ACÓRDÃO Nº 154/2022
Processo n.º 532/2021
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., sendo recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 5 de maio de 2021.
2. O aqui recorrente impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, datada de 18 de fevereiro de 2020, que decretou a cassação da carta de condução n.º BG-6881 de que aquele era titular, em virtude de ter perdido todos os pontos de que dispunha, nos termos do artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto.
Por sentença de 3 de novembro de 2020, o Tribunal da Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de Mangualde, julgou improcedente a impugnação judicial, confirmando a decisão administrativa de cassação da carta de condução do recorrente.
Tal sentença veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, através de acórdão de 5 de maio de 2021, negou provimento ao recurso interposto pelo ora recorrente.
Com interesse para os autos, pode ler-se na fundamentação desse aresto:
«Invoca o recorrente que o disposto no art.º 148.°, n.°s 4, al. c), 10 e 11 viola os artigos 18.°, n.° 2, 29.°, n.° 5 e 30.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa. Vejamos:
O art.º 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece que a lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ora, a compressão do direito do recorrente de ser titular de carta de condução, prevista no art.º 148.°, n.° 4, al. c), do Código da Estrada, tem na sua base o confronto deste direito com o direito dos outros cidadãos em circularem na vida pública com segurança, assumindo aqui particular relevo as medidas legislativas adotadas para prevenção e combate à sinistralidade rodoviária, nomeadamente o combate às atividades suscetíveis de elevar o perigo na condução e, em consequência, a sinistralidade - como sucede com a condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
Resultando da sinistralidade rodoviária a ameaça dos direitos à vida e à saúde, o direito do recorrente a ser titular da carta de condução cede perante aquele, que constitui o direito supremo de qualquer pessoa.
Em segundo lugar, o art.º 29.°, n.° 5, da Lei Fundamental consagra que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime" (ne bis in idem). Este princípio visa assegurar que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez em virtude da prática dos mesmos factos.
No entanto, não é o que sucede in casu.
O recorrente foi condenado nos processos sumários n.°s 49/17.4GAFAG e 76/19.7GCTCS pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez, tendo-lhe em ambos sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do art.º 69.°, n.° 1, al. a), do Código Penal.
O processo administrativo instaurado contra o recorrente pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, que desaguou na cassação da sua carta de condução, teve como objeto não a prática daqueles crimes, mas antes "o registo de infrações relativas ao exercício da condução a perda de pontos em virtude das sucessivas penas acessórias até ao total esgotamento dos créditos inicialmente concedidos, e a consequente inaptidão do recorrente para a condução decorrente do risco causado por aquelas condutas criminosas para a segurança rodoviária" (cf. Ac. desta Relação de Coimbra de 13.11.2019, Des. Vasques Osório, proc. 186/19.0T8CTB.C1, em www.dqsi.pt).
Na verdade, assentando a cassação administrativa da carta de condução num juízo de perigosidade acrescida daquele concreto condutor no exercício da condução, decorrente da sucessiva prática de crimes ou contraordenações suscetíveis de colocar em risco valores jurídicos considerados mais elevados, a sua génese não reside na prática dos factos anteriormente julgados, mas antes no juízo, baseado em regras fixadas, de que as penas acessórias aplicadas foram insuficientes para sensibilizar o infrator "no sentido de adequar aquela atividade perigosa, em que se traduz a condução, às normas" (cf. Ac. desta Relação de 6.11.2019, Des. Maria José Nogueira, proc. 4289/18.0T8PBL-C1; cf. ainda o Ac. de 15,1.2020, proc. 576/19.9T9GRD.C1, no qual a presente relatora foi adjunta, o Acs. da Relação de Évora de 20.10.2020, proc. 218/20.T8TMR.E1, e de 3.12.2019, proc. 1525/19.0T0STB.E1, o Ac. da Relação de Guimarães de 27.1.2020, proc. 2302/19.31T8VCT.G1, em www.dgsi.pt.)
Desta forma, a cassação da carta de condução devido à perda de pontos não constitui uma nova condenação pela prática dos mesmos factos - crimes de condução em estado de embriaguez não se mostrando violado o princípio ne bis in idem.
Finalmente, o art.º 30.º, n.º 4, que "Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos".
A automaticidade da cassação tem pressuposta uma ponderação que foi anteriormente efetuada pelo legislador, bem como o controlo das condições exigidas para a sua aplicação.
Por esclarecedor, louvamo-nos na análise da Relação do Porto (Ac. de 9.5.2018, proc. 644/16.9PTPRT-A.P1, Des. Mota Ribeiro, em www.dasi.pt):
O sistema de pontos "traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizarem termos de perigosidade os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, (...) reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução. (...) o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração, a designadamente a que está diretamente em causa nos presentes autos, ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. (...) (entendeu) o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade individual de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o através de atos que são pressuposto da atribuição daquela licença de condução; enquanto que a segunda (cassação) se traduz numa medida de segurança, também de caráter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização/habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, com respeito pela estrutura acusatória do processo, assim como pelas garantias de defesa e controlo jurisdicional efetivos, vieram revelar a existência daquela inaptidão, e em respeito, portanto, das normas constitucionais
No mesmo sentido, afirma-se no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 260/2020 (dr n.° 147/2020, II Série, de 30.7.2020) que "a atribuição de título de condução pela República Portuguesa não tem um caráter absoluto e temporalmente indeterminado. Existe, assim, como que uma avaliação permanente, através da adição ou subtração de pontos, da aptidão do condutor para conduzir veículos a motor na via pública. Ou seja, em rigor, num tal sistema, o título de condução nunca é definitivamente adquirido, antes está permanentemente sujeito a uma condução negativa referente ao comportamento rodoviário do seu titular. O direito de conduzir um veículo automobilizado não é incondicionado" (sublinhado nosso),
Assim, tendo em consideração que o sistema de carta de condução por pontos prevê, em função da gravidade da infração do condutor, a retirada de pontos, em número variável; e considera o período temporal sem registo de infrações a favor do condutor, acrescentando-lhe pontos e permitindo, desse modo, que recupere os eventualmente perdidos; impõe-se concluir que respeita os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Conclui-se, pelas razões expostas, pela conformidade das normas constantes do artigo 148.º, n.º 4, alínea c), n.º 10 e n.º 11 do Código da Estrada, com os princípios e imposições constitucionais vigentes.»
