ACÓRDÃO Nº 874/2022
Processo n.º 207/2021
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente a Autoridade Tributária – AT e recorrida a A., S.A., foi pela primeira interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), da decisão proferida por aquele tribunal, em 21 de janeiro de 2021, que recusou a aplicação da norma extraída do n.º 2 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, no sentido de que a administração tributária pode impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem (fls. 40-42, verso).
2. Admitido o recurso por despacho datado de 18 de fevereiro de 2021 (fls. 46), e subidos os autos, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações.
A recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos (fls. 53-66, verso):
«A questão controvertida no presente recurso prende-se em aferir se é inconstitucional a aplicação do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, na interpretação normativa que permite à Autoridade Tributária impor, através de um Ofício-Circulado - Ofício-Circulado n.° n.° 30108, de 30-01-2009 um critério de imputação específica que, na aferição do direito à dedução em sede de IVA, prevê que no cálculo da percentagem de dedução deve ser apenas considerado o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD -, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP
B. Na decisão arbitral de que se recorre, foi decidido pelo Tribunal arbitral que:
«Assim, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.»
C. O Tribunal arbitral recusou a aplicação do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, considerando-o materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, ao permitir à Autoridade Tributária impor um método de determinação do direito à dedução em sede de IVA - através de um critério de imputação específica -, por via do ponto 9. do Ofício-Circulado n.° 30108/2009, no caso das instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente a actividade de Leasing.
D. Considerou para o efeito que a «questão de saber se, à face dos artigos 103°, n.° 2, 112°, n° 5, e 165°, n.° 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efectuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), -por via de Ofício-Circulado emitido pela Direcção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, àface do artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Directiva n.° 2006/112/CE. Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23.°, n.° 2, do CIVA e do Ofício- Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correcção ou incorrecção da sua aplicação. Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circular n.° 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23.°, n.° 2, do CIVA é materialmente inconstitucional ao permitir á Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, àface dos artigos 103.°, n.° 2, 112.°, n.° 5, e 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP. As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva. Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». [...] Assim, por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n.° 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.»
E. É errada a afirmação do Tribunal arbitral de que as normas de dedução em sede de IVA consubstanciam normas de incidência, porque tal não corresponde à concepção clássica dos impostos, nem se coaduna com a teoria da relação jurídica tributária.
F. As normas de incidência servem para definir o plano de incidência, isto é, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos dessa obrigação e têm por função determinar quem é o sujeito passivo activo da obrigação do imposto, quem são os sujeitos passivos dessa mesma obrigação, qual a matéria colectável - a base tributável -, isto é, a riqueza, os valores económicos sobre que recai a tributação, a taxa do imposto a aplicar sobre aquela matéria colectável e qual o facto dinamizador - o facto tributário - que, reunindo os pressupostos tributários, promove o nascimento da obrigação de imposto.
G. Assim como definir a delimitação negativa de incidência, definir quais as situações excluídas de tributação, bem como, no caso do IVA, excepcionar determinados sectores de actividade da obrigação de fazer repercutir o imposto anteriormente suportado na transacção situada a jusante.
H. As normas de incidência definem os sujeitos da relação tributária e os factos tributários que geram a obrigação do pagamento de imposto.
I. No caso particular do IVA, por se tratar de um imposto que obedece ao método subtractivo indirecto, em que quem deve suportar o valor do IVA é, em princípio, o consumidor final, o regime da dedução de imposto e dos reembolsos assume como meta dar expressão ao princípio comunitário da neutralidade, que se concretiza quando os sujeitos passivos se desoneram da carga do imposto, subtraindo o IVA incorrido nos seus inputs ao IVA que liquidam nos outputs.
J. A natureza do mecanismo de dedução, presente nos artigos 19.° a 25.° do CIVA, fixa-se, consoante Georges Egret, nas modalidades de cálculo do imposto - onde se perfilam igualmente o lançamento, a liquidação e o pagamento do imposto -, a fim apurar o montante da prestação tributária final a entregar ao Estado.
K. Contrariamente à definição dos sujeitos passivos - incidência subjectiva - e aos factos tributários que se traduzem, a final, na obrigação da prestação tributária - incidência real -, o direito à dedução do IVA, ainda que assuma um papel nuclear no funcionamento daquele imposto, não serve para definir o "quem" sobre que incide o imposto, o "que" sobre que incide o imposto, nem o "quanto" - a base tributável - sobre que incide o imposto.
L. Também não se confunde com o elenco de isenções presente no artigo 9.° do CIVA, porquanto estas se podem caracterizar como pertencendo à classe dos benefícios fiscais, verdadeiras excepções à lógica do IVA, que, fosse por motivos de ordem social, fosse por motivos de simplificação de ordem técnica, o legislador comunitário - e, depois, o nacional - entenderam por bem deverem gozar dessa prerrogativa, facilitando a dinâmica do IVA.
M. O Acórdão do TCA Sul, processo n.° 06525/13, de 14-04-2015 (http://www.dgsi.pt/itca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/e932 bf9df22f041780257e30003139cb?OpenPocumentl refere no seu sumário que:
«5. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos art°s.l9 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
6. Tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A.»
N. Em clara oposição ao entendimento acolhido no acórdão arbitral que julgou recusar a aplicação do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, «na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem», diga-se que o princípio da legalidade, no seu corolário da reserva de lei parlamentar, não é aplicável à concretização sobre o apuramento do valor de IVA que os sujeitos passivos têm direito a deduzir, na caso de assumirem o papel de sujeitos passivos mistos, isto é, que se dedicam a actividades sujeitas e a actividades isentas de imposto.
O. O princípio da legalidade traduz-se no facto de ninguém poder ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, isto é, de acordo com o artigo 112.° da CRP, que não tenham sido criados através de leis, decretos-lei ou decretos legislativos regionais.
P. Na base desta exigência encontra-se o designado auto-consentimento dos impostos, segundo o qual os impostos devem ser consentidos pelos próprios contribuintes, através do sufrágio universal e directo.
Q. Estipula o artigo 103.°, n.° 3 da CRP que:
«Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.»
R. A fixação daquela disciplina encontra-se intimamente ligada à redacção do artigo 103.°, n.° 2 da CRP, que elenca os elementos essenciais do imposto, subdivididos em incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes e, tal como previsto na Constituição, apenas podem ser alterados nos termos da lei.
S. A reserva de lei parlamentar traduz-se no facto de a Assembleia da República ser, no que respeita à criação de impostos e aos elementos constantes do n.° 2 do artigo 103.° da CRP, o único legislador ou o legislador originário definidor dos seus aspectos estruturantes.
T. No que toca à incidência do imposto, trata-se do universo resultante da definição legal do conjunto de factos sujeitos a tributação e, bem assim, da identificação das pessoas a ele sujeitas.
U. Integrar o mecanismo do direito à dedução em sede de IVA no capítulo da incidência trata-se de um vício de raciocínio em matéria nuclear de IVA, dado que, conforme já se explicou, o mecanismo de dedução não define o "quem é tributado", o "que actividades são tributadas", nem o valor tributável sobre que recaem as taxas de IVA.
V. Impõe o princípio da reserva de lei parlamentar e o da tipicidade que o diploma legislativo que procede à criação de impostos seja o mais completo possível, o que implica que a lei defina a incidência no seu sentido estrito, em termos determináveis e determinados, e isso mesmo se tratando da diminuição de uma taxa ou da exclusão de incidência de um determinado facto que, à partida, seria suscetível de tributação.
