ACÓRDÃO Nº 302/2020
Processo n.º 802/2019
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. A., SAD, instaurou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 4.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada em anexo à Lei n.º 74/2013, de 06 de Setembro, recurso de impugnação dos acórdãos do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Não Profissional datados de 07 de Março de 2017, no âmbito do Processo n.º 17/2016, de 07 de Março de 2017, no âmbito do Processo n.º 22/2016, e de 14 de Março de 2017, no âmbito do Processo n.º 24/2016.
No primeiro processo, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol confirmara as seguintes multas que haviam sido aplicadas ao recorrente em processo sumário:
a) Multa de 3.060€, por força do artigo 127.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar (RD), ex vi artigo 35.º, n.º 1, alínea l), do Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP (RCLPFP) e artigo 6.º, n.º 1, alínea g), e artigo 9.º, n.º 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento;
b) Multa de 3.825€, com fundamento no artigo 183.º, n.º 1 do RD;
c) Multa de 7.650€ por aplicação do artigo 186.º, n.º 1 do RD;
d) Multa de 1.145€ por aplicação do artigo 187.º, n.º 1, alínea a) do RD;
e) Multa de 4.820€ por aplicação do artigo 187.º, n.º 1, alínea b) do RD.
Junto do TAD o ali demandante, A., SAD, impugnou as sanções descritas nas alíneas a), c), d) e e), tendo-se conformado com a sanção descrita em b).
No segundo processo, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol confirmara as seguintes multas que haviam sido aplicadas ao recorrente em processo sumário:
a) Multa de 1.148€ por força do artigo 127.º, n.º 1 do RD, ex vi artigo 35.º, n.º 1, al. l) do Regulamento das Competições Organizadas pela LPFP e artigo 6.º, n.º 1, al. g) e artigo 9.º, n.º 1, alínea m), subalínea vi), ambos do Anexo VI do mesmo Regulamento;
b) Multa de 383€ por força do artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do RD;
c) Multa de 1.760€ por força do artigo 187.º, n.º 1, alínea b), ex vi do artigo 56.º, n.º 3, ambos do RD.
Junto do TAD, o ali demandante, A., SAD, impugnou as sanções descritas em a) e c), tendo-se conformado com a sanção descrita em b).
No terceiro processo, o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol confirmou as seguintes multas que haviam sido aplicadas ao recorrente em processo sumário:
a) Multa de 536€, por aplicação do artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do RD;
b) Multa de 2.525€, por aplicação do artigo 187.º, n.º 1, alínea b), do RD.
Junto do TAD, o ali demandante, A., SAD, impugnou ambas as sanções descritas.
O TAD, por acórdão de 22 de novembro de 2017, decidiu, a final, o seguinte:
- «Julgar improcedente a questão da inconstitucionalidade dos arts. 186.º e 187.º, n.º 1, do RD suscitada pela Demandante e da invalidade dos Relatórios de Jogo e de Ocorrências».
- «Julgar procedente o pedido de anulação das multas aplicadas nos processos disciplinares 17/2016, 22/2016 e 24/2016, ao abrigo dos artigos 127.º, 186.º, n.º 1 e 187.º n.ºs 1 alíneas a) e b) do RD, salvaguardando as infracções com as quais a Demandante, relativamente a cada um deles, se conformou, mantendo-se, nesses casos, as sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina».
- «Negar provimento ao pedido de reconhecimento de isenção de custas formulado pela Demandada, com fundamento no despacho do Senhor Presidente do TAD proferido no Proc. n.º 2/2015».
- «Custas pela demandada».
Inconformada, a demandada Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS). Por acórdão de 24 de janeiro de 2019, foi negado provimento ao recurso e confirmado o acórdão do TAD, com condenação da recorrente Federação Portuguesa de Futebol em custas.
Novamente inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que, através de acórdão de 19 de junho de 2019, veio manter o acórdão recorrido na parte em que julgou que não é exorbitante o montante das custas finais apurado pelo TAD e conceder provimento ao recurso na parte restante, revogando o acórdão recorrido e ordenando a baixa dos autos ao TCAS para os efeitos nele estabelecidos.
