ACÓRDÃO Nº 765/2021
Processo n.º 331/2021 (54/PP)
Plenário
Relatora: Conselheira Assunção Raimundo
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Partido Democrático Republicano (PDR), representado pelo seu Presidente, Bruno Alexandre Ramalho Fialho, veio, em 25 de março de 2021, na sequência da realização, em 13 de março de 2021, de reunião extraordinária do respetivo Conselho Nacional, remeter ao Presidente do Tribunal Constitucional, para os efeitos legais, “certidão de fotocópias da acta VI, da respectiva reunião do Conselho Nacional, onde se deliberou pela aprovação de novos estatutos, de regulamentos internos e pela alteração do nome do partido, bem como da convocatória dessa reunião”.
Com esta comunicação, pretende o requerente comunicar ao Tribunal Constitucional um conjunto de alterações estatutárias e solicitar a consequente anotação no registo existente neste Tribunal, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas nºs. 2/2008, de 14 de maio, e 1/2018, de 19 de abril (Lei dos Partidos Políticos ou, abreviadamente, «LPP»).
2. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de as alterações propostas representarem uma alteração global dos Estatutos do PDR – que passa a ser denominado “Alternativa Democrática Nacional” (ADN) –, que carecia de uma apreciação também ela global e nova, em termos semelhantes aos empregues aquando do requerimento de inscrição de um partido no registo existente no Tribunal Constitucional.
Para este efeito e analisando de forma circunstanciada os Estatutos aprovados, pronunciou-se no sentido de nada obstar à anotação das alterações propostas, no que concerne às matérias dos princípios fundamentais, da identificação e sede, das coligações e relações externas, das organizações especiais e das disposições finais e transitórias.
Já no que concerne às matérias respeitantes aos membros e simpatizantes, aos órgãos nacionais e à capacidade eleitoral, o Ministério Público manifestou a sua oposição ao deferimento da anotação das alterações estatutárias propostas, destacando os seguintes aspetos:
«(…) Com efeito, a nova versão dos Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN) determina, no n.º 2, do seu artigo 11.º, subordinado à epígrafe “Sanções”, que “[a]s infracções graves são punidas com as sanções previstas nas alíneas f) e g) do n.º 1 do presente artigo”, ou seja, que tais infracções são punidas com a suspensão da qualidade de filiado do Partido até dois anos ou mesmo com a expulsão.
Acontece que tais Estatutos não definem, em nenhum dos seus passos, o que são infracções graves, não se verificando qualquer contributo para a necessária tipificação dos factos susceptíveis de integrar aquele conceito e de conduzirem à aplicação das descritas sanções disciplinares.
Mais do que isto, aditemo-lo, os Estatutos revelam-se, mais abrangentemente, omissos quanto à determinação dos factos passíveis de integrarem as infracções susceptíveis de serem punidas com as sanções elencadas no n.º 1, do artigo 11.º, da versão alterada dos Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN).
Ou seja, verifica-se uma total falta de determinabilidade da factualidade susceptível de integrar as infracções às quais poderão ser aplicadas as sanções disciplinares elencadas no n.º 1, do artigo 11.º, designadamente da integrante do conceito de infracção grave plasmado no n.º 2 do mesmo normativo estatutário.
Consequentemente, regista-se, em nosso entender, uma violação do princípio da legalidade sancionatória consagrado no n.º 3, do artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa, incontestavelmente aplicável em matéria de direito disciplinar.
Relembrando o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional, designadamente no já citado Acórdão n.º 369/09:
“Como este Tribunal já salientou, embora as exigências de tipicidade, enquanto corolários do princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição), só valham qua tale no domínio do direito penal, não deixam de se fazer sentir em menor grau nos demais ramos do direito sancionatório. O que significa que as normas sancionatórias têm de conter um mínimo de determinabilidade, em termos de não haver um encurtamento de direitos fundamentais, sob pena de, não se cumprindo esta exigência, os cidadãos ficarem à mercê de puros actos de poder (cfr. Acórdãos n.ºs 666/94 e 730/95).