W. A tipicidade reporta-se à previsão e à estatuição da norma e impõe às leis fiscais que tenham um certo grau de especificação, determinação e precisão, de modo que cada figura jurídica esteja suficientemente caracterizada e nítida nos seus contornos.
X. A tipicidade exige que os factos geradores de imposto sejam exclusivamente os determinados pelas suas normas de incidência, formando, desta forma, um universo fechado.
Y. Todos os elementos necessários à tributação devem apresentar-se de tal modo precisos e determinados que o órgão de aplicação do direito não possa introduzir critérios subjectivos de apreciação na sua aplicação concreta.
Z. É através da tipificação exaustiva dos factos tributários sujeitos a tributação que o legislador assegura não apenas o respeito pelo princípio da legalidade, no segmento de que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, como também o princípio da segurança jurídica e da confiança, presentes nos artigos 103.°, n.° 3 da CRP, que são garantia autêntica da estabilidade, previsibilidade e calculabilidade do sistema tributário.
A A. Tanto a tipicidade, como a reserva de lei parlamentar, penhoram as possibilidades de tributar indiscriminadamente factos não se encontram recortados na lei, ou que, então, através daquele instrumento são excluídos de tributação.
BB.Mas não cerceiam a possibilidade de, nos termos e para os efeitos do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, «a Direcção-Geral dos Impostos vir a impor ao sujeito passivo condições especiais ou a fazer cessar a aplicação do método de afectação real no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.»
CC. Atenta a redacção daquele 23.°, n.° 2 do CIVA, infere-se que o legislador quis conferir, e conferiu, poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral.
DD. Não só a letra da lei - artigo 23.° CIVA - é clara como bem se compreende o sentido da norma: se a AT pode impor ao sujeito passivo condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios "objectivos", e esses critérios podem ter que ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT - com o objectivo de evitar distorções significativas da tributação por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral ou aquando da utilização de critérios de imputação específica.
EE. Significa que, até pela formulação legal, à AT seria dado o poder de, porque o legislador assim o quis, vir caso a caso impor condições especiais, quando verificada alguma das situações de distorção significativa.
FF. Todavia, a AT veio a estipular o critério de imputação específica por Ofício-Circulado, em homenagem à "uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias." (v. art.° 68.°-A, n.° 1 e n.° 3, da LGT).
GG. Trata-se de um poder/dever de colaboração que sobre a AT não poderia deixar de recair, revelando publicamente a interpretação que faz das normas tributárias, o que, perante a complexidade da legislação tributária é, não só razoável, como desejável, contribuindo para a uniformização de procedimentos e aplicação uniforme da lei.
HH. Inclusivamente, o Ofício-Circulado n° 30108/2009 encontra-se publicado na base de dados da AT e é desde 2009 conhecido pelo universo de sujeitos passivos que lida diariamente com a realidade de actividades de carácter misto.
II. Deste modo, a publicação atempada e disseminação do Ofício-Circulado assegura o respeito pelo princípio da segurança jurídica e da confiança, os quais se encontram salvaguardados.
JJ. Na decisão arbitral - processo n.° 477/2019-T https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=477% 2F2019&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=&s_artigos=&s_texto=&id =4458 - foi aí entendido, à semelhança do acórdão arbitral que decidiu no âmbito do processo n.° 58/2020-T, que:
«Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103°, n.° 2, e 165°, n.° 1, alínea i), da CRP] e 8.° da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.
Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativa nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.°, n.° 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), da CRP].»
KK. O acórdão arbitral, proferido no âmbito do processo n.° 477/2019- T, é, pelo menos na ideia, ainda que com uma redacção mais extensa, uma cópia decalcada do motivo que justificou que, no processo n.° 58/2020-T, se tivesse decidido recusar a aplicação do artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009 por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP.
LL. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, referente a recurso de uniformização de jurisprudência, processo n.° 0101/19, de 20-01-2021, interposto precisamente do acórdão arbitral proferido no processo n.° 477/2019-T, vingou o entendimento de que:
« "[a] questão que ficava era a de saber se o método previsto no ponto 9 do ofício circulado n.° 30108 [...] era ainda um método adequado a atender à intensidade real e efetiva da utilização dos bens ou serviços em cada um dos tipos de operações para os efeitos da Sexta Diretiva e da alínea c) do n.° 3 do artigo 17° em particular. Efoi a esta questão que, no fundo, o Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente. Desde que fosse apurado que a utilização de bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira (parágrafo 33 do acórdão). [...] Não é verdade, por isso, que o Tribunal de Justiça tivesse interpretado o direito interno português. Na parte em que se referiu ao artigo 23.° do Código do IVA, limitou-se a reconhecer a semelhança e a quase sobreposição entre a redação do seu n.° 2 (no segmento acima assinalado) e a disposição comunitária correspondente. Todavia, ao decidir que o método proposto pela Administração Tributária do Estado português se conformava com a lei comunitária, também permitiu que se concluísse que se conformava com aquele segmento do dispositivo nacional sem necessidade de considerandos adicionais. Precisamente porque essa parte do dispositivo nacional constituía a transposição para o direito interno da disposição comunitária. [...] O acórdão arbitral - 477/2019-T - parece defender que não existe disposição interna que autorize o método proposto pela Administração Tributária porque a lei não prevê nenhum «método de imputação específica». A nosso ver, porém, o Tribunal Arbitral enquistou-se numa expressão do ofício-circulado e não levou em conta que - como, de resto, ali se afirma - constitui ainda uma aplicação do método da afetação real. Isto é, um método de afetação dos custos de bens ou serviços, a montante suportados, à atividade a que são alocados predominantemente. O acórdão arbitral contrapõe que aquele método não é mais do que a determinação da afetação real através de uma percentagem da dedução. Querendo, com isso, inequivocamente dizer que um método que combina técnicas de determinação do montante do direito à dedução não é mais do que uma terceira via, um terceiro método.
Que, por isso, a lei não prevê. Não vemos as coisas assim. Porque não existe apenas um método de afetação real. No sentido de que não existe apenas uma forma de proceder à afetação de bens ou serviços. A confirmar que o sistema de afetação real comporta diferentes modalidades e apresenta, por isso, uma certa plasticidade que permita ajustar o sistema de dedução às especificidades da atividade prosseguida pelo sujeito passivo vem a segunda parte do preceito, segundo a qual a Administração Tributária pode impor «condições especiais». Isto é, condições que permitam o «afinamento» (a expressão é do artigo que acima citamos, pág. 62) do método de dedução. Pelo que a Recorrente tem razão nesta parte: o método a que alude o ponto 9 do ofício-circulado supra aludido não tem apenas cabimento na lei comunitária: também tem cabimento na lei interna. Pelo que as referências ao princípio da legalidade e da reserva de lei também não se nos afiguram pertinentes, ao menos por aqui.»
MM. Podendo ser impostas condições especiais para efeitos da aplicação do método da afectação real - no limite, caso a caso o qual não se concretiza apenas por recurso a um mecanismo legalmente estanque conforme parece querer sugerir o Tribunal arbitral, permitindo antes recorrer a critérios de imputação específica - desde que verificadas as tais «condições especiais» -, o ST A concluiu que o ponto 9 do Ofício-Circulado n.° 30108/2009 não tem apenas cabimento na lei comunitária; também tem cabimento na lei interna, na qual encontra a devida autorização - na redacção do n.° 2 do artigo 23.° do CIVA.