2. Desta decisão, o A., SAD recorreu para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), enunciando, no requerimento de interposição do recurso, quatro questões de constitucionalidade.
O Tribunal Constitucional proferiu a Decisão Sumária n.º 750/2019, onde decidiu não conhecer das primeiras três questões de constitucionalidade delimitadas no requerimento de interposição do recurso e determinar a prolação de alegações quanto à quarta questão de constitucionalidade apresentada. A questão resultou delimitada no ponto 6 da referida Decisão Sumária da seguinte forma: «o critério normativo extraído da conjugação do disposto artigo 2.º, n.os 1 e 5, e respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro, no sentido de que a fixação das custas finais pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, em ações de valor inferior a € 30.000,00, é automática, não permitindo a sua conformação pelo julgador em função das especificidades do caso concreto».
3. O recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (pp. 28-35 das alegações):
«– I–
«1. A Recorrente dirigiu-se ao Tribunal Arbitral do Desporto para impugnar três condenações disciplinares em que foi punida em multas que perfizeram um valor total de € 22.644,00. Fê-lo como única e obrigatória via processual de reação à condenação administrativa que sofreu, por decisão da recorrida FPF, no contexto de uma arbitragem necessária.
2. Uma vez determinada a apensação de processos (proc. n.º 11/2017, proc. n.º 12/2017 e proc. n.º 14/2017), decidiu o Tribunal Arbitral fixar as custas finais do processo na quantia de € 15.313,50.
3. O valor de custas finais arbitrais fixado, por via da aplicação dos critérios legalmente definidos, é totalmente desproporcional e compromete, de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).
4. No seu recurso de constitucionalidade, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º-l e 268.º-4 da CRP e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), da norma resultante da conjugação do disposto no art. 2.º, n.ºs 1 e 5 (respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha, da Portaria n.º 301/2015) com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD - é essa inconstitucionalidade que, em primeira linha, a recorrente pretende ver afirmada, razão pela qual a presente motivação começará por sustentar essa posição.
5. Não obstante, procurar-se-á ainda, em segunda e subsidiária linha, sustentar igualmente a inconstitucionalidade do critério normativo extraído da conjugação do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1 e 5, e respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de Setembro, no sentido de que a fixação das custas finais pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, em ações de valor inferior a € 30.000, é automática, não permitindo a sua conformação pelo julgador em função das especificidades do caso concreto.
–II–
6. Consignando-se como critério jurisprudencial que não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.º e 268.º-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito, é forçoso concluir que o quadro legal vigente relativo às custas do TAD aplicado in casu (art. 2.º, n.ºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (1.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, e ainda com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD), sendo substancialmente desincentivador do recurso à jurisdição do TAD, traduz uma violação intolerável dos normativos constitucionais vigentes em matéria de custas.
7. Não podendo perder-se de vista que se trata de uma forma de jurisdição privada, que é imposta obrigatoriamente aos potenciais lesados por decisões unilaterais praticadas por entidades desportivas no exercício de poderes de autoridade.
8. O que se contesta é, pois, que, da aplicação de um tal critério legal, possa resultar a cobrança de taxas de justiça manifestamente desproporcionais ao custo do concreto serviço de justiça prestado, atento o grau de complexidade dos processos e a utilidade que o cidadão deles retirou.
9. Importando sindicar - à luz do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela jurisdicional efetiva - o próprio critério normativo de apuramento de custas consagrado nas disposições conjugadas no art. 2.º, n.ºs 1 e 5 e tabela constante do Anexo I (1.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, e ainda nos arts. 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD; independentemente de qualquer juízo que possa ser tecido quanto à avaliação casuística da particular onerosidade para o litigante de cada caso concreto submetido à arbitragem.
10. Afinal, o princípio da equivalência constitucional dos tribunais arbitrais e tribunais estaduais, na perspetiva das garantias dos cidadãos, impõe, desde logo, que a regulamentação legal dos processos que correm termos nos tribunais arbitrais necessários deva estar sujeita aos mesmos princípios constitucionais que regem as normas respeitantes aos processos judiciais, competindo assim ao Estado assegurar, em qualquer caso, os valores tutelados pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva.
