ACÓRDÃO Nº 350/2019
Processo n.º 447/19
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Clara Sottomayor
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. Nos presentes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 362/2019, que, considerando que o objeto do recurso de fiscalização da constitucionalidade, apresentado pelo Recorrente A., se revestia de simplicidade na aceção prevista no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, julgou conforme com a Constituição a dimensão normativa questionada (fls. 351 a 358):
«(…)
6. Segundo o Recorrente, o artigo 411.º, n.º 1, conjugado com os artigos 103º, nº 2, al. a) e 104º, n.º 2, todos do CPP, interpretado no sentido que o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, nos processos com arguidos presos, mesmo em relação aos co-arguidos que não se encontrem presos nem detidos, viola os artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 13.º, todos da CRP.
Com interesse para a presente decisão, mostram-se incontroversos os seguintes factos:
A) O arguido e aqui Recorrente, A., foi condenado na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (p. e p. pelo n.º 1 do artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro), por acórdão do Juízo Central Criminal de Leiria, lido e depositado no dia 11 de dezembro de 2018;
B) O referido arguido encontra-se sujeito a medida de coação não privativa da liberdade;
C) Vários dos arguidos destes autos encontravam-se sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade e, após a prolação do acórdão condenatório, o arguido B. continuou sujeito a medida de coacção de prisão preventiva;
D) O arguido A. apresentou, em 23 de janeiro de 2019, recurso, para o Tribunal da Relação, contra o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo, o qual veio a ser julgado extemporâneo, por se tratar de processo de natureza urgente, cujos prazos de recurso não se suspendem nem interrompem durante as férias judiciais, mostrando-se, à data de interposição do recurso, integralmente decorrido o prazo de 30 dias a que alude o artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
São estes os preceitos aplicáveis do Código de Processo Penal:
Artigo 411.º
1 - O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria.
Artigo 103.º
1 - Os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
2-Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas.
Artigo 104.º
1- Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de atos processuais as disposições da lei do processo civil;
2- Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.
Da conjugação deste arco normativo a decisão recorrida retirou o entendimento de que, nos processos em que existam arguidos sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade, o prazo de interposição de recurso não se suspende, nem interrompe nas férias judiciais, mesmo que o ato a praticar o seja por arguido não detido, nem sujeito a medida de coação de prisão preventiva.
É contra esta interpretação normativa que se insurge o Recorrente, estribado na argumentação de que a mesma posterga o direito de acesso ao direito e aos tribunais, o direito ao recurso e o princípio da igualdade.
Esta exata dimensão normativa foi já objeto de apreciação no Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 384/93, relatado pelo Juiz Conselheiro Nunes de Almeida, o qual, por seu turno, remete para o Acórdão n.º 213/93, em ambos se proferindo juízo positivo de constitucionalidade.
Vejamos, então, separadamente, os vários parâmetros constitucionais convocados pelo Recorrente.
7. O n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consigna o direito fundamental de acesso ao direito e aos Tribunais, o qual corresponde a um alicerce estruturante do Estado de Direito democrático, que se traduz na faculdade de obter, pela via judiciária, a garantia de proteção e realização de direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente através de uma solução justa de conflitos, com observância de imperativos de imparcialidade e independência (cf. Acórdão deste Tribunal n.º 383/12). Como é sabido, sob a epígrafe de “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, a Constituição estabelece um conjunto de garantias que constituem, em si mesmas, direitos fundamentais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, p. 408), entre eles, o direito de acesso à justiça e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e o direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). O direito de acesso aos tribunais tem uma dimensão prestacional (cometendo ao Estado a criação de um aparelho judiciário e a definição das condições de acesso) e simultaneamente comporta uma vertente garantística, ao assegurar que ninguém pode ser privado de aceder à justiça seja qual for a sua condição económica (Miguel Teixeira de Sousa, “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil”, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72).
Como o Tribunal Constitucional sublinhou no Acórdão n.º 251/2017:
«“[O] direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório” (Acórdão n.º 86/88 [...]). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras” (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96) — (cfr. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2)».