3. Foi desta decisão que foi interposto o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto.
Determinado o prosseguimento dos autos, o recorrente produziu alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
«I - O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão que proferiu, capeando a decisão proferida em Primeira Instância, aplicou normas inconstitucionais, nomeadamente as contidas no artigo 148.°, n.° 4, alínea c), n.° 10 e n.° 11 do Código da estrada, pois que as mesmas violam os artigos 18.°, n.° 2, 29.°, n.° 5 e 30.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa e os princípios neles consignados e consagrados.
II - Com efeito, no plano jurídico substantivo resulta do artigo 148.°, n.° 4, alínea c), n.° 10 e n.° 11 do Código da Estrada, que a perda de pontos decorre direta e automaticamente de condenação em pena acessória de proibição de conduzir, independentemente da coima concretamente aplicada ou do grau de culpa concretamente apurado, bem como da perda da totalidade de pontos decorre a cassação do título de condução.
III - Estas normas do Código da Estrada são inconstitucionais e tal inconstitucionalidade deverá ser declarada, por este Venerando Tribunal, por violação do disposto:
a) na alínea a) do n.° 2 do artigo 18.º da CRP, por delas se retirar que é fundamento bastante da cassação do título de condução a subtração automática de pontos, sendo os efeitos decorrentes da cassação manifestamente sancionatórios, não revestirem qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização, nem qualquer limitação ao necessário, adequado e proporcional para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos;
b) do n.° 5, do artigo 29.° da CRP, porquanto a determinação da cassação do título de condução constitui-se como uma condenação suplementar e acrescida do mesmo sujeito, já que decorre de condenação anterior pelos mesmos factos ilícito/criminais, bastando-se apenas no somatório automático dos pontos, o que significa violação do princípio ne bis in idem;
c) do n.° 4 do artigo 30.° da CRP, pelo facto de a determinação da cassação do título condução implicar automaticamente a proibição de conduzir veículos e dificultar o direito ao trabalho e a prover à subsistência, não atendendo o normativo em referência à finalidade das penas e medidas de segurança.
IV - Por força da declaração de inconstitucionalidade, que se requer seja declarada nos autos, das normas referidas do Código da Estrada, serão, consequentemente, as mesmas inaplicáveis como fundamento da cassação do título de condução do ora recorrente, devendo, consequentemente, ordenar-se a produção dos efeitos previstos no n.° 2 do artigo 80° da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82 de 15 de novembro e posteriores alterações, com as legais consequências.»
4. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos:
«1. Com as alterações da Lei n.º 116/2015, de 08-08, ao Código da Estrada, foi introduzido um sistema de “carta por pontos” – aplicado em diversos Estados-Membros da União Europeia –, fazendo corresponder a perda ou recuperação de pontos a determinados comportamentos rodoviários dos condutores, designadamente aquando da condenação pela da prática de contraordenações graves ou muito graves ou de crimes a que corresponda uma pena acessória de proibição de conduzir.
2. No caso em apreço nos autos, o recorrente foi condenado, por sentenças transitadas em julgado nos processos sumários n.°s 49/17.4GAFAG e 76/19.7GCTCS, ambos do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda - Juízo de Competência Genérica de Trancoso, em dois crimes de condução em estado de embriaguez pp. pp. no art. 292.º, n.º 1 do CP, nas penas assessórias de proibição de conduzir por períodos de 4 meses e de 10 meses, respetivamente.
3. Por decisão datada de 18-02-2020, proferida no processo de cassação n.º 895/2019, instaurado em 25-11-2019, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (= ANSR) determinou a cassação da carta de condução n.º BG-6881, de que o recorrente é titular pela circunstância de o recorrente ter perdido todos os pontos de que dispunha.
4. Foi com base naquelas condenações em penas acessórias de proibição de conduzir que a ANSR decidiu determinar a perda de todos os pontos para efeitos de uma possível cassação do título de condução a que alude a alínea c) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada, devidamente conjugada com o n.º 11 do mesmo artigo.
5. Da perda de pontos não decorre, por si só, a perda de quaisquer direitos fundamentais.
6. O que fundamenta e, no caso, determinou a cassação da carta foi a condenação pelos dois crimes rodoviários de condução em estado de embriaguez, punidos com as penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados.
7. A cassação do título de condução pode considerar-se como uma consequência, legalmente prevista, da condenação em concretas penas ou sanções assessórias de proibição ou de inibição de conduzir, e não uma (nova) pena acessória ou medida de segurança.
8. A cassação do título de condução é, assim, uma consequência da verificação da perda das condições e habilitações exigíveis para a manutenção do título de condução, por um determinado período, por parte de condutores que incorreram em práticas altamente perigosas e, eventualmente, danosas para o tráfego, a integridade física, a saúde e a vida dos demais condutores.
9. A condenação em (duas) penas assessórias de proibição de conduzir na sequência da condenação pelos crimes rodoviários que as suportem, sugere, assim, um especial alarme e dever de precaução ao legislador infraconstitucional, no sentido da proteção da segurança rodoviária da circulação de pessoas e de veículos em função da indiferença a tais valores documentada pela prática de, pelo menos, dois crimes.
