ACÓRDÃO N.º 872/2022
Processo n.º 459/2021
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Assunção Raimundo
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, A. veio deduzir recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante «LTC»), relativamente à decisão desse tribunal da relação que, em 19 de junho de 2020, julgou improcedente a arguição de prescrição do procedimento criminal apresentada pelo arguido.
2. Pela Decisão Sumária n.º 38/2022, proferida em 17 de janeiro de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, com a fundamentação seguinte (cfr. fls. 258 - 264).
O recorrente inconformado, reclamou para a Conferência, que por Acórdão nº 663/2022, confirmou a decisão sumária.
3. Notificado deste acórdão o recorrente veio apresentar recurso para o Plenário com os seguintes fundamentos:
«(…)
I- DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO AO PLENÁRIO
Refere o art.º 79.º-D da L.T.C, que cabe recurso para o Plenário quando o Tribunal Constitucional decida em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma.
Mais diz o referido normativo que o recurso é obrigatório para o Ministério Público, contudo nem sempre o M.P. apresenta o respectivo recurso, seja na qualidade de recorrente ou na qualidade de recorrido.
O n.º 3 do art.º 79.º-D da L.T.C, permite aferir que este recurso também é possível de ser apresentado pelo recorrente A., preceituando como segue: "concluído o prazo para apresentação de alegações, irá o processo com vista ao Ministério Público, se este não for o recorrente, por 10 dias, e depois a todos os juízes, por 5 dias" (negrito e sublinhado nossos).
Referindo a lei que o processo irá com vista ao Ministério Público "se este não for o recorrente" pretende com isso dizer que o recorrente pode não ser o Ministério Público, e não o sendo é porque o recorrente, então, será o arguido dos autos de recurso. Não poderia ser mais ninguém.
O que significa que o arguido recorrente A. pode apresentar o recurso ao Plenário do Tribunal Constitucional, o que faz, devendo o mesmo ser admitido e decidido pelo Plenário, que após ser processado, irá com vista ao M.P. por 10 dias e a todos os Srs. Juízes Conselheiros por 5 dias, tudo conforme prescreve o n.º 3 do art.º 79.º-D da L.T.C.:
"Concluído o prazo para apresentação de alegações, irá o processo com vista ao Ministério Público, se este não for o recorrente, por 10 dias, e depois a todos os juízes por 5 dias."
E quanto aos fundamentos do recurso, terminou com as seguintes concussões:
«(…)
1.ª O acórdão n.º 663/2022 do Tribunal Constitucional encontra-se em sentido divergente ao anteriormente decidido por outros acórdãos do Tribunal Constitucional no que diz respeito à tempestividade de recursos para o Tribunal Constitucional e ainda aos requisitos de admissibilidade de recursos quando a inconstitucionalidade suscitada é pela alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da L.T.C, e naquilo que é a invocação do arguido perante o Tribunal da Relação e da interposição de recurso perante o Tribunal Constitucional.
2.ª Em relação à tempestividade do Recurso, o próprio Ministério Público do Tribunal Constitucional deu razão ao reclamante, invocando que o prazo de interposição de recurso ao Tribunal Constitucional se conta em 10 dias após a notificação da última decisão proferida.
3.ª Entendimento que é partilhado pelo arguido, ou seja, que o prazo é de 10 dias e se conta da última notificação proferida no processo, nunca se podendo deixar transitar em julgado aquela decisão porque, com o trânsito em julgado da última decisão, o processo e todas as decisões dentro dele transitam igualmente tornando-se imodificáveis na ordem jurídica.
4.ª O que nos leva a concluir — e o acórdão n.º 663/2022 reconhece que a existência de três teses distintas dentro do Tribunal Constitucional em relação à contagem dos prazos de recurso e do início dessas contagens - que urge resolver definitivamente esta divergência que ocorre dentro do T.C. e definir-se, em concreto, uma só tese.