Ora, como se conclui com facilidade, a interpretação normativa questionada não afeta, de forma nenhuma, o direito fundamental do Recorrente consignado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP. Na verdade, o Recorrente sabia, desde o início, que ao processo era conferida natureza urgente, por força da circunstância de ter arguidos sujeitos a medidas de coação privativas da liberdade, o que implicava, por razões de celeridade – que concomitantemente servem a ideia de prolação de justiça em tempo razoável e os interesses dos arguidos – que os prazos da prática dos atos se não interrompessem ou suspendessem aquando das férias judiciais. A circunstância do processo ter natureza urgente implica uma maior celeridade na prática dos atos do processo também para o Juiz, a quem a lei impõe a necessidade de fixar a data de audiência com precedência sobre qualquer outro julgamento (artigo 312.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), obrigação ancorada na prossecução do desiderato de garantia de uma justiça administrada de forma célere.
Como se assinalou no Acórdão n.º 486/2016 (na senda de outros acórdãos, designadamente, os Acórdãos n.ºs 122/2002 e 46/2005), a garantia de acesso ao direito e à justiça é compatível com a imposição, pelo legislador ordinário, de normas que acarretam ónus processuais, como sejam a prática do ato de interposição de recurso nas férias judiciais, dado que tal determinação não implica para o Recorrente qualquer agravamento da sua situação processual. Além disso, no caso dos processos com arguidos sujeitos a medida de coação privativa da liberdade, a não suspensão da contagem de prazos durante as férias judiciais radica a sua teleologia nas exigências de celeridade e prioridade que devem nortear estes processos, mostrando-se, por isso, indelevelmente conexionada com os fins funcionalmente prosseguidos no processo penal, sem que constitua um ónus formal, arbitrário ou desprovido de sentido útil (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
8. No que respeita ao outro parâmetro convocado – o direito ao recurso previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição – adianta-se, desde já, que o mesmo também não se acha inobservado.
Este Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no número 1, do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, como uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido (v., os Acórdãos n.oa 482/14, 584/16, 29/2016, 672/2017, 232/2018, 595/2018, 677/2018). Como se assinalou no acórdão n.º 186/2019, a jurisprudência jusfundamental tem também reconhecido que a modelação legislativa do processo penal, mesmo no que tange ao exercício do direito ao recurso, não pode deixar de obedecer a exigências de racionalização e celeridade que igualmente decorrem da Constituição e «encontra[m] justificação, não apenas na necessidade de garantir proteção rápida e eficaz aos bens jurídicos tutelados pelo direito penal (artigo 40.º do Código Penal), como no próprio princípio da presunção de inocência do arguido (artigo 32.º, n.º 2, primeira parte, da Constituição), que é naturalmente incompatível com o atraso ou prolongamento indefinido de um processo que visa determinar a sua responsabilidade criminal em face da acusação formal da prática de um ou mais crimes (…).»
Ora, como é bom de ver, a circunstância de a decisão recorrida ter interpretado os artigos 103.º, n.º 2, alínea a) e 104.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, como impondo ao arguido, não privado da liberdade, o ónus processual de praticar o ato de interposição de recurso, sem atender à suspensão de prazos provocada pelas férias judiciais, não comporta qualquer compressão ou entrave ao seu direito ao recurso, o qual se manteve intocável, à sua plena disposição e foi, aliás, exercido – simplesmente foi-o extemporaneamente.
9. Finalmente, quanto à invocada preterição do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, retoma-se a fundamentação desenvolvida no Acórdão n.º 384/93 deste Tribunal:
«De facto, e como se expôs naquele Acórdão n.º 213/93, o legislador, ao adoptar um regime distinto de contagem dos prazos processuais nos processos em que haja arguidos detidos ou presos e nos processos em que não haja arguidos detidos ou presos, teve antes de tudo em consideração a defesa de valores constitucionalmente relevantes, como os da celeridade e eficiência da justiça criminal, da liberdade do arguido e da eficiência do sistema penal. E, «uma vez que todos os intervenientes processuais, sempre que haja arguidos detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não ocorre qualquer afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada».
É que a diferenciação estabelecida pela norma em causa baseada na circunstância de nos processos haver ou não arguidos detidos ou presos, parece racionalmente justificada e não ser materialmente infundada ou arbitrária — não violando, pois, o princípio da igualdade. Sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa a este princípio, ver, por todos, os Acórdãos n.os 186/90 a 188/90, Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990.
Acrescente-se, aliás, que desigualdade e diferenciação arbitrária haveria, isso sim, na solução propugnada pelo recorrente, de estabelecer prazos diferentes para os recursos num mesmo processo — menores para recorrentes presos ou detidos, maiores para recorrentes em liberdade. Estes últimos ficariam então com um prazo mais dilatado para preparar a sua defesa, mesmo nos casos em que eventualmente esta estivesse em oposição com a defesa apresentada pelos arguidos presos.
