta.
Em contrapartida os recorrentes invocam a favor do seu ponto de vista os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 16/2010 de 12.01.2010 (que decidiu “julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação do artigo 380º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão”) e 293/2012 de 06.06.2012 (que decidiu “julgar inconstitucional, por violação do direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, a norma do artigo 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão”).
O Código de Processo Penal não contém disposição que regule o efeito do requerimento para a correção da sentença (apresentado nos termos do disposto no artigo 380º do CPP) no prazo de interposição de recurso.
Postula porém o artigo 4.º do CPP que nos casos omissos, quando as disposições do CPP não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
Daí que tenha sido discutida a aplicação subsidiária do art. 686º do CPC que dispunha que “se alguma das partes requerer a retificação, aclaração ou reforma da sentença, o prazo para o recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento”.
Havendo quem entendesse aplicar o referido normativo ao processo-crime – neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos da Relação do Porto de 20 de maio de 2005 e de 07 de novembro de 2007, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
E quem entendesse que tal aplicação de tal dispositivo em processo penal era incompatível com a natureza deste, eminentemente pública e indisponível.
Ora, a aludida disposição do Código de Processo Civil, em que se fundamentava a prorrogação do prazo do recurso foi revogada pela reforma operada pelo DL 303/2007, de 24 de agosto – por imprestável para o figurino do próprio processo civil.
Certo é que continua a prever o n.º 1 do artigo 669º do CPC que “Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) o estabelecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos”.
No entanto, postula agora (redação dada pelo DL 303/2007, de 24 de agosto), o n.º 3 do mesmo preceito: “Cabendo recurso da decisão, o requerimento previsto no n.º 1 (para esclarecimento de obscuridade da decisão) é feito na respetiva alegação”.
Adequando depois o artigo subsequente (670º) os termos posteriores do recurso aquela exigência, de forma que o autor do pedido de aclaração não fique prejudicado no exercício dos seus direitos, num procedimento claro e escorreito que o legislador processual penal poderia importar sem menosprezo.
De qualquer forma o aludido entendimento – ainda que se entendesse ser aplicável ao processo penal por remissão do art.º 4º do CPP – a partir da entrada em vigor do citado DL 301/2007, ficou sem base legal, por afastado pelo próprio legislador processual civil.
Não se ignora a jurisprudência do TC nos arestos supra reproduzidos, com base no exercício do direito ao recurso.
No entanto, para a sua aplicação ao caso concreto, importa demonstrar que a retificação/correção seja, de algum modo, materialmente relevante ou impeditiva do efetivo, honesto, exercício do direito ao recurso da decisão final. Sob pena de o processo penal, de veículo de realização do direito material, virar a pista de obstáculos a essa mesma realização ou, dito de outra forma, não justificando os fins os meios, os meios justificarem os fins.
Ora, para tal, vejamos, no caso, a natureza da retificação pedida (cfr. fls. 15 do recurso, que reproduz a face de fls. 985 dos autos).
Nessa linha, onde se lia “A.” passou a ler-se “D.”.
Materialmente o lapso corrigido não se insere na parte injuntiva da decisão – condenatória ou absolutória – de onde que a correção não importou mudança do sentido do dispositivo da sentença.
Tão-pouco diz respeito à descrição da “matéria de facto provada” ou da “matéria de facto não provada” – de onde que também não alterou o suporte factual da decisão.
O lapso insere-se na “motivação da decisão de facto”.
No entanto a matéria de facto dada como provada com base na asserção não diz respeito ao recorrente mas a outro arguido (D.) que foi condenado tendo por base a matéria de facto a que se reporta o excerto corrigido nessa conformidade, condizente com o sentido da motivação claramente emergente do contexto onde se insere bem como das consequências extraídas.
Portanto, independentemente da correção – ou não – do lapso, a matéria de facto respeitante ao recorrente e as consequências jurídicas daí extraídas (condenação de outro arguido, D.), em relação aos recorrentes a decisão manteve-se inalterada. A correção do lapso não beneficiou nem prejudicou o ora recorrente. Apenas viu esclarecida uma frase que dizia respeito a outro arguido e nenhum efeito teve ou poderia ter na situação jurídica do recorrente definida pela sentença/acórdão.