NN. Em suma, essa autorização legislativa de aplicação de um critério específico para apuramento do direito à dedução do IVA quando em causa custos mistos, encontra-se devidamente salvaguardada pela letra e espírito da lei, patente no artigo 23.°, n.° 2 do CIVA, pelo que não viola nem o princípio da legalidade, nem o da reserva de lei.
OO. Pretende assim a Recorrente ver apreciada a pretensa inconstitucionalidade da norma patente no artigo 23.°, n.° 2, do CIVA, pela violação que lhe é apontada pelo Tribunal arbitral em face dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, na interpretação que aí é exercida, subjacente ao Ofício-Circulado n.° 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais para exercício do direito à dedução não previstas em diploma de natureza legislativa.
PP. A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade do artigo 23.°, n.° 2 do CIVA com a lei fundamental do País, se viola efectivamente os artigos 112.°, n.° 5, e 103.°, n.° 2, e 165.°, n 1, alínea i), e 266.°, n.° 1, da CRP, no segmento normativo em que prevê que, para efeitos de cálculo da dedução em sede de IVA, a Direcção-Geral dos Impostos possa vir a impor condições especiais - «na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.° 30108, de 30-01-2009» - aos sujeitos passivos ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.»
3. Por sua vez, a recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído nos seguintes termos:
A. Conforme se extrai das Alegações apresentadas, a Recorrente entende que a interpretação que faz do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA - segundo a qual lhe será permitido impor, com base no Ofício-Circulado n.2 30108, de 30 de Janeiro de 2009, o recurso a critérios de imputação específica para apuramento do direito à dedução do IVA quando estejam em causa gastos de utilização mista - se encontra "devidamente salvaguardada pela letra e espírito da lei, patente no artigo 23.°, n° 2 do CIVA, pelo que não viola nem o princípio da legalidade, nem o da reserva de lei.".e, como tal, a mesma não se encontra desconforme com a letra fundamental.
B. Ora, a Recorrente assenta esta sua conclusão, em suma, nas seguintes premissas: i) as normas de dedução em sede de IVA não consubstanciam - alegadamente - normas de incidência e, portanto, não fazem parte do leque de matérias reservadas à competência da Assembleia da República; e ii) o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA permite - alegadamente - que a Recorrente, mediante diploma normativo de natureza não legislativa (in casu, mediante Ofício-Circulado), crie e defina critérios de imputação específica.
C. Quanto à primeira premissa, no entender da Recorrente, as normas de dedução não consubstanciam normas de incidência, porquanto "contrariamente à definição dos sujeitos passivos - incidência subjectiva - e aos factos tributários que se traduzem, afinal, na obrigação da prestação tributária - incidência real o direito à dedução do IVA, ainda que assuma um papel nuclear no funcionamento daquele imposto, não serve para definir o "quem" sobre que incide o imposto, o "que" sobre que incide o imposto, nem o "quanto" - a base tributável - sobre que incide o imposto".
D. Quanto à segunda premissa, não obstante a Recorrente reconhecer, claramente, que é matéria de reserva de lei parlamentar a relativa à criação de impostos nos termos dos artigos 165°, n° 1, al. i) e 238° da CRP, bem como que "deverá havei' uma reserva absoluta no sentido de que a lei deve subtrair à administração e ao próprio juiz qualquer margem de integração ou desenvolvimento da disciplina jurídica relativa aos elementos definidores da dívida e dos seus obrigados", aquela acaba por avançar que "Não só a letra da lei - artigo 23.º CIVA - é clara como bem se compreende o sentido da norma: se a AT pode impor ao sujeito passivo condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios "objectivos", e esses critérios podem ter que ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT - com o objectivo de evitar distorções significativas da tributação -, por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral ou aquando da utilização de critérios de imputação específica."
E. E, acrescenta, que "a AT veio estipiãar o critério de imputação específica por Ofício-Circulado, em homenagem à "uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias" (v. art.º 68.º-A, n.° 1 e n° 3, da LGT)", "revelando publicamente a interpretação que faz das normas tributárias, o que, perante a complexidade da legislação tributária é, não só razoável, como desejável, contribuindo para a uniformização de procedimentos e aplicação uniforme da lei".
F. A Recorrente conclui, escudando-se no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo ("STA") - processo n.º 0101/19, de 20 de Janeiro de 2021 -, que a "autorização legislativa de aplicação de um critério específico para apuramento do direito à dedução do IVA quando em causa [estejam] custos mistos, encontra-se devidamente salvaguardada pela letra e espírito da lei, patente no artigo 23°, n° 2 do CIVA, pelo que não viola nem o princípio da legalidade, nem o da reserva de lei".
D O ENTENDIMENTO DA RECORRIDA
(a) Das normas relativas ao direito à dedução enquanto regras de incidência objectiva
G. Desde logo, acompanhamos o Douto Tribunal Arbitral, na Decisão aqui recorrida, ao entender expressamente que "As regras sobre o direito à dedução de IVA, de que residta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objectiva.
Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».
Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito activo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais" (realces nossos).
H. Ora, entendemos que estamos perante verdadeiras normas de incidência objectiva, porquanto as regras de dedução - contrariamente ao inexplicavelmente reiterado, com o devido respeito, pela AT - definem o quantum do imposto.
I. Conforme é sabido, o n.º 2 do artigo 103.º da CRP estipula que "Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes." (realce nosso).
J. A incidência deverá ser compreendida enquanto incidência em sentido amplo, abarcando todos os pressupostos que desembocam no surgimento da obrigação de imposto, nomeadamente, os pressupostos que definirão o quantum de imposto, sobre o qual terão necessariamente impacto as normas de direito à dedução.
K. Aliás, tem sido este o entendimento dominante na doutrina, segtmdo o qual "[n]uma primeira leitura do art. 103.º, n.º 2, podemos dizer com Casalta Nabais que ele consagra a reserva de lei em "três domínios": 1) as normas que criam impostos, 2) as normas de incidência lato sensu e 3) as normas relativas às garantias dos contribuintes". (...) O art. 103°, n.º 2, na parte em que reserva à lei os benefícios fiscais e as garantias do contribuinte, vai ainda além da formulação corrente do princípio da tipicidade dos impostos, pois só a incidência entendida em sentido amplo (abarcando a definição da matéria tributável e a sua quantificação), e a taxa do imposto correspondem ao alcance tradicional daquele princípio, como veremos adiante. Digamos então que o art. 103.º, n.º 2 contém o princípio da tipicidade dos impostos e alarga o objecto do art. 165º, n.º 1, al. i) (...)" (realces nossos).
L. Prosseguindo, "Assim, numa formulação divulgada do princípio da tipicidade dos impostos, este diz respeito ao an e ao quantum dos mesmos. Numa outra formidação clássica - cujo alcance é idêntico ao anterior -, o princípio da legalidade fiscal exige que o sujeito passivo, o objecto do imposto, a base tributável (ou os elementos que concorrem para a determinação da medida do imposto) e a taxa do imposto sejam definidos por lei formal. E ainda uma terceira formulação de significado idêntico, que tem origem na Abgabenordnung alemã, que encontramos em Tipke/Lang, e que entre nós Casalta Nabais identifica com a "incidência em sentido amplo", a reserva de lei diz respeito a todos os pressupostos de cuja conjugação restãta o nascimento da obrigação de imposto."
M. Para que dúvidas não restem, estamos em crer que a Recorrente fez uma interpretação desvirtuada do conceito de incidência ao afirmar, peremptoriamente, que "o direito à dedução do IVA (...) não serve para definir (...) o "quanto" - a base tributável - sobre que incide o imposto".