Portanto, a norma em causa em nada viola o princípio da igualdade, sendo mesmo, das duas interpretações alternativas apresentadas, a única que se compagina com aquele princípio. E a diferenciação de regimes entre os dois tipos de processos (com ou sem arguidos presos) também nada tem de arbitrária nem é materialmente infundada, pelo que igualmente não infringe o referido princípio».
Não tendo sobrevindo argumentos que demandem uma inversão do que vem sendo decidido por este Tribunal Constitucional, há que concluir pela manutenção do juízo positivo de constitucionalidade.
III – Decisão
10. Nos termos e com os fundamentos acima explanados, decide-se mediante adesão à citada jurisprudência deste Tribunal Constitucional:
a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 411.º, n.º 1 conjugado com os artigos 103º, nº 2, al. a) e 104º, n.º 2, todos do CPP, interpretada no sentido, segundo o qual o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, nos processos com arguidos presos, mesmo em relação aos co-arguidos que não se encontrem presos nem detidos;
b) e, consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida».
2. Irresignado, o Recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, a seguinte Reclamação para a Conferência (fls. 362 a 365v):
«A. recorrente nos autos acima identificados tendo sido notificado da Douta Decisão Sumária nº 362/2019 proferida pela Exma. Juíza Conselheira Relatora nos termos do artigo 78-A, nº 1 da L.T.C, não se conformando com a mesma vem apresentar a sua RECLAMAÇÃO para a Conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da L.T.C., nos termos e com os seguintes fundamentos:
1- O ora reclamante, salvo o devido respeito, não concorda com a Douta Decisão Sumária por entender que o artigo 411º, nº 1 conjugado com os artigos 103º, nº 2, a) e 104º, nº 2 todos do C.P.P. interpretada mo sentido, segundo o qual o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, quando o, como no caso sub judice, o arguido não se encontre detido nem preso, é inconstitucional, por violação dos artigos 13º, nº 1; 18º, nº 2; 20º nº 1 e 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
2- Na verdade, no caso dos autos o arguido, na data da prolação do Acórdão condenatório, não se encontrava em nenhuma das situações contempladas excecionalmente no artigo 103º, nº 2, a) do C.P.P.
Dispões a lei processual penal o seguinte:
Artigo 411.º
Interposição e notificação do recurso
1- O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
(...)
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em ata, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente."
Artigo 103.º
Quando se praticam os atos
1- Os atos processuais praticam-se nos dias úteis. às horas de expediente dos serviços da justiça e fora do período de férias judiciais.
2- Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas:"
Artigo 104.º
Contagem dos prazos de atos processuais
(...)
1- Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os atos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior."
3- Em súmula, o que resulta destes três preceitos normativos é que, temos um regime regra - "Os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços da justiça e fora do período de férias judiciais.", e uma exceção a essa mesma regra, em que - "Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;" correm em férias.
4- No caso vertente, o ora recorrente, aquando da prolação do Acórdão (11 de Dezembro de 2018), não se encontrava detido ou preso, pelo que entende o mesmo, que tal exceção à regra não lhe deve ser aplicada, porquanto não contempla a situação de liberdade em que o mesmo se encontrava.
5- A extemporaneidade da interposição do recurso, fundamentada com a conjugação dos artigos 411º, nº 1; 104º, nº 2 e 103º, nº 2, a) do Código de Processo Penal, aponta para uma interpretação deste último preceito, que ultrapassa o que resulta estritamente da letra da lei, excedendo o seu sentido. Sendo que, tal interpretação é incompatível com o fundamento da segurança jurídica, ínsito no princípio da legalidade penal, contrariando dessa forma, a "mens legislatoris".
6- A interpretação das leis processuais penais não é passível de interpretação extensiva, nomeadamente para restringir direitos, quando muito, poderia tal interpretação ter sido feita “in banam partiem"...
7- A lei é muito clara, na verdade, o artigo 103º, nº 2, a) C.P.P. refere-se a "Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas", e não a - atos processuais em processos que tenham arguidos detidos ou presos. Pelo que, não se vislumbra, como possa ser intempestivo o recurso apresentado pelo arguido, o qual respeitou os
30 (trinta) dias de prazo para o fazer nos termos do artigo 411º, nº 1 do C.P.P., prazo esse que se suspendeu durante as férias judiciais conforme o estipulado no artigo 103º, nº 1 do C.P.P., regra geral no que respeita à prática dos atos processuais, já que o arguido não estava detido nem preso.
