ACÓRDÃO Nº 89/2022
Processo n.º 618/2021
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. Interpõe o presente recurso o Exmo Magistrado do Ministério Público (doravante, o recorrente), com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), confrontado que foi com a decisão de recusa de fls. 24/30, que adiante será transcrita no item 1.2.. São, pois, as incidências processuais conducentes a esse recurso que seguidamente relataremos.
1.1. Em 15/06/2021, A., pai de B., aluna do 11.º ano de escolaridade, recebeu da diretora de turma desta uma comunicação com o seguinte teor:
“[…]
Venho informar-vos [de] que, após confirmação de um caso de Covid na turma, a escola recebeu, da parte do Delegado de Saúde, a seguinte indicação: a turma deverá ficar em isolamento profilático e aguardar o contacto da equipa de saúde pública para realização da pesquisa de Sars-Cov2. […].
[…]” (sublinhado acrescentado).
Nesse mesmo dia, A. recebeu um telefonema de uma pessoa que se apresentou como representante da saúde Pública de Torres Vedras dizendo que B. deveria manter-se em isolamento profilático durante 10 dias e realizar dois testes PCR, estando um agendado para o dia 16/06/2021 e o outro para o dia 24/06/2021 e que independentemente do resultado do teste ser positivo ou negativo, a mesma B. não poderia sair do quarto, apenas usar a casa de banho ou sair para ir realizar os testes. No dia 16/06/2021, B. telefonou à linha de Saúde 24, sendo informada de que deveria ficar em isolamento profilático desde o dia 15/06/2021 até ao dia 27/06/2021.
1.2. A. requereu, então, em representação de B., junto do Juízo Local Criminal de Torres Vedras, a sua libertação imediata, mediante a providência de habeas corpus prevista no artigo 220.º do Código de Processo Penal (CPP). O processo correu os seus termos naquele juízo com o número 1102/21.5T8TVD e culminou na prolação de uma decisão cujo dispositivo é o seguinte:
“[…]
Pelo exposto:
a) declaro inconstitucional, material e organicamente, por violação dos artigos 18.º, 27.º, 31.º, 112.º, 119.º, 161.º, 164.º, 166.º, 198.º, 199.º e 200.º da CRP, a norma contida no artigo 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não em território nacional, poderá ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial.
Em consequência:
b) declaro ilegal a ordem de privação de liberdade de B..
c) determino a imediata restituição à liberdade de B.. […]” (sublinhado acrescentado).
Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:
“[…]
O Estado português subordina-se à constituição, dependendo a validade das leis e dos demais atos do Estado da sua conformidade à Constituição – artigo 3.º da CRP. Constitui tarefa fundamental do Estado, entre outras, garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático – artigo 9.º/b) da CRP.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – artigo 18.º/2 da CRP.
Todos têm direito à liberdade e à sua segurança e ninguém pode ser privado da liberdade a não ser em consequência de condenação judicial por violar a lei, estando apenas previsto o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente – artigo 27.º, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP.
Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição – artigo 19.º, n.º 1, da CRP. O decretamento do estado de emergência, único mecanismo constitucional que permite a suspensão de direitos, liberdades e garantias, envolve três órgãos de soberania, a saber o Presidente da República que o convoca, a Assembleia da República que o aprova, e o Governo da República que o executa (cf. artigo 17.º da Lei n.º 44/86, de 30.09, regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência).
Em Portugal cessou o estado de emergência, estando por isso vedada a suspensão do direito à liberdade, com aquele fundamento.
As restrições de direitos, liberdades e garantias constitucionais, previstas e admitidas no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, e sujeitas aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, constituem matéria da competência da reserva relativa de competência da Assembleia da República, pelo que apenas podem operar por lei da Assembleia da República, ou então por decreto lei do governo, dispondo este de lei de autorização legislativa do Parlamento.
Verifica-se que o diploma que confere poderes ao Delegado de Saúde e, provisoriamente, à Saúde 24 para determinar o isolamento profilático dos cidadãos, é a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021.
Ora as resoluções do Conselho de Ministros são resoluções produzidas no âmbito da competência administrativa do Governo (art. 199.º da CRP), pelo que não poderá produzir efeitos no sentido da criação de regimes excecionais que alterem o regime de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente ficado.
Assim, a interpretação que tem vindo a ser feita pela autoridade de saúde no sentido de que o estabelecido no art. 25.º da referida resolução permitiria a imposição aos cidadãos de um regime excecional de privação da liberdade apresenta-se como material e organicamente inconstitucional.
Deste modo, não importa, sequer, apreciar a questão material do conflito de deveres, em que certamente o conforto da B., bem como quezílias familiares relativas a uma casa em que o requerente, por sua livre iniciativa, resolveu ocupar, claudicariam face ao estado de calamidade pública em que nos encontramos, com os números de infetados pelo vírus a subir todos os dias, em especial na zona de Lisboa e Vale do Tejo em que nos encontramos e que resultaram, no dia de hoje, num retrocesso no desconfinamento desta zona.
Contudo, e porque apesar de tudo, o primeiro dever do Tribunal é respeitar a lei e a constituição -compreendendo que a compressão do direito constitucionalmente consagrado da liberdade tem de obedecer a estas, sob pena de, não acontecendo, estarmos a seguir por caminhos perigosos - nada mais resta do que declarar procedente o presente habeas corpus.
[…]” (sublinhados acrescentados).
1.2.1. Como antes referimos, desta decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo o recurso por objeto a norma contida no “artigo 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não no território nacional, [poder] ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial”.
1.2.2. O recurso foi admitido no Juízo Local Criminal de Torres Vedras, com efeito devolutivo.
1.2.3. No Tribunal Constitucional, foi determinada a notificação das partes para alegarem. Só o Ministério Público apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
“[…]
48. O Ministério Público interpôs, em 24 de junho de 2021, a fls. não numeradas dos autos supraepigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor da douta decisão judicial de fls. 23 a 30, proferida pelo Juízo Local Criminal de Torres Vedras – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Processo n.º 1102/21.5T8TVD, “(…) nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, al. f), e n.º 2, do Estatuto do Ministério Público, 280.º, n.º 1, al. a), e n.º 3m da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, al. a), 71º, n.º 1, 72.º, n.º 1 e n.º 3, e 75.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 novembro”.
49. Este recurso tem como objeto a douta decisão que “(…) declarou «inconstitucional, material e organicamente (...) a norma contida no art.º 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não em território nacional, poderá ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial»”.
50. Os parâmetros de constitucionalidade cuja violação se invoca são os constantes dos “(…) artigos 18.º, 27.º, 31.º, 112.º, 119.º, 161.º, 164.º, 166.º, 198.º, 199.º e 200.º da CRP”.
51. Antes de iniciarmos a nossa apreciação da questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos, não poderemos deixar de mencionar que, apesar de se nos afigurar que o preceito cuja aplicação foi recusada pela douta decisão impugnada pode não se revelar o mais adequado recetáculo para a interpretação normativa desaplicada nos autos, não deixaremos de nos pronunciar sobre a conformidade constitucional desta (independentemente da sua consubstanciação regulamentar) com os parâmetros constitucionais invocados.
52. Na verdade, afigura-se-nos evidente que o preceito regulamentar convocado pela M.ma Juíza “a quo” como continente da norma jurídica desaplicada – artigo 25.º do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril – não se revela idóneo para, adequada e precisamente, acomodar o comando jurídico controvertido.