11. O princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (consagrado nos arts. 20.º-l e 268.º-4 da CRP) consubstancia, em si mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, inerente, por isso à ideia de Estado de Direito.
12. Este direito comporta, desde logo, numa das suas dimensões, a necessidade de os encargos fixados na lei ordinária das custas, pelo serviço prestado, não serem de tal modo exagerados que o tornem incomportável para a capacidade contributiva do cidadão médio, desincentivando a que, apenas por via disso, se deixe de recorrer aos meios de tutela ao dispor.
13. Direito cuja força normativa se intensifica quando em causa está o exercício de um poder sancionatório público por parte de órgãos de natureza administrativa: a possibilidade de recorrer a um tribunal para sindicar a legalidade de uma condenação administrativa é conditio sine qua non da solvabilidade constitucional de um processo sancionatório administrativizado.
14. Os Tribunais Arbitrais - independentemente da sua qualificação como voluntários ou necessários - são perspetivados, mormente pela jurisprudência constitucional (Ac. n.º 230/86; Ac. n.º 230/2013 e Ac. n.º 781/2013), como verdadeiros e próprios tribunais, submetendo-os às mesmas exigências formais, orgânicas e materiais a que submetem os Tribunais do Estado, sendo, por isso, de aplicar às custas dos processos arbitrais necessários o essencial da parametrização constitucional que a jurisprudência constitucional tem desenvolvido em matéria de custas judiciais.
15. Precisamente por isso, o acesso aos tribunais arbitrais não pode, desde logo, ser denegado por insuficiência de meios económicos; nem as custas dos processos podem atingir valores de tal forma elevados que inviabilizem, na prática, o acesso a esse serviço de justiça.
16. Quer se trate ou não de um exercício privado da função jurisdicional, o que está em causa é sempre a prestação de um serviço público de justiça, não podendo, nesta senda, sobrepor-se aos concretos interesses legalmente protegidos dos litigantes critérios relacionados exclusivamente com o particular modo de funcionamento do Tribunal.
17. É precisamente a natureza obrigatória e condicionadora deste tipo de processos arbitrais que justifica a aplicação de parâmetros de conformação material que efetivamente garantam um mínimo de proporcionalidade, obstando à conformação de soluções excessivamente onerosas (e por essa via necessariamente restritivas) e aproximando-se, o mais possível, dos valores dos custos impostos no acesso à justiça estadual.
18. Ao contrário da arbitragem voluntária, em que pode fazer sentido invocar critérios de celeridade e natureza economicista para justificar um incremento das custas processuais (face ao tribunais estaduais), no caso da arbitragem necessária, o concreto benefício que as partes retiram do serviço de justiça prestado pelo TAD – ainda que se possa entender ser, em termos de celeridade e especialização, superior ao oferecido nos tribunais administrativos comuns - é um benefício forçado (subtraído à livre vontade das partes).
19. A circunstância de a justiça desportiva exigir um mecanismo alternativo de resolução de litígios que se coadune com as suas especificidades de celeridade e especialização, não pode assumir-se de tal maneira onerosa que resulte numa impossibilidade real de ver sindicadas as decisões sancionatórias proferidas por órgãos disciplinares com poderes de natureza pública.
20. Isto, sob pena de redundar num manifesto caso de restrição constitucionalmente inadmissível do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, contribuindo, por seu turno, para a criação e perpetuação de uma verdadeira e intolerável “«Justiça» para ricos”!
21. Considerando os postulados e as premissas fundamentadoras que sustentaram o sentido da decisão de não inconstitucionalidade recentemente tomada por este Tribunal Constitucional, também nesta 1.ª Secção, no recente Ac. n.º 543/2019, haverá necessariamente que confrontá-los com dados empíricos, retirados da experiência concreta da jurisdição do Tribunal Arbitral do Desporto.