8- Partindo do pressuposto que: “... não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados." - Artigo 204º Constituição da República Portuguesa, somos de constatar que, tal interpretação infringe princípios, direitos e garantias constitucionais consagrados na Lei Fundamental Portuguesa, nomeadamente: o princípio da igualdade de tratamento (artigo 13º, nº 1); garantia de processo criminal (artigo 32º, nº 1); princípio da proporcionalidade (artigo 18º, nº 2), e direito de acesso ao direito (artigo 20º, nº 1).
9- Dispõe o artigo 13º, nº 1 da C.R.P. que: "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei" - sublinhado nosso.
10- Sendo que, a regra geral para a prática de atos processuais, esclarece o artigo 103º, nº 1 do C.P.P. que: "Os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços da justiça e fora do período de férias." - sublinhado nosso.
11- Esta é a regra geral, igual para todos os cidadãos, já que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Sendo que, a exceção estabeleci da no artigo 103, nº 2, a) do C.P.P. diz respeito aos atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos.
12- No caso vertente, o recorrente não estava detido nem preso, como já amplamente referido. Logo, temos que, o prazo para o mesmo recorrer é o prazo igual ao comum dos cidadãos em liberdade (uma vez que, a privação da liberdade é uma condição excecional), ou seja, 30 (trinta) dias. Prazo esse, que se suspende durante as férias judiciais.
13- Por conseguinte, entende o recorrente que, e salvo o devido respeito - que é muito!-, a não admissibilidade do recurso por extemporaneidade, com os fundamentos aduzidos na douta decisão recorrida, coloca-o numa situação de desigualdade para com os restantes arguidos, em outros processos, igualmente em liberdade.
14- Parece-nos inclusive, que a sua condição de liberdade, o desfavorece/discrimina efetivamente, na medida em que é penalizado, em função da privação de liberdade em que outros, no mesmo processo, se possam encontrar.
15- De acordo com Jorge Miranda, Dir. Constitucional, lic. 1980-441) relativamente ao princípio da igualdade: "o seu sentido primário ou negativo consiste na proibição de privilégios e de discriminações." - João Melo Franco, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça e Helder Antunes Martins, Juiz de
Direito, in Conceitos e Princípios Jurídicos (na Doutrina e na Jurisprudência),
16- Pelo que, é clara a violação do princípio da igualdade, uma vez que, face à norma sub judicio o recorrente (em liberdade) dispõe, para efeitos de recurso, de menos tempo para preparar a sua defesa, comparativamente àquele de que dispõem arguidos em outros processos, os quais veem o prazo para interposição de recurso suspender-se durante as férias judiciais, sendo assim discriminado, tendo em conta a sua condição.
17- Discorre consequentemente da violação do princípio da igualdade, e no seguimento do anteriormente explanado, que "tal limitação" ou "encurtamento" do prazo de recurso se traduz numa discriminação das garantias de defesa, com manifesta preterição do artigo 32º, nº 1 da CRP.
18- Ou seja, sempre se poderia dizer, que tal "encurtamento" do prazo de recurso, se deve ao princípio da celeridade processual, porém somos de fazer referência ao Acórdão proferido na 1ª Secção do Tribunal Constitucional no Processo nº 125/94, em que foi Relator: Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em www.pgdlisboa.pt, o qual teve 2 (duas) Declarações de Voto vencido, sendo que apenas nos iremos ocupar de uma, para o caso em apreço:
"Declaração de Voto
Votei vencida a decisão constante do presente acórdão por entender que o princípio da celeridade processual nunca pode prejudicar as garantias de defesa. Ao prever «o julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa», o nº 2 do artigo 32º da Constituição proíbe a restrição destas garantias em nome daquele principio e revela que a celeridade processual constitui, no essencial, uma garantia de defesa (cfr. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o Processo Penal e os Tribunais. 1981, pp. 83 e 84). Este sentido do principio decorre da própria associação à presunção de inocência do arguido, no âmbito do nº 2 do artigo 32º da Constituição. No entanto, o entendimento de que o interesse objetivo numa decisão rápida - que porá fim à condição desvantajosa de arguido - pode determinar o encurtamento de prazos judiciais não justifica a não interrupção. durante as férias judiciais, do prazo concedido ao arguido preso para interpor recurso da sentença condenatória. Ao determinarem que correm em férias os prazos para a prática de atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, as disposições conjugados dos artigos l03º, nº 2, alínea a), e 104º, nº 2 do Código de Processo Penal visam obter uma rápida definição da situação do arguido, tendo em vista a sua eventual libertação. Ora, este desígnio nunca servirá para explicar que se comprima o direito ao recurso ao próprio arguido preso, que se encontra até numa situação de maior dependência (do seu defensor) e menor possibilidade de controlo do prazo. Em nome do interesse objetivo no esclarecimento da situação jurídica do arguido detido ou preso não se poderá, deste modo, legitimar, indiretamente, uma diminuição das garantias de defesa. Uma tal prespectiva constitui manifestação deste fenômeno, já assinalado noutros contextos, da perversão funcional dos princípios jurídicos: destinados a tutelar direitos fundamentais, eles acabarão por ser subvertidos, adquirindo uma lógica autónoma exatamente contrária àquele fim. Por conseguinte, considero incompatível com o disposto no artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, a interpretação das normas constantes dos artigos 103º, nº 2, alínea a), 104º, nº 2 e 411º, nº 1. do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição de recurso de sentença condenatória por arguido preso corre durante as férias judiciais. Na verdade, tal interpretação viola as garantias de defesa numa situação em que se não afigura necessário salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º, nº 2 da Constituição) e ignora a articulação, consagrada constitucionalmente, entre aquelas garantias e a celeridade processual.