Por outro lado, os recorrentes não questionam a asserção de que o lapso em questão – além de não interferir, por qualquer forma com a decisão tomada a seu respeito – de que o lapso resulta evidente do sentido, unívoco, e do contexto da motivação da decisão onde se insere.
Os recorrentes nem tentam justificar a afirmação de que a correção do lapso pudesse ser relevante ou em que é que a sua correção fosse relevante para o exercício dos seus direitos. Apenas que sim.
Tendo o tribunal decidido – em conformidade com a alegação do recorrente – cfr. conclusão nº 2 – que se tratava de mero lapso evidente do respetivo contexto. Afirmação que não é posta em causa pelos recorrentes.
O próprio parágrafo onde se insere o lapso em questão tinha a seguinte redação “De resto, do facto de resultar das cartas e sms que os arguidos C. e A. também desenvolviam atividade de tráfico em que eram fornecidos por outros indivíduos, isso não desvirtua a prova deste processo”. Sendo certo que a frase em questão dizia respeito ao casal – e no âmbito da matéria provada os ora recorrentes atuavam como um casal, enquanto que C. e D. como outro casal. Sendo pois óbvio a referência efetuada, ainda pela identificação do elemento feminino, que não se tratava dos recorrentes. Cuja posição jurídica permanece inalterada com ou sem a correção do lapso.
Assim, a correção do lapso em questão, além de anódina, para o recurso que os recorrentes pudessem querer interpor da decisão, é manifesto e resulta evidente do respetivo contexto, sendo certo ainda que os próprios recorrentes logo o identificaram, com toda a clareza, no requerimento onde pedem a correção.
A alegação de que em face da correção pedida/ordenada (cfr. conclusão n.º 2) “o recorrente A. tem uma participação menos ativa na alegada atividade de tráfico” constitui uma mistificação por parte do recorrente que outro significado não pode ter, materialmente, que a pretendida duplicação do prazo de recurso. Com base num fundamento (lapso que supostamente afete o recorrente) inexistente.
Pois que a matéria dada como provada não diz respeito ao recorrente. E portanto tanto antes como depois da retificação em causa, a decisão (matéria de facto provada) em relação aos recorrentes era a mesma. Valendo-se de um lapso que, além de ostensivo e evidente, apenas poderia prejudicar (que não prejudica nem prejudicou) terceiro. Para, vindo invocá-lo no último dia do prazo de recurso, nele ancorar a possibilidade de um novo prazo de 30 dias para o seu possível recurso.
A pretensão do recorrente tem por base a aplicação subsidiária de uma norma do CPC que há muito foi revogada. Porque não servia as finalidades do processo Civil, onde prevalece o poder dispositivo das partes quanto mais as do processo penal, de natureza público e onde a prorrogação de um prazo contende, frequentemente, com a possível prisão preventiva de algum acusado. Tratando-se de processo com presos – urgente.
Imagine-se o que não diria o recorrente se o “expediente” fosse utilizado pelo MºPº para beneficiar de novo prazo de recurso!? Bastava invocar – no 29º dia do prazo – uma falha de vírgula na sentença e tínhamos um novo prazo – de 30 dias.
As decisões do TC invocadas têm sentido, afigura-se, desde que exista, efetivamente, uma real e efetiva obscuridade ou ambiguidade que comprometa, material e objetivamente, o exercício cabal e esclarecido do direito ao recurso.
O que não é, manifestamente, o caso.
Aliás o art. 380º do CPP apenas permite a correção da sentença relativamente a “erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial” – cfr. corpo n.º 1 e sua al. b) do preceito.
De onde que, de um lado os lapsos retificáveis não são suscetíveis de modificação relevante da decisão. Ficando do outro tudo o resto que constitui fundamento de recurso.