Na situação vertente, nem sequer há uma enunciação genérica dos comportamentos que podem constituir infracções à disciplina do partido (nem se pode retirar tal enunciação da listagem de deveres dos filiados, que também se apresenta vaga e genérica – cfr. artigo 7.º do projecto de Estatutos). Mas tais infracções, não enunciadas, podem dar origem a sanções (…)”.
Por tal razão, afigura-se-nos que, ao menos nesta parte, não deverá a requerida anotação da alteração aos Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN) ser deferida, para já, pelo Tribunal Constitucional.
A par desta violação constitucional, uma outra, corporizada no n.º 5, do seu artigo 23.º, se nos afigura emergir do texto da versão aprovada dos Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN).
Com efeito, resulta deste preceito estatutário que “[c]onstitui inelegibilidade para qualquer cargo do partido, qualquer condenação a pena de prisão igual ou superior a três anos, pelo dobro do período correspondente à pena, a contar desde a data da prolação da respectiva decisão”.
Ou seja, se atentarmos na conformação da infracção disciplinar nele descrita, constatamos que a sanção disciplinar prescrita resulta na perda automática, ainda que temporária, de um direito de natureza política, a saber, do direito a ser eleito para qualquer cargo partidário.
Ora, tal perda automática de um direito político resultante da condenação numa sanção criminal é configurável como um efeito disciplinar necessário da aplicação de tal pena e, consequentemente, como violadora do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Ou seja, também por este motivo se nos afigura que não deverá o Tribunal Constitucional deferir a anotação das alterações estatutárias requeridas.
Acresce, por fim, no que concerne à norma contida no artigo 24.º, n.º 3, dos Estatutos aprovados do Alternativa Democrática Nacional (ADN), que se nos afigura que a mesma, ao estabelecer como prazo de trânsito em julgado das decisões das quais não seja interposto recurso, um “prazo de 8 dias úteis a contar da sua notificação ao interessado”, parece colidir, nomeadamente no domínio do procedimento eleitoral partidário, com o prescrito no n.º 4 do artigo 103.º-C, da Lei do Tribunal Constitucional, ao derrogar, implicitamente, o prazo de interposição de recurso nele plasmado.
Atento o explanado, também por esta via se nos afigura que não deverá este Tribunal Constitucional deferir a anotação das mencionadas alterações estatutárias.
Sem prejuízo do acabado de expor, mais se nos afigura que os aprovados Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN) revelam ainda - em linha com o teor da jurisprudência expendida no douto Acórdão n.º 81/2020 que, sem subscrever, convocamos - imperfeições que deveremos apontar, por susceptíveis de causar incertezas normativas incidentes sobre aspectos essenciais da regulação da vida e da organização partidárias.
Na verdade, a nova versão dos Estatutos do partido político Alternativa Democrática Nacional (ADN), ao estatuir, na alínea e), do n.º 4, do seu artigo 16.º, como uma das competências do órgão Congresso Nacional a de “[h]omologar os Estatutos do Partido, bem como as propostas de alteração”, sem definir qual o órgão com competência para aprovar tais estatutos e suas alterações, não clarificando, fundamentalmente, qual o órgão partidário que materializa a assembleia representativa à qual compete, por força do disposto na alínea a), do n.º 3, do artigo 25.º, da Lei dos Partidos Políticos, “[a]provar os estatutos e a declaração de princípios ou programa político”, cria uma ambiguidade jurídica que, não sendo insuperável, se revela susceptível de criar obstáculos à certeza do direito e à segurança da actividade do partido e dos seus filiados, carecendo de aperfeiçoamento.
Para além disto, e voltando a apelar ao doutrinado no douto Acórdão n.º 81/2020, apuramos que o teor da alínea j), do n.º 9, do artigo 20.º, dos aprovados Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN), ao estatuir que “[d]as decisões do Conselho de Jurisdição cabe sempre recurso para os tribunais”, pese embora o configurado pelo regime de recursos definido, conjugadamente, na Constituição da República Portuguesa, na Lei do Tribunal Constitucional e na Lei dos Partidos Políticos (nomeadamente no artigo 223.º, n.º 2, alínea h), da primeira, nos artigos 103.º-C e 103.º-D da segunda e no artigo 34.º, n.º 3, da última), exige um esforço de conformidade interpretativa semelhante ao preconizado naquele aresto do Tribunal Constitucional, que conduziu à prolação do convite ao aperfeiçoamento do projecto de Estatutos apresentado pelo, então requerente, Volt Portugal (VP).