22. Basta compulsar os dados disponíveis no site do Tribunal Arbitral do Desporto, para perceber que a larga maioria das ações de arbitragem necessária foram intentadas pelos 4 principais clubes desportivos portugueses (A1, B., C. e D.) ou pelos seus agentes desportivos (dirigentes, atletas e outros colaboradores), representando, no período 206/2019, um total de 57% dessas ações - verificando-se que no ano 2017, 2/3 das ações foram intentadas pelos chamados 3 grandes (A1, B. e C.).
23. E é assim, não porque a generalidade dos demais clubes e agentes desportivos não se tenham deparado com numerosas situações / condenações em que poderiam ter interesse em recorrer para o TAD, mas simplesmente porque não se podem dar ao luxo de arcar com o risco das exorbitantes custas do TAD.
24. Analisadas as estatísticas publicitadas no endereço de internet do Tribunal Arbitral do Desporto, resulta evidente e incontornável uma única conclusão: recorre para o TAD apenas e só quem, à partida, tem condições económicas para o fazer!
25. Havendo, portanto, todo um larguíssimo número de clubes e de agentes desportivos – na ordem dos milhares – que, por razões de incapacidade económica, estão pura e simplesmente à margem da tutela jurisdicional “oferecida” pelo TAD.
26. Tudo o que é claramente demonstrativo do efeito injustificadamente inibidor que a forma de apuramento do valor das custas em litígios submetidos ao TAD tem no acesso à justiça arbitral necessária.
Ademais,
- III-
27. Repetindo-se invariavelmente as partes envolvidas nos litígios, o financiamento do Tribunal Arbitral do Desporto acaba por decorrer (unicamente) da ação de algumas poucas entidades, o que obviamente compromete as condições de independência e imparcialidade em que funciona este Tribunal.
28. O que se tem concretamente verificado é uma sucessiva e sistemática nomeação dos mesmos árbitros pelas partes, pondo assim em causa a garantia de um estatuto de efetiva autonomia económico-financeira em relação a todas as partes potencialmente envolvidas nos litígios que compete àquele Tribunal decidir.
29. De facto, de 2016 a 2019, há uma sistemática nomeação de 4 árbitros (num universo de várias dezenas: atualmente são 40), designadamente, dos árbitros E., F., G. e H..
30. Se um mesmo árbitro é nomeado dezenas de vezes pela mesma parte, como efetivamente vem sucedendo, quer do lado dos demandantes quer do lado dos demandados, a remuneração a que terá direito no termo do processo constituirá um forte incentivo a decidir em função dos interesses da parte que o indicou ou que tem por hábito indicá-lo.
31. Trata-se, pois, de um sistema altamente perverso, que favorece um seguidismo decisório alinhado com as partes, o que representa a mais lídima denegação dos princípios da independência e da imparcialidade. Princípios esses que não poderão ser invocados para justificar o atual sistema de custas do TAD.
32. Face ao exposto, impõe-se a conclusão de que as normas conjugadamente aplicadas in casu para fixar o valor das custas finais (art. 2.º, n.ºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (1.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.71/2/3 e 77.74/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º-l e 268.º-4 da CRP).
Sem prescindir,
–IV–
33. Apelando-se ao critério avançado pelo Tribunal Constitucional no Ac. n.º 543/2019 - “os eventuais excessos (...) devem ser sinalizados caso a caso em função do concreto valor processual da causa e do concreto valor das custas processuais cobradas” - é forçoso reconhecer que em dois dos casos aqui em sindicância (processos do TAD n.º 12/2017 e 14/2017), sendo os valores das custas muito superiores ao valores das ações arbitrais, o regime legal conduz a resultado tributário desproporcionado, enfermando por isso de inconstitucionalidade, fundada na violação dos princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efetiva.
Novamente sem prescindir,
–V–
34. Caso venha este Tribunal a considerar ser “suficiente para suportar a questão da constitucionalidade (...) os indicados artigos 2.º, nºs 1 e 5, e respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha (...) da Portaria n. º 301/2015, de 22 de setembro”, a Recorrente reitera e faz seu o douto entendimento exarado pela Exma. Juíza Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros na declaração de voto vencido proferida no acórdão n.º 543/2019 deste Tribunal Constitucional.