Maria Fernanda Palma" - sublinhado nosso.
19- No segmento da Exma Dra. Juiz Conselheira do Venerando Tribunal Constitucional, e de acordo com o seu entendimento, a não suspensão do prazo para interposição de recurso durante as férias judiciais, por força da aplicação da exceção prevista no artigo 103º, nº 2, a) do C.P.P. viola as garantias de defesa do arguido consagradas constitucionalmente no artigo 32º da CRP. E ainda vai mais longe, tal "encurtamento" do prazo de recurso é incompatível com tais garantias, mesmo perante arguidos privados da liberdade, pelo que, perfilhamos na íntegra a sua linha de pensamento.
20-A norma do artigo 411º, nº 1 conjugada com os artigos 103º, nº 2, a) e 104º, nº 1 do C.P.P., interpretada no sentido que o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias restringe direitos e garantias constitucionalmente consagradas nos artigos 20º, nº 1 e 32º, nº 1 da C.R.P., violando assim, o artigo 18º, nº 2 da Constituição, o qual estipula o seguinte:
"A lei só pode restringir os direitos. liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição. devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.''
21- Estamos perante um artigo "… que contém os mais importantes princípios comuns aos direitos, liberdades e garantias ...", "E daí a estrita sujeição do legislador. controlado pela justiça constitucional, aos meios e aos fins constitucionalmente estabelecidos." - Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 152, Coimbra Editora.
22- Temos então aqui patente um carácter restritivo das restrições, que se aflora no princípio da proporcionalidade. Ou seja, tais restrições "só podem ser estabelecidas para proteger direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger" - Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição da República Anotada, 4ª edição revista, I vol., Coimbra, pág. 479.
23- Sendo que, só a lei (reserva de lei) o pode fazer, e nos casos expressamente previstos na Constituição.
24- Aliás, "Mesmo quando a Constituição parece devolver para a lei a regulamentação de certos direitos ou institutos, ..., o legislador não é livre de lhe emprestar qualquer conteúdo; a norma legislativa tem. na perspetiva global da Constituição, de possuir um sentido que seja conforme com o sentido objetivo da norma constitucional." - Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, pág. 152, Coimbra Editora.
25- Pelo que, a norma constante da a) do nº 2 do artigo 103º conjugada com o artigo 411º, nº 1 do C.P.P. quando interpretada no sentido de que o prazo para interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, embora não contenha em si mesma uma restrição de um direito ou de lima garantia, certo é que regulamenta um aspeto do exercício de um direito do arguido, mormente, o exercício do direito de defesa em processo penal - direito ao recurso -, o qual se encontra constitucionalmente consagrado. T al regulamentação devia estar “conforme com o sentido objetivo da norma constitucional."
26- Ex positis, deverá entender-se que não corre em férias o prazo para interposição de recurso para o arguido que não se encontre detido ou preso aquando da prolação do acórdão condenatório.
27- Devendo ser considerado tempestivo o recurso do arguido interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Termos em que, se requer, mui respeitosamente, a Vossas Excelências:
- seja revogada a Douta Decisão Sumária sob reclamação, e substituída por outra que admita o recurso interposto pelo ora Reclamante.”