10. A cassação pressupõe um novo e diferente juízo no sentido da avaliação da aptidão do visado (previamente condenado) para a condução rodoviária em segurança, juízo esse que o legislador convencionou, a montante, que é aplicável aos condutores que documentem a perigosidade na condução através de condenações em penas ou sanções assessórias de proibição e de inibição de conduzir, de forma a operar a retirada dos pontos da carta.
11. Por outro lado, a concessão da licença de condução não é um direito irrestrito, definitivo e incondicional, sendo, pois, legítimo que o legislador infraconstitucional estabeleça requisitos positivos e negativos para a sua atribuição.
12. Importa, assim, averiguar da natureza da cassação da carta de condução nestes termos, não sendo o instituto, de resto, completamente inovador (cfr. art.º 101.º do CP e versões do art.º 148.º do Cód. da Estrada anteriores à da Lei n.º 116/2015).
13. A inovação encontra-se no sistema de carta de pontos, que reveste natureza distinta de sanções criminais ou contraordenacionais, como diversa jurisprudência nacional vem entendendo (cfr. o Ac RP de 30-04-2019 – Proc. 316/18.0T8CPV.P1, o Ac RC de 06-11-2019 – Proc. n.º 4289/18.0T8PBL.C1, e o Ac RG de 27-01-2020 – Proc. n.º 2302/19.3T8VCT.G1 (todos consultáveis em www.dgsi.pt), que, pronunciando-se sobre a virtual inconstitucionalidade da norma do art.º 148.°, n.° 2, e 4, al. c) e 11 do Código da Estrada, a exautoraram.
14. A fundamentação em que se apoiou, em grande medida, tal jurisprudência deriva do Ac RP de 09-05-2018 – Proc. n.º 644/16.9PTPRT-A.P1, do qual aqui reproduzimos os seguintes excertos:
(…)
15. Além do sentido pedagógico assinalado ao sistema da “carta por pontos” – cm a consequência da retirada de pontos e, no limite, com a cassação do título de condução –, cremos que a sua natureza, assume um carácter igualmente preventivo, ao impedir que condutores que revelaram indiferença aos valores da segurança rodoviária continuem a conduzir.
16. Mas isso não significa que tal medida tenha uma natureza sancionatória. Ou, pelo menos, exclusivamente ou eminentemente sancionatória, o que afastaria, desde logo, as objeções de inconstitucionalidade apontadas pelo recorrente à norma impugnada.
17. O sistema de carta de pontos, além de sinalizar situações de perigo – ao retirar pontos da carta – pode, também, “premiar” os condutores que revelem uma conformação com os referidos valores da segurança rodoviária e de uma condução pelo menos não sinalizada com violadora de tais valores – cfr. art.º 148.º, n.º 5 do Cód. da Estrada.
18. O sistema de carta de pontos visa ser um modelo pedagógico e, como tal, incentivador, pretendendo estimular persuasivamente os condutores para o exercício de uma boa condução. Sem que se repercuta, p. ex., no plano do registo criminal. E sem efeitos estigmatizantes.
19. É, por outro lado, aplicado por uma entidade administrativa, e, claramente, não assume relevância criminal ou contraordenacional.
(…)
23. O contributo da jurisprudência constitucional nacional sobre o princípio da proporcionalidade foi sintetizado no Ac TC n.º 187/2001, decorrendo que o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, se desdobra, como já antes afirmado no Ac TC n.º 634/93, em «três subprincípios: da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)».
24. O seu reconhecimento na doutrina constitucional é, de há muito mais tempo, um dado assente, construindo a jurisprudência constitucional de diversos ordenamentos, como Espanha, Alemanha e Portugal o princípio da proporcionalidade como o limite aos limites. Funcionará como um limite ao arbítrio e um parâmetro de definição de fronteiras do aceitável quando o Estado pretenda impor alguma limitação aos direitos fundamentais dos cidadãos, ou ao seu exercício.
25. À luz desta jurisprudência, crê-se, assim, poder repelir qualquer imputação de afronta ao princípio da proporcionalidade, com base na configuração do sistema da carta de pontos.
26. De igual modo, a invocada ofensa ao princípio non bis in idem é de rejeitar, uma vez que a apreciação e relevância penal das concretas condutas pelas quais o recorrente foi condenado não se confunde com a apreciação da sua capacidade e aptidão, mais gerais, para o desempenho do exercício da condução, o que só advém após aquelas condenações terem tido lugar – com a aplicação de concretas penas assessórias de proibição de conduzir – sendo tal juízo tomado sem um carácter punitivo (ou sancionatório), mas pedagógico e preventivo.
27. Por último, parece-nos improcedente a alusão à limitação do exercício do direito à profissão e de angariação do sustento, como consequência da aplicação da cassação da carta de condução.
28. Para além de com a cassação do título de condução não se verificar uma definitiva proibição da atividade condução – mas, em princípio, apenas temporariamente – o efeito de restrição de atividade profissional é um resultado apenas indireto da cassação, e que o recorrente não desconhecia poder ocorrer em virtude das condenações pelos crimes que sofreu.
29. De igual modo, a invocada ofensa ao princípio non bis in idem é de rejeitar, uma vez que a apreciação e relevância penal das concretas condutas pelas quais o recorrente foi condenado não se confunde com a apreciação da sua capacidade e aptidão, mais gerais, para o desempenho do exercício da condução, o que só advém após aquelas condenações terem tido lugar – com a aplicação de concretas sanções assessórias de proibição de conduzir – sendo tal juízo tomado sem um carácter punitivo (ou sancionatório), mas pedagógico e preventivo.
30. Além de não operar imediatamente sobre a restrição ou limitação de qualquer direito profissional – que exija a autorização para a condução –, o legislador não poderia postergar os interesses da segurança rodoviária em função do direito ao trabalho de um condutor que comprovadamente infringiu, de forma grave, regras de condução estradal.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. Em face do teor do requerimento de interposição do presente recurso, a norma que constitui o seu objeto é a do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto.