35. Sendo que, no sentido da inconstitucionalidade fundada na automaticidade do apuramento das custas, depõem ainda circunstâncias como as seguintes: a) impossibilidade de redução das custas no caso de haver uma conexão de processos, assente na identidade das partes e na similitude dos factos e das questões jurídicas a resolver - como sucede in casu -, o que obviamente resulta numa múltipla (e injustificada) tributação; b) desconsideração da complexidade e novidade das questões jurídicas objeto da causa arbitral na determinação da retribuição devida aos árbitros, quando é certo que, atualmente, a larga maioria dos processos incide sobre uma matéria em relação à qual existe já jurisprudência uniforme do STA, a da responsabilização dos clubes pelo mau comportamento dos seus sócios e simpatizantes; c) desconsideração da condição socioeconómica do demandante.
36. Também por esta via se impondo a desaplicação in casu do critério normativo de apuramento de custas consagrado no artigo 2.º, n.ºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (1.ª linha) da Portaria n.º 301/2015, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP).
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem julgar inconstitucionais as normas do artigo 2.º, n.ºs 1 e 5 da Portaria n.º 301/2015, conjugado com a tabela constante do Anexo I (1.ª linha) dessa mesma Portaria, por violação do princípio da proporcionalidade (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).
Sem prescindir,
Deverão aquelas normas ser julgadas inconstitucionais, por violação dos mencionados princípios, na medida em que imponham uma tributação de € 5.104,50 a ações arbitrais com os valores de € 2.908,00 e de € 3.061,00.
Ainda sem prescindir,
Deverá ser julgado inconstitucional o critério normativo extraído das normas do artigo 2.º, n.ºs 1 e 5 da Portaria n.º 301/2015, conjugado com a tabela constante do Anexo I (1.ª linha) dessa mesma Portaria, por violação do princípio da proporcionalidade (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), no sentido de que a fixação das custas finais pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, em ações de valor inferior a € 30.000,00, é automática, não permitindo a sua conformação pelo julgador em função das especificidades do caso concreto.»
4. Regularmente notificada, a recorrida não apresentou contra-alegações.
5. Na sequência das alegações produzidas, evidenciando-se que não foi proferida nenhuma condenação do recorrente em custas, foram as partes notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre a eventualidade de o recurso não ser conhecido.
O recorrente não se pronunciou.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A) Questão prévia do conhecimento do recurso
6. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC). Constitui requisito do conhecimento deste recurso, para além da suscitação prévia de uma questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado e tempestivo, a invocação de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa –, que tenha sido aplicado como ratio decidendi da decisão recorrida (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Este último requisito é uma consequência da função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade.
7. Nos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, a competência específica do Tribunal Constitucional para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (artigo 221.º da Constituição), não pode deixar de articular-se com o poder constitucionalmente atribuído aos demais tribunais para apreciarem e decidirem questões de inconstitucionalidade (artigo 204.º da Constituição). Por essa razão, a intervenção do Tribunal Constitucional ocorre em via de recurso restrito à questão da inconstitucionalidade (artigo 280.º, n.ºs 1, 2 e 6). Neste contexto, o recurso de constitucionalidade «não é, (…), uma ação destinada a impugnar de modo direto e abstrato, a conformidade constitucional (…) de uma norma, mas sim um instrumento concedido às partes no processo para defenderem os seus direitos e interesses (dimensão subjetiva) e ao juiz e ao MP (dimensão objetiva) para obterem a conciliação da sua dupla sujeição aos atos normativos e à Constituição (cfr. arts. 202.º e 204.º)» (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 955).
Como se salientou no Acórdão n.º 565/2016, da 2.ª Secção, ponto 5, «(…) existe uma interdependência entre a questão de inconstitucionalidade cognoscível pelo Tribunal Constitucional e o sentido da decisão recorrida, em termos de apenas se justificar decidir a primeira, caso o sentido da segunda possa vir a ser alterado por aquela decisão, nomeadamente no caso de ser dado provimento ao recurso de constitucionalidade. Ou seja, se a concessão de provimento ao recurso de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional for, de todo, insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida, não há que conhecer de tal recurso; de contrário, o Tribunal Constitucional praticaria um ato inútil». Assim, pode ler-se ainda no mesmo Acórdão, no ponto 6, «O único “desfecho da causa” que importa ao recurso de constitucionalidade é aquele que se projeta na decisão recorrida, seja mantendo-a, seja determinando a sua reforma. E isto, independentemente, de, para além da projeção de efeitos sobre a decisão recorrida, poder a eficácia da decisão do Tribunal Constitucional proferida em sede de fiscalização concreta desenvolver-se noutras direções (v., por exemplo, o artigo 79.º-D, n.º 1, e 82.º, ambos da LTC)».