5.ª Cremos que essas divergências quanto à contagem do prazo e aplicação dos tais conceitos de definitividade ou de trânsito em julgado deverão ser definitivamente resolvidos, em nome do princípio da protecção da confiança jurídica que impõe, no mínimo, que todos os recorrentes saibam, em concreto, de toda e qualquer decisão proferida, qual é o prazo de recurso ao T.C. e quando é que se dá o início à contagem desse prazo de 10 dias.
6.ª Na verdade, com três teses distintas em vigor no Tribunal Constitucional, os arguidos ficam à mercê da sorte, se o seu recurso for para uma secção em que a tese de contagem coincidir com a sua, o recurso é admitido, mas se calhar noutra secção em que a tese já não coincida com a sua, o recurso é rejeitado por extemporâneo.
7.ª Estas divergências no Tribunal Constitucional têm que terminar, e deverão terminar com o provimento deste recurso ao Plenário onde se deverá decidir, em concreto, que o prazo de recurso ao Tribunal Constitucional é de 10 dias contados da última notificação proferida, independentemente da Instância judicial que tenha sido a emissora dessa decisão. Isto é, o prazo de interposição de recurso ao Tribunal Constitucional é de 10 dias contados da notificação de uma tal última decisão e não dentro de 10 dias anos o trânsito em julgado dessa última decisão.
8.ª Em relação aos requisitos de suscitação de inconstitucionalidade junto do Tribunal a quo, se a decisão recorrida aplicou, efectivamente, um ou mais normativos invocados pelo arguido - na selecção que o arguido fez dos normativos - e se tais normativos coincidem com a decisão recorrida, o recurso ao Tribunal Constitucional mostra-se idóneo na medida em que o Tribunal a quo ao ter aperfeiçoado o sentido normativo extraído das referidas normas, delimitou o objecto do recurso - e é esse objecto de recurso a ser decidido pelo Tribunal Constitucional.
9.ª Se porventura um arguido alargar o objecto de recurso ao Tribunal Constitucional, como a invocação de mais um princípio constitucional, tal não é motivo de rejeição (como referiu o M.P.), antes sim é apreciado à luz dos normativos invocados junto do Tribunal da Relação e ainda dos normativos usados pelo Tribunal da Relação para justificar a constitucionalidade.
10.ª E que, no caso que nos ocupa, o próprio Tribunal da Relação decidiu com recurso a outros princípios constitucionais não invocados pela defesa - tal como o Tribunal Constitucional também o pode fazer quando decide juízos de inconstitucionalidade com normas ou princípios constitucionais diversos dos invocados pelo recorrente — cfr- art.º 79.º-D da L.T.C..
11.ª O próprio Acórdão n.º 329/2015 do Tribunal Constitucional chama atenção para duas questões: a da tempestividade do recurso antes de transitar em julgado o acórdão, a diferença é que o recurso ao T.C. só sobe depois do trânsito em julgado desse tal último acórdão e da invocação do juízo de inconstitucionalidade normativa junto do Tribunal a quo.
TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO AO PLENÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL SER ADMITIDO - COM AS DEMAIS NOTIFICAÇÕES SUBSOUENTES, E A FINAL PECIPIR-SE QUE:
A) O prazo de recurso ao Tribunal Constitucional é de 10 dias contados da notificação da última decisão proferida nos autos, independentemente de quem seja o Tribunal emissor dessa última decisão (nem faz qualquer sentido diferenciar os prazos se o Tribunal emissor da última decisão for o Tribunal Constitucional);
B) o art.º 80,º da L.T.C, e o objecto do recurso mostra-se idóneo sempre que, se um arguido suscitou uma inconstitucionalidade junto do Tribunal a quo e esse Tribunal (in casu a Relação de Guimarães) apreciou e decidiu, ainda que, no nosso caso, aperfeiçoando o texto, mas aplicando o normativo em causa do art.º 120.º do C.P.. um eventual juízo de inconstitucionalidade a proferir pelo Tribunal Constitucional tem forca jurídica na decisão recorrida, e quando assim é, se o requerente tiver suscitado no seu recurso ao T.C. ambas as soluções (a invocada e a decidida pelo Tribunal da Relação), porque tal situação foi já conhecida pelo Tribunal a quo, que a conheceu e pôde dela decidir, mostram-se cumpridos os requisitos de admissibilidade do recurso. sob pena de se tornarem demasiado exigentes e rígidos os pressupostos de recurso ao T.C., o que levará a indesejáveis rejeições de recursos quando estarão reunidos todos os pressupostos da sua admissibilidade, o que será totalmente contraproducente em recursos de matéria de inconstitucionalidade.»