Tal preceito tem a seguinte redação:
Artigo 148.º
Sistema de pontos e cassação do título de condução
1 - A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:
a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, utilização ou manuseamento continuado de equipamento ou aparelho nos termos do n.º 1 do artigo 84.º, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;
b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.
2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.
3 - Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.
4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;
c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
5 - No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.
6 - Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contraordenações graves ou muito graves no registo de infrações é de dois anos para as contraordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.
7 - A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.
8 - A falta não justificada à ação de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.
9 - Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infrator.
10 - A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
11 - A quem tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
12 - A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação.
13 - A decisão de cassação do título de condução é impugnável para os tribunais judiciais nos termos do regime geral das contraordenações.
6. São três as questões de constitucionalidade a apreciar no presente recurso, todas recondutíveis ao artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto. A primeira questão consiste em saber se a circunstância de na norma controvertida se determinar que a perda de todos os pontos detidos por determinado condutor constitui condição suficiente para a cassação do respetivo título de condução, implica violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, designadamente por tal efeito ser «manifestamente sancionatório, não revestir qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização». A segunda questão consiste em saber se a determinação da cassação do título de condução constitui uma segunda condenação do respetivo titular, caso em que se situa no âmbito de incidência da proibição do non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição. Finalmente, a terceira questão é a de saber se o decretamento da cassação do título de condução, ao implicar automaticamente a proibição de condução dos veículos por ele abrangidos, viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, designadamente por embaraçar significativamente o exercício do direito ao trabalho.
7. Para a boa decisão das questões de constitucionalidade, tem interesse caracterizar sucintamente o quadro legal aplicável nos presentes autos.
O sistema da «carta por pontos» foi introduzido na nossa ordem jurídica pela alteração ao Código da Estrada efetuada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, diploma que concretiza o desiderato legislativo consignado na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 336/XII, que esteve na sua génese. Tal desiderato, encarado como um dos instrumentos principais da Estratégia Nacional de Segurança Rodoviária, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 54/2009, de 14 de maio, consistia na introdução de um sistema de pontos cujo funcionamento permitisse «aumentar o grau de perceção e de responsabilização dos condutores, face aos seus comportamentos, adotando-se um sistema sancionatório mais transparente e de fácil compreensão», o que se esperava vir a ter, em linha com as experiências verificadas noutros países onde sistema análogo vigorava, «impacto positivo significativo no comportamento dos condutores, contribuindo, assim, para a redução da sinistralidade rodoviária e melhoria da saúde pública». No essencial, o regime consiste na atribuição a cada condutor titular de um determinado título de condução de um certo número de pontos – doze pontos num momento inicial –, os quais variam consoante o condutor cometa ou abstenha-se de cometer, em certo período, determinados ilícitos de mera ordenação social ou de natureza criminal.
Por cada contraordenação grave ou muito grave, ou crime punível com pena acessória de proibição de conduzir, é subtraído certo número de pontos, nos termos previstos nos n.ºs 1 a 3 do artigo 148.º do Código da Estrada. Tratando-se de uma das contraordenações graves previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º, a subtração é de três pontos, sendo de dois pontos quando esteja em causa qualquer outra contraordenação grave. Tratando-se de uma contraordenação muito grave a subtração é de quatro pontos, exceto se se tratar de condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, caso em que a subtração é de cinco pontos. Tratando-se de crime punível com pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do artigo 69.º do Código Penal, a subtração é de 6 pontos. Existe ainda uma regra especial para os casos em que tiver lugar a condenação, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia.
Ao invés, por cada período de três anos (ou de dois anos para os condutores indicados no n.º 6) ou por cada período da revalidação do título de condução em que o condutor tenha frequentado voluntariamente ação de formação de segurança rodoviária, sem que sejam praticadas contraordenações graves ou muito graves, ou crimes de natureza rodoviária, são atribuídos ao condutor um certo número de pontos até um limite fixado na lei, entre quinze e dezasseis pontos – n.os 5 a 7 do citado artigo 148.º do Código da Estrada.
Quando a subtração de pontos reduza o seu número abaixo dos limiares fixados na lei surge para o condutor a obrigação de se sujeitar a determinadas ações de formação e provas de aptidão – alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada –, sendo certo que a perda de todos os pontos implica, nos termos da alínea c), a cassação do título de condução. A cassação do título que seja consequência dessa perda total dos pontos é decretada em processo administrativo autónomo, sendo a decisão judicialmente impugnável nos termos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – n.os 10 e 13 do artigo 148.º do Código da Estrada. A cassação tem por efeito, não apenas a caducidade do título de condução – artigo 130.º, n.º 1, alínea d), do Código da Estrada –, e com ela a proibição de conduzir os veículos para que o título cassado habilitava, como a proibição de obter novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação – n.º 11 do mesmo preceito.
No caso vertente, o recorrente perdeu todos os pontos de que beneficiava em virtude de ter sido condenado, por decisões transitadas em julgado, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, os quais implicaram a sua condenação em penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artigo 69.º do Código Penal.
8. Feito este breve enquadramento, apreciemos a primeira das questões de constitucionalidade que se colocam no presente recurso.
8.1. Como se referiu, a primeira questão tem por base a da norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, e consiste em saber se a circunstância de na norma controvertida se determinar que a perda de todos os pontos detidos por determinado condutor constitui condição suficiente para a cassação do respetivo título de condução implica a violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, designadamente por tal efeito ser «manifestamente sancionatório, não revestir qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização, nem qualquer limitação ao necessário, adequado e proporcional para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Note-se que não está aqui em causa nenhuma vertente procedimental da decisão de cassação do título de condução. Como decorre do regime legal traçado no artigo 148.º do Código da Estrada e no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o procedimento conducente a tal decisão é inteiramente contraditório, dispondo o visado de adequadas oportunidades processuais de participação no processo de decisão, designadamente direito de se pronunciar sobre as questões de facto e de direito relevantes, de produzir prova e de recorrer judicialmente da decisão administrativa, com a possibilidade de beneficiar de duplo grau de jurisdição.