N. Quanto a esta transcrição do entendimento da AT, nas suas alegações, cremos que também lhe assistirá uma confusão entre direito à dedução (que, no contexto ora utilizado pela AT, é somente entendido enquanto resultado final na esfera do contribuinte) e normas de dedução, sendo que estas efectivamente impactam a base tributável e constituem o thema decidendum - e, consequentemente, (e, a final) impactam o direito à dedução na esfera do contribuinte.
O. Aliás, a este respeito, "Diz-nos Casalta Nabais, retomando a definição de tipicidade da Abgabenordnung, que a "incidência" a que se refere o artigo é a "incidência entendida em sentido amplo [que]abarca todos os pressupostos de cuja conjugação restãta o nascimento da obrigação de imposto" (cf. § 3.º da AO) "e bem assim, os elementos da mesma obrigação, o que a reconduz à definição normativa: 1) do facto ou situação que dá origem ao imposto; 2) dos sujeitos activo e passivos (contribuintes, responsáveis, substitutos) da obrigação de imposto; 3) do momento de imposto, em regra (sempre que se não trate de impostos de quota fixa) definido através do valor ou da quantidade sobre que recai o imposto (definição ou determinação em abstracto da matéria tributável), da percentagem desse valor ou do montante pecuniário por unidade da matéria tributável a exigir do contribuinte (definição da taxa ou das taxas ad valorem ou específicas) e das deduções à colecta (caso as haja); 4) dos benefícios fiscais" (...)
"Por outras palavras, a "incidência" tem de ser interpretada em sentido amplo porque se a legalidade fiscal tem funções garantistas, e se os impostos, mesmo que entendidos como deveres fundamentais, são limites imanentes ao direito de propriedade individual, então o alcance das funções da legalidade fiscal diz respeito a todos os elementos que contribuem para o cálcião do montante de imposto a pagar, ou à definição do ano e do quantum dos impostos. Eles constituem afinal a própria essência da relação obrigacional fiscal, ou até se quisermos do conceito de imposto, uma vez que este se traduz, em concreto, pelo montante a pagar por um determinado sujeito passivo (...). Subscrevemos por isso... o alcance que Casalta Nabais dá ao conceito de "incidência" adoptado pelo art. 103.º, n° 2 da CRP.
Resulta do exposto até aqui que, se a incidência a que se refere o art. 103.º, n° 2, não é limitada aos sujeitos activo e passivos e ao facto tributário em sentido restrito, mas diz respeito ao ano e ao quantum do imposto, as chamadas regras de lançamento quando são regras de determinação da matéria tributável ..., as chamadas regras de liquidação relacionadas com a quantificação do imposto ..., e ainda as relativas às deduções à colecta, fazem parte da incidência." (realces e sublinhados nossos).
(b) Da reserva de lei
P. Decalcando a linha dos autores supra citados, assume-se claro que as regras de direito à dedução se traduzem em verdadeiras normas de incidência objectiva e, consequentemente, constituem matéria reservada nos termos dos artigos 103º, nº 2, 112.º, n.º 5,165.º, n.º 1, al. i) e 266.º da CRP.
Q.. Como é sabido, as matérias reservadas à Assembleia da Républica (salvo autorização ao Governo), assentam na já tão afamada ideia de "no taxation without representation".
R. E, não obstante a Recorrente parecer reconhecer tal ideia nas suas alegações, conclui - num salto interpretativo ilógico -, pela possibilidade que alegadamente lhe é conferida de definir elementos essenciais do imposto, como seja a incidência objectiva, por via de um mero Ofício-circulado.
S. Ora, jamais esse salto interpretativo poderá ser dado sem ferir de forma grosseira o princípio da legalidade fiscal e o princípio da reserva de lei.
T. Princípios estes basilares do Estado de Direito Democrático.
U. Fazendo aqui um necessário (mas breve) incurso histórico, ensina-nos Casalta Nabais que: "o princípio da legalidade fiscal tem na base a ideia de autoimposição, autotributação ou de autoconsentimento dos impostos, segundo a qual os impostos devem ser consentidos pelos próprios contribuintes, uma ideia que remonta à Idade Média e que tem expressão em numerosos documentos medievais entre os quais é de destacar a célebre Magna Carta Libertatum, em que muito claramente se (re)afirmou aquela ideia que veio a ter uma das suas mais magníficas expressões no conhecido principio da no taxation without representation.
V. Prosseguindo, "Um princípio que, por seu turno, se desdobra em dois aspectos ou segmentos: no princípio da reserva de lei (formal) e no princípio da reserva material (de lei). O princípio da reserva de lei (formal) implica que haja uma intervenção de lei parlamentar, seja esta uma intervenção material afixar a própria disciplina dos impostos, ou uma intervenção de carácter meramente formal, autorizando o Governo-legislador a estabelecer essa disciplina (art.º 165º, n.º 1, al. i), 1ª parte, da CRP). (...)
Por seu lado, o princípio da reserva material (substancial ou conteudística) de lei (formal), geralmente referido com base na dogmática alemã por princípio da tipicidade (Tatbestandsmássigkeit) exige que a lei (lei da Assembleia da República, decreto-lei autorizado, decreto legislativo regional ou regulamento autárquico) contenha a disciplina tão completa quanto possível da matéria reservada, matéria que, nos termos do n.º 2 do artr 103° da CRP, integra, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribidntes, sendo certo que, quanto às garantias dos contribuintes, apenas é exigida se e na medida em que estas sejam objecto de restrição ou condicionamento ejá não quando forem objecto de ampliação ou alargamento.
E aqui temos a intensidade (ou aspecto vertical) da reserva da lei fiscal a implicar que a lei contenha os elementos essenciais do imposto, ou seja, que defina a incidência lato sensu e em termos determinados ou determináveis de cada imposto. O que significa que a lei deve abranger todas as normas relativas à incidência real ou objectiva (material, temporal, quantitativa e espacial), à incidência pessoal ou subjectiva (sujeitos activo ou passivo, inchando nestes, o contribuinte, os responsáveis, os substitutos, etc.), à taxa, e aos benefícios fiscais. (...)
Mas o princípio da legalidade fiscal, no seu aspecto intensivo ou vertical, não se esgota no aspecto referido, pois implica que seja uma lei ou um decreto-lei autorizado a conter a disciplina dos elementos essenciais dos impostos. Com efeito, ele exige também que essa lei ou decreto-lei autorizado leve a disciplina dos referidos elementos essenciais, ou seja, a disciplina essencial de cada imposto, tão longe quanto possível." - realces e sublinhados nossos.
W. Assim, assume-se indubitável que incumbirá à Assembleia da República, por lei (ou ao Governo, mediante um decreto-lei autorizado) disciplinar os elementos essenciais tão longe quanto possível, de cada imposto, fazendo jus ao Princípio da legalidade fiscal - estando claramente excluída de tal competência a própria AT.
X. Tais matérias estão mesmo excluídas de qualquer discricionariedade por parte da AT.
Y. Neste sentido, "ALBERTO XAVIER considera que, segundo «o principio do exclusivismo, os tipos tributários contêm uma descrição completa dos elementos necessários à tributação», devendo ser proibida a discricionariedade, a qual existiria se a Administração pudesse decidir acerca de «qualquer dos elementos que concorram para, em abstracto, definir a prestação tributária individual»: parece assim que o autor defende e recomenda, independentemente do regime em concreto, a existência de uma rigorosa e exclusiva delimitação pelo legislador, do tipo de imposto. (...)A influência da tese de Alberto Xavier na doutrina, segundo a qual a legalidade do imposto implica a tipicidade fechada e o exclusivismo, tem-se reflectido na interpretação do art. 106.°, n.º 2, da CRP (...)".