No referido aresto, considerou o Tribunal que:
“(…) [A]inda no que respeita ao órgão de jurisdição previsto no artigo 27.º da LPP e concretizado nos artigos 33.º a 34.º do projeto de Estatutos (Conselho de Jurisdição Nacional), é de assinalar que, segundo o respetivo artigo 33.º, n.º 6, «Das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional cabe sempre recurso para os tribunais e nada nos presentes Estatutos e na regulamentação interna poderá limitar o acesso aos Tribunais por parte dos órgãos do Volt, dos membros e dos simpatizantes.»
Ora, nos termos da Constituição e da lei – artigo 223.º, n.º 2, alínea h) da CRP, artigo 9.º, alínea d), da LTC e artigos 30.º, n.º 2 e 34.º, n.º 3, da LPP (Deliberações de órgãos partidários e Procedimentos Eleitorais) – as decisões proferidas pelo órgão de jurisdição são recorríveis, apenas, para o Tribunal Constitucional – e nos exatos termos previstos na LTC, sendo aplicáveis os artigos 103.º-C e 103.º-D desta Lei.
(…)
Assim, pese embora a referência genérica a «Tribunais», bem como a cláusula geral de não limitação de acesso aos mesmos por parte dos órgãos, membros e simpatizantes do Volt, constantes da letra do n.º 6 do artigo 33.º do Projeto de Estatutos, as mesmas – na sua letra ampla não expressamente contrárias aos preceitos indicados – não podem deixar de ser interpretadas em conformidade com as referidas disposições da CRP, da LTC e da LPP, no sentido de que o recurso das decisões do órgão de jurisdição (proferidas nos termos dos artigos 30.º, n.º 1, e 34.º, n.º 2, da LPP) previsto no Projeto de Estatutos (in casu decisões do Conselho de Jurisdição Nacional) poder ser interposto, apenas, para o Tribunal Constitucional e nos termos e com os limites previstos nos mencionados artigos 103.º-C e 103.º-D da LTC, em especial quanto à legitimidade para a interposição de recurso (militantes), e na LPP.
Apenas com tal interpretação conforme se poderia concluir no sentido de que o Projeto de Estatutos respeita o disposto na Constituição e na Lei em matéria de recurso de decisões proferidas pelo órgão de jurisdição enquanto órgão nacional que, nos termos da LPP, deve integrar a estrutura orgânica de um partido político. Todavia, tratando-se de um elemento fulcral do regime jurídico aplicável aos partidos políticos que respeita à própria sindicabilidade das decisões do Conselho de Jurisdição Nacional, entende-se que o Projecto de Estatutos deve ser objeto de aperfeiçoamento neste ponto”;
concluindo nos seguintes termos:
“(…) [C]onvida-se os requerentes, no prazo de dez (10) dias, a:
(…) aperfeiçoar o Projeto de Estatutos quanto ao ponto supra indicado em 14.2, à luz da mencionada interpretação em conformidade com o disposto na Constituição, na LTC e na LPP”.
Por força do explanado, e apesar de considerarmos que a interpretação conforme à Constituição e à Lei do disposto na alínea j), do n.º 9, do artigo 20.º, dos aprovados Estatutos do Alternativa Democrática Nacional (ADN), poderá revelar-se suficiente para assegurar a certeza do direito vigente e garantir os direitos e interesses do partido e dos seus filiados, não poderemos deixar de, respeitando a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, sugerir a notificação do requerente para, também nesta parte, proceder ao aperfeiçoamento do projecto estatutário apresentado.
Atento o ora exposto, opõe-se o Ministério Público, para já, ao deferimento da anotação no registo próprio existente no Tribunal Constitucional, das alterações estatutárias requeridas pelo partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) a fls. 182 e seguintes dos presentes autos, promovendo que se notifique o requerente para, em prazo que lhe deverá ser fixado, proceder às alterações que permitam compatibilizar os seus Estatutos com a Constituição, com a Lei do Tribunal Constitucional e com a Lei dos Partidos Políticos».
