ACÓRDÃO N.º 391/2020
Processo n.º 955/2018
3.ª Secção
Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa
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Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Execução de Coimbra – Juiz 2, em que é recorrente A., S.A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), do despacho proferido por aquele Tribunal, em 11 de julho de 2018, que indeferiu a restituição à recorrente do valor pago pelo agravamento da taxa de justiça, peticionada através de requerimento apresentado em 06 de junho do mesmo ano.
2. Notificada da distribuição dos autos, como processo de execução, em resultado da convolação de Procedimento Extrajudicial Pré-Executivo (cf. artigo 18.º da Lei n.º 32/2014, de 30 de maio), a ora recorrente requereu, em 06 de junho de 2018, a restituição do valor que pagou a título de agravamento da taxa de justiça, por considerar inconstitucionais as regras estabelecidas no n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e no n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais.
Por despacho proferido no dia 12 do mesmo mês e ano, o Juízo de Execução de Coimbra considerou não ser «materialmente competente para analisar a questão da inconstitucionalidade das apontadas normas da forma analítica e profunda com o Tribunal Constitucional apreciaria» e, desse modo, indeferiu o pedido da ora recorrente.
3. Interposto recurso ordinário desta decisão, foi proferido novo despacho, em 11 de julho de 2018, com o seguinte teor:
«Compulsado o processo eletrónico, verifico agora que, por evidente lapso da ora signatária, que desde já se penitencia, ficou exarado no despacho de 12-06-2018 que "este Tribunal não é o materialmente competente para analisar a questão da inconstitucionalidade das apontadas normas", quando, obviamente, o Juízo de Execução também possui competência para analisar e considerar inconstitucional determinado preceito legal.
Por isso, o nosso despacho de 12/06/2018, nessa específica parte, foi emitido com base em termos jurídicos inadequados, que cumpre agora reparar, através da reforma desse mesmo despacho (cfr. art.ºs. 614, nº. 1, e 616, nº. 2, als. a) e b), do Novo Código de Processo Civil).
Nestes termos, a decisão (de 12/06/2018) reformula-se nesses moldes:
- “De facto, a Exequente integra a listagem de grandes litigantes, impondo-lhe a lei o pagamento da taxa de justiça agravada (cfr. art.º 7º n.º 4 e art.º 13º n.º 3, ambos do RCP, e respetiva Tabela II B), o que foi feito pela mesma.
No entanto, julga que o regime de tributação agravada, em sede de custas judiciais, para os denominados "grandes litigantes", deve ser declarado inconstitucional, nos termos conjugados do n.º 6, do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC) e no n.º 3, do artigo 13.º, do RCP.
Em suma, a exequente entende que esses mecanismos, especialmente gravosos para as sociedades comerciais que tenham dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, Não tem suporte legal ou constitucional. E constituem uma restrição inconstitucional de direitos fundamentais.
Conhecendo da questão colocada e renovando aqui o entendimento que temos mantido e que achamos dever continuar a manter e que se encontra exarado na 1.ª parte do despacho de 12-06-2018: a liquidação da taxa de justiça em conformidade com as regras estabelecidas no n.º 6, do artigo 530.º, do Código de Processo Civil, e no n.º 3, do artigo 13.º, do RCP, NÃO são inconstitucionais.
Na verdade, com essa taxa de justiça agravada para os "grandes litigantes" pretendia-se a moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos denominados litigantes em massa, desincentivando o recurso à via judicial e transferindo o ónus dessa sobrecarga no sistema para os litigantes que, não obstante os motivos, tivessem necessidade de propor mais de duzentas ações por ano.
Por outro lado, a exequente não adianta qualquer doutrina ou acórdão que suporte o seu pedido de inconstitucionalidade, pelo que se indefere o requerido pela exequente em 06-06-2018, por carecer de fundamento legal.
Retifique o despacho de 12-06-2018 (2e. Parágrafo), por apontamento no processo físico, dela fazendo parte integrante o presente despacho.
Notifique e comunique à Agente de Execução.
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Face ao teor da decisão acima consignada, o recurso da Exequente de 02-07-2018 perdeu total utilidade, pelo que fica sem efeito.
Nestes termos, proceda-se à devolução da taxa de justiça liquidada aquando da instauração desse recurso à recorrente. D.n.».
4. É desta decisão que a recorrente, inconformada, interpôs o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:
«A., S.A., Exequente nos autos da ação executiva com processo sumário acima identificada, notificada do douto despacho de 11.7.2018, que indeferiu a pretensão da Exequente de que o Tribunal declarasse inconstitucionais e, consequentemente, desaplicasse as normas que lhe impõem o pagamento de uma taxa de justiça agravada e que, por conseguinte, fosse admitido à Exequente o pagamento de taxa de justiça nos termos gerais, sem qualquer imposição agravada, mas não se conformando com o referido despacho, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
O recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com alterações), por o Tribunal recorrido ter aplicado normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
As normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada são as normas dos artigos 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, e respetiva Tabela II B), e do artigo 530.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
As normas em causa são inconstitucionais por violarem o disposto nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (dado que põem em causa o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva), o princípio constitucional da proporcionalidade que vigora em matéria de limitação de direitos fundamentais, mormente nas suas dimensões da proporcionalidade em sentido estrito, da necessidade e da adequação, e ainda, se o agravamento da taxa de justiça for configurado como um imposto, os princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos.
A questão da inconstitucionalidade das normas acima identificadas, nos termos e com o alcance que se pretende sindicar, foi suscitada pela Exequente no seu requerimento de 6.06.2018, com a referência Citius 29340881».
5. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, a recorrente apresentou as respetivas alegações, concluindo nos termos seguintes:
«Conclusões
A. O presente recurso vem interposto do despacho com data de 11/07/2018, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Execução de Coimbra – Juiz 2, no decurso do processo n.º 4474/18.5T8CBR, indeferindo a pretensão suscitada pela ora Recorrente para que fossem declaradas inconstitucionais e, consequentemente desaplicadas naquele caso concreto, as normas que lhe impõem o pagamento de uma taxa de justiça agravada.
B. Em concreto, as normas do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil (CPC) e o n.º 3 do artigo 13.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
C. No contexto dos autos acima indicados, a Recorrente, após ter efetuado o pagamento da taxa agravada a que estava adstrita na qualidade de grande litigante, requereu nos autos, mediante requerimento apresentado em 6 de junho de 2018, a restituição do valor de taxa de justiça pago em excesso.
D. Alegou para o efeito que as normas do n.º 6 do artigo 530.º do CPC e do n.º 3 do artigo 13.º do RCP, nos termos que ditaram a liquidação da taxa agravada, eram inconstitucionais, pelo que deveriam ser desaplicadas in casu.
E. Em resposta ao solicitado o requerimento foi indeferido, concluindo-se ali que aquele Tribunal «…não tem entendido que as normas estabelecidas no n.º 6, do artigo 530.º, do Código de Processo Civil (CPC) e no n.º 3, do artigo 13.º, do RCP, são inconstitucionais, pelo que não devem ser aplicadas por violação do princípio da igualdade e do artº. 268, da Constituição da República Portuguesa», mais afirmando, em concreto, que «…a liquidação da taxa de justiça em conformidade com as regras estabelecidas no n.º 6, do artigo 530.º, do Código de Processo Civil, e no n.º 3, do artigo 13.º, do RCP, NÃO são inconstitucionais».
F. Por ter suscitado oportunamente a questão nos autos, a ora Recorrente interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, concretamente por o Tribunal a quo ter aplicado normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
G. Entende a Recorrente que as normas invocadas naquele despacho são manifestamente inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 13.º, 17.º, 18.º, 20.º, 80.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), as normas do n.º 6 do artigo 530.º do CPC, do n.º 3 do artigo 13.º do RCP e da Tabela II-B, com o sentido com que foram aplicadas no despacho recorrido.
H. Ainda que se reconheça que a taxa de justiça, per se, é um tributo bilateral (taxa pela prestação de um serviço público), já o mesmo não se pode admitir quanto à sobretaxa que advém do agravamento que recai sobre os grandes litigantes, a qual, não sendo uma taxa extrafiscal, é um imposto anómalo.
I. O desiderato de moderação do acesso aos serviços de justiça que se perspetivava com o agravamento da taxa de justiça sobre os grandes litigantes não se coaduna minimamente com a realidade a moldar e, logo, não é atingido.
J. A base de incidência não delimita aqueles que efetivamente recorrem de forma abusiva aos serviços de justiça, recaindo essencialmente sobre quem, no legítimo exercício dos seus direitos, pelo simples facto de a natureza da sua atividade exigir a contratação em massa, pretender obter justiça nos tribunais.
K. A exigência de recurso à via judicial resulta sobremaneira de imposição direta do legislador, mormente quanto às exigências resultantes do tratamento contabilístico e fiscal a dar aos denominados créditos incobráveis ou à necessidade de assegurar os seus créditos, não restando aos litigantes qualquer alternativa efetiva para atingir esses fins; tal exigência resulta também da inexistência efetiva de vias alternativas que permitam a estes credores em concreto fazerem valer os seus créditos, agravada pela irredutibilidade dos prazos de prescrição exíguos.
L. A A. é um reputado operador no serviço de comunicações eletrónicas, que, nos termos da lei (concretamente da alínea d) do n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 23 de julho), é qualificado como um serviço público essencial, o que importa, desde logo, que o direito ao recebimento do preço pelos serviços que presta (nessa qualidade de prestador de serviços públicos essenciais) prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação, sendo este o prazo para a propositura da ação ou da injunção pelo prestador, contado da prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos (artigo 10.° da Lei n.°23/96).
M. Não subjaz qualquer critério objetivo na determinação do limite de duzentas ações por ano para definir um grande litigante, o que, em rigor, subverte o princípio de utilizador-pagador que alegadamente suporta o gravame.
N. A taxa de justiça agravada para os grandes litigantes é, na prática, uma taxa sancionatória excecional aplicada de forma sistemática e reiterada (e que, assim, se comuta em ordinária) tendo por base uma efetiva presunção inilidível (reconhecidamente proibidas em matéria tributária, como é o caso) de que todas as sociedades comerciais que no ano anterior acionaram os serviços de justiça 200 ou mais vezes, o fizeram de forma abusiva e, por isso, merecedora da cominação punitiva.
O. Nesta medida, a aplicação deste regime de custas agravadas comporta uma inelutável violação do princípio de igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP.
P. Não servindo o cumprimento dos propósitos extrafiscais em que alegadamente se suporta – para os quais, em todo o caso, sempre seria de considerar desadequado e excessivo, como adiante se invoca –, o agravamento da taxa de justiça consubstancia uma restrição prática ao direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva dos grandes litigantes, ditando a violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP).
Q. Parte substancial das solicitações aos tribunais resultam de exigência do próprio legislador que, por vezes com base em discutíveis razões substanciais, o impõe aos contribuintes ou sujeitos passivos em sede do IRC e do IVA para poderem deduzir certos gastos e perdas económicos e contabilísticos no apuramento do montante desses impostos.
R. Por conseguinte, o agravamento da taxa de justiça tem o inequívoco sentido de um inadmissível venire contra factum proprium do legislador.
S. A apontada falta de um mínimo de correspondência entre o agravamento da taxa de justiça e a evitação ou atenuação do recurso abusivo aos tribunais tem ainda uma outra expressão muito significativa, qual seja a de esse agravamento ser um pagamento definitivo para os grandes litigantes mesmo no caso de obterem ganho de causa, conforme resulta do disposto nos termos do n.º 4 do artigo 26.° do RCP.
T. Nos casos em que esteja em causa uma ação declarativa de condenação para obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária resultante do incumprimento de obrigações previstas em contratos de adesão – que é, invariavelmente, o tipo de situação que a A. enfrenta -, nem é sequer possível o recurso a alguns dos meios alternativos de resolução de litígios, como sejam os julgados de paz e a arbitragem.
U. O que alegamos relativamente ao agravamento da taxa de justiça vale, mutatis mutandis, para a sujeição a certos encargos processuais apenas dos grandes litigantes, como são as custas a que se reportam o nº 8 do artigo 749.° e o n° 12 do artigo 780.° do Código de Processo Civil.
V. Não sendo um tributo bilateral extrafiscal (taxa moderadora), o agravamento da taxa de justiça, em rigor, também não pode ser considerado como um verdadeiro imposto – tributo unilateral sobre os litigantes em massa, com a receita consignada aos serviços de justiça, incidente sobre uma especial manifestação de capacidade contributiva; sendo que, configurado como um imposto, não cumpriria, desde logo, o princípio da capacidade contributiva, uma vez que não se funda em qualquer índice objetivo daquela capacidade.
W. Não ignoramos, obviamente, que sobre esta matéria, ainda que noutros termos e dentro de um enquadramento fáctico substancialmente diferente, já se pronunciou o TC, através do acórdão 238/2014, nos termos do qual decidiu não julgar inconstitucional «…a norma, decorrente da conjugação do n.º 6 do artigo 447.º-A [atual artigo 530.º], do Código de Processo Civil, e do n.º 3 do artigo 13.º, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com a qual as sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, balcão ou secretaria, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimento ou execuções, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça agravada nas ações, procedimentos e execuções que interponham».
X. Importa ter noção clara das diferenças substanciais entre as duas causas e consequentemente entre os dois acórdãos, o ali proferido e o que aqui virá a ser proferido: entre o primeiro, de 6 de março de 2014, e o que vier a ser proferido nestes autos, terão passado já mais de 5 anos, período esse em que ficou cabalmente demonstrado, do ponto de vista empírico, que as normas em apreço, afinal, contrariamente ao assumido, não visaram (ou, pelo menos, não concretizaram) o pretenso fim de moralização e racionalização do recurso aos tribunais, a operacionalizar através do tratamento diferenciado dos litigantes em massa, a que aludia o Decreto-Lei n.º 34/2008, sobre o qual se erigiu a Reforma.
Y. O acórdão 238/2014 basta-se com a aferição da conformidade constitucional das normas à luz do princípio da igualdade, mormente no que tange à igualdade no acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, não cuidando de fazer um efetivo teste à proporcionalidade das normas, desde logo considerando que implicam uma constrição direta a diretos fundamentais.
Z. Conforme lapidarmente atesta o acórdão n.º 56/2018, de 31 de janeiro de 2018, o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais da República inclui uma posição subjetiva «de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias» (cfr. Acórdão n.º 347/2009, ponto 8, cfr. também o Acórdão n.º 189/2016, ponto 7), que está aqui em presença. Nesses termos, por força do artigo 17.º da Constituição, «é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça».
AA. A violação do direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva afere-se, quanto às normas em apreço, nestes dois níveis: o que vem de se expor, por violação do princípio da igualdade, e o que de seguida se expõe, quanto às restrições impostas à limitação de direitos, liberdades e garantias.
BB. A ter-se como um tributo, atenta a sua configuração, o agravamento da taxa de justiça aproximar-se-ia de um imposto, mas não cumpriria, porém, os requisitos constitucionais impostos pelos artigos 17.º e 18.º da CRP quanto à limitação de direitos fundamentais e de direitos análogos, como é o caso.
CC. Além do condicionamento ilícito ao direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva, por clamorosa violação do princípio da igualdade (desde logo violação da igualdade no acesso a esses direitos), é ainda notório que a constrição a esses direitos, ainda que porventura fosse admitida, sempre haveria de se conter dentro dos limites impostos pela Constituição no que concerne à limitação dos direitos, liberdades e garantias (ou dos direitos de natureza análoga), nos termos expressamente previstos no artigo 18.º da CRP.
DD. A aferição da legitimidade dessa restrição, em concreto, não supera o teste do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, em nenhuma das suas três dimensões de proporcionalidade (em sentido estrito), necessidade e adequação.
EE. Desde logo, o agravamento da taxa de justiça em causa não parece minimamente apta a conseguir a moderação da utilização dos serviços de justiça, objetivo para o qual foi gizada, não sendo, por isso, adequada.
FF. Não tendo os litigantes em causa verdadeira alternativa para a efetivação dos seus direitos senão recorrendo aos tribunais, naturalmente que a medida em causa não é apta a diminuir a litigação, mas apta antes à obtenção de (mais) receitas públicas, se bem que a título de uma taxa pretensamente moderadora. Assim, o agravamento da taxa de justiça, enquanto efetiva restrição à garantia de acesso aos tribunais, não supera com êxito o primeiro teste de adequação.
GG. Tais normas não superam, ou melhor, não superariam, ainda, o teste da necessidade, caso a medida fosse apta para a prossecução do objetivo que o legislador pretensamente lhe conferiu, qual seja o da limitação do direito de acesso aos tribunais de uns, dos que abusem, para assegurar um melhor e mais eficaz acesso de outros, dos que fazem correto uso desse direito, porquanto, há, a nosso ver, outros meios potencialmente bem mais aptos, justos e eficazes para atingir o fim visado pela medida em análise, como os meios de prevenção dos litígios.
HH. Ainda que o agravamento da taxa de justiça se revelasse apto e necessário à moderação da utilização dos serviços de justiça, verificar-se-ia que se trata de uma medida excessiva, em que não há uma ponderação final global entre as vantagens alcançadas com a prossecução da finalidade e as desvantagens ocasionadas pela aplicação da medida.
II. As normas aqui sindicadas implicam uma incomportável e injustificada derrogação do princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial, assente na ordem económica concorrencial, a que alude o artigo 80.º da CRP».
6. O Ministério Público apresentou as suas contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
«5. Conclusões:
5.1 As normas do nº3 do artigo 13º do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 6 do artigo 530º do Código do Processo Civil, devidamente conjugadas, segundo as quais “Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal secretaria judicial ou balcão, no anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela I-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, em que a taça de justiça é fixada de acordo com a tabela II-B”, têm fundamento material e legal bastante.
5.2 Existe fundamento material bastante e justificação razoável, para que o legislador estabeleça uma diferenciação, em matéria de fixação do montante da taxa de justiça devida pela interposição de ações, procedimentos ou execuções, entre as sociedades comerciais que recorram à litigância em massa e os demais sujeitos jurídicos, à luz do interesse público respeitante ao racional e bom funcionamento do sistema de justiça, face ao impacto global e sistémico que a grande litigância assume.
5.3 O critério legal para fixação da taxa de justiça agravada, previsto na lei, não conduz a um agravamento excessivo da taxa de justiça, nem a uma diferenciação desproporcionada, atendendo à capacidade económica dos sujeitos passivos afetados por estas normas.
5.4 Sendo certo que o montante objetivamente considerado não se mostra desproporcionado.
5.5 Este regime legal específico a que estão sujeitas as sociedades comerciais vem-se revelando como necessário e adequado face aos dados das estatísticas oficiais respeitantes às pendências e taxas de resolução dos processos da natureza e espécie em causa no presente recurso.
5.6 Assim, as normas do nº3 do artigo 13º do Regulamento das Custas Processuais e do n.º 6 do artigo 530º do Código do Processo Civil, devidamente conjugadas, não violam nem o princípio da igualdade, nem o da proporcionalidade, nem o do acesso aos tribunais e o da garantia da tutela jurisdicional efetiva, previstos nos artigos 20º e 268º da Constituição da República Portuguesa.
5.7 Pelo que se deve considerar improcedente o recurso, julgando-se não inconstitucional a norma, decorrente da conjugação do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil, e do n.º 3 do artigo 13.º, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com a qual as sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, balcão ou secretaria, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimento ou execuções, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça agravada nas ações, procedimentos e execuções que interponham».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A. Delimitação do objeto do recurso
7. O recurso interposto no âmbito dos presentes autos tem por objeto as normas constantes dos artigos 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais (abreviadamente, «RCP») e respetiva Tabela II - B, e 530.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (doravante, «CPC»).
No requerimento de interposição do recurso, a recorrente indicou como parâmetros do juízo positivo de inconstitucionalidade o direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva, extraíveis dos artigos 20.º e 268.º da Constituição, o princípio da proporcionalidade que vigora em matéria de limitação de direitos fundamentais e, para a hipótese de o agravamento da taxa de justiça vir a ser configurado como um imposto, ainda os princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos. Todavia, nas alegações que apresentou, procedeu à confrontação das normas impugnadas com outros princípios constitucionais não indicados naquele requerimento, como sejam «o princípio da liberdade de iniciativa e de organização empresarial, assente na ordem económica concorrencial, a que alude o artigo 80.º da CRP» e «o princípio de igualdade ínsito no artigo 13.º da CRP».
Ora, constitui entendimento reiteradamente expresso por este Tribunal que, ao enunciar no requerimento de interposição de recurso a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada, o recorrente delimita, em termos definitivos, o respetivo objeto, não lhe sendo lícito ampliá-lo (mas apenas restringi-lo) em momento ulterior, mormente nas alegações produzidas (cf. Acórdãos n.ºs 487/2008 e 283/2014).
Pressupondo qualquer questão de constitucionalidade, desde logo na sua estruturação, a afirmação de que determinada norma (ou dimensão normativa) viola certo princípio ou norma da Constituição, «[n]orma-aplicada e norma/princípio-violado(a) constituem (…) termos de um binómio imprescindível à definição” da exata “questão pretendida controverter no âmbito da fiscalização concreta» (Acórdão n.º 698/16), só assim se compreendendo que, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ambos careçam de ser indicados no respetivo requerimento de interposição (cf. artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC).
Encontrando-se o recorrente impedido de proceder, em sede de alegações, à reconfiguração ou à ampliação do objeto do recurso, parece seguro que, pelo menos nos casos em que a substituição do parâmetro previamente invocado - ou a convocação de um outro, distinto daquele implique a «descaracterização da questão de constitucionalidade», tal como definida no requerimento de interposição do recurso - «ou lhe adicione uma outra, de diferente natureza» , o recurso não poderá ser nessa parte considerado» por incidir sobre questão diversa daquela com que foi delimitado o respetivo objeto (idem). Conforme se escreveu no Acórdão n.º 28/16, «[s]em prejuízo do disposto no artigo 79.º-C da LTC, que confere ao Tribunal Constitucional o poder de julgar inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado, ainda que com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada», não é atendível a «argumentação baseada na violação de normas e princípios inovatoriamente invocados perante o Tribunal Constitucional, já em sede de alegações, sem qualquer relação axiológica» com aqueles que o foram previamente, em particular no requerimento de interposição do recurso, peça na qual o respetivo objeto é definido.
É justamente o que sucede no caso dos autos em consequência da subsequente invocação da incompatibilidade das normas impugnadas com o princípio da igualdade e a liberdade de iniciativa e de organização empresarial.