O que evidencia a irrelevância modificativa material da correção de lapsos para efeitos de fundamentação de eventual recurso?!
Não se justificando, por isso, um novo prazo – já de si o mais longo previsto no CPP (30 dias, com impugnação da matéria de facto, de que os recorrentes já fizeram uso para pedir a retificação em questão) por efeito de algo inexistente.
(...)»
4. Considerando, face à jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, que está em causa uma “questão simples”, a mesma passa a ser decidida nos termos admitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
5. Incide o presente recurso de constitucionalidade sobre a interpretação do artigo 380.º, conjugado com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do CPP, na interpretação segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão. Trata-se de uma questão de constitucionalidade já por diversas vezes apreciada por este Tribunal, que, nos Acórdãos n.º 16/2010 e 293/2012 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) julgou inconstitucional o segmento normativo supra identificado.
Com efeito, no primeiro dos arestos citados, o Tribunal analisou a interpretação normativa contestada a propósito de um pedido de correção de sentença, de onde resultou a substituição de um valor - € 7525,95 – por outro – € 7526,05. Mesmo reconhecendo as diferenças que medeiam, para efeitos de interposição de recurso, entre um pedido de correção de lapso ou erro, por um lado, e um pedido de correção motivado por uma obscuridade ou ambiguidade da sentença, por outro, considerou o Tribunal não ser de optar por um tratamento diferenciado dos dois grupos de casos. Assim:
«(...)
Nessa decisão, há que ter em conta que a interpretação normativa que vem questionada tem o efeito perverso de se mostrar inócua (leia-se, irrelevante para o exercício do direito ao recurso, que desde logo pode ser interposto em condições de total conhecimento dos seus pressupostos), nos casos em que o pedido de correção da sentença se baseia num erro, ambiguidade ou obscuridade inexistente (podendo até constituir, como muitas vezes acontece, mera manobra dilatória do recorrente), revelando-se, pelo contrário, prejudicial quando confrontada com situações em que verdadeiramente se verifique tal erro, ambiguidade ou obscuridade da sentença. Nesta segunda hipótese, a decisão de que se pretende recorrer não é integralmente conhecida, ou porque contém uma divergência entre o que ficou escrito e o que estava no pensamento do tribunal decidir, ou porque é obscura (por não se poder alcançar o seu sentido exato) ou porque é ambígua (comporta dois ou mais sentidos distintos).
(...)»
É certo que outros interesses podem, com efeito, resguardar as soluções normativas adotadas, designadamente interesses ligados à celeridade processual e à evitação de puros expedientes dilatórios. No entanto, no aresto citado, o Tribunal concluiu que o modo de prossecução destes outros interesses vertido na interpretação normativa contestada lesava de forma desproporcionada a efetividade do direito ao recurso:
«(...)
O pedido de correção da sentença surge porque o seu destinatário (arguido) a considera errónea, obscura ou ambígua. Até ser proferida decisão quanto a esse pedido, o requerente está (ou pode estar) colocado num estado de incerteza quanto aos termos finais da sentença em relação à qual tem que definir o seu interesse em recorrer e, na hipótese afirmativa, conformar o teor do seu recurso. O mesmo é dizer que, em determinadas circunstâncias, o resultado daquele incidente pós-decisório, qualquer que ele seja, é condicionante do adequado exercício do direito ao recurso, pois mesmo que o pedido de correção venha indeferido, só com o conhecimento desta decisão poderá o arguido estar certo do alcance da sentença de que recorre e, consequentemente, construir a sua defesa em sede de recurso (ou até, decidir se toma, ou não, essa iniciativa processual). Só nesse momento, o arguido fica certificadamente, e em definitivo, na posse de todos os dados a ponderar na determinação da sua vontade, quanto ao se e ao modo do exercício do direito ao recurso.
(...)