Está antes em causa o critério substantivo da decisão de cassação. Verificados os factos geradores da perda de todos os pontos de que o condutor seja beneficiário num certo momento, a cassação do título de condução é decretada sem necessidade de ponderação de outros fatores hipoteticamente relevantes. De acordo com a norma impugnada, a cassação do título de condução constitui consequência necessária − e, por isso, automática − da perda de todos os pontos detidos por dado condutor; dito de outra forma, a perda de todos os pontos constitui condição suficiente para a cassação do título de condução. Trata-se, pois, de saber se a suficiência dessa condição, integralmente satisfeita pela perda total dos pontos, sem que relevem outros fatores de ponderação − como sejam a sua adequação às necessidades de prevenção especial que se façam sentir em concreto, o grau de culpa subjacente aos ilícitos que ditaram a perda dos pontos e a extensão das consequências que a cassação tenha nas condições de vida pessoal e profissional do visado −, é desadequada, desnecessária e desproporcional para a salvaguarda dos direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que informam a medida.
8.2. Embora não esteja aqui em causa a conformidade constitucional do instituto da cassação do título de condução como um todo – do qual a perda de pontos é apenas uma das causas possíveis –, mas apenas da possibilidade de vir a ser decretada através da operação do «sistema de pontos», importa salientar que, independentemente da natureza desse instituto, não se pode duvidar que consubstancia medida restritiva para efeitos do disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.
O recorrente não identifica nenhum direito fundamental atingido pela norma sindicada, sendo certo que da Constituição não consta expressamente nenhum direito fundamental a conduzir veículos motorizados na via pública. Mas atendendo à importância que tal atividade tem no quotidiano no cidadão comum, a sua recondução ao exercício de um direito com assento constitucional pode ser fundamentada sem dificuldades de grande monta. Com efeito, nos quadros de uma concepção principialista dos direitos fundamentais, nos termos da qual estes têm prima facie um âmbito alargado, podendo ser restringidos de plúrimas formas e com intensidades variáveis, a atividade de circulação rodoviária constitui seguramente um exercício da liberdade geral de ação compreendida no direito ao livre desenvolvimento da personalidade − esse grande direito residual consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição −, sem prejuízo da sua relevantíssima função acessória no exercício de outros direitos fundamentais em relação ao qual se revele útil ou mesmo indispensável.
Por isso, a sujeição da atividade a uma licença administrativa que pode caducar ou ser revogada, com fundamento na prática de um conjunto de atos tidos por reveladores de inaptidão para a condução de veículos ou de desrespeito por normas de diligência e de proteção de terceiros inerentes no exercício de tal atividade, deve tomar-se como uma medida restritiva. Daí não decorre, como é bom de ver, que a mesma seja inconstitucional, por violação do direito fundamental em causa; antes implica que a sua conformidade constitucional dependa da observância dos limites vários que, em matéria de restrições a direitos, liberdades e garantias ou a direitos de «natureza análoga», decorrem do regime geral consagrado no artigo 18.º da Constituição, entre os quais se destacam as exigências de que as finalidades prosseguidas se traduzam na tutela de outros direitos ou interesses de nível constitucional e que os meios escolhidos para esse efeito respeitem a proibição do excesso, ou seja, não se mostrem inadequados, desnecessários ou desproporcionais.
Está claro que, como se lê no Acórdão n.º 260/2021, não há nenhum «direito fundamental absoluto a conduzir veículos a motor, designadamente na via pública, independentemente da verificação da aptidão da pessoa para a condução. Trata-se de uma atividade dependente da atribuição de licença ou carta de condução e está depende da verificação de requisitos positivos e negativos estabelecidos pelo legislador». Só que a intervenção do legislador neste domínio, ainda que situada num intervalo amplo de liberdade de conformação, desde logo porque a efetiva liberdade de circulação rodoviária depende de numerosas regras legais cuja função é coordenar os comportamentos dos condutores e garantir condições de segurança, deve respeitar − aí onde iniba, condicione, onere ou dificulte o exercício da atividade − os limites próprios das restrições de direitos fundamentais numa democracia constitucional, precisamente os definidos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Por outras palavras, não há nenhum direto fundamental absoluto, mas há um direito prima facie, naturalmente sujeito a restrições, «a conduzir veículos a motor, designadamente na via pública».
Ora, em face da perigosidade da condução de veículos automóveis para uma pluralidade de direitos e interesses sob tutela constitucional − designadamente a vida, a integridade física e o património de terceiros −, é manifesta a existência de um fundamento geral para a adoção de medidas restritivas, consubstanciadas tanto na necessidade de atribuição inicial de uma licença administrativa – o título de condução –, dependente da aferição de um conjunto de requisitos de aptidão física e psíquica para a operação técnica dos veículos e para o conhecimento e observância das normas jurídicas que regulam a circulação automóvel, como ainda na verificação periódica da subsistência dessas condições ao longo do período de atividade do sujeito, traduzida na existência de causas de caducidade e na possibilidade de revogação do título. Daí que se diga que o «o título de condução nunca é definitivamente adquirido, antes está permanentemente sujeito a uma condição negativa referente ao comportamento rodoviário do seu titular» (Acórdão n.º 260/2021).
A questão que se coloca é a de saber se a específica norma sindicada nos presentes autos viola o princípio da proibição do excesso.