Dada a natureza instrumental de que se revestem os recursos para o Tribunal Constitucional em relação à decisão recorrida da causa em que surge a questão de constitucionalidade, é em função do impacto sobre essa decisão do julgamento do Tribunal Constitucional que tem de ser aferida a utilidade do conhecimento do objeto do recurso.
8. O presente recurso visa a apreciação da norma que determina que a fixação das custas finais pela intervenção do Tribunal Arbitral do Desporto, em ações de valor inferior a € 30.000,00, é automática, não permitindo a sua conformação pelo julgador em função das especificidades do caso concreto, resultando da interpretação conjugada do artigo 2.º, n.ºs 1 e 5, e tabela constante do anexo I, 1.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, de 22 de setembro. Este enunciado concretiza a questão de constitucionalidade da norma que o recorrente pretende ver apreciada e que o mesmo extrai da conjugação dos «artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, (respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha da Portaria n.º 301/2015), com os artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD», conforme suscitou nas contra-alegações que apresentou junto do Tribunal a quo, o Supremo Tribunal Administrativo.
É entendimento do recorrente que a referida norma viola o princípio da proporcionalidade e do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, quer se atenda ao critério da automaticidade do apuramento das custas, quer se apele ao critério avançado pelo Tribunal no Acórdão n.º 543/2019, segundo o qual «os eventuais excessos (…) devem ser sinalizados caso a caso em função do concreto valor processual da causa e do concreto valor das custas processuais cobradas».
Ora, é manifesto que qualquer dos referidos critérios visa a fixação das custas, pressupondo, por conseguinte, que haja uma condenação com essa incidência.
Acontece que o recorrente – A., SAD - não foi condenado em custas em nenhuma das instâncias jurisdicionais. Não o foi, desde logo, no TAD, que julgou procedente o pedido que apresentou de anulação de algumas multas que lhe haviam sido aplicadas pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, condenando em custas a ali demandada, Federação Portuguesa de Futebol. Voltou a não ser condenado em custas no TCAS, que, conhecendo do recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol, confirmou a decisão do TAD, condenando em custas, de novo a recorrente Federação Portuguesa de Futebol.
Decisivo é, no entanto, que da decisão do STA – que revogou o acórdão do TCAS, ordenando a baixa do processo àquele tribunal para aí se proceder novamente à valoração da prova e concluir em conformidade – também não consta nenhuma condenação em custas do A., SAD. Desta decisão, agora recorrida, não consta sequer qualquer condenação em custas, seja do ora recorrente, ali recorrido, A., SAD, seja da ali recorrente Federação Portuguesa de Futebol. É quanto basta para concluir pela inutilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade colocada. Com efeito, como o Tribunal Constitucional de há muito tem afirmado, «O julgamento da questão de constitucionalidade desempenha sempre, na verdade, uma função instrumental, só se justificando que a ele se proceda se o mesmo tiver utilidade para a decisão da questão de fundo. Ou seja: o sentido do julgamento da questão de constitucionalidade há-de ser suscetível de influir na decisão destoutra questão, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica» (cfr. Acórdão n.º 86/90, da 2.ª Secção, ponto 5). Seria o caso da decisão que conhecesse do objeto do presente recurso.