53. Dito isto, e atento o acabado de expor, reproduziremos, no essencial, as alegações que elaborámos no âmbito do Processo n.º 504/21, desta 1.ª Secção, incidentes sobre norma infraconstitucional semelhante à desaplicada nos presentes autos embora corporizada na alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º, do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril.
54. Para tanto, se atendermos ao teor da douta sentença, suprarreproduzida nas suas componentes relevantes, apuramos que a Mm.ª Juíza “a quo” decidiu julgar procedente o pedido de habeas corpus formulado por A., em representação da sua filha menor B., por julgar contrária à Constituição, designadamente ao disposto nos seus “art.s 18.º, 27.º, 31.º, 112.º, 119.º, 161.º, 164.º, 166.º, 198.º, 199.º e 200.º da CRP”, “a norma contida no art.º 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não em território nacional, poderá ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial»”, a coberto da qual foi a requerente privada da liberdade.
55. Acontece que, muito embora a douta decisão impugnada declare, expressamente, a inconstitucionalidade da norma desaplicada com fundamento em desconformidades materiais e orgânicas, omite, na sua fundamentação, e mesmo no segmento decisório, qualquer referência paramétrica que justifique cabalmente a sua conclusão quanto à violação da descortinada violação da competência de órgão constitucional.
56. Sem prejuízo do acabado de sublinhar, procuraremos refletir sobre as desconformidades constitucionais – material e orgânica – imputadas pela douta decisão impugnada à norma coincidente com a ínsita no artigo 3.º, n.º 1, do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, confrontando-a, contudo, com o teor do comando contido na alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, no que concerne à inconstitucionalidade orgânica e com o teor do princípio da liberdade plasmado no artigo 27.º, da Lei Fundamental, no que concerne à inconstitucionalidade material.
57. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, de cujo Regime anexo consta a norma encerrada na disposição sob escrutínio vigorou, por força do disposto nos seus Números 1 e 16, entre as 0:00 horas do dia 1 de maio de 2021 e as 23:59 horas do dia 16 de maio de 2021 – tendo sucedido à Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-A/2021, de 15 de abril, que regulamentou o Estado de Emergência declarado por meio do Decreto do Presidente da República n.ºs 41-A/2021, de 14 de abril.
58. Tal resolução, que agora nos ocupa - a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, continente do regime anexo do qual consta a norma sob análise – instituiu uma situação de calamidade em todo o território nacional (pese embora o prescrito no artigo 2.º do Regime Anexo), ao abrigo do disposto, para além do mais, no “artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do n.º 6 do artigo 8.º e [n]o artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual”, ou seja, respetivamente, na Lei que institui o Sistema de Vigilância em Saúde Pública e na Lei de Bases da Proteção Civil.
59. Com este respaldo, emitiu o Governo a norma ínsita na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Regime da situação de calamidade anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, a qual permite confinar obrigatória e coercivamente, em estabelecimento de saúde, no respetivo domicílio ou noutro local definido pelas autoridades de saúde, “os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa”, admitindo a restrição do direito à liberdade dos cidadãos que viessem a estar sujeitos à mencionada «vigilância ativa».
60. O confinamento de uma pessoa física ao espaço de um estabelecimento de saúde, do respetivo domicílio ou de qualquer outro local definido pelas autoridades de saúde constitui, sem dúvida, mais do que uma mera compressão, uma restrição à liberdade física, a liberdade de movimentos corpóreos ou, nas palavras de outros autores, à «liberdade de ir e vir».
61. Assim, não poderemos deixar de concluir que a norma suspeita consagra uma privação da liberdade não excecionada pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, e que, por conseguinte, viola materialmente o direito à liberdade proclamado no n.º 1 deste mesmo artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa.
62. Todavia, ainda que não adotemos este entendimento e aceitemos que o direito à liberdade pode ser, sem ofensa do Texto Fundamental, restringido, por lei, se colidente com outros direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos concretamente prevalecentes, em situações distintas das elencadas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de considerar se tal compressão pode ser decidida pelo Governo (por meio de Resolução do Conselho de Ministros) sem autorização da Assembleia da República.
63. De acordo com o prescrito no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre (…) [d]ireitos, liberdades e garantias”, não existindo qualquer dúvida, designadamente pela sua inserção sistemática, que o Governo, ao estipular sobre restrições ao direito à liberdade consagrado no artigo 27.º da Constituição da República Portuguesa, legislou, sem, para tal, ter obtido autorização parlamentar, sobre matéria de direitos, liberdades e garantias, integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
64. Na verdade, a Assembleia da República nunca autorizou, em qualquer momento relevante, o Governo a legislar sobre o poder de confinamento de uma pessoa física ao espaço de um estabelecimento de saúde, do respetivo domicílio ou de qualquer outro local definido pelas autoridades de saúde.
65. Assim, torna-se evidente ter o Governo legislado sobre matéria excluída da sua competência constitucional, em violação do disposto no já mencionado artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, o que consubstancia, à partida, uma inconstitucionalidade orgânica porque violada uma norma de competência.
66. Por isso, e mais uma vez, ao legislar, sem obtenção de autorização parlamentar, sobre o direito à liberdade, restringindo-o, o Governo invadiu a esfera da competência exclusiva da Assembleia da República e, por isso mesmo, feriu com a inconstitucionalidade orgânica a norma ínsita no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, constritora do confinamento obrigatório.
67. Assim, atento o agora explanado, não pode o recorrente Ministério Público deixar de concluir que a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se revela, material e organicamente, violadora da Constituição da República Portuguesa, designada e respetivamente do princípio do direito à liberdade ínsito no artigo 27.º, n.º 1; e do prescrito na alínea b), do seu artigo 165.º.
68. Por força do exposto, deverá o Tribunal Constitucional tomar decisão no sentido de julgar orgânica e materialmente inconstitucional a norma inscrita no artigo 25.º, do Regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, “se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não em território nacional, poderá ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial”, negando, assim, provimento ao presente recurso.
[…]” (sublinhados acrescentados).
Cumpre apreciar e decidir o recurso.
II – Fundamentação
2. O recorrente indicou como objeto do recurso, no respetivo requerimento de interposição, a norma contida no “artigo 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, se interpretada no sentido de qualquer cidadão, nacional ou estrangeiro, residente ou não no território nacional, [poder] ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial”. Prefigura-se, todavia – como o próprio recorrente não deixou de assinalar (cfr. as conclusões vertidas sob os pontos 51. e 52. – item 1.2.3., supra) – uma questão prévia atinente à rigorosa delimitação do objeto do recurso.
2.1. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, aprovada em reunião do Conselho de Ministros de 29/04/2021 e publicada no 1.º Suplemento do Diário da República, série I, n.º 84, de 30/04/2021, declarou a situação de calamidade em todo o território nacional continental, até às 23h59m do dia 16/05/2021, e aprovou, em anexo, o respetivo regime (observa-se que, no Diário da República, a referida resolução foi publicada como “Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021” e não como “Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril”, não obstante o disposto no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, pelo que se usará, doravante, a designação tal como foi publicada).
O artigo 25.º do regime da situação de calamidade anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 tem a seguinte redação:
Artigo 25.º
Regras aplicáveis ao tráfego aéreo em matéria de confinamento obrigatório
1 – Os passageiros dos voos com origem em países que integrem a lista a definir nos termos do n.º 4, devem cumprir, após a entrada em Portugal continental, um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde.