3. Por despacho da relatora foi indeferida a admissibilidade do recurso para o Plenário, com a seguinte fundamentação:
« (…)
2. Nos termos do nº1 do artigo 79º-D da LTC, «se o Tribunal Constitucional vier julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adotado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe recurso para o plenário do Tribunal (…)»
Decorre da descrita norma que o recurso para o Plenário não é permitido quando o acórdão recorrido não tenha conhecido da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade, nos termos do n.º 1 do artigo 79.º-D da LTC, nesse caso, é vedada a intervenção do plenário, impondo-se o afastamento da regra especial e a mobilização da regra geral de apreciação pela conferência (cf., neste sentido, Acórdãos n.ºs 18/2019, 498/2020, 569/2020, 143/2021, 121/2022, 149/2022).
No caso presente, o Acórdão n.º 623/2022, objeto do recurso para o Plenário, limitou-se a indeferir a reclamação apresentada contra a Decisão Sumária n.º 38/2022, através da qual se decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto nos presentes autos.
Uma vez que o acórdão recorrido não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade, o recurso interposto para o Plenário é legalmente inadmissível, face o estatuído no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC.
3. Pelo exposto, não se admite o recurso interposto para o Plenário do Acórdão n.º 623/2021, proferido no âmbito dos presentes autos.»
4. Notificado do referido despacho, o recorrente veio reclamar para a Conferência, nos seguintes termos:
«A., recorrente nos presentes autos, e nos mesmos devidamente identificado,
Notificado do despacho proferido a 11 de novembro de 2022 que decidiu não admitir o recurso interposto para o Plenário quanto ao Acórdão n.º 623/2022, vem junto de V. Exas. RECLAMAR contra o despacho de não admissão do recurso, apresentando, para o efeito, os seguintes fundamentos:
1. Refere expressamente o art.º 652.º n.º 3 do Código Processo Civil (C.P.C.), aplicável aos autos no Tribunal Constitucional por força do previsto no art.º 69.º da L.T.C., que “quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária [o M.P.].”
2. A Lei do Tribunal Constitucional não prevê que a Sra. Juiz Conselheira do Tribunal Constitucional possa emitir uma decisão de não admissão do recurso.
3. Não se encontra previsto em nenhum normativo legal sobre esta matéria uma não admissão do recurso, seja esta não admissão porque motivo for, e por não se encontrar previsto é que o despacho em causa não convoca nenhuma norma legal que lhe permita essa não admissibilidade.
4. Vejamos, pois, a redação das normas que regem o recurso ao Plenário.
5. Em nenhum artigo ou alínea, desde o art.º 79.º D até ao art.º 82.º da L.T.C., se prevê que o Relator possa não admitir o recurso.
6. No despacho de não admissão do recurso de que aqui se reclama, é dito que está “vedada a intervenção do plenário, impondo-se o afastamento da regra especial e a mobilização da regra geral de apreciação pela conferência.”
7. Mais é dito que o acórdão n.º 623/2022 se limitou a não conhecer o objeto do recurso interposto.
8. Tal não corresponde inteiramente ao ocorrido.
9. O objeto do recurso não foi conhecido por via da interpretação normativa aplicada quanto ao entendimento tido quanto ao prazo de recurso ao T.C., bem como sobre a suscitação da inconstitucionalidade.
10. E tal acórdão do Tribunal Constitucional é contrário a outros acórdãos indicados no recurso, pelo que, a interpretação sobre o recurso ao plenário é sempre extensiva e nunca restritiva, isto é, um recurso ao Plenário ocorrerá sempre ou poderá sempre ocorrer desde que se verifique divergência entre o decidido nuns acórdãos do T.C. e noutros acórdãos do T.C., e se se verifique, como é o caso que, caso fosse adotado outro entendimento, o recurso seria admitido e com isso, o desfecho processual seria outro.