3. O Ministério Público, junto deste Tribunal Constitucional, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes (fls. 367 e 368):
«1.º
Pela douta Decisão Sumária n.º 362/2019, negou-se provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A., ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2.º
Tendo em consideração a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, foi a questão de inconstitucionalidade que vinha colocada considerada simples e não se julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 411.º, n.º 1 conjugado com os artigos 103º, nº 2, al. a) e 104º, n.º 2, todos do CPP, interpretada no sentido, segundo o qual o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, nos processos com arguidos presos, mesmo em relação aos co-arguidos que não se encontrem presos nem detidos.
3.º
Na reclamação o recorrente discorda do sentido dessa jurisprudência, porém, não invoca quaisquer novos ou pertinentes fundamentos que justifiquem a apresentação de alegações e o posterior pronunciamento pelo pleno da Secção.
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da reclamação para a conferência, prevista no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o recorrente constitucional tem a faculdade de reagir à Decisão Sumária, que, no caso, remetendo para fundamentação já anteriormente acolhida na jurisprudência deste Tribunal, não julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 411.º, n.º 1 conjugado com os artigos 103º, nº 2, al. a) e 104º, n.º 2, todos do CPP, interpretada no sentido, segundo o qual o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, nos processos com arguidos presos, mesmo em relação aos co-arguidos que não se encontrem presos nem detidos. Para tanto, a Decisão Sumária cotejou a dimensão normativa impugnada com os parâmetros constitucionais invocados pelo Recorrente, para fundar a sua pretensão, em concreto, o direito à tutela judicial efetiva, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, o direito ao recurso previsto no n.º 1, do artigo 32.º da Constituição e o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º.
Sucede que, na fundamentação que desenvolveu no articulado de reclamação para a conferência, o Recorrente não invocou nenhum argumento inovador ou que seja suscetível de pôr em causa o sentido decisório acolhido na decisão sumária. Na verdade, além de reiterar as considerações já por si subscritas, no articulado de reclamação para a conferência apresentado ao abrigo do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal (fls. 324 dos autos), o Reclamante desenvolve uma fundamentação de carácter essencialmente infraconstitucional, questionando se a interpretação normativa acolhida na decisão do Tribunal a quo “é a melhor” em face das circunstâncias concretas do caso. Porém, como é sabido, não só a este Tribunal está vedado o controlo das operações subsuntivas realizadas pelos Tribunais e estribadas nas idiossincrasias do caso concreto, como tal argumentário não põe em crise o teor do decidido, em matéria de constitucionalidade:
«3- Em súmula, o que resulta destes três preceitos normativos é que, temos um regime regra - "Os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços da justiça e fora do período de férias judiciais.", e uma exceção a essa mesma regra, em que - "Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;" correm em férias.
4- No caso vertente, o ora recorrente, aquando da prolação do Acórdão (11 de Dezembro de 2018), não se encontrava detido ou preso, pelo que entende o mesmo, que tal exceção à regra não lhe deve ser aplicada, porquanto não contempla a situação de liberdade em que o mesmo se encontrava.
5- A extemporaneidade da interposição do recurso, fundamentada com a conjugação dos artigos 411º, nº 1; 104º, nº 2 e 103º, nº 2, a) do Código de Processo Penal, aponta para uma interpretação deste último preceito, que ultrapassa o que resulta estritamente da letra da lei, excedendo o seu sentido. Sendo que, tal interpretação é incompatível com o fundamento da segurança jurídica, ínsito no princípio da legalidade penal, contrariando dessa forma, a "mens legislatoris".
6- A interpretação das leis processuais penais não é passível de interpretação extensiva, nomeadamente para restringir direitos, quando muito, poderia tal interpretação ter sido feita “in banam partiem"...
7- A lei é muito clara, na verdade, o artigo 103º, nº 2, a) C.P.P. refere-se a "Os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas", e não a - atos processuais em processos que tenham arguidos detidos ou presos. Pelo que, não se vislumbra, como possa ser intempestivo o recurso apresentado pelo arguido, o qual respeitou os 30 (trinta) dias de prazo para o fazer nos termos do artigo 411º, nº 1 do C.P.P., prazo esse que se suspendeu durante as férias judiciais conforme o estipulado no artigo 103º, nº 1 do C.P.P., regra geral no que respeita à prática dos atos processuais, já que o arguido não estava detido nem preso».
A este propósito, vejamos:
Nos termos do artigo 103.º, n.º 1, do CPP, «os atos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais». A regra do n.º 1, não se aplica, contudo, aos atos processuais urgentes, incluídos no elenco excecional do n.º 2. Para o que aqui releva, a alínea a) do n.º 2 considera urgentes os «atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas». O teor literal do preceito indica, na verdade, que a exceção à regra do n.º 1 do artigo 103.º se aplica aos atos processuais relativos aos arguidos presos, excluindo da sua letra qualquer referência aos co-arguidos que estejam a ser julgados no mesmo processo, mas que não estejam privados da liberdade. Contudo, a prática judiciária aderiu a uma interpretação normativa, não literal, que tem em conta o princípio da tramitação unitária do processo para todos os arguidos, englobando no mesmo regime processual aplicável aos arguidos presos os co-arguidos que não se encontrem privados da liberdade. E é sobre esta interpretação normativa, cuja bondade em termos de critérios hermenêuticos infraconstitucionais não compete ao Tribunal Constitucional apreciar, que incidiu o juízo de não inconstitucionalidade proferido pela Decisão Sumária agora reclamada.
Os prazos relativos a atos processuais urgentes correm em férias, nos termos do artigo 104.º, n.º 2, do CPP, bem como durante os fins-de-semana, feriados ou dias de tolerância de ponto, e têm natureza pública. Trata-se de uma exceção à regra fixada no n.º 1 do artigo 103.º do CPP, que funciona ope legis. Esta posição está já sedimentada na jurisprudência dos tribunais comuns, com a exceção do acórdão da Relação de Guimarães, de 1 de março de 2004, que admite renúncia pelo arguido preso ao benefício de ver correr em férias judiciais os prazos.
Coloca-se, então, a questão de saber se esta interpretação da al. a) do n.º 2 do artigo 103.º do CPP, segundo a qual este modo de contagem dos prazos se aplica aos atos processuais de todos os sujeitos processuais, em processo com arguidos detidos ou presos à ordem do mesmo, abrangendo não apenas os atos do tribunal e da secretaria, mas também os atos dos arguidos (presos ou não presos), do Ministério Público e do assistente, viola ou não a Constituição.
O Tribunal Constitucional tem entendido que não violam a Constituição as normas que preveem a sujeição de todos os sujeitos processuais ao regime de interposição de recursos válido no processo com arguidos presos (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 213/93, 384/93 e 353/97).
Invoca o reclamante, que esta interpretação normativa viola a Constituição, nomeadamente os direitos fundamentais consagrados no artigo 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, bem como o artigo 13.º, todos da CRP. Para o efeito, transcreve excertos de uma declaração de voto apresentada neste Tribunal, pela Conselheira Fernanda Palma, no Acórdão n.º 47/95 (proc. n.º 125/94), segundo a qual, o princípio da celeridade processual nunca pode prejudicar as garantias de defesa e o interesse objetivo no esclarecimento da situação jurídica do arguido detido ou preso não poderá, indiretamente, legitimar uma diminuição das garantias de defesa dos arguidos, quer se encontrem em liberdade, quer estejam presos.
A natureza urgente do processo e a influência desta classificação sobre o modo de contagem de todos os prazos pode ser entendida, quer como um benefício para os arguidos presos, que assim veem as decisões relativas à sua situação jurídica, no processo penal, serem decididas de forma mais célere, tendo em vista a sua libertação, em caso de prisão ilegal, quer como uma restrição aos seus direitos fundamentais de defesa ou de recurso, na medida em que os respetivos mandatários dispõem de menos tempo para preparar a defesa, e, dada a natureza perentória do prazo, o direito de praticar o ato extingue-se após o decurso de um prazo que será necessariamente mais curto.
Na conceção defendida pelo reclamante, estando em causa um prazo perentório para a interposição de recurso para um tribunal superior, cujo decurso afeta irremediavelmente os direitos fundamentais de defesa do arguido, deverá considerar-se, para o efeito da apreciação da constitucionalidade da norma impugnada, a perspetiva dos direitos e liberdades de cada um dos co-arguidos individualmente considerados, de acordo com o seu estatuto em face da privação da liberdade. Em consequência, aqueles que não estivessem presos continuariam a beneficiar do regime regra quanto à contagem dos prazos, por ser esse o regime que mais promoveria o alcance dos seus direitos fundamentais de defesa e de tutela judicial efetiva, bem como a solução que garantiria a igualdade entre todos os arguidos não presos, independentemente da circunstância de integrarem ou não um processo em que existam arguidos presos. É que a sujeição do co-arguido não preso, em processos onde um dos co-arguidos se encontra privado de liberdade, a formas de contagem do prazo que determinam a extinção do seu direito de recurso num lapso de tempo menor, porque o prazo não se suspende em férias judiciais, seria de molde a introduzir uma discriminação entre arguidos não presos, e que, portanto, se encontram numa situação jurídica semelhante. Razões práticas ou de celeridade processual não se revestem, na perspetiva do reclamante, de valor suficiente para tornar exigível a sujeição do co-arguido não preso ao prazo mais curto, porque corre em férias judiciais, do co-arguido preso.
Contudo, esta solução seria suscetível de criar novas desigualdades entre arguidos dentro do mesmo processo.
A solução aplicada pela decisão recorrida reporta o modo de contagem do prazo, não individualmente a cada co-arguido, mas ao processo como um todo, abrangendo todos os atos de todos os operadores judiciários e de todos os intervenientes processuais, incluindo, os de arguidos que não estejam sob detenção ou prisão. As regras de contagem dos prazos para a prática dos atos derivam, assim, da natureza urgente do processo e não da situação individual de cada um dos arguidos em relação à privação da liberdade. Uma vez que todos os intervenientes processuais, sempre que haja arguidos detidos ou presos, estão sujeitos à mesma regra de celeridade, não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade. Numa análise prima facie da questão, parece que a interpretação normativa adotada na decisão recorrida padece de inconstitucionalidade material. Contudo, razões de igualdade, de celeridade e de gestão processual militam no sentido da sujeição de todos os co-arguidos à mesma forma de contagem de prazos, devendo beneficiar, portanto, de prazos com a mesma dimensão, caso contrário, a marcha dos processos seria ingerível e potenciaria situações de desigualdade. Equacione-se a hipótese de no mesmo processo ser possível a aplicação de regras diferentes de contagem de prazos para a prática de atos e de o juiz poder tomar decisões quanto à mesma questão, em momentos diferentes, em relação a arguidos presos e a arguidos em liberdade. Por outro lado, o tempo de reação de cada um dos arguidos à decisão do juiz seria também distinto e o despacho do juiz em resposta a cada um dos arguidos seria proferido em momentos diferentes, aumentando o risco de decisões contraditórias. Sendo os prazos de recurso diferentes, em que momento é que o processo subiria para o tribunal de recurso? Teria o arguido preso, a quem a lei quis beneficiar com a possibilidade da prática de atos em período de férias judiciais, de esperar pelo decurso do prazo de recurso dos arguidos não presos, perdendo a vantagem de a sua situação jurídica ser decidida com celeridade? E relativamente à apreciação da culpa dos vários arguidos, seria admissível apreciá-las em decisões diferentes proferidas em momentos distintos? A solução da separação dos prazos, nos casos de conexão de processos, decorrentes de o mesmo crime ou de diversos crimes terem sido cometidos por vários agentes em comparticipação, potencia o tratamento desigual de situações idênticas e desconsidera a vantagem, em termos de justiça e de igualdade, propiciada pelo julgamento conjunto de vários arguidos, que fornece ao julgador uma visão mais ampla do facto ou dos factos criminosos.
Sendo assim, considerando as consequências de uma eventual decisão de inconstitucionalidade da interpretação normativa impugnada, não podemos deixar de concluir que o entendimento perfilhado pelo tribunal recorrido se situa ainda dentro da margem de determinação do legislador, traduzindo uma conciliação, constitucionalmente admissível, para o conflito entre os direitos fundamentais de defesa do arguido não preso, por um lado, e razões de celeridade processual e de equidade, por outro.
O legislador, ao adotar um regime de prazos distinto para os atos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, abrangendo também os co-arguidos não presos, julgados no mesmo processo, moveu-se, ainda, pela defesa de valores constitucionalmente relevantes, não só a celeridade e a eficiência da justiça criminal, mas também a libertação mais célere do arguido preso, se for caso disso, a igualdade e a proteção da presunção de inocência.
Em consequência, mantém-se o juízo de não inconstitucionalidade da norma impugnada, proferido pela Decisão Sumária, nos seus exatos termos.
III – Decisão
5. Pelo exposto, decide-se, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 4, da LTC, indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a Decisão Sumária proferida.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 19 de junho de 2019 - Maria Clara Sottomayor - Pedro Machete - Manuel da Costa Andrade