2 – O disposto no número anterior é ainda aplicável aos passageiros de voos com origem inicial na África do Sul, no Brasil e na Índia, que tenham feito escala ou transitado noutros aeroportos, e aos passageiros de voos, independentemente da origem, que apresentem passaporte com registo de saída da África do Sul, do Brasil ou da Índia nos 14 dias anteriores à sua chegada a Portugal.
3 – Estão excecionados do disposto nos números anteriores, devendo limitar as suas deslocações ao essencial para o fim que motivou a entrada em território nacional, os passageiros que:
a) Se desloquem em viagens essenciais e cujo período de permanência em território nacional, atestado por bilhete de regresso, não exceda as 48 horas;
b) Se desloquem em viagens essenciais no âmbito dos eventos organizados pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, independentemente do período de permanência;
c) Se desloquem exclusivamente para a prática de atividades desportivas integradas em competições profissionais internacionais, constantes de lista a definir nos termos do número seguinte, desde que garantido o cumprimento de um conjunto de medidas adequadas à redução máxima de riscos de contágio, nomeadamente evitando contactos não desportivos, e a observância das regras e orientações definidas pela DGS.
4 – Os membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil determinam, mediante despacho, a lista dos países a que se refere o n.º 1 e a lista de competições desportivas a que se aplica o disposto na alínea c) do número anterior.
5 – As companhias aéreas remetem, no mais curto espaço de tempo, sem exceder 24 horas após a chegada a Portugal continental, às autoridades de saúde a listagem dos passageiros provenientes de voos, diretos ou com escala, com origem nos países que integram a lista prevista no número anterior, com vista a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º.
6 – No âmbito da fiscalização do cumprimento do disposto no presente artigo, compete ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) verificar o país de origem dos passageiros ou onde estes realizaram o teste molecular por RT-PCR, comunicando-o informaticamente às autoridades de saúde.
Pela mera leitura do artigo 25.º do regime da situação de calamidade anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021 resulta evidente que o referido preceito nada tem que ver com a hipótese dos autos. Diz respeito ao confinamento de passageiros de voos com chegada em Portugal, sendo que o presente processo diz respeito ao confinamento de uma aluna de uma escola determinado pela autoridade de saúde.
Verifica-se, pois, um lapso notório na indicação do preceito do qual se extrai a norma recusada. A decisão recorrida pretendia, certamente, referir-se ao artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, com o seguinte teor:
Artigo 3.º
Confinamento obrigatório
1 – Ficam em confinamento obrigatório, em estabelecimento de saúde, no domicílio ou, não sendo aí possível, noutro local definido pelas autoridades competentes:
a) Os doentes com COVID-19 e os infetados com SARS-CoV2;
b) Os cidadãos relativamente a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde tenham determinado a vigilância ativa.
2 – As autoridades de saúde comunicam às forças e serviços de segurança do local de residência a aplicação das medidas de confinamento obrigatório.
3 – De acordo com a avaliação da situação epidemiológica e do risco concreto, da responsabilidade da administração regional de saúde e do departamento de saúde pública territorialmente competentes, os cidadãos sujeitos a confinamento obrigatório podem ser acompanhados para efeitos de provisão de necessidades sociais e de saúde, mediante visita conjunta da proteção civil municipal, dos serviços de ação social municipais, dos serviços de ação social do Instituto da Segurança Social, I. P., das autoridades de saúde pública, das unidades de cuidados e das forças de segurança bem como, mediante despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde e da área setorial respetiva, quaisquer outros serviços, organismos, entidades ou estruturas da administração direta ou indireta do Estado.
Perante os fundamentos de facto e de direito da decisão recorrida, resulta evidente que a requerente de habeas corpus se encontravam na situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º e que não foram relevantes as disposições do artigo 25.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021.
Aceitar – e reiterar – o lapso, colocaria o Tribunal na posição, inaceitável, de formular um juízo de inconstitucionalidade referido a um preceito notoriamente deslocado da realidade material subjacente. Impõe-se, pois, corrigi-lo oficiosamente.
Assim, não obstante a recusa formal de aplicação do artigo 25.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, a verdade é que, substancialmente, foi recusada a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º desse mesmo diploma. Por outro lado, as referências a cidadão “nacional ou estrangeiro” e “residente ou não no território nacional” não respeitam a incidências relevantes do caso concreto, decorrendo certamente do aproveitamento do texto de uma decisão efetivamente respeitante ao artigo 25.º. São, por esse motivo, irrelevantes.
Constitui, pois, objeto do recurso, rigorosamente, a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, na interpretação segundo a qual qualquer cidadão pode ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial.
2.2. Importa contextualizar o diploma que contém a norma sub judice na sucessão de atos normativos relativos à pandemia da doença Covid-19.
Pelo Despacho n.º 2836-A/2020, de 2 de março, da Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Ministra da Saúde, foi determinado que os empregadores públicos elaborassem um plano de contingência alinhado com as orientações emanadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS), no âmbito da prevenção e controlo de infeção por SARS-CoV2. No Despacho n.º 2875-A/2020, de 3 de março, da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Ministra da Saúde, adotaram-se medidas para acautelar a proteção social dos beneficiários que se encontrassem impedidos, temporariamente, do exercício da sua atividade profissional por ordem da autoridade de saúde, devido a perigo de contágio.
Entretanto, foi determinada a suspensão de alguns voos provenientes de Itália (Despacho n.º 3186-C/2020 e Despacho n.º 3186-D/2020, publicados em 10 de março).
Pelo Despacho n.º 3298-B/2020, de 13 de março, do Ministro da Administração Interna e da Ministra da Saúde, foi declarada a situação de alerta em todo o território nacional até 9 de abril de 2020. Na mesma data, através do Despacho n.º 385/2020, da Secretária Regional da Saúde, foi declarada a situação de alerta em todo o território da Região Autónoma do Açores, até ao dia 31/03/2020, inclusive.
Ainda na mesma data, para além da ser determinada a interdição do desembarque e licenças para terra de passageiros e tripulações dos navios de cruzeiro nos portos nacionais (Despacho n.º 3298-C/2020), foi aprovado em Conselho de Ministros um conjunto de medidas relativas à situação epidemiológica (Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020) e publicado o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus. Na sequência dos diplomas publicados em 13/03/2020, foram adotadas diversas medidas destinadas a conter a transmissão do vírus SARS-CoV2.
Em 18/03/2020, foi declarado o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública (Resolução da Assembleia da República n.º 15-A/2020, de 18 de março, e Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março). A declaração do estado de emergência foi sendo sucessivamente renovada, vigorando até 02/05/2020.
O Governo declarou, então, a situação de calamidade, que vigorou em todo o território continental até 26/06/2020 (Resoluções do Conselho de Ministros n.os 33-A/2020, 38/2020, 40-A/2020 e 43-B/2020). Entre 27/06/2020 e 31/07/2020, coexistiram, em Portugal continental, em diferentes regiões, a situação de calamidade, a situação de contingência e a situação de alerta (Resoluções do Conselho de Ministros n.os 51-A/2020 e 53-A/2020). Entre 01/08/2020 e 11/09/2020, coexistiram, no mesmo território, em diferentes regiões, a situação de contingência e a situação de alerta (Resoluções do Conselho de Ministros n.os 55-A/2020, 63-A/2020 e 68-A/2020). Entre 12/09/2020 e 08/11/2020, vigorou em todo o território nacional continental a situação de contingência (Resoluções do Conselho de Ministros n.os 70-A/2020, 81/2020, 88-A/2020 e 92-A/2020).