8.3. Constitui jurisprudência constitucional reiterada e pacífica que o princípio da proibição do excesso se analisa em três subprincípios: idoneidade, exigibilidade e proporcionalidade (v., por todos, o Acórdãos n.os 187/2001). Na síntese do Acórdão n.º 123/2018:
«O subprincípio da idoneidade (ou da adequação) determina que o meio restritivo escolhido pelo legislador não pode ser inadequado ou inepto para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício frívolo de valor constitucional. O subprincípio da exigibilidade (ou da necessidade) determina que o meio escolhido pelo legislador não pode ser mais restritivo do que o indispensável para atingir a finalidade a que se destina; caso contrário, admitir-se-ia um sacrifício desnecessário de valor constitucional. Finalmente, o subprincípio da proporcionalidade (ou da justa medida) determina que os fins alcançados pela medida devem, tudo visto e ponderado, justificar o emprego do meio restritivo; o contrário seria admitir soluções legislativas que importem um sacrifício líquido de valor constitucional».
Decorre do regime consagrado no artigo 148.º do Código da Estrada que a medida de cassação do título de condução, prevista na alínea c) do seu n.º 4, resulta da verificação da perda de aptidão de determinado condutor para conduzir veículos motorizados na via pública. A inaptidão não diz respeito à destreza física para a operação dos veículos, mas à capacidade efetiva do condutor, aferida com base no histórico de condução, para observar diligentemente as regras que estabelecem os requisitos de segurança e os padrões de cuidado na circulação rodoviária, visando a proteção de direitos e interesses com manifesta e intensa relevância constitucional. Veja-se que, nos temos do artigo 148.º, n.º 1, alíneas a) e b), só as contraordenações graves e muito graves determinam a perda de pontos e, dentro estas, com maior ênfase as contraordenações que se traduzam em manobras e comportamentos particularmente perigosos para a segurança da circulação rodoviária. No mesmo sentido, só os crimes puníveis com pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos do artigo 69.º do Código Penal – isto é, aqueles crimes que são reveladores de violação grosseira das regras de cuidado na condução automóvel –, implicam a perda de pontos. Em todos os casos – e este aspeto é de suma importância – estamos perante infrações cuja punição depende da imputação subjetiva ao agente de comportamentos típicos, umas vezes a título de dolo e outras de negligência, sempre mediante prova dos factos determinantes para o efeito.
8.4. Afigura-se que um regime nos termos do qual a perda da totalidade dos pontos seja condição suficiente para a cassação do título de condução satisfaz o teste da idoneidade ou adequação. Com efeito, a perda dos pontos é decorrência de uma comprovada infração culposa de de regras de cuidado no exercício da condução automóvel, a qual, pela sua gravidade e reiteração, permite antecipar um perigo acrescido para os bens jurídicos carecidos de tutela, o mesmo é dizer, inferir um estado de inaptidão do agente para a prática de condução diligente. É manifesto que a valoração desses comportamentos por via da subtração sucessiva de pontos de que cada condutor beneficia constitui uma forma perfeitamente adequada de determinar a inaptidão do seu agente para a condução de veículos motorizados. Ao mesmo tempo, a cassação do título de condução surge, pela sua própria natureza, como um instrumento legal adequado a obstar que um condutor cuja inaptidão foi determinada possa continuar a exercer a atividade, salvaguardando-se dessa forma os direitos e interesses em benefício dos quais o regime foi instituído.
O facto de a cassação do título depender somente da perda integral dos pontos, sem necessidade da ponderação de outros fatores que, pela sua natureza casuística e reserva de apreciação subjetiva, reduziriam a previsibilidade do efeito cassatório, constitui um poderoso fator de adequação da medida às finalidades de prevenção de comportamentos deletérios para a segurança rodoviária, na medida em que tal automaticidade de efeitos é uma garantia de certeza e objetividade. Ao poder calcular com precisão as consequências da sua conduta, ao saber que estas não dependem de valorações casuísticas e subjetivas, é razoável supor que aumenta significativamente a probabilidade de o agente corresponder aos incentivos que o regime se destina a produzir.
8.5. Também se afigura que a norma em apreciação satisfaz o teste da exigibilidade ou necessidade, dado que a cassação do título de condução por via apenas da perda dos pontos surge como uma medida de ultima ratio, num quadro em que o agente venha mostrando reiteradamente uma indisponibilidade para observar regras de condução diligente. Com efeito, deve notar-se que a cassação do título de condução apenas é decretada quando o condutor perca a totalidade dos pontos de que dispõe, o que exige a comprovação de vários comportamentos ilícitos e culposos num determinado lapso temporal; note-se ainda que nenhuma infração, nem mesmo de natureza criminal, implica, por si, a perda de todos os pontos. Por outro lado, decorre das alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada que, atingidos diversos patamares de subtração de pontos, o condutor terá de se sujeitar a medidas de formação e de avaliação das suas competências, por forma a obstar à consolidação de um quadro de inaptidão. Assim, a cassação do título de condução só surge em última linha, quando a gravidade e reiteração dos comportamentos lesivos da segurança rodoviária ultrapassa um certo limiar.
Acresce não se poder exigir ao legislador que consagrasse a possibilidade de, para além da ponderação da natureza e gravidade das infrações que originaram a perda de pontos e da sua idoneidade para relevar a inaptidão do seu agente para a prática da condução, tal como refletida na quantificação de pontos que cada uma subtrai ao acervo de cada condutor, introduzir um segundo nível de ponderação de fatores casuísticos, tal como indicados pelo recorrente – fatores esses que, de certo modo, permitissem fazer a contraprova da indiciação de inaptidão contida nas condenações geradoras da perda de pontos.