11. Tudo porque, na base do acórdão n.º 623/2022 está aplicada uma interpretação por parte do Tribunal Constitucional que é contrária – e portanto ilegal – a uma outra fracção do Tribunal Constitucional.
12. O que significa, numa interpretação extensiva da norma extraída do art.º 79.ºD da L.T.C. que, cabe recurso ao plenário sempre que o Tribunal Constitucional, sobre uma mesma matéria ou factualidade decida de forma oposta a um ou mais acórdãos já proferidos pelo T.C..
13. Este é o espírito que subjaz aos recursos para o Plenário, e a existência desses recursos servem para se estabilizar a jurisprudência e aplicação normativa sobre uma mesma questão dentro do Tribunal Constitucional.
14. Este recurso ao plenário equipara-se, com o devido respeito, a um recurso nos Tribunais inferiores, de uniformização de jurisprudência, apenas diverge o nome do recurso na Lei do Tribunal Constitucional.
15. Mas os critérios e o espírito do legislador é o mesmo, sempre que dentro do Tribunal Constitucional, sobre uma mesma matéria ou questão, seja essa questão prévia ou incidental, ocorram divergências de aplicação de entendimentos ou interpretações, será ou caberá ao Plenário – quando e se chamado a decidir – definir qual dos acórdãos se mantém válido: se o recorrido ou o acórdão fundamento que tenha decidido de forma contrária em relação à mesma norma ou à mesma interpretação normativa.
16. Estando em causa, por um lado, a forma como se conta o prazo de recurso ao Tribunal Constitucional e existindo teses distintas dentro do T.C. sobre essa mesma forma de se contarem os prazos, há claramente divergência e ilegalidade numa das contagens.
17. Dito por outras palavras, não é possível afirmar que as diferentes formas de contar os prazos se encontram corretas, sob pena de nunca mais se terminar com esta incerteza e insegurança jurídica que se encontra, atualmente, a ser vivida no Tribunal Constitucional.
18. Assim, e com o devido respeito pelo teor do despacho aqui reclamado, não podemos concordar com o conteúdo do mesmo, uma vez que:
a) por um lado, a lei não prevê e não permite que o Relator emita despacho a não admitir o recurso ao Plenário;
b) por outro lado, a interpretação extensiva do art.º 79.ºD da L.T.C. permite aferir que, havendo um ou mais acórdãos do TC sobre a mesma questão invocada pelo recorrente no recurso ao plenário, esse recurso é admissível porque urge resolver a divergência interpretativa ocorrida dentro do T.C..
19. E o espírito do legislador no recurso ao plenário também é esse, daí o n.º 1 do art.º 79.º-D da L.T.C referir “em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das secções”.
20. Só uma interpretação restritiva deste tipo de recurso é que poderia levar a dizer-se, erradamente, que só se poderia recorrer ao Plenário perante dois acórdãos opostos em que um tenha decidido um juízo de constitucionalidade e outro de inconstitucionalidade.
21. É verdade que para esses casos também se aplica o recurso ao plenário, mas não é só nesses casos, também o é no caso presente em que se reconheceu expressamente várias divergências dentro do Tribunal Constitucional apelidadas de “três teses distintas” para se interpretarem os prazos de recurso nos termos do art.º 75.º da L.T.C., tal como melhor explicado no recurso apresentado.
22. Além disso, igual divergência acontece no que diz respeito à suscitação da inconstitucionalidade e à utilidade do recurso quando o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade junto do tribunal a quo e este a tenha aplicado, ainda que de forma aperfeiçoada e o recorrente – por cautela – até tenha suscitado a primeira e a segunda inconstitucionalidade aperfeiçoada – de uma norma que foi efectivamente aplicada na decisão recorrida porque invocada previamente pelo recorrente.
23. Quanto a esta matéria também ocorreu divergência de decisões dentro do T.C..
24. Indo mais longe, cabia ao Plenário decidir o recurso apresentado, não podendo, neste caso, ser o recurso não admitido por despacho do Relator.