Foi novamente declarado o estado de emergência, desde 09/11/2020 (Resolução da Assembleia da República n.º 83-A/2020, de 6 de novembro, e Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro), coexistindo com a situação de calamidade até 23/11/2020 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-B/2020). A declaração do estado de emergência foi sendo sucessivamente renovada, vigorando até 30/04/2021.
Foi novamente declarada a situação de calamidade, com efeitos a partir de 01/05/2021, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, que contém a norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida.
2.3. Como assinala o recorrente, “embora a douta decisão impugnada declare, expressamente, a inconstitucionalidade da norma desaplicada com fundamento em desconformidades materiais e orgânicas, omite, na sua fundamentação, e mesmo no segmento decisório, qualquer referência paramétrica que justifique cabalmente a sua conclusão quanto à violação da descortinada violação da competência de órgão constitucional”.
De todo o modo, há que notar que a requerente da providência de habeas corpus foi sujeita a confinamento obrigatório por decisão de 15/06/2021, altura em que já não vigorava a declaração do estado de emergência (declarado inicialmente pelo Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de novembro, e renovada, pela última vez, pelo Decreto do Presidente da República n.º 41-A/2021, de 14 de abril, até 30/04/2021, após o que vigorou a situação de calamidade declarada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021).
Assim, não concorrem para o enquadramento jurídico-constitucional do caso que ora se aprecia as normas relativas ao estado de emergência. Por outro lado, a “situação de calamidade” não tem relevância constitucional para efeitos de suspensão de direitos, liberdades e garantias, relevando para esse efeito apenas a “calamidade” que funda a declaração do estado de emergência (artigo 19.º, n.º 2, da Constituição) – “[o] estado de emergência constitucional é declarado com o objetivo de promover o regresso à normalidade. A situação de calamidade administrativa visa o mesmo objetivo, mas, em vez de atuar por via da suspensão dos direitos fundamentais, persegue-o no âmbito de um quadro legislativo que envolve restrições específicas e predefinidas desses mesmos direitos” (Miguel Nogueira de Brito, Modelos de emergência no direito constitucional, revista e-Pública, vol. 7, n.º 1, abril de 2020, disponível em www.e-publica.pt, p. 8; sobre alguns problemas normativos em estado de emergência, v., ainda, Pedro Lomba, Constituição, estado de emergência e administração sanitária: alguns problemas, revista e-Pública, cit., pp. 28/43, e Catarina Santos Botelho, “Estados de exceção constitucional: estado de sítio e estado de emergência”, in Carla Amado Gomes e Ricardo Pedro (eds.), Direito Administrativo de Necessidade e de Exceção, Lisboa, 2020, pp. 9/57, disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3619217; v., ainda, o Acórdão n.º 424/2020, ponto 2.2.).
Perante este quadro, vejamos se a inconstitucionalidade afirmada na decisão recorrida deve ter-se por verificada, tendo em conta, antes de mais, os parâmetros com relação mais próxima do enquadramento de facto e de direito do caso em apreço.
2.4. No Acórdão n.º 424/2020 – numa hipótese que apresenta diversos pontos de contacto com a dos presentes autos – o Tribunal decidiu “[j]ulgar inconstitucionais as normas contidas nos pontos 1 a 4 e 7 da Resolução do Conselho do Governo n.º 77/2020 e nos pontos 3, alínea e), e 11 da Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, nos termos das quais se impõe o confinamento obrigatório, por 14 dias, dos passageiros que aterrem na Região Autónoma dos Açores, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, por referência ao artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa”. Esta decisão assentou nos fundamentos seguintes:
“[…]
2.2.1. A alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição prevê o seguinte:
Artigo 165.º
(Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
b) Direitos, liberdades e garantias;
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Esta previsão “[…] inclui seguramente a regulamentação de todos os direitos enunciados no Título II da Parte I da Constituição [contêm-se neste título os artigos 24.º a 57.º] […]. A reserva de competência legislativa da AR nesta matéria vale não apenas para as restrições (art. 18.º), mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 327; no mesmo sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. II, 2.ª ed., Lisboa, 2018, p. 544).
Trata-se de um entendimento pacificamente consolidado na jurisprudência constitucional, entendendo-se que (tomando de empréstimo as palavras do Acórdão n.º 362/2011):
“[…]
[T]odo o regime dos direitos, liberdades e garantias está englobado na reserva relativa de competência da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. b), da CRP). Nestes termos, todas as normas disciplinadoras de um qualquer direito desta natureza carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República. Esta exigência ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito.
[…]”.
Impõe-se, pois, verificar se as normas que estão em causa nos presentes autos disciplinam um dos “direitos, liberdades e garantias” previstos na Constituição.
2.2.2. Estabelece o artigo 27.º da Constituição:
Artigo 27.º
Direito à liberdade e à segurança
1 – Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2 – Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3 – Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
No Acórdão n.º 479/94, o Tribunal pronunciou-se sobre o sentido da norma do artigo 27.º da Constituição nos termos seguintes:
“[…]
A norma do artigo 27.º da Constituição é particularmente exigente em relação às restrições que consente ao direito fundamental nela consagrado, impondo ao legislador um grau de vinculação muito intenso.
Antes ainda da revisão constitucional de 1982, Figueiredo Dias considerava que "nenhuma ordem jurídica pode viver e manter-se sem a utilização de certas medidas que obriguem fisicamente as pessoas a apresentarem-se a certos atos ou a submeterem-se a certas formalidades", sustentando não encontrar qualquer óbice a que, "para além da prisão preventiva, seja constitucionalmente admissível a detenção, a custódia, a guarda à vista ou a vinculação de presença. Ponto é que, naturalmente, a aplicação de tais medidas seja contida dentro de um estrito princípio de necessidade e de proporcionalidade e seja revestido de efetivas garantias, nomeadamente quanto à sua judicialidade tendencialmente imediata nos casos em que a situação de restrição ou privação da liberdade deva manter-se" (cfr. "A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais", Livros Horizonte, 1981, pp. 86 e 87).
Mas, como já se observou, as revisões constitucionais não alargaram significativamente o quadro das exceções ao princípio do direito à liberdade, havendo até, a revisão de 1982, introduzindo uma alteração na regra do n.º 2 em termos de lhe emprestar, se não um acréscimo, ao menos uma acrescida precisão na garantia ali consagrada.
Neste contexto jurídico-constitucional tem sido reconhecido pela doutrina como de "duvidosa constitucionalidade" a consagração legal de uma medida de detenção para fins exclusivos de identificação, quando a identificação não puder ser de imediato provada (cfr. Maia Gonçalves, ob. cit., pp. 319 e 324 e João Castro e Sousa, Os meios de coação no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, pp. 160 e 161).
Com efeito, o procedimento de identificação a que se reporta o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto sob exame, ao permitir que se imponha aos identificandos, com base em exclusivas razões de segurança interna, uma permanência num posto policial que pode prolongar-se até seis horas, há de considerar-se como uma privação total da liberdade não cabível no quadro das exceções que taxativa e tarifadamente a Constituição prevê.
Tem-se por inaceitável o entendimento de que a privação da liberdade assim verificada possa ser entendida como mera restrição da liberdade, implicando tão só um condicionamento da liberdade ambulatória dos identificandos autorizado no quadro das restrições consentidas pela Constituição em sede de direitos, liberdades e garantias.