Como em praticamente todas as decisões que implicam a averiguação de factos e ponderação de variáveis, diversos graus de intensidade do escrutínio são possíveis. Os fatores relevantes para determinada decisão podem ser aferidos com graus crescentes de minúcia e de rigor; ora, se uma avaliação fina propicia, em princípio, uma decisão calibrada em função das características do caso concreto, também arrasta consigo inconvenientes de peso, como o aumento da morosidade, a complexidade dos procedimentos, a incerteza quanto aos efeitos do sistema, a perda de previsibilidade e uniformidade e a probabilidade mais ou menos significativa de erro de decisão. Ao adotar o sistema da «carta por pontos», tomando como variáveis decisivas a natureza e gravidade das infrações cometidas num certo período de tempo e a realização de ações geradoras de uma maior consciencialização para a necessidade de observância das regras de segurança rodoviária, o legislador atribuiu importância compreensível a considerações de simplicidade, objetividade e efetividade, que não seriam manifestamente servidas por um sistema de avaliação casuística. A medida não se mostra, pois, desnecessária ou inexigível.
Em todo o caso, deve salientar-se que esta matéria extravasa em larga medida o âmbito do presente recurso. O que gera a automaticidade que o recorrente contesta não é tanto a norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada – que apenas determina o limiar a partir do qual opera a medida de cassação –, mas sim a graduação de pontos em função da categoria da infração. De facto, ao alegar que o regime não permite valorar em concreto elementos associados às necessidades de prevenção especial e ao grau de culpa do agente – fatores que apenas relevam como critérios de fixação de sanções e não como instrumentos de aferição da aptidão para conduzir veículos –, o recorrente opõe-se menos ao artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, do que aos n.ºs 1 a 3 – não integrados no objeto do recurso −, pois são estes que estabelecem a relação entre pontos a subtrair e categorias de infrações.
8.6. Finalmente, resta averiguar se a norma em apreciação viola o subprincípio da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito.
A resposta é decididamente negativa.
Como se viu, a automaticidade da cassação do título de condução como consequência da totalidade da perda dos pontos atribuídos ao condutor justifica-se, por um lado, pela necessidade de acautelar que a condução de veículos na via pública é exercida por quem revele a idoneidade para o fazer e, por outro, pela simplicidade, objetividade e efetividade do sistema da «carta por pontos», que permite um grau elevado de realização das finalidades a que se destina. Acresce que a restrição sob escrutínio não é a medida de cassação do título de condução em si mesma considerada, mas somente na exclusão de outros fatores de ponderação que relevem de cada caso concreto. Ora, está longe de ser evidente que a carga ablativa do sistema da carta por pontos – que se traduz, no essencial, na probabilidade de ocorrência de «falsos positivos» − seja significativamente superior ao de um sistema de avaliação casuística e que, ainda que o fosse, tal não encontre justificação na sua eficácia ostensivamente acrescida.
Importa sublinhar que a cassação do título de condução, nas condições previstas na alínea c) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada, incorpora as principais variáveis de aferição da aptidão ou inaptidão do condutor para o exercício da atividade, como a gravidade e a frequência dos ilícitos praticados, o lapso do tempo em que se dê a respetiva ocorrência e o registo de ações de natureza corretiva. Trata-se, como é bom de ver, de um sistema gradual e matizado, que confere ao visado uma garantia de correspondência tendencial entre os factos valorados por via dos pontos a subtrair ou a adicionar e as consequências a eles associados, sendo certo que aqueles factos são adquiridos em procedimentos nos quais o arguido dispõe de meios adequados de defesa. Atendendo às suas múltiplas vantagens, o sistema parece encerrar um equilíbrio razoável entre o sacrifício imposto ao condutor e os direitos e interesses que se destina a salvaguardar, nomeadamente na dimensão específica da sua operação que temos vindo a apreciar, razão pela qual a norma sindicada consubstancia uma medida justificada de restrição da liberdade geral de ação compreendida no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, não violando as disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.
9. Apreciemos agora a segunda questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, que consiste em saber se a determinação da cassação do título de condução constitui uma segunda condenação do respetivo titular, violando a proibição do non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.
A argumentação do recorrente supõe que a determinação da cassação do título de condução corresponde a uma «dupla condenação», dado que o visado já teria sido condenado anteriormente em penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor pelos mesmos factos que deram origem à perda de pontos. No seu entender, o princípio do non bis in idem tem por finalidade assegurar a paz jurídica do visado e limitar o poder punitivo do Estado, impedindo que o mesmo facto − ou o mesmo «pedaço de vida» − seja valorado duas vezes, em processos distintos, com vista a uma dupla sanção.
A proibição de duplo julgamento ou valoração de factos com relevância penal não se confunde com a proibição de valorar multiplamente factos em sentido naturalístico, deles retirando uma pluralidade de consequências jurídicas. Basta, para o demonstrar, considerar a responsabilidade civil conexa com a criminal ou, mesmo no plano puramente penal, a admissibilidade do concurso ideal de crimes. O que o n.º 5 do artigo 25.º proíbe, como se salientou no recente Acórdão n.º 298/2021, é tanto a aplicação ao mesmo agente de uma dupla sanção pelos mesmos factos penalmente relevantes, como a respetiva sujeição a um segundo julgamento por factos penalmente relevantes relativamente aos quais haja sido já definitivamente julgado.
Não é esse o alcance da norma sob apreciação.
Em primeiro lugar, importa salientar que, ainda que no caso vertente os factos que conduziram à perda dos pontos do aqui recorrente e, por isso, à cassação da sua carta de condução, tenham sido condenações pela prática de crimes, essa é uma circunstância puramente acidental e que não se projecta na norma em apreciação.
Em segundo lugar, os factos relevantes para a decisão de cassação, segundo o critério previsto no artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, e que são objeto de apreciação no procedimento previsto no seu n.º 10, são apenas os factos geradores da perda dos pontos, isto é, a definitividade de condenações por determinadas categorias de ilícitos contraordenacionais ou criminais, com abstração dos factos que estiveram na base dessas condenações. Tais factos – os factos que se traduzem no ilícito criminal ou contraordenacional gerador da perda dos pontos – não são reapreciados nem julgados no processo de cassação, que se limita a extrair consequências de âmbito não penal dos diversos atos de condenação.