Para além não terem conexão problemática com os parâmetros indicados no requerimento de interposição do recurso — note-se que o princípio da igualdade tributária foi invocado pela recorrente apenas para a hipótese de a prestação em causa vir a ser qualificada como imposto —, os princípios convocados pela primeira vez no âmbito das alegações remetem para questões de constitucionalidade de natureza distinta daquela que foi identificada naquele requerimento, e, como tal, insuscetíveis de serem incluídas no objeto do presente recurso a não ser através da respetiva – e não consentida − ampliação.
B. Conhecimento do mérito
8. Conforme resulta do que ficou exposto, a questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso consiste em saber se é constitucionalmente censurável, designadamente em face dos «artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa», que consagram o «direito de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efetiva», conjugados com «o princípio constitucional da proporcionalidade que vigora em matéria de limitação de direitos fundamentais, mormente nas suas dimensões da proporcionalidade em sentido estrito, da necessidade e da adequação», a norma resultante do artigo 530.º, n.º 6, do CPC, artigo 13.º, n.º 3, do RCP, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, e respetiva Tabela II - B, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 13 de fevereiro, que prevê uma agravação da taxa de justiça nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções.
A resposta a tal questão não dispensa uma análise prévia do regime das custas processuais, em especial no segmento aplicável aos chamados grandes litigantes ou litigantes em massa, conceito desenvolvido a partir da reforma iniciada com o Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, que aprovou o RCP.
9. O n.º 6 do artigo 530.º do novo CPC (totalmente coincidente com o n.º 6 do artigo 447.º-A do anterior CPC, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011) prevê o seguinte:
«Artigo 530.º
Taxa de Justiça
[...]
6 - Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
[...]»
Já o artigo 13.º do RCP, na redação resultante do Decreto-Lei n.º 52/2011, dispõe o seguinte:
«Artigo 13.º
Responsáveis passivos
1 - A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respetivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contraordenacionais, administrativos e fiscais.
2 - Nos casos da tabela I-A e C, na parte relativa ao n.º 3 do artigo 13.º, a taxa de justiça é paga em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
3 - Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela I-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela II, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela II-B.
4 - O volume de pendências referido no número anterior é correspondente ao número de ações, procedimentos ou execuções entradas até 31 de dezembro do ano anterior.
5 - Para efeitos do disposto no n.º 3 é elaborada anualmente pelo Ministério da Justiça uma lista de sociedades comerciais que durante o ano civil anterior tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções, que é publicada na 2.ª série do Diário da República sob a forma de aviso e disponibilizada no CITIUS.
6 - Sempre que o sujeito passivo seja uma sociedade comercial, o funcionário confirma, mediante pesquisa no sistema informático, se é aplicável o disposto no n.º 3, notificando-se o sujeito passivo para, em 10 dias, proceder ao pagamento do remanescente, sob pena de não se considerar paga a taxa de justiça.
7 – […]»
Por último, a tabela II-B anexa ao RCP, aplicável ao caso dos autos na versão que resultou das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 13 de fevereiro, quantifica a taxa de justiça agravada, prevista nos artigos 530.º, n.º 6, do CPC, e 13.º, n.º 3, do referido Regulamento, relativamente a diversos incidentes, procedimentos e execuções, para o efeito agrupados em distintas espécies e subespécies.
10. O Decreto-Lei n.º 34/2008, que aprovou o RCP, com a Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de abril, teve na sua génese a Lei n.º 26/2007, de 23 de julho, que autorizou o Governo a aprovar um regulamento das custas processuais, a revogar o Código das Custas Judiciais e a alterar os Códigos de Processo Civil, de Processo Penal e de Procedimento e de Processo Tributário. Na parte referente à aprovação de um novo regime jurídico de custas processuais, a autorização legislativa concedida ao Governo contemplou expressamente a adoção de critérios de fixação da taxa de justiça que tivessem em consideração os efeitos da «litigância em massa», estabelecendo valores mais elevados para as sociedades que apresentassem um volume anual de entradas em tribunal, no ano anterior, superior a 200 ações, procedimentos ou execuções (artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 26/2007).
A reforma que o Governo ficou habilitado a empreender no âmbito do regime jurídico das custas judiciais foi concretizada através do já referido Decreto-Lei n.º 34/2008, que procedeu à revogação do Código das Custas Judiciais e aprovou o RCP, alterando ainda os preceitos relativos ao regime das custas judiciais constantes de outros diplomas, entre os quais o CPC.
Com o intuito de corrigir alguns aspetos disfuncionais do regime e superar problemas concretos decorrentes da aplicação do Código das Custas Judiciais, a reforma levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, teve como objetivo central a simplificação e o aperfeiçoamento do sistema de custas, contemplando uma «[r]epartição mais justa e adequada dos custos da justiça», a «[m]oralização e racionalização do recurso aos tribunais» através do «tratamento diferenciado» a dispensar aos «litigantes em massa» e a «[a]doção de critérios de tributação mais claros e objetivos» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008).
No que particularmente diz respeito à tributação especial da espécie integrada pelos litigantes em massa, o legislador enquadrou-a do seguinte modo:
«Face aos elevados níveis de litigância que se verificam em Portugal, a reforma pretendeu dar continuidade ao plano de moralização e racionalização do recurso aos tribunais iniciado com a revisão de 2003. Um dos fatores que em muito contribui para o congestionamento do sistema judicial é a «colonização» dos tribunais por parte de um conjunto de empresas cuja atividade representa uma fonte, constante e ilimitada, de processos de cobrança de dívidas de pequeno valor. Estas ações de cobrança e respetivas execuções, que representam mais de metade de toda a pendência processual, ilustram um panorama de recurso abusivo aos meios judiciais sem consideração pelos meios de justiça preventiva.
Neste âmbito, propõe-se a adoção de algumas medidas mais incisivas que visam penalizar o recurso desnecessário e injustificado aos tribunais e a «litigância em massa». Mostra-se, assim, adequada a fixação de uma taxa de justiça especial para as pessoas coletivas comerciais que tenham um volume anual de entradas, em tribunal, no ano anterior, superior a 200 ações, procedimentos ou execuções» (idem).
11. A reforma levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2008 começou por incluir o regime especial previsto para os litigantes em massa no próprio CPC.
No n.º 6 do artigo 447.º-A, aditado ao antigo CPC pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, estabelecia-se, então, um agravamento de 50% face ao valor de referência, previsto no RCP, aplicável no âmbito das ações propostas por sociedades que tivessem dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções. O n.º 3 artigo 13.º do RCP, por seu turno, remetia a quantificação da taxa de justiça a pagar por tais sociedades para a tabela anexa I-C, da qual decorria uma majoração de 50% relativamente aos escalões básicos de referência da taxa de justiça, organizados em função do valor da causa. A taxa de justiça devida pelos processos especiais, recursos, incidentes, procedimentos cautelares, procedimentos anómalos, procedimentos de injunção e execuções, entre outros, contemplados na tabela anexa II, não sofria, nessa altura, qualquer agravamento.
A redação do n.º 3 do artigo 13.º do RCP foi subsequentemente alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que estendeu o agravamento da taxa de justiça a pagar pelos chamados litigantes em massa a qualquer providência cautelar, procedimento ou execução, de acordo com a tabela anexa II-B.
O n.º 3 do artigo 13.º do RCP foi alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, que lhe conferiu a sua atual redação. Reafirmando o anterior propósito de «moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa» — é o que resulta do respetivo Preâmbulo —, o Decreto-Lei n.º 52/2011 propôs-se uniformizar e simplificar o sistema de custas processuais, alterando para isso, entre outros, o n.º 6 do artigo 447.º-A do antigo CPC e o n.º 3 do artigo 13.º do RCP.
A modificação introduzida no n.º 6 do artigo 447.º-A do velho CPC ¾ que transitou sem quaisquer alterações para o n.º 6 do artigo 530.º do novo Código de Processo Civil, entretanto aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho ¾ consistiu na eliminação do segmento relativo ao percentual de agravamento da taxa de justiça, remetendo-se agora o critério da sua quantificação para o RCP.
No que respeita ao artigo 13.º do RCP - que sofreu outras modificações - , a nova redação conferida ao n.º 3 veio ampliar o âmbito de aplicação da taxa de justiça agravada prevista para os grandes litigantes, passando a incluir na contabilização das 200 ou mais ocorrências processuais da iniciativa da sociedade demandante registadas no ano imediatamente anterior os procedimentos desencadeados junto das secretarias judiciais e dos balcões — os quais, à data, se encontravam especialmente vocacionados para os procedimentos especiais de injunção.
A tabela I-C manteve-se inalterada, em todos os seus escalões, com a ratio de agravamento do valor de referência em 50%. Já a tabela II-B sofreu alteração no que respeita à aplicação de taxa de justiça agravada a algumas das espécies processuais, que passaram a incidir também sobre os procedimentos cautelares, embora sem nunca ultrapassar o agravamento de 50%, relativamente ao valor de referência ou à taxa de justiça normal.
Nenhuma das alterações subsequentemente introduzidas nas tabelas anexas ao Regulamento, a que deram lugar a Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, o Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de outubro, contendeu com os escalões ou ratio do agravamento previsto para os grandes litigantes.
12. A densificação necessária à operacionalização do regime especial previsto para os litigantes em massa, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, foi levada a cabo pela Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que veio regular o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades.
Tendo em vista a aferição do pressuposto de aplicação da taxa de justiça agravada prevista no n.º 3 do artigo 13.º do RCP, o artigo 14.º, n.º 1, da referida Portaria encarregou o sistema informático de disponibilizar às secretarias dos tribunais, sempre que uma sociedade comercial intentar uma ação declarativa cível, o número total de processos pela mesma instaurados no ano imediatamente anterior.
O artigo 14.º da Portaria n.º 419-A/2009 foi entretanto revogado pela Portaria n.º 200/2011, de 20 de maio — subsequentemente alterada pela Portaria n.º 267/2018, de 20 de setembro —, que passou a regulamentar todo o regime referente à determinação do universo das sociedades comerciais sujeitas à aplicação das tabelas I-C e II-B do RCP (artigo 1.º). Para efeitos de «aplicação da taxa de justiça prevista nas tabelas I-C e II-B do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com o n.º 3 do artigo 13.º do RCP», o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2011 veio estabelecer um procedimento especial de natureza contraditória, tendo por base uma lista a elaborar Direcção-Geral da Administração da Justiça até ao dia 15 de janeiro de cada ano civil, com sociedades comerciais que durante o ano civil anterior tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções (n.º 1, alínea a)).
O referido procedimento inicia-se com a notificação, até ao dia 25 de janeiro de cada ano civil, de todas as sociedades constantes da lista elaborada pela Direcção-Geral da Administração da Justiça, para a morada da sede constante no registo comercial, por carta registada com aviso de receção, com indicação de terem intentado entre 20 e 500 ou mais de 500 ações, procedimentos ou execuções (n.º 1, alínea b)). As sociedades comerciais destinatárias de tal notificação dispõem da faculdade de reclamar, dentro dos 10 dias subsequentes, junto da Direção-Geral da Administração da Justiça, apresentando uma relação dos processos intentados no ano civil anterior, ordenada por comarca e número de processo (n.º 2). A reclamação tem efeito suspensivo, no sentido em que impede a aplicação da taxa de justiça prevista nas tabelas I-C e II-B do RCP até à notificação da decisão final da Direção-Geral da Administração da Justiça, aplicando-se, durante esse prazo, o regime a que o reclamante estava sujeito no ano imediatamente anterior, nos casos em que a decisão não seja a de deferimento do recurso (n.º 3).
A publicidade do procedimento é assegurada através da publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt, no dia 15 de fevereiro de cada ano civil, da lista de sociedades comerciais que durante o ano civil anterior tenham intentado mais de 200 ações, procedimentos ou execuções, ordenada de forma decrescente por número de ações, procedimentos ou execuções intentadas, que não tenham reclamado da sua inclusão na lista provisória ou às quais tenha sido notificada a decisão que haja recaído já sobre tal reclamação (n.º 5). A referida lista é atualizada sempre que seja notificada uma decisão da Direção-Geral da Administração da Justiça após o dia 15 de fevereiro (n.º 6).
13. No que respeita à concreta afetação dos montantes correspondentes ao diferencial entre a taxa de justiça dita normal, ou valor de referência, e a taxa de justiça agravada, resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 14/2011, de 25 de janeiro, sujeito à Retificação n.º 8-A/2011, de 25 de março, e subsequentemente alterado pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que 50% do produto do agravamento da taxa de justiça imposta aos grandes litigantes se destina ao financiamento o Fundo para a Modernização da Justiça, ao qual, por sua vez, compete assegurar a sustentabilidade financeira de reformas essenciais já em curso ou projetadas, dotando para o efeito o sistema de novas fontes de financiamento. Conforme resulta do próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 14/2011, trata-se de um fundo com receitas próprias garantidas, de natureza e a origem muito diversificada e que visa a modernização judiciária, em particular a realização de ações de formação e de divulgação, a investigação científica, o apetrechamento dos tribunais, a introdução de novos processos e tecnologias, com o objetivo de aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços e, em geral, a atualização e modernização das demais infraestruturas do sistema de Justiça.
O destino dos restantes 50% do produto do agravamento da taxa de justiça imposta aos grandes litigantes é fixado, juntamente com o da taxa de justiça dita normal, encargos e custas de parte, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça. É o que resulta, desde logo, do artigo 39.º do RCP, ao abrigo do qual — ou melhor, também do qual — veio a ser aprovada a Portaria n.º 419.º-A/2009, de 17 de abril, sucessivamente alterada pelas Portarias n.ºs 179/2011, de 02 de maio, 200/2011, de 20 de maio, 1/2012, de 02 de janeiro, 82/2012, de 29 de março, 284/2013, de 30 de agosto e, finalmente, 267/2018, de 20 de setembro.
14. A taxa de justiça, suportada pelo seu valor de referência, é paga pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente ou recorrido (artigo 530.º, n.º 1, do CPC), e corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, a fixar em função do valor e complexidade da causa (artigo 529.º, n.º 2, do CPC). O agravamento resultante da aplicação das tabelas I-C e II-B anexas ao RCP a que se encontram sujeitos os litigantes em massa por força do regime especial previsto nos artigos 530.º, n.º 6, do CPC, e 13.º, n.º 3, daquele Regulamento, só por eles é devido quando intervenham como partes ativas em qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução; caso figurem na lide como partes passivas, suportarão a taxa de justiça em regra aplicável aos demais litigantes, determinada pelo seu valor de referência de acordo com as tabelas I-A, I-B e II-A, anexas ao RCP.
É sempre o impulso processual do interessado, qualquer que seja a posição que ocupe na lide, que o coloca na obrigação de pagamento da taxa de justiça. A taxa de justiça constitui a prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do sistema judiciário no quadro do exercício da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço desenvolvido ou da atividade prestada. Representa, assim, ainda que tendencialmente, o custo ou preço inerente à despesa suportada com a prestação daquele serviço, o que explica que a obrigação do seu pagamento recaia não apenas sobre a parte vencida, mas também sobre aquela que haja feito vencimento na ação. Embora igualmente sujeita ao pagamento da taxa de justiça, a parte que obtenha vencimento tem, no entanto, e em princípio, o direito a ser ressarcida pela parte vencida das custas que teve de suportar. Este ressarcimento ocorre no quadro do regime das custas de parte, a serem pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, de acordo com o disposto nos artigos 25.º e 26.º do RCP (Acórdão n.º 615/2018). O produto do agravamento da taxa de justiça suportado pelos grandes litigantes encontra-se, porém, excluído do âmbito dos valores que a parte vencida pode ser obrigada a pagar à parte vencedora a título de custas de parte. Por força do disposto no n.º 4 do artigo 26.º do RCP, tal agravamento é suportado apenas e sempre pelo litigante obrigado ao seu pagamento nos mesmos termos em que o são as multas, penalidades e taxa sancionatória.
15. A caracterização do quadro legal subjacente à questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso não ficaria completa sem uma referência final aos critérios de fixação da taxa de justiça devida pelos grandes litigantes, relativamente à chamada taxa de justiça normal.
De acordo com a linha orientadora que presidiu à aprovação do RCP, o objetivo foi adequar o «valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva» de que se entendeu dever participar também «o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores». Tendo em vista o «aperfeiçoamento da correspetividade da taxa de justiça», o critério de fixação do respetivo valor «com base numa mera correspondência face ao valor da ação» foi abandonado em favor de um «sistema misto», aberto à intervenção de fatores de correção da taxa baseados «na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial» (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 34/2008).
No caso da fixação das taxas agravadas devidas pelos grandes litigantes, a base deste sistema misto surge concretizada no âmbito dos vários escalões em que se encontram agrupadas, por um lado, as ações previstas na tabela I (coluna C) e, por outro, os incidentes, procedimentos e execuções contemplados na tabela II (coluna B). Deles resulta que, ao contrário do que sucede com as ações (tabela I), nem todos os incidentes, procedimentos e execuções (tabela II) dão causa ao referido agravamento. Este verifica-se apenas, e sempre (ou quase sempre) em medida inferior à majoração de 50% que tem lugar no âmbito daquelas, nos procedimentos cautelares até € 300.000 (com subida da taxa de 3 para 3,5 UCs) ou de valor igual ou superior a € 3000.000,01 (com elevação da taxa de 8 para 9 UCs), nos procedimentos cautelares de especial complexidade (com substituição pelo mínimo de 10 e máximo de 20 do intervalo de 9 a 20 UCs), nas execuções até € 30.000 (com aumento da taxa de 2 para 3 UCs) ou de valor igual ou superior a € 30.000,01 (com subida da taxa de 4 para 6 UCs), nas diligências de execução não realizadas por oficial de justiça (com elevação da taxa de 0,25 para 0,375 ou de 0,5 para 0,75 UCs, consoante do valor da execução se situe ou não abaixo dos € 30.000,01) e, por fim, nos requerimentos de injunção (registando-se subidas de 0,25 para 0,75, 1 para 1,5 e 1,5 para 2,25 UCs, consoante o valor).
16. Para contestar a conformidade constitucional da norma resultante dos artigos 530.º, n.º 6, do CPC, 13.º, n.º 3, do RCP, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, e respetiva Tabela II - B, na versão decorrente do Decreto-Lei n.º 126/2013, que prevê uma agravação da taxa de justiça nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a requerente segue duas linhas argumentativas distintas.
A primeira e mais relevante linha de argumentação parte da apreciação levada a cabo no Acórdão n.º 238/2014, que não julgou inconstitucional «a norma, decorrente da conjugação do n.º 6 do artigo 447.º-A, do Código de Processo Civil, e do n.º 3 do artigo 13.º, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com a qual as sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, balcão ou secretaria, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimento ou execuções, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça agravada nas ações, procedimentos e execuções que interponham».
De acordo com a recorrente, o juízo levado a cabo no referido aresto mostra-se, por um lado, insuficiente e, por outro, desatualizado em face dos dados empíricos relevantes: insuficiente porque se bastou «com a aferição da conformidade constitucional das normas à luz do princípio da igualdade, mormente no que tange à igualdade no acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, não cuidando de fazer um efetivo teste à proporcionalidade das normas, desde logo considerando que implicam uma constrição direta a diretos fundamentais», como seja «o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais da República»; desatualizado na medida em que passaram mais de cinco anos desde o momento em que o acórdão foi prolatado, «período esse em que ficou cabalmente demonstrado [...] que as normas em apreço, afinal, contrariamente ao assumido, não visaram (ou, pelo menos, não concretizaram) o pretenso fim de moralização e racionalização do recurso aos tribunais, a operacionalizar através do tratamento diferenciado dos litigantes em massa, a que aludia o Decreto-Lei n.º 34/2008, sobre o qual se erigiu a Reforma».
A segunda linha argumentativa ¾ subsidiária da anterior ¾ retoma a ideia de que a «sobretaxa que advém do agravamento que recai sobre os grandes litigantes», na medida em que consubstancia um imposto, ainda que «anómalo», se encontra sujeita à incidência dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos.
17. É dado assente que a Constituição não consagra um direito de acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito. O que prescreve é que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20.º, n.º 1).
Na sua dimensão defensiva, o direito de acesso ao direito tem como seu correlativo o dever do Estado se abster de privar qualquer categoria de sujeitos da faculdade de aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como de restringir desproporcionadamente essa faculdade, designadamente onerando-a em termos tais que, na prática, inviabilizem ou mesmo impeçam a obtenção da declaração do direito do caso através do recurso aos tribunais. Já na sua dimensão positiva ou prestacional, o direito de acesso ao direito pressupõe que o Estado organize e disponibilize a todos os indivíduos — pessoas individuais e pessoas coletivas — os meios judiciários e instrumentos processuais indispensáveis à efetivação daquele direito, levando em linha de conta a finitude dos recursos financeiros disponíveis e os custos económicos implicados no funcionamento do sistema de administração da justiça.
Em matéria de fixação da taxa de justiça devida pelos litigantes, o Tribunal vem reconhecendo ao legislador uma «uma larga margem de liberdade de conformação» na repartição dos «pesados custos do funcionamento da máquina da justiça, fixando a parcela que deve ser suportada pelos litigantes e a que deve ser inscrita no orçamento do Estado». Sem preterir, todavia ¾ afirmou-o também ¾ «a vinculação decorrente da tutela do acesso ao direito e à justiça, direito fundamental consagrado no artigo 20.º da Constituição, incompatível com a fixação de taxas de tal forma elevadas que percam um mínimo de conexão razoável com o custo e a utilidade do serviço prestado e, na prática, impeçam pela sua onerosidade a generalidade dos cidadãos de aceder aos Tribunais» (Acórdão n.º 361/2015). Deste último ponto de vista, está sobretudo em causa a ideia de que, apesar de não implicar uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo suportado pelos litigantes e o serviço que lhes é prestado pelo sistema de administração da justiça, a taxa de justiça, como taxa que é, continua a pressupor que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente», de tal modo que «uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Acórdão n.º 361/2015).
Na conformação do regime da taxa de justiça e fixação dos respetivos valores, pode dizer-se, pois, que a margem de discricionariedade legislativa se encontra sujeita a dois limites de natureza diversa: o primeiro é imposto pela bilateralidade inerente ao próprio conceito de taxa e veda a fixação de valores que não possam justificar-se à luz da relação sinalagmática que caracteriza e singulariza aquela espécie de tributo; o segundo resulta do artigo 20.º da Constituição e traduz-se na impossibilidade de onerar os litigantes com o pagamento de uma contraprestação pecuniária de tal modo elevada que comprometa ou frustre a efetivação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
18. A possibilidade de dissociar o diferencial correspondente ao agravamento que recai sobre os grandes litigantes do conceito de taxa a que o Tribunal vem reiteradamente reconduzindo a taxa de justiça (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 349/2002, 227/2007, 301/2009, 151/2011, 238/2014 e 615/2018) foi afastada no Acórdão n.º 238/2014 com base nos seguintes argumentos:
«[A] circunstância de parte da receita obtida com a taxa de justiça agravada estar adstrita ao financiamento de um ente público, para prossecução de específicas medidas de política de justiça, não a converte [também] em tributação autónoma, nem afeta de qualquer modo a sua natureza de taxa (de justiça). Persiste como contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça, constituído por uma pluralidade de elementos interconetados e que, enquanto sistema, envolve componentes de índole geral, transversais a todos as ações, procedimentos e execuções, mormente no que respeita a recursos centralizados, partilhados pelos tribunais, secretarias e balcões, por exemplo, no domínio dos sistemas de informação. Contrariamente ao que pretende o recorrente, a fixação da taxa de justiça a pagar pela parte atende necessariamente também a esse dispêndio por parte do Estado, não se podendo contrapor, como realidades díspares ou desgarradas – que não são -, um custo individual, atomístico, de cada pleito ou ato e um custo geral. Todos integram os custos do sistema de administração de justiça a financiar.
Compreende-se, então, numa visão integrada, que o legislador afete parte das receitas obtidas com o pagamento da taxa de justiça à modernização desses componentes centrais, entre as quais [parte da] a parcela da taxa de justiça especial imposta aos grandes litigantes, atendendo ao peso específico que tais utentes assumem no congestionamento da procura de justiça e correspondente pressão para a obtenção de maior eficácia, suscetível de garantir a pronta intervenção judicial para todos os que procurem aceder aos tribunais.
Ora, como vincou este Tribunal no Acórdão nº 76/88: "o que releva para a definição da relação sinalagmática, característica da taxa, não é propriamente a destinação financeira das receitas obtidas, mas antes a prestação, aos sujeitos tributados, de um serviço".
Esta doutrina foi seguida nos Acórdãos que não julgaram inconstitucional a norma do artigo 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de outubro, na parte em que estabelecia que, em caso de condenação penal, o arguido seria também condenado a pagar uma quantia equivalente a 1% da taxa de justiça aplicável, resultando implicitamente da mesma norma que tal quantia se destinava a contribuir para custear o pagamento da indemnização, por parte do Estado, às vítimas de crimes violentos (cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 377/94 e 323/99). Diz-se no citado Acórdão n.º 377/94, que “no que diz respeito à natureza sinalagmática, aquele adicional em nada se distingue da taxa de justiça propriamente dita. Se a taxa de justiça é, em geral, a contrapartida que o Estado autoritariamente cobra pela administração da justiça, aquele adicional de 1%, em termos gerais, nada mais representa, afinal, do que um agravamento dessa taxa em 1%.».
Não há qualquer razão para divergir de tal entendimento.
Para além de pouco razoável em si mesma, a possibilidade de fragmentação da natureza jurídica da taxa de justiça unitária estabelecida para os grandes litigantes de modo a reconduzir ao conceito de imposto — «imposto anómalo», na expressão da recorrente — o adicional que resulta da confrontação dos valores estabelecidos nas colunas A (taxa de justiça normal) e B (taxa de justiça agravada) da tabela II anexa ao RCP é contrariada pela contida significância, tanto em termos percentuais como absolutos, dos diferenciais em que se exprime a medida do agravamento, os quais, sendo insuscetíveis de comprometer a bilateralidade da relação entre o serviço prestado e a contraprestação devida, estão longe de justificar ou impor, ainda que apenas nessa parte, a requalificação do tributo.
Não há, assim, fundamento para convocar os princípios constitucionais da igualdade tributária, da generalidade e abstração e da capacidade contributiva, que regem em matéria de impostos, como parâmetros de validade da norma em causa.
19. Resta verificar se a norma sindicada constitui, relativamente aos grandes litigantes, uma restrição do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, e, em caso afirmativo, se tal restrição é compatível com as exigências a que o artigo 18.º, n.º 2, sujeita as leis restritivas de direitos liberdades e garantias. Ou, ainda que a resposta à primeira questão deva ser negativa, se a medida prevista observa em qualquer caso as exigências de equilíbrio, ponderação e justa medida a que o princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, sujeita a atuação do poder legislativo.
Em matéria de taxa de justiça, pode dizer-se que toda a contraprestação pecuniária cujo pagamento deva preceder a prática de certo ato processual ou, mais amplamente, a intervenção ou participação na lide do sujeito processual a tal obrigado, constitui uma forma de oneração do direito de acesso ao direito e aos tribunais. Ao impor ao litigante o encargo constituído pelo pagamento da taxa de justiça como condição da possibilidade de realização do seu interesse em provocar (ou reagir a) determinada intervenção do sistema judicial, a taxa de justiça constitui, paradigmaticamente aliás, um ónus de acesso ao direito.
Sucede que nem todos os ónus constituem, só por essa razão, verdadeiras restrições do direito onerado. Sê-lo-ão certamente aqueles que, pela sua dimensão, intensidade ou significado, interferirem com as reais possibilidades de efetivação do direito sobre que incidem, mas já não, pelo menos com igual evidência, os ónus ou encargos que se quedem pela indispensável definição das condições ou pressupostos do seu exercício, sem chegarem a comprometer verdadeiramente qualquer das faculdades que integram o conteúdo respetivo.
Ora, em matéria de fixação da taxa de justiça, apenas seria possível falar em restrição de um direito sem levar em linha de conta o valor, significado e expressão da contraprestação exigida no património de quem se encontra a ela obrigado se a Constituição consagrasse — e vimos já que não consagra — um direito geral de acesso gratuito ou tendencialmente gratuito ao direito e aos tribunais. Quanto ao direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, a possibilidade de classificar como verdadeira restrição a subordinação do impulso processual do interessado ao pagamento de uma taxa de justiça depende sempre do nível de condicionamento a que é por essa forma sujeita a faculdade de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido. Fora deste âmbito, a obrigação de pagamento da taxa de justiça constituirá apenas um limite objetivo que os custos implicados no funcionamento do sistema judicial traçam à dimensão prestacional do direito de acesso ao direito, cuja concretização, como se sabe, se encontra sujeita à reserva do financeiramente possível, em tudo o que exceda o conteúdo mínimo essencial do direito.
20. Notou-se já que a introdução de uma taxa de justiça agravada para sociedades comerciais que tenham dado entrada (num tribunal, secretaria judicial ou balcão) no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, ações, procedimentos ou execuções, levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, teve em vista não apenas a «moralização e racionalização do recurso aos tribunais, com o tratamento diferenciado dos litigantes em massa», mas também uma «repartição mais justa e adequada dos custos da justiça» (vide supra, ponto 10.), tendo como pressuposto que a grande litigância, entendida como o recurso massivo aos tribunais por parte de um número limitado de utilizadores, constitui um relevante fator de congestionamento e retração da resposta do sistema judicial.
Perante a impossibilidade de maximização da capacidade de reação do aparelho judiciário de modo a neutralizar o impacto dessa procura massiva, o legislador encontrou no agravamento da tributação dos grandes litigantes um meio necessário e adequado para superar tal disfunção.
Como se assinalou no referido Acórdão n.º 238/2014:
«[A] ratio da norma em apreço assenta fundamentalmente no impacto global e sistémico que a grande litigância assume.
Na verdade, tais utentes do serviço de justiça, pela escala que atingem, são responsáveis por afetação significativa de recursos, materiais e humanos, e, inerentemente, numa visão agregada e de conjunto, a respetiva quota parte na utilização do sistema de administração de justiça mostra-se proporcionalmente mais elevada relativamente ao utilizador ocasional do sistema de administração da Justiça.
Do mesmo jeito, o volume de litigância desencadeado por tais agentes económicos significa que, globalmente, são também aqueles que maior vantagem retiram do serviço de justiça, traduzindo a massificação das ações, muitas vezes com causa de pedir similares, igualmente uma posição de maior facilidade no acesso ao direito e à justiça relativamente aos demais sujeitos processuais.
Como, em especial, na medida em que canalizam para si parte importante dos recursos disponíveis, tais utilizadores penalizam a prontidão da apreciação das pretensões apresentadas por quem recorre de forma pontual ou acidental ao sistema de administração da justiça.
Mostra-se razoável, então, e de acordo com o sentido de equilíbrio de valores ínsito no princípio da equivalência, que o montante de taxa de justiça a pagar pela interposição em juízo de ações, procedimentos ou execuções por tais agentes económicos se aproxime mais do custo integral do serviço, reduzindo correspondentemente a margem suportada pelo Estado».
Para além da racionalização do recurso aos tribunais — finalidade cuja pertinência é menos evidente quando se trate de um direito que não possa ser exercido senão através do direito de ação judicial —, a diferenciação estabelecida ao nível da tributação dos grandes litigantes encontra, assim, justificação na intensidade do nível de utilização do aparelho judiciário por parte daqueles agentes económicos e nas consequências que essa acentuada procura produz ao nível da estruturação, dimensionamento e gestão do sistema de administração da justiça.
No caso dos litigantes em massa, a vantagem ou benefício retirado de cada processo interposto supõe, em termos reais, uma prestação mais onerosa por parte do sistema de administração de justiça, na qual vai refletido o custo económico inerente, quer à concentração de meios exigida pelo volume de pendência desencadeada por aquele universo específico de utilizadores, quer ao decréscimo dos níveis de desempenho e de eficiência na resposta às solicitações dos demais utentes.
Ora, através da agravação da taxa de justiça a cargo daqueles que, provocando a intervenção dos tribunais duzentas ou mais vezes em cada ano, colocam ao serviço da tutela dos seus próprios interesses uma parte significativa dos recursos disponíveis, visa-se projetar sobre a contraprestação pelos mesmos devida o impacto do recurso quantitativamente diferenciado aos tribunais, fazendo-a incorporar o valor económico associado ao peso assim gerado sobre o aparelho judiciário, bem como à correlativa diminuição da sua capacidade para, em prazo razoável — que é o tempo constitucionalmente devido (artigo 20.º, n.º 4) — assegurar uma tutela jurisdicional efetiva às pretensões provindas de outros sectores da comunidade.
Para além da tradução que encontra nos próprios pressupostos de aplicação da norma sindicada, tal propósito é, de resto, inteiramente confirmado pela alocação parcial do diferencial que resulta do agravamento da taxa de justiça ao financiamento das reformas essenciais do sistema de administração da justiça (vide supra, ponto 13.), de cujos resultados poderão beneficiar todos os respetivos utilizadores no futuro.
21. Tendo apenas lugar quando os litigantes em massa intervenham como partes ativas na lide e encontrando-se, além do mais, excluído do âmbito dos valores que a parte vencida pode ser obrigada a pagar à parte vencedora a título de custas de parte (vide supra, ponto 14.), o agravamento da taxa de justiça a suportar pelos grandes litigantes não constitui, do ponto de vista da finalidade prosseguida, uma medida inidónea ou inadequada. Contemplando tal finalidade uma repartição mais equitativa dos custos inerentes ao funcionamento do sistema de administração da justiça através do aumento da contraprestação devida pelos seus principais utilizadores, pode mesmo dizer-se que os argumentos invocados pela recorrente, se em algum sentido apontam, é justamente no contrário. Com efeito, se, nos últimos cinco anos, «ficou cabalmente demonstrado, do ponto de vista empírico, que as normas em apreço, afinal, contrariamente ao assumido, não visaram (ou, pelo menos, não concretizaram) o pretenso fim de moralização e racionalização do recurso aos tribunais», o que isso significa é que os grandes litigantes continuam a ser aqueles que mais diretamente consomem e absorvem os recursos disponíveis do sistema de justiça, conclusão para a qual, de resto, cabalmente apontam os dados empíricos mais recentes: de acordo com a última lista disponível (acessível https://www.citius.mj.pt/portal/consultas/Custas/Portaria200-2011.aspx), setenta entidades deram entrada a mais de 200 ações, procedimentos ou execuções no ano de 2019, trinta e seis das quais, entre elas a recorrente, a mais de 500.
Não sendo configurável qualquer outro mecanismo igualmente apto e eficaz para a prossecução do fim visado ¾ o que contraria a alegação de que o legislador recorreu a um meio desnecessário para aquele efeito ¾, resta verificar se existe alguma desproporção entre o nível de realização do interesse visado e o grau do sacrifício imposto aos grandes litigantes em resultado da medida adotada. A resposta é negativa por duas ordens de razão.
Em primeiro lugar, a qualificação de qualquer sociedade como grande litigante para efeitos de aplicação da taxa de justiça agravada não é nem definitiva, nem automática: para além de anualmente revista, tal classificação encontra-se subordinada a um procedimento especial de natureza contraditória, que assegura, além do mais, o efeito suspensivo da reclamação que qualquer sociedade venha a apresentar contra a sua perspetivada inclusão na lista de sociedades com mais 200 ações (vide supra ponto 12).
Em segundo lugar, a medida do agravamento da taxa de justiça aplicável aos grandes litigantes (vide supra, ponto 15.) está longe de poder ser considerada, como o presente caso bem o demonstra, excessiva ou desproporcionada.
No âmbito de uma execução até € 30.000,00 e sempre que as diligências de execução não sejam realizadas por oficial de justiça, a taxa de justiça a suportar pela exequente é no valor de € 32,25 (equivalente a 0,375 UC, correspondente ao valor de inscrito na tabela II-B, anexa ao RCP), comportando assim o diferencial de € 6,75 (0,125 UC), relativamente à taxa de justiça normal (€ 25,50, correspondente a 0,25 UC, valor inscrito na tabela II-A).
Fácil é, assim, de concluir que o critério legal adotado no caso sub judice não conduziu à aplicação de uma taxa agravada manifestamente excessiva. A taxa devida continua a encontrar justificação no princípio da cobertura parcial dos custos inerentes ao funcionamento do aparelho judiciário, estando numa relação de correspondência sinalagmática perfeitamente tangível com a prestação a que a recorrente deu causa, sobretudo quando avaliada a partir do impacto originado pela elevada pendência de ações similares da iniciativa do mesmo litigante e a contribuição do seu somatório para a diminuição da oferta disponibilizável pelo sistema de administração da justiça.
A norma sindicada não é, em suma, constitucionalmente censurável, pelo que o recurso deverá improceder.
II. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
Não julgar inconstitucional a norma resultante do artigo 530.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, artigo 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, e respetiva Tabela II - B, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 13 de fevereiro, que prevê uma agravação da taxa de justiça nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, a 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções; e, em consequência,
Julgar improcedente o recurso interposto pela A., S.A..
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os fatores referidos no n.º 1 do respetivo artigo 9.º.
Lisboa, 13 de julho de 2020 - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Gonçalo Almeida Ribeiro - João Pedro Caupers
Atesto o voto de conformidade do Juiz Conselheiro Lino Ribeiro, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio).
Joana Fernandes Costa