E tem-se por inaceitável, porque a norma sob sindicância na sua “máxima dimensão abstrata” – permanência coativa até seis horas em posto policial para efeito de identificação por razões de segurança interna – (e só esta aqui importa considerar, sendo de todo irrelevante, dentro da delimitação do objeto do pedido, a consideração de outras hipotéticas dimensões), se traduz manifestamente numa privação da liberdade, numa privação total da liberdade, já que o identificando durante este lapso temporal fica circunscrito ao espaço confinado das instalações de um posto policial, de todo impedido de circular e de livremente se movimentar.
Independentemente da questão de se averiguar, com inteiro rigor dogmático, qual a diferença de natureza ou de grau e de intensidade entre a "privação total ou parcial da liberdade" e "as restrições à liberdade que não se traduzem na sua privação total ou parcial" [cfr. a decisão de 6 de novembro de 1980 (Caso Guzzardi contra a Itália) do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Publications de la Cour Européenne des Droits de l'Homme, Série A – Arrêts et decisions, vol. 39, Affaire Guzzardi, Conseil de L'Europe, Strasbourg, 1981, pp. 32 e 33, na qual se considera a situação da "privação da liberdade" (artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e a restrição à liberdade de circulação (artigo 2.º do Protocolo Adicional n.º 4)] poder-se-á dizer que a distinção se suporta num critério qualitativo e não quantitativo, isto é, a privação da liberdade atinge diretamente uma dimensão da dignidade da pessoa humana, enquanto a mera restrição ou limitação da liberdade apenas condiciona o pleno desenvolvimento dessa dimensão.
Segundo Maunz-Dürig, a privação da liberdade (Freiheitsentziehung) existe quando alguém contra a sua vontade é confinado, coativamente, através do poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimento lhe é subtraída. Local delimitado (eng umgrenzter Ort) pode ser o espaço de um edifício ou um acampamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilância das autoridades prisionais.
A mera limitação de liberdade (Freiheits-beschränkung) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direção (cfr. Grundgesetz, Kommentar, § 104, 6 e 12).
A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida).
A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram.
[…]” (sublinhados acrescentados).
Se é certo que os âmbitos dogmáticos de privação e de restrição e, acima de tudo, a delimitação da sua fronteira in concreto não são unívocos (cfr., designadamente, as declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 479/94), o certo é que o Tribunal tem regressado a esta jurisprudência (cfr., designadamente, os Acórdãos n.os 185/96, 83/2001, 471/2001, 204/2015, 220/2015, 228/2015 e 463/2016) e o Tribunal Constitucional Federal Alemão também não abandonou, no essencial, os traços gerais da apontada distinção [cfr., recentemente, o acórdão de 24/07/2018 (2 BvR 309/15 e 2 BvR 502/16), §67, bem como as citações ali indicadas: “2. a) O âmbito de proteção do artigo 2.º, n.º 2-2, da Lei Fundamental abrange tanto as medidas restritivas da liberdade (freiheitsbeschränkende Maßnahme) como as medidas privativas da liberdade (freiheitsentziehende Maßnahme); o Tribunal Constitucional distingue estas categorias de medidas com base na intensidade da interferência [na liberdade]. Um ato constituirá uma restrição da liberdade se alguém for impedido por autoridade pública, contra a sua vontade, de se deslocar para um lugar ou de permanecer num lugar que, de outro modo seria – no plano de facto e no plano jurídico – de acesso livre para si. Um ato constituirá uma privação da liberdade, o modo mais severo de restrição da liberdade, se suprimir a liberdade de movimento – que exista, em termos gerais, nas concretas circunstâncias de facto e de direito – nas suas diversas vertentes. A privação da liberdade caracteriza-se pela particular intensidade da interferência, e ainda pela sua duração, que não deve ser meramente de curto prazo” – v., ainda, o acórdão de 15/05/2002 (2 BvR 2292/00), §§ 24 e 25, ambos disponíveis em www.bundesverfassungsgericht.de/].
Está em causa, em suma, no artigo 27.º da Constituição, “[…] o direito à liberdade física, à possibilidade de movimentação sem constrangimentos. Tutela-se aqui, conforme tem sido consensualmente reconhecido, um aspeto parcelar e específico das diversas dimensões em que se manifesta a liberdade humana, o direito à liberdade física, entendida «como liberdade de movimentos corpóreos, de ‘ir e vir’, a liberdade ambulatória ou de locomoção» (cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p. 638) ou como «direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 478). É este também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os acórdãos n.os 479/94, 663/98, 471/2001, 71/2010, 181/2010 e 54/2012)” (Acórdão n.º 204/2015), incluindo “o direito de não ser aprisionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 479).
Como explica José Lobo Moutinho, “[o] facto de a Constituição, e também a doutrina e a jurisprudência, falarem a propósito da liberdade física assim entendida, de liberdade tout court (ou, como faz a Constituição italiana, de liberdade pessoal), sem outra adjetivação, é uma mera figura de estilo, explicável pelo facto de a liberdade física, como as suas restrições, enquanto justamente físicas, se mostrarem mais claramente apreensíveis e aparecerem como a forma mais direta de compressão da liberdade humana, pelo facto de, por elas, se limitarem indiretamente muitas outras expressões da liberdade – pelo que pode dizer que a liberdade física as precede e condiciona (Vezio Crisafulli/Livio Paladin, Commentario breve alla Constituzione, Padova, 1990, pág. 79) – e pela gravidade que daí lhes advém (bem expressa no facto de, entre nós, a sua privação estar incluída no conteúdo das mais graves de entre as penas: as de prisão” (anotação ao artigo 27.º, Constituição Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, vol. II, 2.ª ed., Lisboa, 2018, p. 544). Este entendimento da “liberdade” prevista no artigo 27.º da Constituição enquanto (também e principalmente) “liberdade física”, que as exceções do n.º 3 confirmam em polo negativo, corresponde ao sentido interpretativo que tem sido adotado na jurisprudência constitucional – v., designadamente, os Acórdãos n.os 479/94, 185/96, 83/2001, 471/2001, 204/2015, 220/2015, 228/2015 e 463/2016.
2.2.3. O Tribunal, para aferir de uma eventual privação ou restrição, deve atentar, particularmente, na intensidade da afetação da liberdade resultante da aplicação das normas cuja aplicação foi recusada.
Importa, para o efeito, recordar o contexto factual fixado na decisão recorrida – não na medida em que o recurso tenha por objeto os factos (trata-se, como é sabido, de um recurso normativo), mas na medida em que estes revelam a potencialidade abstrata de restrição resultante da execução das normas aplicadas. Na verdade, tendo as normas sido executadas – sem desvio aparente face à respetiva estatuição – nos termos descritos na decisão recorrida, os correspondentes factos constituem um exemplo concreto do seu alcance abstrato. Podem, pois, e devem, neste preciso sentido e contexto, ser olhados tais factos enquanto acontecimentos reveladores da intensidade da afetação visada ou consentida pelas normas. Tais factos podem alinhar-se do modo que se passa a descrever.
1 – A pessoa visada pela norma foi encaminhada para uma certa zona do aeroporto, onde permaneceu conjuntamente com os demais passageiros e respetivas bagagens, até ser transportada num autocarro, escoltado por um carro policial com os rotativos ligados, para o Hotel …, sito à Avenida …, em Ponta Delgada.
2 – Uma vez ali chegada, foi encaminhada para a zona do check-in, tendo-lhe sido atribuído um quarto de hotel específico, altura em que foi informada de que não podia sair do quarto, onde teria de permanecer durante os próximos 14 dias.
3 – Mais foi informada de que as refeições seriam fornecidas pelo hotel em três momentos definidos do dia, havendo duas alturas em que podia solicitar refeições/snacks adicionais.
4 – Foi destacado um agente da PSP para a porta de entrada do hotel.
5 – Feito o check-in, a pessoa visada pela norma foi para o seu quarto, onde permaneceu ininterruptamente, o que corresponde às indicações que recebeu.
5 – A limpeza e manutenção do quarto foi feita pela pessoa visada pela norma, fornecendo o hotel toalhas e lençóis para mudar a cama, se solicitados.
6 – A lavagem e tratamento da roupa pessoal teve de ser efetuada pela pessoa visada pela norma, que foi informada de que não havia serviço de lavandaria, sendo fornecido detergente, se solicitado.
7 – A pessoa visada pela norma foi informada de que apenas seria possível aos familiares e amigos deixarem bens de 1.ª necessidade na receção para lhe serem entregues, como produtos de higiene, não tendo sido permitido que o cônjuge lhe trouxesse roupa para seu uso pessoal.
8 – Desde o dia em que aterrou nos Açores, a pessoa visada pela norma, apesar de falar telefonicamente com o cônjuge, não pôde ter contacto presencial com este, nem com qualquer outra pessoa.
9 – Apenas viu o cônjuge uma vez, estando este na via pública e a pessoa visada pela norma na varanda do quarto.
10 – Não lhe é permitido circular nos corredores do hotel nem em qualquer outra zona do mesmo, para além do seu quarto, havendo indicação de ronda por parte de agente da PSP de modo aleatório.
11 – Todos os passageiros que não apresentavam qualquer sintoma e cuja temperatura corporal era considerada normal eram encaminhados de autocarro para unidade hoteleira previamente determinada – Hotel … ou Hotel … sendo informados de que tinham de permanecer confinados ao quarto que lhes era atribuído durante o período de 14 dias e de que eram vigiados diariamente, por contacto telefónico.
12 – Não lhe foi permitida a saída do quarto, nem o contacto com outras pessoas, designadamente familiares, amigos ou demais hóspedes.
13 – As refeições eram transportadas num carrinho por um empregado do hotel, que batia à porta, após o que se afastava, permitindo ao hóspede recolher a refeição, recolhendo em seguida o carrinho.
14 – Qualquer exercício físico teve de ser efetuado no quarto, não sendo permitido o acesso ao exterior do hotel nem aos demais espaços desse mesmo hotel, aqui se incluindo os corredores.
Medidas como as que se acabam de traçar – elencadas no contexto já referido no começo deste item – têm, evidentemente, um impacto significativo (o que quase corresponde a um eufemismo) na liberdade dos cidadãos [“[o] gozo do direito à liberdade pessoal é afetado pela imposição de quarentena obrigatória aos passageiros provenientes do estrangeiro e pela imposição de isolamento a pessoas suspeitas ou confirmadas com teste positivo de infeção pelo novo coronavírus” – Alessandra Spadaro, COVID-19: Testing the Limits of Human Rights, European Journal of Risk Regulation, European Journal of Risk Regulation, 11(2), 317-325. doi:10.1017/err.2020.27].
Em coerência com a jurisprudência constitucional anterior, impõe-se concluir que a maior parte das restrições descritas – mas, acima de tudo, o seu conjunto – corresponde, inequivocamente (e recuperando a classificação do Acórdão n.º 479/94), a uma “privação total da liberdade”. Assim se conclui, seja pela verificação de que a norma, “na sua máxima dimensão abstrata”, implica que o visado “fica circunscrito [a um] espaço confinado […], de todo impedido de circular e de livremente se movimentar” (expressões do referido Acórdão), seja ao constatar, por comparação, que a execução de uma medida como a descrita em muito pouco [e, descontada a envolvência (um quarto de hotel) porventura mais “amigável”, em nada de substancialmente significativo] se afasta do que resultaria da aplicação de uma (hipotética) pena curta de prisão, porventura até com aspetos mais gravosos (por exemplo, a falta de acesso a um espaço comum para exercício físico), seja até, por maioria de razão, face ao que se concluiu no citado Acórdão n.º 479/94, no qual se qualificou como inequívoca privação da liberdade a circunscrição a um espaço confinado até 6 horas (quando no caso dos autos está em causa um período até 56 vezes superior a esse).
Em suma, as normas sub judice preveem medidas de privação da liberdade, de sinal contrário à previsão do artigo 27.º, n.º 2, da Constituição e ao direito à liberdade consagrado no n.º 1 do mesmo artigo, na sua vertente de liberdade pessoal.
2.2.4. Como vimos (supra, 2.2.1.), todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República, exigência que “[…] ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito” (Acórdão n.º 362/2011). Assim, verificando-se que as normas sub judice estabelecem medidas que privam da liberdade as pessoas por ela visadas, contra o previsto no artigo 27.º da Constituição (supra, 2.2.3.), é evidente que a respetiva matéria se encontra abrangida pela reserva de competência legislativa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – competência que não foi concretamente delegada e só o poderia ser no Governo (e não no Governo Regional – cfr. artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, da Constituição).
De todo o modo, “[…] a distinção entre privação total da liberdade (nomeadamente a prisão, que aliás pode revestir diversos graus de intensidade de confinamento) e a privação parcial (por exemplo, a proibição de entrada em determinados locais, proibição de residência em determinada localidade ou região) só tem relevo constitucional na medida em que a diferente gravidade de uma e outra deve ser tomada em conta na sua justificação sob o ponto de vista do princípio da proporcionalidade” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. I, cit., p. 479)
Esta conclusão no sentido da verificação de inconstitucionalidade orgânica (nela comungando, Tiago Fidalgo de Freitas, A execução do estado de emergência e da situação de calamidade nas regiões autónomas – o caso da pandemia COVID-19, revista e-Pública, cit., pp. 74/75) não seria – e não é – abalada pelo sentido adotado em outras discussões periféricas e a jusante.
Assim, quem entender que, com a imposição de quarentena, designadamente através de confinamento, não está em causa o direito à liberdade, previsto no artigo 27.º da Constituição, mas sim o direito à deslocação, previsto no artigo 44.º da Constituição (sobre esta discussão, ver Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais e inconstitucionalidade em situação de crise – a propósito da epidemia COVID-19, revista e-Pública, cit., pp. 79-117, especialmente pp. 95 e ss. e p. 99, e Estado de Emergência – Quatro notas jurídico-constitucionais sobre o Decreto Presidencial, disponível em https://observatorio.almedina.net/; José de Melo Alexandrino, Devia o direito à liberdade ser suspenso? – Resposta a Jorge Reis Novais, disponível em https://observatorio.almedina.net/; Miguel Nogueira de Brito, Pensar no estado da exceção na sua exigência, disponível em https://observatorio.almedina.net/; e Rúben Ramião, O Direito à Liberdade e o Estado de Emergência numa Releitura de Alf Ross (2.ª Resposta a Jorge Reis Novais) e Lendo a Constituição em Estado de Emergência (3.ª Resposta a Jorge Reis Novais), disponíveis em http://www.icjp.pt/publicacoes/papers/4), concluirá de igual modo estar em causa um direito referido na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.