Em terceiro lugar, a cassação do título de condução não se traduz numa dupla sanção pelos mesmos factos penalmente relevantes. Com efeito, ao contrário do que sucede, por exemplo, com a medida de segurança de cassação do título e de interdição da concessão do título de condução de veículo com motor, prevista no artigo 101.º do Código Penal e aplicável a delinquentes imputáveis, cujo decretamento constitui uma consequência jurídica de um crime, determinada no âmbito do processo penal, a cassação do título de condução por efeito da perda dos pontos, prevista no artigo 148.º, n.º 4, alínea c), do Código da Estrada, constitui uma medida administrativa de revogação de uma licença necessária à prática de uma atividade e que constitui o efeito, não da prática de uma infração criminal e do exercício estatal do ius puniendi, mas da verificação de que o seu beneficiário deixou de reunir as condições de aptidão que estiveram na base da sua concessão.
É certo que a condenação pela prática de crimes punidos com a pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal constitui um facto gerador de perda de pontos. Contudo, essa conexão é meramente reflexa, não só porque nenhuma condenação criminal, por si só, desencadeia a cassação prevista no artigo 148.º do Código da Estrada – nem o recorrente integrou tal questão no objeto do recurso –, como porque os critérios relevantes para essa cassação não se extraem dos factos que tipificam ilícitos criminais, mas sim da reiteração das condenações criminais ou contraordenacionais e da forma como elas revelam a incapacidade do condutor para observar as normas legais que garantem a segurança rodoviária.
Em suma, a norma sindicada não implica, nem que o condutor seja julgado novamente pelos mesmo factos, nem que por eles seja duplamente punido, pelo que não ocorre violação alguma do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.
10. Resta apreciar a terceira questão de constitucionalidade, que consiste em saber se a circunstância de o decretamento da cassação do título de condução, ao implicar automaticamente a proibição de condução dos veículos por ele abrangidos, viola o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, designadamente por dificultar ao seu titular o exercício do direito ao trabalho.
O recorrente alega que a cassação do título de condução, tal como prevista no artigo 148.º do Código da Estrada, constitui o efeito necessário de uma pena criminal, dado que o seu decretamento dispensa qualquer apreciação de circunstâncias concretas reveladoras de inaptidão para o exercício da condição.
Para responder a esta argumentação, deve começar por notar-se que não está aqui em causa – e não pode estar – a norma que estabelece a conexão fixa entre a condenação (ou a sujeição a suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 281.º do Código de Processo Penal) do condutor pela prática de certas categorias de ilícitos contraordenacionais e criminais e a perda de determinado número pontos, visto que tal matéria é exclusivamente regulada nos n.ºs 1 a 3 do artigo 148.º do Código da Estrada, que o recorrente não integrou no objeto do recurso. Com efeito, o n.º 4 apenas estabelece as diversas consequências associadas às perdas dos pontos, abstraindo das causas subjacentes. Por outro lado, o n.º 10 estabelece somente que o procedimento conducente à cassação do título de condução é autónomo daqueles que deram origem às perdas de pontos e apenas terá lugar quando suceda a perda total dos pontos atribuídos ao título de condução. Tendo em consideração este aspeto, a questão não pode ser aqui apreciada com a amplitude com que o recorrente a concebe.
Em todo o caso, vale a pena sublinhar que, mesmo nos casos em que – acidentalmente − a perda integral dos pontos do condutor seja consequência de subtrações exclusivamente fundadas nos termos do n.º 2 do artigo 148.º do Código da Estrada, é sempre o resultado cumulativo de diversas subtrações de pontos, imputáveis a mais do que um comportamento. Com efeito, o mecanismo previsto no artigo 148.º, n.º 4, comporta um escalonamento progressivo de consequências, em virtude das sucessivas subtrações de pontos que se forem sucedendo e que podem ser mitigadas pelas medidas aí previstas ou pelo mero decurso do tempo sem a prática de infrações. Tal evidencia que a decisão de cassação supõe um juízo próprio, distinto daqueles que estiveram na base das infrações às quais a lei associa a perda de pontos, juízo esse que, ainda que determinado exclusivamente pela aritmética da perda de pontos, incide precisamente sobre as condições de aptidão do visado para o exercício da condução. Não se trata, pois, de nenhum efeito automático da condenação penal, mas de um efeito jurídico produzido num ambiente normativo diverso e obediente a uma teleologia própria.
Por fim, é de reconhecer que a cassação do título de condução se traduz numa inadmissibilidade de conduzir na via pública os veículos para os quais tal título habilitava o seu titular e que essa proibição é passível de dificultar o exercício de uma variedade de atividades, designadamente laborais. Porém, da circunstância de ter esses efeitos, que são inerentes à própria natureza da medida de cassação e sem os quais as finalidades que presidem à sua aplicação se esvaziariam, não se segue que a cassação seja um efeito automático de uma pena; ou que a cassação, por sua vez, implique a perda de quaisquer outros direitos que não o de conduzir na via pública os veículos mencionados no título cassado. Para além disso, reitere-se que a aplicação da medida de cassação se inscreve num sistema gradativo de consequências, que comporta vários elementos de ponderação em favor e desfavor do condutor, pelo que está longe de poder ser vista, mesmo no ambiente normativo em que se insere, como de aplicação puramente automática.
Resta, por tudo quanto se disse, negar provimento ao recurso.
11. Por decair no presente recurso, é o recorrente responsável pelo pagamento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da LTC. Ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, afigura-se adequado e proporcional fixar a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 148.º, n.º 4, alínea c) e n.os 10 e 11, do Código da Estrada, na redação dada pela Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto.
b) Em consequência, negar provimento ao recurso.
c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 17 de fevereiro de 2022 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers
Atesto o voto de conformidade do Senhor Conselheiro Lino Ribeiro, que participa na sessão por meios telemáticos.
Gonçalo Almeida Ribeiro