3. Notificado do parecer do Ministério Público, o Partido requerente veio apresentar uma nova redação dos Estatutos, que foi aprovada por unanimidade em reunião extraordinária do Conselho Nacional, realizada a 26 de maio de 2021, por forma a dar resposta às questões assinaladas naquele parecer, tendo sido alterada a redação dos artigos 11.º, n.º 2, 16.º, n.º 4, alínea a), 18.º, n.º 15, alíneas c) e h), 19.º, n.º 7, alínea o), 20.º, n.º 9, alínea j), e anulados e retirados dos Estatutos o n.º 5 do artigo 23.º e o n.º 3 do artigo 24.º, relativos, respetivamente, à «capacidade eleitoral» e «impugnações» (cf. ata VIII – 2021, a fls. 250 a 271).
4. Na sequência destas alterações, os autos foram em vista ao Ministério Público que não levantou qualquer objeção à anotação requerida, devendo, no entanto, o Partido ser convidado a remeter a versão recente e consolidada, designadamente no sentido de contemplar a inserida, mas omissa, alínea o) do n.º 7. do artigo 19.º.
5. Em resposta, o Partido requerente remeteu a versão consolidada dos Estatutos (cf. fls. 279-311).
6. Considerando o teor da versão consolidada do projeto de Estatutos, remetida a 8 de junho de 2021, e atenta posição jurisprudencial resultante do Acórdão do Plenário n.º 387/2021, de 2 de junho de 2021, foi o Partido requerente convidado a clarificar o respetivo regime disciplinar, designadamente em matéria de articulação das competências sancionatórias entre a Comissão Política Nacional e o Conselho de Jurisdição Nacional (cf. fls. 314-315).
7. Na sequência da IX reunião do Conselho Nacional, realizada a 30 de junho de 2021, e em resposta ao solicitado, foram objeto de retificação o artigo 20.º, n.º 9, alíneas a) e g), e de reformulação o artigo 19.º, n.º 7, alíneas g) e h), e de reformulação e alteração o artigo 20.º, nºs. 9 e 11 do projeto, tendo o Partido requerente remetido uma nova versão reformulada e consolidada dos Estatutos, cujas alterações foram aprovadas por unanimidade pelos respetivos Conselheiros Nacionais (cf. fls. 318-356).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
8. O pedido formulado pelo PDR, agora denominado Alternativa Democrática Nacional – com a sigla ADN – inscreve-se no disposto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei dos Partidos Políticos, que dispõe «[c]ada partido político comunica ao Tribunal Constitucional, para efeito de anotação, a identidade dos titulares dos seus órgãos nacionais após a respetiva eleição, assim como os estatutos, as declarações de princípios e o programa, uma vez aprovados ou após cada modificação».
A proposta de Estatutos agora submetida visa modificar, aditar e excluir normas estatutárias pré-existentes, que, como bem salienta o Ministério Público, no seu conjunto, representam uma alteração global dos Estatutos do partido e, por isso, requerem também uma apreciação e pronúncia equivalente à exigida aquando da inscrição de um novo partido no registo existente no Tribunal Constitucional, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição e dos nºs. 1 e 2 do artigo 16.º da LPP.
9. Relativamente à vertente formal do respetivo pedido, constata-se que, de acordo com a ata VI - 2021, de 13 de março, as alterações estatutárias foram aprovadas pelo Conselho Nacional do PDR, órgão competente do Partido, e seguiram os procedimentos previstos nos artigos 12.º, n.º 5, alínea d), e 17.º, n.º 2, dos Estatutos então em vigor.
As propostas de alteração dos Estatutos foram discutidas e votadas em bloco, tendo o documento delas resultante sido “aprovado por unanimidade na sua globalidade, havendo apenas os artigos 20.º e 23.º a ser aprovados com 1 abstenção e 2 abstenções, respetivamente” (cf. ata, a fls. 188 a 208 dos autos).
Estas alterações estatutárias foram aprovadas por uma maioria superior a dois terços dos votantes, como exigido pelos Estatutos.