Também não interfere com a conclusão ora alcançada a discussão sobre a viabilidade constitucional das medidas de internamento em unidade de saúde, face ao disposto no artigo 27.º da Constituição [cfr., sobre esta discussão, cfr. André Dias Pereira, Sobre o internamento compulsivo de portadores de tuberculose – anotação ao acórdão da Relação do Porto de 6 de fevereiro de 2002, Lex Medicinae, n.º 1, janeiro-junho de 2004, pp. 135/142; Sónia Fidalgo, Internamento compulsivo de doentes com tuberculose, Lex Medicinae, n.º 2, julho-dezembro de 2004, pp. 87/124; Ana Paula Guimarães e Fernanda Rebelo, Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, vol. I, org. por Paulo Pinto de Albuquerque, Lisboa, 2019, pp. 826/831; e Vasco Ricoca Peixoto, Ricardo Mexia, Nina de Sousa Santos, Carlos Carvalho e Alexandre Abrantes, Da tuberculose ao COVID-19: legitimidade jurídico-constitucional do isolamento/tratamento compulsivo por doenças contagiosas em Portugal, na Ata Médica Portuguesa, vol. 33, n.º 4 (2020), p. 225; Catarina Santos Botelho, “Estados de exceção constitucional: estado de sítio e estado de emergência”, cit., especialmente as considerações tecidas no respetivo ponto 3.3.-b)], seja porque não se trata, in casu, de internar cidadãos em unidade de saúde, seja porque o entendimento no sentido da viabilidade de tais medidas não deixaria de remeter para a sua adoção por lei parlamentar ou diploma do Governo autorizado pela Assembleia da República.
Mostra-se, pois, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional afirmado na decisão recorrida, no que respeita à inconstitucionalidade orgânica das normas cuja aplicação foi recusada.
Tanto basta – e isso nos dispensa, por inutilidade, da abordagem de outros fundamentos de desconformidade constitucional constantes dessa decisão – para concluir pela improcedência do recurso
[…]” (sublinhados acrescentados).
2.5. O percurso da fundamentação do Acórdão n.º 424/2020 pode ser integralmente transposto para a hipótese dos presentes autos.
Em qualquer dos casos – e é esta uma primeira nota essencial – encontramo-nos num período em que não vigora a declaração do estado de emergência, mas sim a declaração de situação de calamidade.
Continua a valer, na hipótese dos presentes autos a afirmação de que “[o] gozo do direito à liberdade pessoal é afetado pela imposição de quarentena obrigatória aos passageiros provenientes do estrangeiro e pela imposição de isolamento a pessoas suspeitas ou confirmadas com teste positivo de infeção pelo novo coronavírus” – Alessandra Spadaro, COVID-19: Testing the Limits of Human Rights, European Journal of Risk Regulation, European Journal of Risk Regulation, 11(2), 317-325. doi:10.1017/err.2020.27].
Acima de tudo, e ainda em coerência com a jurisprudência constitucional anterior, impõe-se concluir, uma vez mais, que o confinamento na habitação corresponde, inequivocamente (na classificação do Acórdão n.º 479/94), a uma “privação total da liberdade”. Assim se conclui, seja pela verificação de que a norma, “na sua máxima dimensão abstrata”, implica que a pessoa visada “fica [circunscrita a um] espaço confinado […], de todo [impedida] de circular e de livremente se movimentar” (expressões do referido Acórdão) – recorde-se que está em causa a privação da liberdade, através do confinamento na habitação, de uma pessoa a quem foi determinado que “não poderia sair do quarto, apenas usar a casa de banho ou sair para ir realizar os testes” –, seja ao constatar, por comparação, que a execução de uma medida como a descrita em muito pouco se afasta do que resultaria da aplicação de uma (hipotética) pena privativa da liberdade executada no domicílio, seja até, por maioria de razão, face ao que se concluiu no citado Acórdão n.º 479/94, no qual se qualificou como inequívoca privação da liberdade a circunscrição a um espaço confinado até 6 horas.
Em suma, à semelhança do que se concluiu no Acórdão n.º 424/2020, no caso dos autos impõe-se a conclusão de que as normas sub judice preveem medidas de privação da liberdade, de sinal contrário à previsão do artigo 27.º, n.º 2, da Constituição e ao direito à liberdade consagrado no n.º 1 do mesmo artigo, na sua vertente de liberdade pessoal.
2.6. Na hipótese apreciada no Acórdão n.º 424/2020, entendeu-se, linearmente, que “todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República, exigência que “[…] ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito” (Acórdão n.º 362/2011). Assim, verificando-se que as normas sub judice estabelecem medidas que privam da liberdade as pessoas por ela visadas, contra o previsto no artigo 27.º da Constituição (supra, 2.2.3.), é evidente que a respetiva matéria se encontra abrangida pela reserva de competência legislativa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – competência que não foi concretamente delegada e só o poderia ser no Governo (e não no Governo Regional – cfr. artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, da Constituição)”.
No presente caso, é igualmente linear que a obrigação de confinamento se integra na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Todavia, a apreciação da falta de previsão legal da medida carece de considerações adicionais.
2.6.1. A base legal expressamente invocada pelo Conselho de Ministros foi a seguinte: “(…) [nos termos dos] artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do n.º 6 do artigo 8.º e do artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição (…)”.
A invocação da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, remetendo para a competência administrativa do Governo, obriga a indagar, nesta matéria, face ao exposto nos itens anteriores, sobre a precedência de lei.
Os artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, ainda que se possam admitir cobertos pelo manto legal do artigo 2.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não relevam enquanto base para a atuação do Governo, pois dizem respeito, unicamente, a restrições de acesso a estabelecimentos e a serviços e edifícios públicos.
O Governo invoca, ainda, o disposto nos artigos 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto (que cria o Sistema de Vigilância em Saúde Pública, por vezes designada “Lei da Saúde Pública”, doravante LSP), 8.º, n.º 6, e 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho (Lei de Bases da Proteção Civil, doravante LBPC), que merecem atenção mais detida.
2.6.2. O artigo 17.º da LSP estabelece o seguinte:
Artigo 17.º
Poder regulamentar excecional
1 – De acordo com o estipulado na base XX da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de atividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação.
2 – O membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do diretor-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, pode emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação.
3 – As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.
4 – As medidas e orientações previstas nos n.os 1 e 2 são coordenadas, quando necessário, com o membro do Governo responsável pelas áreas da segurança interna e proteção civil, designadamente no que se reporta à mobilização e à prontidão dos dispositivos de segurança interna e de proteção e socorro, devendo ser comunicadas à Assembleia da República.
O n.º 1 remete para a base XX da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto (Lei de Bases da Saúde de 1990), cujo teor literal é o seguinte:
Base XX
Situações de grave emergência
1 – Quando ocorram situações de catástrofe ou de outra grave emergência de saúde, o Ministro da Saúde toma as medidas de exceção que forem indispensáveis, coordenando a atuação dos serviços centrais do Ministério com os órgãos do Serviço Nacional de Saúde e os vários escalões das autoridades de saúde.
2 – Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas no n.º 1, requisitar, pelo tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em atividade privada.
À data em que foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, a Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, já se encontrava revogada pela Lei de Bases da Saúde de 2019 (Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro – cfr. os respetivos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º). Na Lei de Bases da Saúde de 2019, a norma correspondente à base XX é a da base 34, com destaque para o seu n.º 3:
Base 34
Autoridade de saúde
1 – À autoridade de saúde compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, nas situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou das comunidades, e na vigilância de saúde no âmbito territorial nacional que derive da circulação de pessoas e bens no tráfego internacional.
2 – Para defesa da saúde pública, cabe, em especial, à autoridade de saúde:
a) Ordenar a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública;
b) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública;
c) Exercer a vigilância sanitária do território nacional e fiscalizar o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional ou de outros instrumentos internacionais correspondentes, articulando-se com entidades nacionais e internacionais no âmbito da preparação para resposta a ameaças, deteção precoce, avaliação e comunicação de risco e da coordenação da resposta a ameaças;
d) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes.
3 – Em situação de emergência de saúde pública, o membro do Governo responsável pela área da saúde toma as medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado.
Por fim, os artigos 8.º e 19.º da LBPC têm a seguinte redação:
Artigo 8.º
Alerta, contingência e calamidade
1 – Sem prejuízo do caráter permanente da atividade de proteção civil, os órgãos competentes podem, consoante a natureza dos acontecimentos a prevenir ou a enfrentar e a gravidade e extensão dos seus efeitos atuais ou expectáveis:
a) Declarar a situação de alerta;
b) Declarar a situação de contingência;
c) Declarar a situação de calamidade.
2 – Os atos referidos no número anterior correspondem ao reconhecimento da adoção de medidas adequadas e proporcionais à necessidade de enfrentar graus crescentes de risco.
3 – A declaração de situação de contingência ou de situação de calamidade pressupõe, numa lógica de subsidiariedade, a existência prévia dos atos correspondentes aos patamares precedentes, salvo na ocorrência de fenómenos cuja gravidade e extensão justifiquem e determinem a declaração imediata de um dos patamares superiores.
4 – A declaração de situação de alerta, de situação de contingência e de situação de calamidade pode reportar-se a qualquer parcela do território, adotando um âmbito inframunicipal, municipal, supramunicipal, regional ou nacional.
5 – Os poderes para declarar a situação de alerta ou de contingência encontram-se circunscritos pelo âmbito territorial de competência dos respetivos órgãos.
6 – O Ministro da Administração Interna pode declarar a situação de alerta ou a situação de contingência para a totalidade do território nacional ou com o âmbito circunscrito a uma parcela do território nacional.
Artigo 19.º
Competência para a declaração de calamidade
A declaração da situação de calamidade é da competência do Governo e reveste a forma de resolução do Conselho de Ministros.
As normas da LBPC não conferem adequada cobertura legal à atuação do Governo, visto que se trata, no essencial, de normas de competência, não especificamente dirigidas à privação da liberdade, muito menos à privação da liberdade através de um confinamento.
O artigo 17.º da LSP, diretamente, não dispõe sobre a matéria. Na verdade, o confinamento no domicílio de pessoas na sequência de contacto com outras pessoas infetadas – é este o caso da ordem administrativa apreciada na decisão recorrida – não se reconduz a “separação de pessoas que não estejam doentes” (n.º 1 do artigo 17.º da LSP). Por outro lado, a expressão “normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação” (n.º 2 do artigo 17.º da LSP) é uma expressão demasiado ampla, que, uma vez mais, não vai especial e claramente dirigida à privação da liberdade pessoal, em particular à que tenha a intensidade de um confinamento à habitação.
Encontrando-se a Lei de Bases da Saúde de 1990 revogada à data em que foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, a sua relevância enquanto base legal para a atuação do Governo só poderia aceitar-se entendendo a remissão do n.º 1 do artigo 17.º da LSP enquanto remissão estática. Sucede que, sendo as remissões legais, por regra, dinâmicas [cfr. António Menezes Cordeiro, “Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de julho de 1988”, O Direito, ano 121, I (janeiro-março de 1989), pp. 193/194], não há elementos diretos ou indiretos na LSP que permitam concluir que se trata de uma remissão estática.
Tratando-se, no artigo 17.º, n.º 1 da LSP, de uma remissão dinâmica, deverá entender-se que vai dirigida, com atualidade, à base 34 da Lei de Bases da Saúde de 2019, supra transcrita. No entanto, esta não oferece qualquer suporte legal à imposição de uma medida prolongada de confinamento. Não se trata, manifestamente, de “internamento ou […] prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública” nem de mera “vigilância sanitária” (alíneas b) e c) do n.º 2 da citada base 34. Por outro lado, a previsão de “medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado” (n.º 3 da mesma base) não é – uma vez mais – especificamente dirigida à privação da liberdade pessoal nos termos particularmente intensos que aqui estão em causa.
Mas, ainda que se tratasse, no artigo 17.º, n.º 1 da LSP, de uma remissão estática (como vimos, não há elementos para assim concluir) para a base XX da Lei de Bases da Saúde de 1990, a conclusão – no sentido da falta de cobertura legal para a atuação do Governo – continuaria a manter-se. Na verdade, a expressão “as medidas de exceção que forem indispensáveis”, por muita latitude que se lhe possa reconhecer, não é suficientemente densa para que dela se possa extrair uma previsão de restrição da liberdade pessoal como aquela que foi prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021.
Em suma, a interpretação deste último preceito segundo a qual qualquer cidadão pode ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial não encontra, manifestamente, previsão legal.
2.6.3. Em face do exposto, resta concluir que, se todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República, exigência que “[…] ganha particular relevância quando estão em causa compressões ou condicionamentos a um direito” (Acórdão n.º 362/2011), verificando-se que a norma sub judice estabelece medidas que privam da liberdade as pessoas por ela visadas, contra o previsto no artigo 27.º da Constituição, então a respetiva matéria fica abrangida pela reserva de competência legislativa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – competência que o Governo não foi autorizado a exercer.
Mostra-se, pois, bem fundado o juízo de censura jurídico-constitucional afirmado na decisão recorrida, no que respeita à inconstitucionalidade orgânica da norma cuja aplicação foi recusada.
Tanto basta – e isso nos dispensa, por inutilidade, da abordagem de outros fundamentos de desconformidade constitucional constantes dessa decisão – para concluir pela improcedência do recurso.
III – Decisão
3. Em face do exposto, decide-se:
a) julgar inconstitucional a norma contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, na interpretação segundo a qual qualquer cidadão pode ser privado da liberdade com base em ordem administrativa e sem controlo judicial, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, por referência ao artigo 27.º, da Constituição da República Portuguesa; e, consequentemente,
b) julgar improcedente o recurso.
3.1. Sem custas (artigo 84.º, n.º 1 e n.º 2, da LTC, este a contrario).
Lisboa, 1 de fevereiro de 2022 - José Teles Pereira - Maria Benedita Urbano (com declaração de voto) - Pedro Machete - José João Abrantes - João Pedro Caupers
DECLARAÇÃO DE VOTO
Em sede distinta desta, tive a oportunidade de me pronunciar sobre o quadro jurídico que sustenta a emanação, pelo Conselho de Ministros, de resoluções que, nuns casos, suspendem e, em outros, restringem direitos fundamentais. Na altura, perante uma RCM que restringia a liberdade de circulação consagrada no artigo 44.º da CRP, entendi – pouco convicta, mas sensibilizada pela crise pandémica que se vivia e pelo caráter limitado da restrição em questão – que, fazendo apelo a uma “moderada criatividade”, seria possível encontrar no artigo 17.º da Lei n.º 81/2008 um esteio legitimador das medidas restritivas então adotadas pelo Governo.
No presente caso, em que está em causa uma imposição de confinamento, verdadeira privação da liberdade pessoal constitucionalmente garantida no artigo 27.º, resulta patente a fragilidade de uma solução que procurava, em contexto de pandemia, contornar a inexistência de um quadro constitucional e legal especificamente dirigido às situações de crise sanitária. Por esse motivo, acompanho e subscrevo o presente acórdão, quer quanto à decisão, quer quanto à sua fundamentação.
Maria Benedita Urbano