ACÓRDÃO Nº 434/2019
Processo n.º 77/19
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Mariana Canotilho
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Pelo Acórdão n.º 297/2019, decidiu-se indeferir a reclamação apresentada na sequência da não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Notificado desta decisão, veio o reclamante A. requerer a sua «aclaração». Para tanto, alega ter verificado agora que, no requerimento de interposição de recurso, não fez constar «a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, bem como da peça processual em que suscitou a questão de constitucionalidade», em cumprimento do disposto no artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC). Por essa razão, entende que deveria a juíza relatora deste Tribunal Constitucional ter convidado o recorrente a suprir tal falta ou omissão, mediante convite ao aperfeiçoamento e, apenas no caso de o recorrente não responder ao convite, o recurso deveria ser julgado deserto. Assim, conclui que o acórdão proferido nos autos «além de violar o legalmente estabelecido quanto ao presente recurso, cerceou o direito que assistia ao recorrente de suprir a sua alegada omissão no seu requerimento de interposição de recurso, duma forma, no mínimo, pouco clara, sem uma prévia e justificada audição do interessado, atento o disposto nos n.ºs 2, 5 e 6 do art.º 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, razão primordial do presente pedido de ACLARAÇÃO».
2. O Ministério Público, junto do Tribunal Constitucional, veio emitir parecer, referindo, em síntese, que o pedido de aclaração da sentença, diferentemente do que ocorria na vigência do antigo Código de Processo Civil, é um incidente que não tem atualmente previsão legal, razão pela qual não deve tomar-se conhecimento do requerido. Sem prejuízo, a conhecer-se, sempre seria de indeferir «em face da clareza do Acórdão em causa e do conteúdo do requerimento, no qual se não identifica qualquer ambiguidade ou obscuridade, antes se manifesta a discordância da decisão».
Em conclusão, pugna o Ministério Público pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
3. De acordo com o pedido de «aclaração» formulado pelo recorrente, deveria a juíza relatora ter lançado mão dos poderes conferidos pelo n.º 6 do artigo 75.º-A, da LTC, no sentido de permitir o suprimento das deficiências formais de que o requerimento de recurso alegadamente enfermava.
Sucede que, como destaca o Ministério Público, com a reforma de 2013, o Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente aos recursos de constitucionalidade por força do artigo 69.º da LTC, deixou de prever a possibilidade de dedução de pedido de aclaração.
Preceitua o atual artigo 613.º, n.º 1, do CPC que «proferida decisão fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa». O n.º 2 concretiza que a partir desse momento só é lícito ao juiz retificar erros materiais, conhecer de arguições de nulidade ou proceder à reforma da decisão. Entre as causas de nulidade da decisão passou a estar prevista a obscuridade ou ambiguidade da mesma, mas apenas quanto torne a decisão ininteligível (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC).
Ora, no caso dos autos, nenhum destes propósitos é visado, já que não se identifica no requerimento qualquer obscuridade ou ambiguidade suscetível de colocar em crise ou sequer perturbar a plena inteligibilidade do acórdão, limitando-se o recorrente a colocar uma questão nova, relativa ao não cumprimento pelo Tribunal do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, o que manifestamente não configura obscuridade ou ambiguidade de que o texto do acórdão padeça.
4. De todo o modo, embora extravase o âmbito dos incidentes pós-decisórios, no que respeita ao alegado «despacho-convite», sempre se diga que, não sendo o fundamento da inadmissibilidade do recurso reconduzível a uma mera deficiência formal do requerimento de interposição de recurso, não era legalmente admissível fazer uso de tal mecanismo (neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.ºs 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Na verdade, atento o princípio da limitação dos atos, o convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade só se justifica na medida em que a resposta do recorrente possa suprir deficiências do requerimento que, por si só, sejam impeditivas do conhecimento do recurso; caso este seja de rejeitar por motivos estranhos à omissão de algum dos elementos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A, da LTC, a formulação de convite para o recorrente completar o seu requerimento traduzir-se-ia na prática de ato inútil.
5. No presente caso, a decisão de não admissão do recurso não se fundou em deficiências do requerimento de interposição, mas na falta insanável dos respetivos pressupostos, juízo este em que não interferiram as deficiências que agora o recorrente verificou existirem. Na verdade, um dos fundamentos invocados foi o incumprimento do ónus da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de constitucionalidade normativa, vício que, por configurar falta de pressuposto de conhecimento do recurso, se apresenta como insuscetível de ser suprido, designadamente por via do aperfeiçoamento previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6 da LTC.
Nestes termos, decide-se indeferir o requerido.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o pedido de aclaração apresentado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, designadamente, a atividade contumaz do vencido (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 15 de julho de 2019 - Mariana Canotilho - Fernando Vaz Ventura - Manuel da Costa Andrade