9. Não se ignora que da fórmula decisória do acórdão recorrido consta a decisão de «manter o acórdão recorrido na parte em que julgou que não é exorbitante o montante das custas apurado pelo TAD». Esta menção resulta da apreciação que naquele acórdão foi feita da questão de constitucionalidade atinente à norma extraída da conjugação dos «artigos 2.º, n.ºs 1 e 5, (respetiva tabela constante do Anexo I, 1.ª linha da Portaria n.º 301/2015), com os artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD», suscitada pelo A., SAD, nas contra-alegações que apresentou ao recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol. O STA apreciou, assim, a questão que tinha sido suscitada pelo A., SAD para o caso de o recurso interposto pela Federação Portuguesa de Futebol vir a ser julgado procedente (como veio a acontecer), tendo em vista uma possível reversão da anulação das multas aplicadas pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ao clube, e a sua consequente condenação.
Todavia, não havendo, até ao momento nenhuma parte condenada em custas nos presentes autos, não existe nenhuma decisão judicial suscetível de ser mantida ou alterada em função do julgamento que o Tribunal Constitucional fizer sobre a constitucionalidade do critério normativo adotado na respetiva fundamentação.
Ora, como já foi referido, o sentido da instrumentalidade do recurso para o Tribunal Constitucional decorre da possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade da norma ou dimensão normativa que configura objeto do recurso se repercutir, de forma útil e eficaz, na ratio decidendi da solução jurídica adotada no tribunal a quo. Como se tem vindo a salientar, a função instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade «visa obter a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade normativa suscitada incidentalmente num processo concreto, e da qual dependa a decisão deste processo. Se a referência à norma em questão aparece como mero obiter dictum (…) a intervenção do Tribunal Constitucional viria a revelar-se inútil, no caso concreto, por não ser suscetível de vir a alterar o decidido (…)» (Acórdão n.º 389/2000, da 2.ª Secção, ponto 4). Nesse sentido, não basta, que o tribunal a quo tenha julgado determinada norma não inconstitucional. Indispensável, para assegurar a utilidade de um tal recurso é ainda que esse juízo de constitucionalidade tenha repercussão efetiva na decisão recorrida, por a norma delimitada como objeto do recurso constituir fundamento jurídico determinante da solução dada ao pleito pela instância. Só nesse caso a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando necessariamente uma reponderação da resolução do caso pela instância a quo.
Tal não ocorre no caso em apreço. Apesar de a decisão do STA ter expressamente decidido manter o acórdão recorrido na parte em que julgou que não é exorbitante o montante das custas finais apurado pelo TAD, a norma em apreciação não tem a virtualidade de se repercutir de forma útil e eficaz na decisão recorrida. Nessa medida, não se justifica o conhecimento do recurso. Com efeito, na decisão recorrida em apreciação, a solução jurídica dada ao caso consistiu na revogação da decisão do TCAS, com a menção expressa de não condenação em custas de qualquer das partes («Sem custas»). Assim, uma eventual decisão de inconstitucionalidade da norma em apreciação, atinente a custas, nenhuma repercussão poderia ter no sentido ou nos efeitos da decisão recorrida. Ainda que – num esforço de aproveitamento do processado – se atendesse à dimensão da parte decisória da decisão que se traduziu na manutenção do acórdão do TCAS na parte em que julgou que não era exorbitante o montante das custas apurado pelo TAD, o certo é que nem o TCAS nem o TAD condenaram em custas o A., SAD. Nestas instâncias a parte condenada em custas foi a Federação Portuguesa de Futebol, desatendendo-se o pedido pela mesma formulado no sentido de ser isentada do respetivo pagamento. De todo o modo, perante o decidido pelo STA, nem a condenação em custas da Federação Portuguesa de Futebol subsiste.
Assim sendo, como resulta do que antes se deixou enunciado, diante da função instrumental do recurso de constitucionalidade, o julgamento da presente questão não teria repercussão na solução jurídica dada ao caso concreto, pois não seria suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando uma reponderação da solução dada ao caso pelo tribunal a quo.
Resta, assim, concluir no sentido do não conhecimento do recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto nos presentes autos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC’s.
Lisboa, 23 de junho de 2020
[A relatora atesta (nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio) o voto de conformidade ao presente Acórdão dos restantes integrantes da 1.ª Secção, Conselheiro Vice-Presidente João Pedro Caupers, Conselheiro Teles Pereira e Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade].
Maria de Fátima Mata-Mouros