25. O recurso foi interposto dentro do prazo, por quem tinha e tem legitimidade para o fazer, apresentou conclusões e as respectivas motivações – que são claras e transparentes, não sendo sequer possível dizer-se que não se percebeu o objecto do recurso.
26. Aliás, tanto quanto nos parece, tanto se percebeu bem a divergência invocada que o recurso foi não admitido por uma outra razão: o entendimento da Sra. Juiz Relatora no sentido que se o acórdão em causa não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade, independentemente das divergências interpretativas aplicadas naquele acórdão estarem em oposição com correntes jurisprudenciais dentro do T.C., tal recurso ao plenário não é admissível, subentendendo-se que o mesmo só seria admissível se o acórdão tivesse conhecido o mérito do recurso de constitucionalidade e se tivesse decidido essa constitucionalidade de forma oposta a um outro acórdão.
27. Com o devido respeito, não é essa melhor interpretação do art.º 79.º-D da L.T.C. nem é esse o verdadeiro espírito e intenção do legislador no recurso ao Plenário, antes sim o recurso ao plenário visa definir toda e qualquer matéria interpretativa divergente dentro do Tribunal Constitucional em relação a uma concreta matéria em que se tenha decidido de forma oposta.
Face a todo o exposto, o recorrente/reclamante sente-se prejudicado pelo despacho proferido pela Sra. Juiz Relatora, despacho que não admitiu o recurso interposto ao Plenário, sendo que esse recurso tinha que ter sido apreciado pelo Plenário depois dos Vistos aos restantes Juízes e ao M.P., e nessa decisão, caso assim se entendesse, decidir-se-ia tomar ou não conhecimento do recurso e, em consequência, dar provimento ou não à divergência.
Porém, o que não é admissível é existir um despacho de não admissão, bem como não se concorda com o seu conteúdo, nomeadamente na interpretação absolutamente restritiva que foi efectuada no acesso ao recurso ao plenário quando há divergências entre o decidido no acórdão recorrido e noutras decisões do Tribunal Constitucional relacionadas com tais matérias.
Pelo que, deverá recair sobre a presente reclamação um Acórdão a proferir, seja pela Conferência ou pelo Sr. Presidente do Tribunal Constitucional ou Presidente da Secção, no sentido de se inverter o despacho de não admissão de recurso em admissão do recurso – o que se invoca e requer, convocando-se desde já o princípio do aproveitamento do acto processual caso seja necessário efectuar-se uma convolação da presente reclamação no acto jurídico que seja entendido aplicar-se ao caso, já que a situação em causa é absolutamente sui generis.»
5. O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, tendo vista nos autos, pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação:
«(…)
6.º Ora, não ponderando, sequer, a dúvida na identificação do destinatário da reclamação, se considerarmos a firme e inequívoca jurisprudência do Tribunal Constitucional – entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 23/98, 257/2002, 161/2007, 303/2007, 523/2011 e 143/2021 -, facilmente apuramos que o entendimento expresso pelo reclamante não tem, nela, acolhimento.
7.º Com efeito, atentemos, a título de exemplo, e para melhor esclarecimento, no conteúdo deste último aresto, o mencionado Acórdão n.º 143/2021, no qual se estatui que “[o] recorrente interpõe recurso (…) para o Plenário, com fundamento no artigo 79.º-D da LTC. Ora, como se explicou no despacho impugnado, tal recurso é manifestamente inadmissível, visto que nem a decisão recorrida, nem qualquer outra das decisões proferidas nos autos por este Tribunal Constitucional, incide sobre o mérito. O recurso previsto no artigo 79.º-D da LTC – reitera-se − serve exclusivamente para resolver divergências entre secções sobre a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, o que exclui por natureza todas as questões a respeito da verificação dos pressupostos de admissibilidade de recursos de constitucionalidade”.