A versão inicial do projeto de Estatutos, remetida a este Tribunal, foi objeto de aperfeiçoamento e reformulação, na sequência das VIII e IX reuniões do Conselho Nacional, realizadas a 26 de maio e 30 de junho de 2021, respetivamente, tendo essas alterações estatutárias sido aprovadas por unanimidade, das quais resultou a versão final consolidada dos Estatutos, constante da ata IX-2021, a fls. 341-356.
Em conformidade, de um ponto de vista formal, as alterações requeridas não merecem reparo.
10. A Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 46.º, n.º 1 e 51.º, n.º 1, e bem assim o artigo 4.º, n.º 1, da Lei dos Partidos Políticos, consagram a liberdade de associação e de criação de partidos políticos, que deve ser exercida nos termos da lei.
Compete ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 223.º da Constituição e dos nºs. 1 e 2 do artigo 16.º da LPP, “verificar a legalidade da constituição de partidos políticos e suas coligações, bem como apreciar a legalidade das suas denominações, siglas e símbolos, e ordenar a respetiva extinção, nos termos da Constituição e da lei”.
Os limites à liberdade de associação e de criação de partidos políticos encontram-se plasmados no n.º 1 do artigo 46.º da Constituição, que prevê a inadmissibilidade da constituição de partidos que se destinem a promover a violência ou cujos fins sejam contrários à lei penal. Decorre ainda do n.º 4 da mesma norma e do artigo 8.º da LPP, que “[n]ão são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados, ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”.
Da leitura do disposto no artigo 1.º, n.º 2, dos novos Estatutos, bem como do plasmado no seu artigo 2.º, sob a epígrafe, «Declaração de Princípios», resulta que este partido político não perfilha a ideologia fascista e não é racista. Também não se extrai dos Estatutos ora revistos que o Partido requerente vise a promoção da violência ou que se configure como um partido político armado, nem de tipo militar, militarizado ou paramilitar, uma vez que não consta de qualquer documento a apologia do uso de armas ou da violência como forma de ação política, nem há quaisquer outros elementos que o indiciem.
Outro dos limites à liberdade de constituição de partidos emerge do disposto nos artigos 51.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e 9.º da LPP e consiste na proibição de constituição de “partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objetivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional”.
Neste caso, os Estatutos revistos não revelam que essa proibição tenha sido violada, não havendo qualquer menção a uma eventual índole ou âmbito regional do Partido requerente.
11. Na competência do Tribunal Constitucional cabe ainda, segundo o plasmado nos artigos 51.º, n.º 3, da Constituição, e 12.º, nºs. 1, 2 e 3, da LPP, a fiscalização da denominação, da sigla e do símbolo do partido político, que devem obedecer aos seguintes requisitos: (i) não ser nenhum destes elementos idêntico ou semelhante ao de outro partido já constituído; (ii) quanto à denominação, não se basear no nome de uma pessoa ou conter expressões diretamente relacionadas com qualquer religião ou com qualquer instituição nacional; (iii) quanto ao símbolo, não poder confundir-se ou ter relação gráfica ou fonética com símbolos e emblemas nacionais nem com imagens e símbolos religiosos.
De acordo com o artigo 4.º dos Estatutos aprovados, a denominação do partido é “Alternativa Democrática Nacional”, adotando a sigla “ADN”, e tem por símbolo “uma bandeira de fundo azul, com as letras “ADN” em maiúsculas, com as letras A e D de cor branca e o N de cor amarela, tendo por baixo o nome do Partido «Alternativa Democrática Nacional», em letras maiúsculas e de cor branca. Do lado direito existem 3 (três) estrelas de cor branca, que representam os valores da Liberdade, Justiça e Solidariedade (…)”.
Constata-se, assim, que a denominação, sigla e símbolo não são idênticos ou semelhantes aos de outro partido político constituído (cf. informação, a fls. 234 dos autos) e que são cumpridos os demais requisitos legais e constitucionais.
12. Nos termos do artigo 51.º, n.º 5, da Constituição, e dos artigos 5.º e 6.º da LPP, os partidos políticos devem reger-se, na sua organização e gestão, pelos princípios da transparência, da democraticidade e da participação de todos os seus membros.