Neste juízo, não pode ignorar-se que, na sua formulação geral e abstrata, a interpretação normativa em causa é suscetível de abranger situações em que o arguido é colocado numa posição real de impossibilidade de formular adequadamente o seu recurso (ou até de tomar a decisão de recorrer, ou não), por desconhecer os contornos e a extensão exata da decisão objeto desse recurso. Por isso mesmo, a interpretação sub juditio não pode partir do pressuposto de que apenas são abrangidos casos em que o conhecimento da decisão sobre o pedido de correção da sentença é absolutamente irrelevante para o exercício do direito ao recurso. Tendo exclusivamente na mira as situações de aproveitamento abusivo, com intuitos dilatórios, de uma previsão de incidentes pós-decisórios, o legislador, nesta interpretação, acaba por penalizar os arguidos para quem o conhecimento da decisão quanto ao pedido de correção (e, com ele, da configuração última da sentença) é, genuinamente, condição de um adequado exercício do direito ao recurso.
(...)
Tal como formulada, sem qualquer resguardo adaptativo, ela, ainda que na prossecução de um interesse legítimo, sacrifica desnecessária e excessivamente a efetividade do direito ao recurso – uma garantia pessoal do arguido, revestida de toda a força jurídico-constitucional que às garantias desta natureza cabe.
(...)»
Já no Acórdão n.º 293/2012, o que motivou o pedido de correção do acórdão da primeira instância foi um lapso de escrita na numeração dos artigos da matéria de facto dada como provada. O Tribunal, aplicando a jurisprudência constante do Acórdão n.º 16/2011, considerou in casu que:
«(...)
Este juízo de inconstitucionalidade é inteiramente transponível para o caso em apreço e não é infirmado pela circunstância de alegadamente o pedido de correção em causa visar um “manifesto lapso de escrita”.
(...)
No caso vertente é manifesto que o erro ou lapso material deixou o interessado em recorrer num estado de dúvida legítima quanto ao conhecimento de todos os elementos indispensáveis à elaboração do seu recurso. Na verdade, a circunstância de a numeração dos itens com os “factos provados” passar do n.º 422 para o n.º 432 tanto pode ter ficado a dever-se a um simples lapso de numeração como à não transcrição de factos dados como provados. A não suspensão do prazo de interposição do recurso até à notificação do despacho que se pronuncie sobre o pedido de correção redundaria numa dificultação indevida do adequado exercício do direito ao recurso.
Conclui-se, assim, pela inconstitucionalidade da norma em questão, por violação do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
(...)»
Não se vislumbram fundadas razões para afastar a jurisprudência enunciada, à qual – aliás – se adere plenamente. Com efeito, no caso vertente, o lapso ou erro de escrita em que incorreu o tribunal de 1.ª instância também é suscetível de ter colocado o recorrente num “estado de dúvida legítima” quanto ao conhecimento dos elementos necessários à elaboração do recurso. Na realidade, o facto de, na enumeração dos ‘factos provados’, aquela decisão imputar a prática de certos factos a uns arguidos, quando na fundamentação da mesma matéria de facto deixa afirmado que a prática desses factos era imputável aos ora recorrentes, também arguidos no mesmo processo e condenados na decisão recorrida, podendo integrar, aliás, uma contradição que se impunha sanar, não deixa de, obviamente, ser relevante e poder influenciar o recurso a interpor, pelos ora recorrentes, que, pretendendo recorrer da decisão quanto à matéria de facto, precisam de saber se o lapso se encontra ao nível da decisão da matéria de facto ou da sua fundamentação. É certo que, no pedido de retificação, os recorrentes pugnaram pela existência de lapso ou erro na fundamentação, numa atitude que não pode deixar de ser vista como um natural exercício de defesa que já não fundamentador de simplicidade e evidência do lapso ou erro a retificar, que tanto podia estar na decisão da matéria de facto como na fundamentação. As normas em crise merecem, pois, in casu, a formulação de idêntico juízo de inconstitucionalidade.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Julgar inconstitucional o artigo 380.º, conjugado com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do CPP, na interpretação segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão;
b) Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade formulado.
Sem custas.
Lisboa, 4 de junho de 2013.
José da Cunha Barbosa