Z. Pelo supra exposto, a conclusão da doutrina fiscalista "é praticamente unânime, ao entender que da Constituição decorre uma proibição de discricionariedade e de regiãamentos independentes, quanto à determinação daqueles que são entendidos como elementos essenciais do imposto, exigindo para os elementos do tipo do imposto um regime de exclusividade da lei (...) todos os autores aceitam os regulamentos complementares de leis (decretos-leis e decretos legislativos regionais) definidores dos referidos elementos essenciais".
AA. Ainda a este título e de forma bastante ilustrativa, colige-se o exemplo fornecido por Ana Paula Dourado, quanto aos decretos autorizados nesta matéria: "mesmo que seja o Governo a tomar a iniciativa legislativa de reformas fiscais mais ou menos profundas, ou de alterações à legislação em vigor, como acontece na prática - e, especialmente também por essa razão -, a autorização legislativa deve ser suficientemente detalhada quanto aos elementos mencionados no n.º 2 do art. 165.º, da CRP, de fonna que o Parlamento possa tomar conhecimento e dar o seu acordo político - respeitando os princípios materiais constitucionais - sobre todos os elementos essenciais dos impostos, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes, tal como enumerados no art. 103.º n.º 2.
Consideremos alguns exemplos: Opção entre deduzir à matéria tributável ou deduzir à coleta despesas de saúde - opção que para um leigo poderia parecer um mero aspeto técnico -, tem consequências na progressividade do imposto, e portanto na concretização do princípio da capacidade contributiva, e deve por isso, ser autorizada pelo Parlamento" (realce nosso).
BB. No exemplo avançado pela autora, mesmo mediante decreto-lei autorizado, caberá à Assembleia da República definir, enquanto elemento essencial do imposto, as deduções à matéria tributável.
CC. Se caberá ao Parlamento definir as deduções em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, porquanto têm consequências na progressividade do imposto e, portanto, na concretização do princípio da capacidade contributiva, como refere Ana Paula Dourado, por maioria de razão, caberá também ao Parlamento - pelas mesmas razões apontadas - a definição das regras de dedução em sede de IVA, porquanto têm consequências na neutralidade deste imposto.
DD. Assim, assume-se clara a reserva de lei das matérias relativas às regras de dedução em sede de IVA.
EE. E ainda que assim não se entendesse - o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, mas sem conceder -, sempre se dirá que, nesta matéria, jamais a AT poderia fazer uma interpretação tão lata e abrangente do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA, vertida no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, segundo a qual, esta poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem (ou terem de suportar mais imposto do que aquele que suportariam se elas não existissem); alegadamente, em prol da "uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias" (artigo 68.º-A, n.º 1 e 3, da LGT), como afiança nas suas alegações.
FF. Isto porque, mesmo que à AT sejam conferidos poderes para, dentro de certos limites, uniformizar a interpretação das normas tributárias, jamais se poderá servir de tal como estandarte para pretender que a interpretação que faça dessas normas não passe pelo crivo judicial ou seja tida como intocável à luz dos tribunais (e até mesmo para os contribuintes) - como sucedeu in casu, perante o Tribunal Arbitral, o qual entendeu que efectivamente "por violação dos artigos 112.°, n.° 5, e 103.º, n.º 2, e 165°, n.°l, alínea i), e 266 °, n.° 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23°, n.° 2, do CIVA."
GG. As interpretações da lei fiscal que a AT faça são indubitavelmente passíveis de não estarem conforme com o pretendido pelo legislador e, como tal, tais interpretações são questionáveis.
HH. Jamais se poderá aceitar o pretenso argumento avançado pela AT de que, pelo facto do Ofício-Circulado aqui em análise, se encontrar "publicado na base de dados da AT e [ser] desde 2009 conhecido pelo universo de sujeitos passivos que lida diariamente com a realidade de actividades de carácter misto", dever-se-á ter tal interpretação como correcta e conforme a lei, em prol da segurança e da confiança jurídicas.
II. Aceitar esta pretensa vontade expressa nas entrelinhas das suas alegações seria violar os princípios mais fundamentais de um Estado de Direito Democrático e, em especial, o próprio Princípio apregoado pela Recorrente: o da segurança e confiança jurídicas.
JJ. Deverá usar-se sim, como estandarte o facto da "reserva de lei [ser] a línicaforma de controlo, por parte dos sujeitos passivos, contra excessos públicos."
KK. Deverá usar-se sim, como estandarte também o facto da "função garantista da reserva de lei exig[it] discussão, desacordo e consentimento parlamentares em plenário
LL. Reitere-se: a interpretação das normas fiscais veiculadas pela AT, não são nem poderão pretender ser uma norma com eficácia externa.
MM. Neste sentido, já se pronunciou expressamente o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01988/07.6BEPRT, de 16 de Setembro de 2020, segundo o qual "[ejsta temática há milito que ocupa a doutrina e os tribunais da jurisdição fiscal ...a conclusão mais sufragada e difundida, aponta no sentido de que a interpretação da lei, realizada pela AT, através de circulares..., não tem força de lei, nem possui o caráter de vinculação próprio das normas legais, bem como, não constitui interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada, destacadamente, pela via contenciosa. Nas palavras, escritas, do Prof. J. L. Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3.a Edição, pág. 123 a 128.), "(...). Estas orientações administrativas, sob a forma de circidares ou sob outras formas, são uma interpretação da lei fiscal e um instrumento unificador das decisões (necessariamente descentralizada) da Administração. Têm a sua função específica no processo de massa que constitui o processo fiscal, (...). Com a estrutura formal da norma jurídica - uma vez que não são a aplicação do Direito a um caso concreto, mas têm antes um carácter geral e abstracto -, as circulares valem o que valer a interpretação que fazem da lei. (...). No entanto, estas orientações (administrativas) terão de ser sempre sujeitos a um juízo de legalidade. Esse juízo de legalidade, a realizar em relação a qualquer orientação, vai ter como objecto a sua maior ou menor capacidade para traduzir correctamente um princípio que tem como fonte constitutiva a norma jurídica (...). E ao hipotético sujeito passivo da obrigação por elas formulada que cabe decidir entre o seu acatamento, o que o porá ao abrigo de consequências negativas mesmo se a doutrina for contra legem, e a não aceitação da posição administrativa. Caso opte pela segunda via, cumpre aos tribunais a resolução do litígio e o juízo definitivo sobre a legalidade ou ilegalidade da orientação administrativa.".
Numa formulação próxima (Ver, acórdão (do Tribunal Constitucional) n.a 583/2009, de 18 de novembro.),
«Esses actos, em que avultam as "circulares", emanam ... do poder de auto-organização e do poder hierárquico da Administração. Contêm ordens genéricas de serviço e é por isso e só no respectivo âmbito subjectivo (da relação hierárqiáca) que têm observância assegurada. Incorporam directrizes de acção futura, transmitidas por escrito a todos os subalternos da autoridade administrativa que as emitiu. São modos de decisão padronizada, assumidos para racionalizar e simplificar o funcionamento dos serviços. Embora indirectamente possam proteger a segurança jurídica dos contribuintes e assegurar igualdade de tratamento mediante aplicação uniforme da lei, não regulam a matéria sobre que versam em confronto com estes, nem constituem regra de decisão para os tribunais. A circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada (n.° 1 do artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária) às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribidntes em circidares administrativas, em determinadas circunstâncias (n.º 3 do artigo 68° da LGT), não altera esta perspectiva porque não transforma esse conteiído em norma com eficácia externa. E certo que o administrado pode invocar, no confronto com a administração, o conteiído da orientação administrativa publicitada e, se for o caso, fazê-lo valer perante os tribunais, mesmo com sacrifício do princípio da legalidade (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª ed., pág. 344). Mas é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, não pelo seu valor normativo, que o conteiído das circulares prevalece. O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT). Consequentemente, faltando-lhes forca vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, (...).»" (sublinhado nosso).
NN. Por tudo quanto resultou supra exposto, conclui-se que a interpretação que é feita do n.º 2 do artigo 23° do Código do IVA, e que se encontra patente no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, efectivamente não é conforme com a Lei Fundamental, devendo o presente recurso culminar com a declaração da sua inconstitucionalidade, por violação dos artigos 112°, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) e 266°, n.º 1, todos da CRP.
4. Notificada para se pronunciar, querendo, sobre o eventual não conhecimento do objeto do recurso por incumprimento dos pressupostos processuais, designadamente pelo facto de existir fundamento alternativo e primário que, desde logo, determinaria a procedência do pedido, e ainda por inidoneidade do objeto do pedido, em termos análogos aos do Acórdão n.º 618/22, a recorrente nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O objeto delimitado nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade – que envolve uma suposta recusa de aplicação de uma dimensão normativa extraída do n.º 2 do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), tal como consta do Ofício Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, segundo a qual a administração tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem – foi já apreciado pelo Tribunal Constitucional, nesta 2ª Secção, no Acórdão n.º 618/2022, tendo-se, então, decidido não conhecer do objeto do pedido. Os factos subjacentes ao caso que então se decidiu, bem como os fundamentos da decisão recorrida naqueles autos, são semelhantes aos da situação a apreciar no caso em apreço.
Lê-se no Acórdão n.º 618/2022:
«9. O problema central de que se ocupou o acórdão arbitral consistiu em perceber o modo de apuramento do IVA dedutível no caso de uma sociedade anónima (A., SA) que desenvolve, com a mesma utilização de recursos, uma atividade económica mista, ou seja, que numa parte é tributável em sede de IVA (leasing e ALDs – cfr. artigo 16.º, n.º 1, alínea h), do CIVA) e, que, como tal, confere direito a dedução do IVA suportado, e que, noutra, está abrangida por isenção simples (atividade bancária - cfr. artigo 9.º, n.º 27, do CIVA), que, por isso, não o confere.
Explica o aresto que, sobre esta matéria, rege o disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) do CIVA, que estabelece em primeira linha um método pro rata de apuramento do imposto suportado dedutível pelo sujeito passivo. Segundo o n.º 4 do citado articulado legal, a determinação de imposto dedutível processa-se pelo apuramento da expressão da atividade tributada no contexto de atividade da empresa, no pressuposto que a sua representatividade nesses termos pode ser transportada para efeitos de apuramento das aquisições de bens e serviços tributáveis (com incidência de IVA) que se possam dizer imputáveis à atividade não-isenta. Assim, o artigo 23.º, n.º 4, do CIVA estabelece que será aplicada ao IVA suportado a percentagem referente ao volume anual de operações que confiram direito a dedução face ao volume de negócio global da empresa. Esta percentagem será, pois, obtida através da divisão do valor total (líquido do imposto) do ano das operações realizadas pelo operador no âmbito da atividade tributada pelo valor anual de todas as operações ativas realizadas pelo operador no mesmo ano (líquido de IVA, quanto às tributáveis).
Explica ainda o acórdão que, em alternativa a este método, é lícito ao sujeito passivo proceder à afetação real dos bens, criando centros de imputação autónomos e destacados da atividade isenta, que permitam atribuir as operações passivas à atividade tributável diretamente, tornando desnecessário o apuramento de imposto dedutível por estimativa (artigo 23.º, n.º 2, do CIVA), procedimento cuja incerteza facilmente cria enviesamentos na mecânica do imposto. O método de afetação real assenta em critérios objetivos que permitam compreender o grau de afetação ou de alocação à atividade tributável dos bens e serviços adquiridos pela empresa, afastando escolhas arbitrárias ou ficcionadas e obtendo por essa via uma melhor aproximação à base de dedutibilidade.
Atendendo a que, como se disse, o cálculo pro rata facilmente pode conduzir à erosão da base tributável, é lícito à AT impor a certos operadores a adoção deste segundo método (de afetação real), seja por da implementação do primeiro resultarem distorções significativas na tributação (artigo 23.º, n.º 3, alínea b), do CIVA), seja por as atividades desenvolvidas (isenta e tributável) serem facilmente desdobráveis em centros de imputação autónomos (artigo 23.º, n.º 3, alínea a), do CIVA).
Colocados estes apontamentos genéricos, o acórdão arbitral evolui para a análise do ofício circulado n.º 30108 de 30.01.2009, que, recorrendo à prerrogativa conferida pelo artigo 23.º, n.º 3, do CIVA, impôs o método de afetação real (artigo 23.º, n.º 2 e 4, do CIVA) aos sujeitos passivos que desenvolvam atividade bancária e, ao mesmo passo, locação financeira e ALD, como é o caso da impugnante.
Segundo o aresto, a AT justifica esta medida com a suscetibilidade de o método pro rata gerar “vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas”, conduzindo, por isso, a “distorções significativas na tributação” e determina que os operadores apliquem uma de duas medidas: (a) definam critérios objetivos que sejam aptos a “determinar o grau de utilização de bens e serviços” imputável à atividade tributada (leasing e ALD); ou (b) apliquem um “coeficiente de imputação específico” na aferição de IVA suportado e dedutível; este resultará da divisão do montante anual realizado pelo operador que corresponda a juro e a outras receitas associadas às prestações por leasing (ou ALD), dividido pelo valor global das operações (isentas e não-isentas) realizadas pelo operador (em ambos os casos, valores líquidos de IVA) no mesmo período anual.
Foi este método, aplicando a leitura da Lei adotada pela AT neste ofício circulado n.º 30108, que ficou subjacente ao ato de liquidação impugnado e é ele a causa de controvérsia nestes autos.
Ora, em 3.2.1.), o Tribunal arbitral patenteia o entendimento de que, por através deste método se excluir do apuramento da percentagem de IVA dedutível a componente de reembolso de capital das rendas de leasing (sujeita a IVA à sombra da Lei nacional), a interpretação da Lei patenteada no ofício circulado n.º 30108 que o impõe confronta a jurisprudência europeia na matéria (acórdão do TJUE n.º C-153/17), sendo por isso de afastar a sua aplicabilidade:
“no acórdão de 18-10-2018, proferido no processo C-153/17 (Volkswagen Financial Services (UK) Ltd), o TJUE (…) esclareceu que «não se pode deduzir do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça a propósito das operações de locação financeira em causa no processo que deu origem ao acórdão de 10 de julho de 2014, Banco Mais (C-183/13, EU:C:2014:2056), que o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros, de maneira em geral, aplicarem a todos os tipos de operações semelhantes para o setor automóvel, como as operações de locação financeira em causa no processo principal, um método de repartição que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega».
Como se referiu no acórdão, pode impor-se:
- «um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios» (n.º 51);
- «qualquer Estado-Membro de que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que a modalidade de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução» (n.º 52);
- «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que a que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios»
O método de cálculo do pro rata indicado pela administração tributária no ponto 9 do ofício circulado n.º 30108 não tem em conta o valor do veículo, pelo que contraria manifestamente o decidido pelo TJUE, neste acórdão do processo C-153-17, sendo consequentemente, ilegal, por violação do Direito da União.
(…) esta jurisprudência não pode deixar de ser aplicável à face da lei portuguesa, em que toda a atividade de leasing é tributada e, por isso, trata-se na totalidade de operações que dão direito à dedução, à face do artigo 20.º, n.º 1, e para efeitos do artigo 23.º, n.º 4, do CIVA.”
Por outro lado, entendeu-se que uma interpretação em conformidade com a alínea c), do n.º 2, do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE, sempre imporia que a exclusão da componente-capital das rendas do cálculo de percentagem de IVA dedutível dependesse da demonstração probatória que a utilização de bens e serviços (sujeitos a IVA) fosse predominantemente determinada pelas necessidades de financiamento e de gestão dos respetivos contratos financeiros:
“no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), não se admitiu generalizadamente que um Estado-Membro possa obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbitos dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, mas apenas admitiu tal possibilidade «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar-»
Como resulta desta parte final, na perspetiva do TJUE, não é compaginável com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Diretiva n.º 2006/112/CE a imposição aos contribuintes de uma percentagem de dedução especial de forma genérica, independentemente da comprovação da utilização real dos bens e serviços, casuisticamente apurada”
No ver do Tribunal “a quo”, esse foi onus probandi insatisfeito pela AT. Neste âmbito, o acórdão enumera atividades empreendidas pela impugnante estranhas à dimensão financeira da atividade leasing/ALD, seja a “disponibilização dos veículos (…) controlo da manutenção do seguro válido pelos milhares de clientes (…), resolução de problemas com infrações rodoviárias e acidentes com os veículos e controlo do pagamento do Imposto Único de Circulação”, que, diz-se, serão mesmo “de maior dimensão e consumirão mais recursos de utilização mista do que as derivadas do financiamento e gestão de contratos”.
Na ótica do acórdão, pois, tudo isto depõe pelo fracasso da AT no ónus que lhe cabia, ou, ao menos, impõe se conclua estar-se “perante uma situação de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, que se justifica a anulação do ato impugnado por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que é uma regra especial para situações em que esse tipo de dúvida subsiste, em processos jurisdicionais.”.
Para maior alento do juízo de procedência que daqui já decorreria, o Tribunal “a quo” chamou também à colação a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos Procs. 7/19.4BALSB e 052/19.0BALSB, que igualmente acolheu doutrina impondo que a aplicabilidade do coeficiente de imputação em consonância com o ofício circulado n.º 30108 dependa daquela prova, também por aqui justificando a anulação (parcial) do ato de liquidação do imposto:
“Infere-se desta jurisprudência que a imposição do «sistema específico de determinação do pro rata de dedução previsto nos n.ºs 8 e 9 do ofício circulado n.º 30108, que não tem em conta o valor do veículo aquando da sua entrega, apenas podia ser decidida de forma generalizada, como aí se determinou, se se demonstrasse que «a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira.
Fazendo depender tal imposição de uma apreciação casuística da «utilização desses e serviços de utilização mista«, a referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo aponta para a necessidade de demonstração dessa utilização no período a que se reporta o imposto deduzido, no mínimo no ano a que se refere, tendo em conta a fixação anual dos valores definitivos que se prevê no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA. (…)
Por isso, de se concluir que, no caso concreto, a imposição à requerente da utilização do sistema específico de determinação do pro rata de dedução previsto nos pontos 8 e 9 do ofício circulado n.º 30108 é incompatível com o Direito da União, que, na interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, só permite tal imposição «quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», o que não se provou, designadamente quanto ao ano de 2017.
De qualquer forma (…), fica-se, pelo menos perante uma situação de fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário, em que se justifica a anulação do ato impugnado por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que corresponde a uma regra específica para situações em que esse tipo de dúvida subsiste.”
Ainda de outra parte e mesmo a montante destas questões, em 3.2.3.), o Tribunal arbitral entendeu de todo indemonstrada a atendibilidade do recurso pela AT ao disposto no artigo 23.º, n.º 3, alínea b), do CIVA. O Tribunal recorrido explica que a AT apenas poderia obrigar o sujeito passivo a desaplicar o método pro rata previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea b) e 4, do CIVA, caso demonstrasse o fundamento a que fez apelo, ou seja, apenas se provasse que, a ser de outra forma, o resultado da liquidação (dívida fiscal) estaria falseada pela geração de um enviesamento decorrente do método de apuramento.
Sobre a satisfação deste onus probandi pela AT, o Tribunal ajuíza também em sentido negativo, concluindo por isso pela inadmissibilidade do método de apuramento que suporta o ato de liquidação e inerente vício de anulabilidade do mesmo:
“a aceitar-se a possibilidade de administração tributária impor o método previsto no ponto 9. do ofício circulado 30108, ele só é aplicável, como se refere na alínea b) do n.º 3 do artigo 23.º do CIVA, «quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação».
(…) não se pode considerar demonstrado que, na situação em apreço, a determinação do pro rata baseado no volume de negócios provoque ou possa provocar «distorções significativas de tributação», havendo, antes, a certeza de que essas distorções resultam do método imposto pela administração tributária.”
Também por aqui e mesmo tomando precedência sobre todas as outras questões, o acórdão encontrou fundamento determinante da procedência do pedido de pronúncia arbitral, conduzindo-se à anulação (parcial) do ato de liquidação de IVA, na parte impugnada.
Para além de todo o exposto, o Tribunal arbitral apreciou ainda outros três fundamentos que conduziriam, cada um deles, à anulação do ato de liquidação em 3.2.2.1.), 3.2.2.2.) e 3.2.2.3.).
No último destes subpontos (3.2.2.3.)), o acórdão descaracterizou o procedimento de quantificação de IVA dedutível nos termos do ofício-circulado como método de “afetação real” para efeitos do artigo 23.º, n.º 2, do CIVA: a seu ver, o método constante da circular administrativa não permite determinar de acordo com critérios objetivos o grau de utilização de bens e serviços adquiridos no âmbito da atividade não-isenta, aproximando-se de uma mera forma de quantificação de IVA dedutível pro rata alternativa e semelhante à prevista no artigo 23.º, n.º 4, do CIVA, no que se limita a oferecer uma solução em desrespeito da estabelecida neste dispositivo:
“a determinação da afetação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objetivo que permita determinar o grau de afetação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objetividade, por exemplo, quais as despesas de eletricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às atividades dos dois tipos que estão afetas à atividade de locação financeira.
Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objetivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º. (…) o autor do ofício circulado (…) até diz expressamente que esse método é para aplicar «sempre que não seja possível a aplicação de critérios objetivos de imputação dos custos comuns» (…)
Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à administração fiscal pelo n.º 3, alínea b) do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução, alternativa em relação à percentagem prevista no n.º 4.”
Sinalizou o Tribunal, portanto e também neste segmento, vício de Lei que conferiria (só por si) procedência ao pedido de pronúncia arbitral.
Sob 3.2.2.2.), o Tribunal arbitral entendeu que sujeitar A., SA à autoliquidação de imposto por força do ofício-circulado n.º 30108 conformava violação do disposto nos artigos 68.º-A e 55.º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT) e 3.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), já que a primeira norma cinge os efeitos deste tipo de atos à internalidade da administração fiscal – estando por isso desprovidos de eficácia face a particulares – e as demais a vinculam ao princípio da legalidade:
“Não tendo o método de exercício do direito à dedução previsto no n.º 9 do ofício circulado n.º 30108 sido previsto em diploma de natureza legislativa, não pode a administração tributária determinar a sua aplicação, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua atuação (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
(…) a força vinculativa das circulares e outras resoluções da autoridade tributária e aduaneira de natureza geral e abstrata, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da autoridade tributária e aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal, apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares (…) nem os Tribunais (…)
Consequentemente, a autoliquidação efetuada pela requerente aplicando as regras dos n.ºs 8 e 9 do ofício circulado n.º 30108, impostas pela administração tributária, enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, decorrente da ilegalidade da imposição dessas regras, vício esse que justifica a anulação da autoliquidação”
Para o Tribunal arbitral, também este fundamento, singularmente considerado, justificaria a anulação do ato de liquidação, na medida peticionada.
Finalmente, sob 3.2.2.1.) encontramos o vício de inconstitucionalidade e de recusa de aplicação de normativo a que subjaz o presente recurso.
Neste segmento do acórdão, o Tribunal arbitral afirma que “não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA” e que um método de quantificação do imposto dedutível com os carateres daquele que se debate nestes autos apenas poderia ser introduzido por via de alteração legislativa.
Nesse pressuposto, conquanto a AT pretendeu introduzir na ordem jurídica uma fórmula inovatória de quantificação do IVA através de ofício-circulado, entende o acórdão recorrido que a interpretação do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA que o admitisse seria inconstitucional por violação do artigo 112.º, n.º 5, 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), 266.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, cuja aplicação por isso esse foro recusou.
Cotejando o dispositivo e o excerto da fundamentação que releva e articulando-os de forma integrada, a formulação adotada pelo Tribunal “a quo” no juízo de desaplicação por inconstitucionalidade parece ser a seguinte:
“Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por ser incompaginável com os [artigos] 112.º, n.º 5, 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) e 266.º, n.º 1, da CRC a aplicação do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA, na interpretação subjacente ao ofício circulado n.º 30108 de 30-01-2009” “segundo a qual a administração tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não-legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem”
Aqui chegados, estamos então em condições de proceder à apreciação da questão referente à regularidade da instância colocada por A., SA, também levando em conta as nótulas que deixámos impressas sobre o necessário objeto normativo do recurso de fiscalização e do caráter determinante e essencial da questão de constitucionalidade para a decisão de que se recorreu.
10. Ora, resulta à saciedade do acima exposto que de modo algum a questão de (in)constitucionalidade decidiu singularmente a sorte do pedido de pronúncia arbitral.
Colocando as questões apreciadas pela sua ordem de precedência lógica, em primeiro lugar o Tribunal concluiu (3.2.3.)) que a AT não estava em condições de impor a A., SA forma diferente de apuramento do IVA dedutível que não fosse o método pro rata que conforma a respetiva regra geral (artigo 23.º, n.ºs 1 e 4, do CIVA), já que a recorrente fracassou na demonstração que esse método conduzisse a distorções significativas da tributação, ex vi artigo 23.º, n.º 2, do CIVA. O non liquet probatório sobre esta matéria desde logo determinaria a procedência do pedido, sem necessidade de ingressar na análise da compatibilidade legal e constitucional de qualquer interpretação normativa sobre formas de quantificação do IVA dedutível.
Em segundo lugar, o Tribunal recorrido concluiu que o método de apuramento que subjaz ao ato de liquidação resulta num efeito que não é consentido pela Diretiva n.º 2006/112/CE, fazendo apelo a jurisprudência europeia sobre a matéria. A título subsidiário, o acórdão recorrido entendeu ainda que o método de apuramento apenas se poderia entender compatível com a fonte europeia se, ao menos, a AT tivesse satisfeito onus probandi que, concluiu, não satisfez.
Por aqui se infere que uma interpretação do disposto no artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA em conformidade com o Direito Europeu, ou, ao menos, levando em conta a prova realizada no processo, em qualquer caso desautorizaria a interpretação normativa (adotada pelo ofício circulado) desses dispositivos legais que suportava o ato de liquidação impugnado, assim se compreendendo o juízo de procedência do pedido de pronúncia arbitral formulado em 3.2.1.) com este fundamento.
Em terceiro lugar, sob 3.2.2.3.) o Tribunal “a quo” confrontou a interpretação normativa ora sob sindicância com a fonte de Direito nacional (artigo 23.º do CIVA) e concluiu que não é passível de ser extraída da norma infraconstitucional. Aqui, estamos perante um debate sobre o processo hermenêutico que suportaria o método adotado no ofício circulado e que subjazia ao ato de liquidação impugnado, concluindo o Tribunal que este se acha desprovido de suporte jurídico-fiscal. Nesta parte, vemos que é a Lei ordinária – e apenas ela – a decidir a sorte da ação impugnatória e a determinar a decisão de anulação do ato de quantificação de imposto, nada mais.
Em quarto lugar, o Tribunal arbitral concluiu que o ato de liquidação que possuísse por fundamento normativo, apenas, o ofício circulado, consubstanciaria violação do princípio da legalidade, já que aquela tipologia de atos administrativos não é vinculativa de particulares, concluindo pela violação dos artigos 68.º-A e 55.º, ambos da LGT e 3.º, n.º 1, do CPA. Só por si e na ótica do acórdão, também por aqui se concluiria pela anulação do ato de quantificação de IVA.
Está bom de ver, em face deste vasto leque de fundamentos de que, singularmente e quanto a cada um deles, sempre decorreria o juízo de procedência do pedido de pronúncia arbitral, ainda que este Tribunal concluísse pela conformidade para com a Lei Fundamental do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA na interpretação recusada pelo foro “a quo” com base em vício de inconstitucionalidade, de modo nenhum se obteria qualquer modificação do sentido decisório adotado no acórdão recorrido. O efeito que é próprio às decisões na presente instância (impondo ao Tribunal recorrido nada mais que a reforma da decisão em função desse juízo – cfr. artigo 80.º, n.ºs 2 e 3 da LTC) seria insuficiente para que existisse utilidade no recurso de fiscalização concreta: sempre subsistiria o juízo de anulação do ato de liquidação, incontornável e insindicável nesta sede, tendo por base violação de Lei, em qualquer uma das vertentes apontadas.
Significa isto, portanto, que o recurso para o Tribunal Constitucional se acha destituído de utilidade e que não possui o carácter instrumental face à causa principal de que depende a sua admissibilidade, irregularidade de instância obstativa da apreciação do mérito e que, alegada pela recorrida em contra-alegações, cabe conduzir a consequências (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República e artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 79.º-C, ambos da LTC).
6. Considerando que a conformação material do objeto processual julgado no aresto transcrito é em tudo idêntica à do objeto formulado pela recorrente nos presentes autos, afigura-se inteiramente apropriado proferir decisão idêntica à constante do Acórdão n.º 618/2022, no sentido da não verificação dos requisitos exigidos para o conhecimento do objeto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do objeto do recurso interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 6.º, n.º 3, do mesmo diploma).
Lisboa, 21 de dezembro de 2022 - Mariana Canotilho - António José da Ascensão Ramos - José Eduardo Figueiredo Dias - Assunção Raimundo ( com remissão para a declaração de voto feita no Acórdão 618/22 ) - Pedro Machete