Da análise dos Estatutos reformulados, designadamente do seu artigo 9.º, relativamente às condições de admissão, direitos e deveres dos seus militantes, e as matérias de organização interna, reguladas nos artigos 15.º a 20.º, não evidenciam a violação de nenhum de tais princípios ou das exigências legais neles consagradas.
Os Estatutos preveem a existência de uma assembleia de todos os filiados – o Congresso Nacional –, um órgão representativo dos filiados – o Conselho Nacional -, um órgão de direção política – a Comissão Política Nacional – e um órgão de jurisdição – o Conselho de Jurisdição Nacional –, em obediência ao preceituado no artigo 24.º da LPP. Os órgãos nacionais do partido são eleitos livremente pelos membros do partido (artigos 9.º, n.º 3, alínea d), e 18.º dos novos Estatutos), gozando os membros do Conselho de Jurisdição das garantias de independência e imparcialidade, não podendo os seus membros acumular o exercício do seu mandato com qualquer outro cargo no Partido requerente (artigo 20.º, n.º 5, dos novos Estatutos), respeitando-se assim o disposto no artigo 27.º da LPP.
13. Quanto à primeira versão de Estatutos que foi submetida ao Tribunal Constitucional, o Ministério Público apontava algumas dúvidas e reservas às alterações estatutárias propostas, que determinariam a sua oposição ao deferimento da anotação. Essas matérias encontravam-se reguladas nos artigos 11.º, nºs. 1 e 2, 23.º, n.º 5, 24.º, n.º 3, e 20.º, n.º 9, alínea j) da versão dos Estatutos inicialmente aprovada.
Essas matérias foram, porém, objeto de correção, clarificação ou aperfeiçoamento pelo Partido requerente, na reunião extraordinária realizada a 26 de maio de 2021, da qual resultaram alterações estatutárias aprovadas por unanimidade – conforme ata VIII - 2021.
Foram eliminados o n.º 5 do artigo 23.º e o n.º 3 do artigo 24.º da primeira versão, por colidirem com o disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, e 103.º-C, n.º 4, da LTC, respetivamente, pelo que, atenta a revogação dessas normas pelo órgão competente, não subsiste a incompatibilidade oportunamente apontada à anotação dos Estatutos.
Do mesmo passo, quanto à alínea j) do n.º 9 do artigo 20.º da versão inicial dos Estatutos, foi a mesma alterada (cf. atual alínea g) do n.º 9 da referida disposição legal), em conformidade com o disposto nos artigos 223.º, n.º 2, alínea h) da Constituição, 9.º, alínea d), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e 34.º, n.º 3, da LPP, assegurando que as decisões proferidas pelo órgão de jurisdição são recorríveis apenas para o Tribunal Constitucional, nos exatos termos previstos nos artigos 103.º-C e 103.º-D da LTC.
Foram igualmente objeto de alteração os artigos 16.º, n.º 4, alínea e), e 18.º, n.º 15, alínea c), e introduzida a alínea h) do n.º 15 do artigo 18.º, ficando agora clarificadas as competências do Congresso Nacional e do Conselho Nacional, não merecendo as alterações propostas qualquer objeção.
14. No que concerne ao regime sancionatório estabelecido nos Estatutos do Partido requerente, o Ministério Público assinalava, no seu parecer, que esta nova versão, muito embora previsse, no n.º 2 do seu artigo 11.º, subordinado à epígrafe “Sanções”, que “[a]s infracções graves são punidas com as sanções previstas nas alíneas f) e g) do n.º 1 do presente artigo”, ou seja, que tais infrações são punidas com a suspensão da qualidade de filiado do Partido até dois anos ou mesmo com a expulsão, não resultava de tais Estatutos a necessária tipificação dos factos suscetíveis de integrar o conceito de «infração grave», o mesmo sucedendo, aliás, quanto aos factos passíveis de integrarem as infrações punidas com as sanções elencadas no n.º 1 do artigo 11.º, o que poderia constituir uma violação do princípio da legalidade sancionatória consagrado no n.º 3 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, tal como apontado no Acórdão n.º 369/09.