8.º Ou seja, conforme resulta claramente do prescrito no mencionado artigo 79.º-D, n.º 1 da LTC, e é firme e reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, exige esta disposição legal que a decisão recorrida tenha conhecido do mérito do recurso de inconstitucionalidade - ou ilegalidade - e, nesse âmbito, ocorra uma contradição entre a decisão proferida quanto à inconstitucionalidade – ou ilegalidade – da norma impugnada, face a decisões anteriores do Tribunal Constitucional.
9.º Esclarecendo, igualmente, este ponto, afirma Lopes do Rego, a páginas 280 de Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência, Almedina, 2010:
“Tal recurso pressupõe a existência de um conflito jurisprudencial, traduzido em julgamentos - de mérito – contraditórios das Secções, não sendo possível quando tais divergências ocorram apenas no plano do direito processual constitucional: não pode, pois, recorrer-se para o Plenário quando as Secções tenham entendimentos contraditórios acerca, por exemplo, de certo pressuposto de determinado recurso de fiscalização concreta”.
10.º Contudo, no caso vertente, e conforme é aceite pelo reclamante, a decisão de que se pretende recorrer – o douto Acórdão n.º 663/2022 - não se pronunciou sobre qualquer matéria substantiva, não tendo, consequentemente, julgado qualquer questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
11.º Assim, face ao teor do decidido pelo douto Despacho da Exm.ª Conselheira relatora, datado de 8 de Novembro de 2022, cujos fundamentos não foram abalados pelo teor da impugnação, a pretensão do reclamante não poderá ser, em nosso entender, satisfeita.
12.º Face ao exposto, não poderá o requerido deixar de ser, em nosso entender, indeferido.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Conforme reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, o disposto no n.º 1, do artigo 79.º-D da LTC exige «que a decisão recorrida haja conhecido do mérito do recurso de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) e, nesse âmbito, ocorra uma contradição entre a decisão proferida quanto à inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma impugnada, face a decisões anteriores do Tribunal» (nesse sentido, entre outros, Acórdãos n.ºs 23/98, 257/2002, 161/07, 303/07, 523/2011, 18/2019, 498/2020, 569/2020, 143/2021, 149/2022).
Na presente reclamação o reclamante manifesta o seu inconformismo quanto à decisão que indeferiu a admissibilidade do recurso para o Plenário.
Tendo sido impugnada a decisão da Relatora que não admitiu o recurso interposto para o Plenário, a competência para conhecer da reclamação pertenceria, em princípio, ao Plenário do Tribunal Constitucional (neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos 54/2014 e 121/2022).
Como foi amplamente referido – nomeadamente no Parecer do Ministério Público - a intervenção do Plenário em recursos interpostos de outros acórdãos apenas tem lugar quando o acórdão recorrido tenha conhecido da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade e haja divergência entre a decisão recorrida e o sentido anteriormente adotado em outras decisões – cfr. artigo 79.º-D, n.º 1 da LTC.
Ora, aquelas circunstâncias, não se verificam no caso presente, não obstante o recurso para o Plenário ter sido interposto de decisão proferida por acórdão. Porém, o acórdão em crise, não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade, o que inviabiliza, para os presentes efeitos, a intervenção daquela formação.
7. O despacho ora reclamado não admitiu o recurso interposto para o Plenário do Acórdão n.º 623/2022, uma vez que o considerou legalmente inadmissível.
Verificando-se unanimidade dos juízes intervenientes, a reclamação será, pois, apreciada pela conferência, de acordo com a regra geral prevista no artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC.
8. O acórdão nº 623/2022 limitou-se a verificar se se encontravam preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante e, corroborando a análise levada a cabo na Decisão Singular então reclamada, concluiu pela impossibilidade de conhecimento do respetivo objeto.
Assim sendo, atento o acima exposto, bem como a orientação estavelmente firmada na jurisprudência deste Tribunal, uma vez que o acórdão recorrido não conheceu de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade, mostra-se irrecorrível pelo que nada há a censurar no despacho ora reclamado.
Impõe-se, por isso, confirmar a decisão reclamada.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
10. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, de acordo com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios estabelecidos no respetivo artigo 9.º.
Lisboa, 21 de dezembro de 2022 - Assunção Raimundo - José Eduardo Figueiredo Dias - Pedro Machete