Ora, esta matéria foi também objeto de alteração no âmbito da reunião extraordinária realizada a 26 de maio de 2021, passando o novo n.º 2 do artigo 11.º dos Estatutos aprovados a estabelecer que: “Todos os procedimentos de ponderação, decisão e aplicação de sanções, bem como a concreta tipificação das infracções estarão definidos no respetivo Regulamento Conselho de Jurisdição Nacional e Processo Disciplinar, aprovado pelo Conselho Nacional, sob proposta da Comissão Política Nacional”.
A alteração introduzida a esta norma estatutária não mereceu, por parte do Ministério Público, qualquer objeção.
Na verdade, a Constituição assegura a auto-organização e autonomia disciplinar dos partidos políticos, impondo apenas que a organização interno-partidária obedeça aos princípios da transparência, da democraticidade e da participação (cf. artigo 51.º, n.º 5). A Lei dos Partidos Políticos dispõe também, a este respeito, no respetivo artigo 22.º, n.º 1, que: “A disciplina interna dos partidos políticos não pode afetar o exercício de direitos e o cumprimento de deveres prescritos na Constituição e na lei”. Concretizando o n.º 2 do mesmo artigo que: “Compete aos órgãos próprios de cada partido a aplicação das sanções disciplinares, sempre com garantias de audiência e defesa e possibilidade de reclamação ou recurso”.
Estando assegurado, nos termos dos Estatutos agora aprovados, que a regulamentação dos procedimentos de ponderação, decisão e aplicação de sanções, bem como a concreta tipificação das infrações, se encontra disciplinada em Regulamento próprio, aprovado pelos órgãos competentes do Partido, estará garantida a determinabilidade do regime sancionatório e, consequentemente, o núcleo de garantias relativas à segurança, certeza, confiança e previsibilidade dos cidadãos, não havendo, por isso, razões que obstem à anotação de tal modificação estatutária, seja no plano da conformidade constitucional, seja no plano do respeito pela Lei dos Partidos Políticos.
Relativamente ao regime disciplinar, foi ainda objeto de aperfeiçoamento e reformulação, na sequência da reunião do Conselho Nacional, realizada a 30 de junho de 2021, a articulação das competências sancionatórias entre a Comissão Política Nacional e o Conselho de Jurisdição Nacional, tendo sido clarificado que a competência sancionatória primária é cometida à Comissão Política Nacional (cf. alíneas g) e h) do n.º 7 do artigo 19.º dos Estatutos revistos), competindo ao Conselho de Jurisdição Nacional apreciar, em via de recurso ou de reclamação, a validade dos respetivos atos ou decisões (cfr. alínea e) do n.º 9 do artigo 20.º dos Estatutos). Estas alterações, aprovadas por unanimidade (cf. ata IX – 2021), asseguram a sindicabilidade interna das decisões de caráter sancionatório por órgão de jurisdição democraticamente eleito, cujos membros gozem de independência e imparcialidade, em conformidade com o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 22.º, n.º 2, 27.º e 30.º, n.º 1, da LPP.
Por respeitar as exigências constitucionais e legais anteriormente referidas, o pedido de anotação da versão consolidada dos Estatutos, constante da ata IX – 2021, submetido pelo Partido requerente, merece ser deferido.
III. Decisão
Pelo exposto,
I - Determina-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 3, da Lei dos Partidos Políticos, a anotação das alterações aos Estatutos do Partido “Alternativa Democrática Nacional”, aprovados na reunião do seu Conselho Nacional, conforme cópia da ata IX – 2021, cuja versão consolidada consta de fls. 341 a 356 dos presentes autos.
II - Ordena-se a anotação das alterações referentes à denominação e sigla do mesmo partido, que passarão a ser “ALTERNATIVA DEMOCRATICA NACIONAL”, bem como ao símbolo do partido político requerente, que passa a ser o que consta de fls. 183 do processo e se publica em “anexo” ao presente acórdão.
Sem custas.
Lisboa, 28 de setembro de 2021 - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - José João Abrantes - José Teles Pereira - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - João Pedro Caupers
A relatora atesta o voto de conformidade do Senhor Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro e da Senhora Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros, que intervieram por meios telemáticos.
Assunção Raimundo
Anexo ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 765/2021
de 28 de setembro de 2021
Denominação: ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA NACIONAL
Sigla: ADN
Símbolo: