ACÓRDÃO Nº 118/2019
Processo n.º 925/2018
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. A. (o ora Recorrente) foi condenado, em primeira instância, pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, nºs. 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão e, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena única de 10 anos de prisão.
1.1. Para além de outros recursos visando decisões intercalares, aquele arguido interpôs recurso do referido acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão datado de 01/04/2016, decidiu negar provimento aos recursos interlocutórios e condená-lo pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, nºs. 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão e, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena única de 6 anos de prisão.
Por requerimento datado de 21/04/2016, o arguido arguiu a nulidade do acórdão de 01/04/2016. Através de (um outro) requerimento da mesma data, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional – recurso esse que foi então admitido e, mais de dois anos depois, veio a dar origem aos presentes autos. O processo prosseguiu, entretanto, os seus termos – em síntese: foi indeferido o requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação; o arguido pretendeu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão condenatória, o que não foi admitido; reclamou para o STJ, que indeferiu a reclamação; recorreu para o Tribunal Constitucional, que negou provimento ao recurso.
1.1. No Tribunal Constitucional – onde o processo foi eletronicamente distribuído ao ora relator em 23/10/2018 –, foi proferida decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC (coube-lhe o número 773/2018), no sentido de não conhecer do objeto do recurso admitido por referência ao arguido A., com fundamento em não ter sido observado o prazo para a sua interposição.
Desta decisão reclamou o Recorrente para a conferência, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, que, através do Acórdão n.º 670/2018, decidiu indeferir a reclamação deduzida pelo Recorrente A., mantendo-se a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso por si interposto nos autos.
1.2. Notificado do Acórdão n.º 670/2018, o Recorrente apresentou um requerimento de interposição de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional com o seguinte teor (transcrição parcial do requerimento de 15/01/2019, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
“[…]
A., […) [notificado] do […] Acórdão n.º 670/2018, […] vem do mesmo interpor recurso para o Plenário desse mesmo Tribunal Constitucional, de acordo com interpretação analógica do n.º 1 do art. 79.º-D da Lei n.º 28/82 de 15 de novembro (doravante referida abreviadamente como LTC) – interpretação analógica essa favorável aos direitos fundamentais dos cidadãos, maxime ao direito ao recurso em processo penal (consagrado no art. 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, doravante CEDH, e no art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), bem como favorável ao direito de recorrer para o Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (consagrado no art. 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 da CRP) –, por divergência entre este Acórdão n.º 670/2018 e o anterior Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional com o n.º 329/2015 (no âmbito dos autos de recurso n.º 1167/2014), nos termos que se passam a expor:
1 – Introito: as particulares circunstâncias do caso sub iudice que não podem deixar de relevar nos diversos aspetos da apreciação do presente recurso, seja quanto à sua admissibilidade, seja quanto à aferição da existência de oposição de julgados, seja quanto à solução a dar a tal oposição de julgados.
As particulares circunstâncias do caso sub iudice, que não podem deixar de relevar nos diversos aspetos da apreciação do presente recurso, seja quanto à sua admissibilidade, seja quanto a aferição da existência de oposição de julgados, seja quanto à solução a dar a tal oposição de julgados são as seguintes:
1.ª – o recorrente ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional (doravante TC) do Acórdão da Relação de Lisboa de 01.04.2016, por um lado expressamente a título subsidiário para o caso do se vir a considerar não haver recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) e, por outro lado, logo no prazo de 10 dias após a notificação da decisão recorrida, ou seja, em 21.04.2016, suscitado 3 questões de inconstitucionalidade normativa, tendo este recurso sido admitido pela Relação de Lisboa;
2.ª – em 11.10.2017, imediatamente após ter terminado o incidente pós-decisório de reclamação da não admissão do recurso em matéria penal para o STJ, o recorrente ter pedido, em novo recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que este Tribunal (até por razões de economia processual) apreciasse nesse recurso as questões de constitucionalidade já colocadas em 21.04.2016 relativamente à decisão da Relação de Lisboa de 01.04.2016, além, naturalmente, da questão da inconstitucionalidade da não admissão de recurso para o STJ em matéria penal (por se considerar que o indeferimento da reclamação para o Presidente do STJ assentou em interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP, ao considerar haver dupla conforme entre as decisões da 1.ª e da 2.ª instância mesmo quando as suas fundamentações são essencialmente diferentes);
3.ª – em 05.03. 2018, na sequência do aviso no recorrente, por parte da 1.ª Secção do TC, de que as referidas questões de inconstitucionalidade relativas à decisão da Relação de Lisboa de 01.04.2016 não eram consideradas ratio decidendi da última decisão recorrida (que era a do Presidente do STJ), ter o recorrente desistido de as colocar ao TC nesse segundo recurso mas expressamente dizendo, no mesmo ato, que o fazia apenas no sentido de não serem apreciadas nessa instância, afirmando ainda no mesmo ato, e de forma perentória, que de modo nenhum se prescindiu da apreciação das questões de inconstitucionalidade relativas à decisão da Relação de Lisboa de 01.04.2016, no primeiro recurso interposto em 21.04.2016 para o TC e referindo-se, expressamente também, o facto de esse recurso ter sido já admitido;
4.ª – a 1.ª Secção do TC aceitou essa posição do recorrente e por isso apenas decidiu (lamentavelmente em sentido negativo) a questão da inconstitucionalidade de se considerar haver dupla conforme entre decisões com fundamentações essencialmente diferentes, mas já não apreciou as ditas 3 questões de inconstitucionalidade relativas à decisão da Relação de Lisboa de 01.04.2016, sendo que:
a) por um lado, a 1.ª Secção do TC não fez então qualquer aviso ou reparo de que considerava que o recorrente estava a laborar em erro quando considerava tempestivamente interposto, em 21.04.2016, o recurso para o TC da decisão da Relação de 01.04.2016, quando era absolutamente manifesto para a 1.ª Secção do TC que o recorrente acabara de discutir perante o Presidente do STJ se era ou não admissível recurso da mesma decisão da Relação de Lisboa para o STJ em matéria penal e era também absolutamente manifesto para a 1.ª Secção do TC que era essa decisão (que estava a ser proferida em 06.06.2018 – mais de 2 anos depois de proferida a decisão recorrida) que punha termo ao incidente pós-decisório relativo à recorribilidade para o STJ e abria assim o prazo (de 10 dias) para que o recorrente pudesse, do ponto de vista da 1.ª Secção do TC, tempestivamente recorrer da decisão proferida mais de dois anos antes, em 01.04.2016; e
b) por outro lado, quando o recurso interposto em 21.04.2016 chegou à apreciação do TC em 23.10.2018 (depois de, sucessivamente, a Relação de Lisboa, o Tribunal Central Criminal de Lisboa e o STJ não terem considerado intempestivo esse recurso para o TC), a mesma 1.ª Secção do TC – que constatara 4 meses antes que, em seu juízo, o recorrente laborava em erro quando dizia ter interposto tempestivamente recurso para o TC em 21.04.2016 da decisão da Relação de 01.04.2016 – considerou então – mas só então, já depois de ter decorrido o prazo que considerava correto – intempestiva a interposição do recurso em 21.04.2016 e irrelevantes as duas reiterações feitas em 11.10.2017 e em 05.03.2018 do pedido de apreciação pelo TC das questões de inconstitucionalidade relativas à decisão da Relação de Lisboa de 01.04.2016;
5.ª – na Decisão Sumária em que se rejeitou o recurso por extemporaneidade, parecendo ter-se olvidado do que, nos termos referidos supra em 2.ª e 3.ª, se processara perante ela mesma, a 1.ª Secção do TC ainda fez referência a uma ideia de possível sanação, referindo que, ao menos, o recorrente podia/devia ter depois reiterado a sua vontade de recorrer para o TC e, por isso, na reclamação para a conferência, o recorrente demonstrou que o fizera em 11.10.2017 e em 05.03.2018 perante a própria 1.ª Secção do TC;
6.ª – contudo, na decisão da reclamação, a 1.ª Secção do TC considerou, afinal, que as reiterações da vontade de recorrer, feitas em 11.10.2017 e 05.03.2018, perante a própria. 1.ª Secção do TC (nos termos referidos supra em 2.ª e 3.ª), foram pura e simplesmente irrelevantes e que, uma vez mais, só interessa o prazo rigidamente contado da prolação da sua decisão de 06.06.2018.
A 1.ª Secção do TC considera, pois, no seu Acórdão n.º 670/2018 que nada releva a não ser sempre e só o prazo de 10 dias que se teria iniciado com a prolação da sua decisão de 06.06.2018.
Do ponto de vista da coerência formal e normativa, este entendimento está blindado por cerrada argumentação autorreferenciada em considerações do próprio TC. Mas, a nosso ver, do ponto de vista substantivo, material, de atenção para com os direitos fundamentais dos cidadãos, esta decisão é gravemente destrutiva da confiança dos cidadãos no TC.
Tem-se todo o respeito pelos Senhores Conselheiros da 1.ª Secção do TC, mas não se pode discordar mais deste tipo de pensamento autorreferenciado, que, a nosso ver, constitui verdadeira petição de princípio, aliás típica dos defeitos do ius-conceptualismo.
II – As razões pelas quais deve ser admitido e apreciado o presente Recurso para o Plenário, apesar de a oposição de julgados em causa dizer respeito, prima facie, aos pressupostos de admissibilidade do recurso de Fiscalização concreta de constitucionalidade
Não se desconhece o entendimento, afamado já em diversos Acórdãos do TC (o que revela que vários outros cidadãos colocaram a mesma questão), segundo o qual o âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 79.º-D da LTC não compreenderia nunca oposições de julgados quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, antes se aplicando apenas aos casos de oposições de julgados entre decisões de mérito relativas a questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
O ora Recorrente, com todo o respeito por opinião diversa, não pode deixar de discordar desse entendimento jurisprudencial, quando absoluto, por ser injustificadamente restritivo dos direitos fundamentais dos cidadãos, maxime do direito ao recurso em processo penal – consagrado no art. 13.º da CEDH e no art. 32.º, n.º 1, da CRP – e do direito ao recurso para o TC em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (consagrado no art. 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 da CRP).
A razão de ser dos recursos de uniformização de jurisprudência é, consensualmente, a (re)aquisição de segurança jurídica, de confiança, por parte dos cidadãos, quanto ao sentido em que os Tribunais interpretam o Direito. E por isso é tão pertinente a uniformização jurídica em matéria substantiva como em matéria adjetiva, pois, sem viabilização processual, nenhum direito substantivo é efetivo.
Compreende-se que na jurisdição constitucional o legislador tenha querido, através do art. 79.º-D da LTC, restringir as questões de uniformização jurisprudencial às mais importantes questões normativas de que o TC se ocupa, que são as de inconstitucionalidade ou de ilegalidade materiais, quer em sede de Direito substantivo, quer em sede de Direito processual.
Mas o que está em causa neste recurso é, salvo melhor opinião, tão relevante quanto tais questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade materiais.
Pois a oposição de julgados entre os Acórdãos n.ºs 670/2013 e 329/2015 não respeita a questões menores quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Respeita, sim, à essencial questão de os cidadãos saberem quando é que os recursos são considerados tempestivos ou extemporâneos e nisso poderem basear as suas expetativas quando consideram que os seus direitos constitucionais foram desrespeitados por aplicações normativas inconstitucionais feitas pelos Tribunais ordinários.
Esta oposição de julgados respeita ainda à questão de saber se vícios iniciais de intempestividade são ou não subsequentemente sanáveis, por as decisões recorridas se terem tomado supervenientemente definitivas.
Mas mais do que isso esta oposição de julgados respeita à questão de saber se há (ou não), por parte do TC, uma posição de princípio no sentido de ser favorável à apreciação do mérito dos recursos, a qual consideramos que resulta da própria Constituição que consagra o direito de os cidadãos recorrerem para o TC em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (consagrado no art. 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, da CRP).
Acrescem ainda razões de tutela da confiança, que consensualmente tem dignidade constitucional, no próprio TC, de quem não se espera que esteja em silêncio à espera que os cidadãos comentam erros, mas antes que lealmente os advirta de como podem ver efetivamente apreciadas as possíveis questões de desconsideração dos seus direitos Fundamentais, quando considere que os cidadãos laboram em erro.
Está, pois, em causa uma mensagem fundamental do TC para os cidadãos, em termos de segurança jurídica, confiança, lealdade e propensão para a efetiva apreciação das questões de violação da Constituição e de tutela dos direitos fundamentais. Ou uma mensagem exatamente do contrário.
Por último, o facto de o TC já ter decidido em certo sentido (e ainda que várias vezes) certa questão prima facie semelhante àquela que se coloca agora ao Tribunal (a da inadmissibilidade, nos termos do art. 79.º-D da LTC, de recurso para o Plenário senão quanto a oposições de julgados estritamente relativas a questões de constitucionalidade ou de ilegalidade), não só não pode impedir os cidadãos de apresentarem lealmente ao TC o seu entendimento diferente da jurisprudência dominante do TC, como o ora recorrente aqui está a fazer, como não exime o próprio TC de fazer uma verdadeira reapreciação das razões do recorrente (que não se limite a remeter ou dar como reproduzidas anteriores ponderações).
Tal circunstância poderá conduzir a alguma inflexão jurisprudencial (que não é impensável e é até salutar), desde logo quanto à admissibilidade deste recurso para o Plenário, de acordo com a melhor ponderação atualista de V.as Exas., liberta de pré-conceitos e tomando em consideração todas as especificidades do caso sub judice.
É por isso que se vem, esperançadamente, interpor perante V.as Exas. O presente recurso que, ainda que incidindo em matéria de pressupostos da admissibilidade do recurso constitucional, é tão importante como muitas das questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade sobre as quais o art. 79.º-D da LTC admite expressamente recurso para o Plenário do TC.
Assim o determina uma interpretação do n.º 1 do art. 79.º-D da LTC conforme à Constituição, em especial ao direito ao recurso em processo penal (consagrado no art. 13.º da CEDH e no art. 32.º, n.º 1, da CRP e ao direito de recorrer para o TC em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (consagrado no art. 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, da CRP), razão pela qual se sustenta uma aplicação analógica da norma contida no referido art. 79.º-D, n.º 1, da LTC, em sentido favorável aos direitos fundamentais do cidadão e, portanto, não proibida por Lei.
[…]” (sublinhado acrescentado).
1.3. O recurso para o Plenário foi objeto de um despacho de não admissão do relator, com os fundamentos seguintes:
“[…]
2. Pretende o Recorrente recorrer para o Plenário do acórdão que indeferiu a reclamação para a conferência de decisão sumária proferida no sentido da não admissão do recurso com fundamento em não ter sido observado o prazo para a sua interposição.
A competência para a admissão ou não admissão do recurso para o Plenário, nos termos do artigo 79.º-D da LTC, é do relator, através de despacho (cfr. Acórdãos n.os 170/1993, 23/2012 e 288/2017, entre outros).
2.1. A intervenção do Plenário pode ter lugar, em recurso de outros Acórdãos, apenas quando estes tenham conhecido do mérito da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade e haja divergência entre a decisão recorrida e o sentido anteriormente adotado em outras decisões (artigo 79.º-D, n.º 1 da LTC), o que se não verifica. É este o sentido da LTC, reafirmado na jurisprudência constitucional (cfr. os Acórdãos n.os 23/98, 257/2002, 161/2007, 303/2007, 821/2017 e 558/2018, entre outros), como, aliás, o Recorrente expressamente admite.
Resta saber se procedem as razões que apresentou para uma inflexão no rumo da jurisprudência.
2.2. Desde logo, impõe-se afirmar que não deve proceder-se a interpretação analógica do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC pela simples razão de que não existe lacuna passível de ser integrada desse modo.
Na verdade, a possibilidade de interposição de recurso de um acórdão de uma secção ou da conferência do Tribunal Constitucional para o Plenário do mesmo tribunal, por oposição de decisões é uma solução que o legislador – que não estava obrigado a prevê-la – pode limitar, como efetivamente limitou, a certa categoria de decisões. O que fez, lançando mão do critério da natureza da decisão. Trata-se de um critério objetivo, que não é estranho ao nosso ordenamento processual (cfr., designadamente, o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP), razoável (valorizando a relevância da decisão de mérito) e que garante, ademais, a racionalidade do sistema (evitando a sobrecarga do Plenário com questões de forma). Assim, na hipótese, como é a presente, de ter sido proferido acórdão que incida sobre questões processuais, como as condições de recorribilidade, não nos encontramos, propriamente, perante um caso omisso, mas simplesmente perante um caso que o legislador, usando a larga margem de liberdade de que dispõe, entendeu não submeter à apreciação do Plenário.
As razões adiantadas pelo Recorrente para alcançar uma interpretação diferente, para além de não encontrarem apoio na figura da analogia, reconduzir-se-iam mais propriamente a uma discussão de iure constituendo, mas não ao sistema que existe e cumpre aplicar, de iure constituto.
Não é pertinente, neste particular ponto, a referência aos direitos fundamentais (que implicitamente se afirmam atingidos): o direito ao recurso ficou assegurado com um segundo grau de jurisdição, que se traduziu no acórdão da conferência. Nada obriga à existência de um terceiro grau de jurisdição para apreciação da tempestividade do recurso (salvo circunstâncias excecionais tratadas na sua jurisprudência e que não relevam para o caso, o Tribunal tem afirmado, sucessivamente, que não tem que haver um duplo grau de recurso, ou um terceiro grau de jurisdição, para que a exigência constitucional do direito ao recurso seja cumprida – cfr., a título de exemplo, os Acórdãos nºs. 645/2009, 277/2010 e 308/2010).
De todo o modo, não deixa de se assinalar que o interesse de bom funcionamento do sistema de justiça constitucional a que o Recorrente apela não deixa de ter resposta na LTC: nos termos do artigo 79.º-A, n.º 1, da LTC, 0 presidente pode, com a concordância do Tribunal, determinar que o julgamento se faça com intervenção do Plenário, quando o considerar necessário para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir – aqui sem qualquer restrição quanto à natureza (processual ou substancial) da questão apreciada.
A Constituição não obriga a que, em substituição ou complemento desta previsão, a intervenção do Plenário sobre decisão coletiva do Tribunal Constitucional ocorra por outorga legal de um direito potestativo da parte a provocá-la. E tal solução, como vimos, não decorre da lei.
2.3. Em suma, não procedem razões justificativas da pretendida inflexão do entendimento supra exposto quanto ao sentido do artigo 79.º-D, n.º 1 da LTC.
Como tal, resta concluir, sem necessidade de outras considerações, pela não admissão do recurso.
[…]” (sublinhado acrescentado).
1.3.1. Notificado desta decisão, o Recorrente A. apresentou um requerimento de “reclamação para o Plenário”, com o seguinte teor (transcrição parcial do requerimento de fls. 21934/21941 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
“[…]
A., arguido e recorrente, notificado em 21.01.2019 do despacho, proferido pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator nos presentes autos, que rejeitou o recurso por si interposto para o Plenário deste Tribunal nos termos do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC, e com o mesmo não se podendo conformar, vem, nos termos conjugados do art. 78.º-B, n.º 2, e do art. 78.º-A, n.os 3 e 4, todos da LTC, reclamar para o Plenário deste mesmo Tribunal Constitucional do referido despacho de rejeição, nos termos que se passam a expor:
Esta reclamação suscita, salvo melhor opinião, fundamentalmente as seguintes três questões:
1.ª – O recurso para o Plenário interposto pelo reclamante deve ou não ser admitido, o que, do ponto de vista do reclamante, implica que se decida se o art. 79.º-D, n.º 1, da LTC deve, ou não, ser interpretado/aplicado analogicamente, no sentido de, além de serem admissíveis recursos para o Plenário estritamente quanto a questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional, serem também admissíveis recursos em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional mas quanto a outras questões importantes para a justiça constitucional, nomeadamente para a efetivação de direitos fundamentais dos cidadãos e para a confiança que estes tenham no Tribunal Constitucional, questões estas que, aliás, segundo nos parece, constam da previsão do art. 79.º-A, n.º 1, da LTC e portanto revelam por isso ter, de acordo com o legislador, dignidade suficiente para serem apreciadas pelo Plenário.
2.ª – Caso se considere que o art. 79.º-D, n.º 1, da LTC deve ser interpretado nos termos extensivos ou analógicos acabados de referir, há que decidir se é, ou não, subsumível na categoria de casos que passaria a estar abrangida pela previsão do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC o caso da oposição de julgados entre os Acórdãos recorridos n.os 773/2018 e 670/2018, por um lado, e o Acórdão n.º 329/2015, por outro lado, que sinteticamente reside na questão de saber se a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias contado da notificação da decisão recorrida (nos termos do art. 75.º, n.º 1, da LTC) deve considerar-se sempre intempestiva e irrelevante, nos casos que sejam também subsumíveis no art. 75.º, n.º 2, da LTC, ou se deve considerar-se sanada tal intempestividade se a decisão de que foi interposto recurso se tiver tomado definitiva antes da subida do recurso para o Tribunal Constitucional.
3.ª – Sendo a 1.ª e a 2.ª questões respondidas positivamente, então deve resolver-se a oposição de julgados. E nesse sentido parece-nos que devem ser colocadas duas subquestões:
– A primeira subquestão é a de saber se deve ou não considerar-se que a ratio do art. 75.º, n.º 2, da LTC não foi a de o legislador querer restringir o exercício do direito de os cidadãos recorrerem para o Tribunal Constitucional, mas sim ampliá-lo, razão pela qual tanto devem ser considerados tempestivos os recursos interpostos no prazo de 10 dias contado da notificação da decisão recorrida (devendo porém subir apenas a final), como também tempestivos devem considerar-se os recursos interpostos alternativamente no prazo de 10 dias contado do momento em que se torne definitiva a decisão que não admite recurso (nos termos do art. 75.º, n.º 2, da LTC).
– A segunda subquestão consiste em decidir se, mesmo entendendo-se que nos casos previstos no art. 75.º, n.º 2, da LTC não deve considerar-se sem mais como tempestivo o recurso interposto no prazo de 10 dias contados da decisão da notificação recorrida, deve ou não considerar-se que sana a intempestividade o facto de na interposição de recurso ter sido feita menção de que a interposição é feita à cautela para o caso de se vir a considerar que o recurso ordinário concomitantemente interposto não é admissível.
E que outrossim deve considerar-se sanada a intempestividade seja quando tenha havido reiteração da vontade de recorrer no prazo de interposição de segundo recurso para o Tribunal Constitucional (da última decisão ordinária da questão pós-decisória, quando se pensou em juntar os dois recursos para o Tribunal Constitucional por razões de óbvia economia processual e celeridade), seja quando tenha havido reiteração da vontade de que o primeiro recurso viesse a ser apreciado mais tarde, no mesmo momento em que (em alegações para o Tribunal Constitucional), e depois de exortado o recorrente a desistir das questões recursivas provindas do primeiro recurso, se desistiu da instância quanto a tais questões, salientando-se, porém, que se fazia uma desistência apenas da instância e não do pedido e que a apreciação das questões colocadas no primeiro recurso para o Tribunal Constitucional era ainda e sempre considerada fundamental pelo recorrente.
1 – Questão da recorribilidade ao abrigo do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC
1.1. O recurso à analogia no nosso Sistema Jurídico
Com todo o devido respeito que é muito, o Senhor Juiz Conselheiro Relator nos presentes autos, ao ter indeferido o recurso interposto para este Plenário ao abrigo do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC, interpretado analogicamente em sentido favorável aos direitos fundamentais dos cidadãos, maxime ao direito ao recurso, partiu de um inexato pressuposto que é o de que a interpretação analógica só é admissível quando estejamos perante uma lacuna da lei.
Por isso, procurou o Senhor Juiz Conselheiro Relator descortinar onde estaria, no caso sub indice, a eventual lacuna legal e, não a descobrindo, concluiu, lapidarmente, no sentido de que, não havendo lacuna para integrar, não seria possível qualquer interpretação analógica e, portanto, faleceria necessariamente – e desde logo por isso – o fundamento aduzido para a admissibilidade do recurso para o Plenário interposto pelo arguido.
Ora, cremos que não será exatamente assim.
Como refere o insigne Professor Oliveira Ascensão, na sua lapidar obra “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, Almedina, 7.ª edição, Coimbra, 1993, a págs. 435 e segs., «[a] analogia em si é um processo geral do pensamento, que em matéria de integração de lacunas tem uma das suas aplicações jurídicas», mas é apenas uma das suas possíveis aplicações.
Ainda citando este Professor, «[a] analogia repousa na exigência do tratamento igual de casos semelhantes». Na verdade, sempre que sejam procedentes as razões justificativas da regulação do caso previsto na lei, deverá recorrer-se à interpretação analógica.
Desde que se verifique «a mesma razão de decidir», deve recorrer-se à analogia: «O que a analogia supõe é que as semelhanças são mais fortes do que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, podemos então afirmar que há analogia. O que quer dizer que é sempre e só através de urna valoração, dirigida à descoberta da essência daquela situação, que nós podemos chegar à afirmação de que há analogia.»
E depois especifica este Venerando Professor os casos em que há proibição de uso de analogia, e em que, portanto, às razões de igualdade de tratamento se sobrepõem considerações mais fortes que fazem com que a analogia seja excluída: são esses os casos em que estão em causa regras excecionais ou regras penais positivas.
Ora, claramente, no caso sub judice, não nos encontramos perante nenhum destes dois casos de exclusão da possibilidade de se recorrer à analogia.
Efetivamente, julgamos ser entendimento dominante, na atual teoria da interpretação das leis, que não se afaste a possibilidade técnico-jurídica de interpretações analógicas em geral, só por não se vislumbrar a existência de uma lacuna.
Assim, se se chegar à conclusão de que a ratio legis que fundamentou o regime estatuído no art. 79.º-D, n.º 1, da LTC quanto ao recurso para o Plenário por oposição de julgados no próprio Tribunal Constitucional se faz também sentir noutro grupo de casos, deverá considerar-se que também aí haverá recorribilidade para o Plenário.
1.2. A ratio legis que subjaz a que o legislador tenha previsto o recurso para o Plenário apenas em certos casos de oposição de julgados
As razões que levaram o legislador a prever, em diferentes sedes – no âmbito do processo penal, do processo tributário, do processo civil, entre outras –, os recursos para uniformização de jurisprudência prendem-se com a necessidade de sanar ou prevenir polémicas jurisprudenciais que ponham em causa os valores da certeza e da segurança na aplicação do Direito, assim contribuindo para a maior eficácia e celeridade do Sistema Jurídico, bem como para dar resposta a exigência, decorrente do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, de tratamento igual de casos semelhantes [V., a este propósito, J. A. Reis, em Cód. Proc. Civil Anot., vol. VI, a págs. 233 e 234, onde se pode ler: «( ...) há de assegurar-se no magistrado plena Independência e completa liberdade; o julgador deve ter o poder de interpretar a lei segundo os ditames da sua consciência, sem estar sujeito a pressões nem a influências exteriores. Só assim se obterá que mereça respeito e inspire confiança. Mas agora o reverso da medalha. O princípio da liberdade de interpretação pode conduzir a resultados indesejáveis. A diversidade de opiniões, de cultura, de temperamento, de critérios individuais dará naturalmente origem a interpretações divergentes, de sorte que casos particulares, perfeitamente idênticos, virão a ter diverso tratamento jurídico. E assim o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei torna-se uma ficção e um mito. A máxima constitucional – a lei é igual para lodos – fica reduzida a fórmula vã, se, em consequência da liberdade de interpretação jurisdicional, a casos concretos rigorosamente iguais corresponderem soluções jurídicas antagónicas ou divergentes. O que importa essencialmente, para efeitos práticos, é a atuação concreta da lei, e não a sua formulação abstrata. Sente-se, pois, a necessidade de conciliar o princípio de liberdade de interpretação da lei com o princípio da igualdade da lei para todos os indivíduos. Quer dizer, reconhece-se a conveniência de tomar providências tendentes a assegurar, quanto possível, a uniformidade da jurisprudência.»].
Nunca se considerou aceitável, em qualquer sistema jurídico, que floresçam decisões de sentido inverso a respeito de realidades idênticas.
É, pois, pacífico que são de evitar as oposições de julgados que ponham em causa os valores acima referidos [Neste sentido, v. a intervenção do Colendo Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, no Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, em 25/06/2015, publicado em www.fd.unl.pt.].
E é manifesto que o legislador da LTC as quis evitar, tanto no art. 79.º-D, n.º 1, como no art. 79.º-A, n.º 1, da LTC.
A primeira questão que se coloca a V. Exas. é pois a de saber se concordam, ou não, com o reclamante quanto a o art. 79.º-D, n.º 1, da LTC dever ser interpretado/aplicado analogicamente, no sentido de além de serem admissíveis recursos para o Plenário estritamente quanto a questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional, serem também admissíveis recursos em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional, mas quanto a outras questões importantes para a justiça constitucional, nomeadamente para a efetivação de direitos fundamentais dos cidadãos e para a confiança que estes tenham no Tribunal Constitucional, questões estas que aliás são claramente integráveis na previsão do art. 79.º-A, n.º 1, da LTC, assim revelando que o legislador considerou que elas têm dignidade para chegar ao Plenário (ainda que no art. 79.º-A, n.º 1, da LTC esteja em causa uma outra via de colocação de questões ao Plenário).
Tem-se noção de que foi afirmado já em diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional (o que revela que vários outros cidadãos colocaram a mesma questão), que o âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 79.º-D da LTC não compreenderia nunca oposições de julgados quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, antes se aplicando apenas aos casos de oposições de julgados entre decisões de mérito relativas a questões de constitucionalidade ou de ilegalidade.
Não obstante, conforme já se sustentou quando da interposição de recurso para o Plenário, o Recorrente, com todo o respeito por opinião diversa, discorda desse entendimento jurisprudencial, quando absoluto, por ser injustificadamente restritivo dos direitos fundamentais dos cidadãos, maxime do direito ao recurso em processo penal – consagrado no art. 13.º da CEDH e no art. 32.º, n.º 1, da CRP – e também do próprio direito ao recurso para o Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade (consagrado no art. 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, da CRP).
A ratio do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC parece ter sido restringir-se na jurisdição constitucional as questões de uniformização jurisprudencial às mais importantes questões normativas de que o Tribunal Constitucional se ocupa, que são as de inconstitucionalidade ou de ilegalidade materiais, quer em sede de Direito substantivo, quer em sede de Direito processual.
Mas o que está em causa na aplicação analógica/extensiva que se propugna é, salvo melhor opinião, tão relevante quanto tais questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade materiais.
Efetivamente, ainda que incidindo em matéria de pressupostos da admissibilidade do recurso constitucional, o que está em causa é haver, ou não, uma mensagem fundamental do Tribunal Constitucional para os cidadãos e seus mandatários judiciais, quanto ao momento de interposição de recurso, dando-lhes segurança jurídica e confiança, e revelando o Tribunal Constitucional propensão para a efetiva apreciação das questões de violação da Constituição e de tutela dos direitos fundamentais, que os cidadãos e seus mandatários judiciais lhe coloquem.
E dúvidas não temos de que deve considerar-se que as oposições de julgados sobre este tipo de questões também devem considerar-se abrangidas na recorribilidade para o Plenário prevista no art. 79.º-D, n.º 1, da LTC.
No caso sub judice a oposição de julgados em apreço é a seguinte:
– no caso do cidadão arguido, aqui reclamante, condenado a seis anos de prisão efetiva, é-lhe vedado o recurso para a apreciação de questões de inconstitucionalidade por ter sido feita uma interpretação normativa que considera irrelevante o superveniente desaparecimento do eventual obstáculo ao conhecimento do recurso e consequentemente rejeita o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias contado da notificação da decisão recorrida, por intempestividade;
– no caso julgado pelo acórdão n.º 329/2015 (proferido por este mesmo Tribunal no recurso n.º 1167/2014), em situação no essencial idêntica à dos presentes autos, considerou-se relevante o subsequente desaparecimento do obstáculo processual ao conhecimento do recurso e portanto decidiu-se que o recurso sobre as questões de constitucionalidade era tempestivo e consequentemente apreciaram-se as questões de constitucionalidade suscitadas pelo arguido nesse recurso.
É manifesto o efeito negativo que tal divergência de entendimentos jurisprudenciais tem para os valores da certeza e segurança jurídica, pois os cidadãos e os seus mandatários judiciais ficam sem saber quando é que têm de recorrer.
Por outro lado, é patente a desigualdade de tratamento perante a lei: num caso o cidadão ora reclamante recorreu dentro do prazo de 10 dias seguintes à notificação da decisão recorrida e o seu recurso é julgado intempestivo e é rejeitado; no segundo caso, o arguido também recorreu no mesmo prazo de 10 dias seguintes à notificação da decisão recorrida e o seu recurso foi julgado tempestivo e foi apreciado!
O que se esperaria era que, nos casos em que estão em causa valores tão relevantes como o da liberdade do cidadão arguido, o respeito pelo princípio do tratamento igual dos cidadãos perante a lei não sofresse qualquer afrouxamento.
Como se vê, as razões que levam o legislador a consagrar os recursos para uniformização de jurisprudência, fazem-se sentir também em casos como o sub judice, não obstante a divergência jurisprudencial em causa respeitar aos pressupostos processuais de admissibilidade do recurso.
Pelo exposto, Senhores Juízes Conselheiros do Plenário deste Tribunal Constitucional, a conclusão a que se deve chegar é, com todo o devido respeito, diversa daquela a que chegou o Senhor Juiz Conselheiro Relator a fls. 21.907 dos presentes autos.
Efetivamente, e independentemente da existência de lacuna, verificando-se, como se verificam, equivalentes razões às que levaram à consagração do recurso para uniformização de jurisprudência no art. 79.º-D, n.º 1, da LTC, impõe-se a interpretação extensiva desta norma, por analogia, para que fiquem salvaguardados os valores da certeza e segurança jurídicas e igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei.
O despacho de que ora se reclama fez, com todo o devido respeito, uma interpretação literalista e injustificadamente restritiva da norma contida no art. 79.º-D, n.º 1, da LTC, que não prossegue a máxima tutela dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos (sendo que no caso em apreço está em última análise em causa uma decisão maximamente restritiva da liberdade, com aplicação de uma pena de seis anos de prisão, com violação de regras e princípios constitucionais).
A interpretação do art. 79.º-D, n.º 1, da LTC conforme à Constituição impõe, pois, o recurso à analogia em sentido favorável à admissão de recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional para harmonização de julgados também em casos, como o presente, em que o conflito jurisprudencial respeita aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, mas em que está em causa a possível violação de direitos fundamentais.
Por todo o exposto deverão V.as Ex.as, Colendos Juízes Conselheiros, julgar procedente a presente reclamação e, porventura repensando anteriores entendimentos, admitir o recurso para o Plenário para harmonização de julgados anteriormente rejeitado pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator.
[…]” (sublinhados acrescentados).
1.3.2. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, invocando o seguinte:
“[…]
1.º
Pela douta Decisão Sumária n.º 773/2018, não se conheceu do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo arguido A..
2.º
Apresentada reclamação para a conferência, esta, pelo Acórdão n.º 670/2018, indeferiu-a, mantendo expressamente a decisão reclamada de não conhecimento do objeto do recurso.
3.º
Notificado desse Acórdão, o recorrente interpôs recurso para o Plenário “de acordo com a interpretação analógica do n.º 1 do artigo 79.º-D da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”.
4.º
O Exmo. Senhor Conselheiro Relator, por despacho de 16 de janeiro de 2019, não admitiu o recurso.
5.º
Desse despacho, A. vem agora reclamar.
6.º
Ora, tal como se entendeu no douto despacho reclamado, não tendo o Tribunal Constitucional conhecido de mérito, naturalmente que não julgou qualquer questão de inconstitucionalidade em sentido divergente do anteriormente adotado pelo Tribunal Constitucional (artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC)).
7.º
Faltando, pois, esse requisito de admissibilidade e não devendo proceder-se, pelas razões que constam do despacho reclamado, à interpretação analógica do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, deve a reclamação ser indeferida.
8.º
Naturalmente que o Tribunal Constitucional pode dirimir divergências jurisprudenciais quanto a questões processuais, sendo para esse efeito convocável o artigo 79.º-A, n.º 1, da LTC.
9.º
Porém, mesmo que na situação dos autos se verificasse aquela divergência, nunca poderia, nesta fase do processo, aplicar-se esse regime, tendo em consideração o disposto no n.º 2 do artigo 79.º-A.
10.º
Podemos ainda acrescentar que a situação processual que se verifica nos presentes autos é diferente daquela que esteve na origem da prolação do Acórdão n.º 329/2015, a decisão identificada pelo recorrente e que justificaria a intervenção do Plenário.
11.º
Efetivamente, no processo em que foi proferido esse acórdão, o então recorrente interpôs recurso para Tribunal Constitucional e simultaneamente arguiu a nulidade de um acórdão final proferido pelo Tribunal de Contas, tendo o recurso para o Tribunal Constitucional sido admitido após ser proferido acórdão a indeferir a arguição de nulidade.
[…]”.
1.3.3. Também a Recorrida B. se pronunciou no sentido de não ser atendida a reclamação.
Cumpre apreciar a decidir.
II – Fundamentação
2. Antes do conhecimento do objeto da reclamação, interpõe-se uma questão prévia: a da competência para a decisão.
2.1. O Recorrente dirige a sua reclamação ao Plenário, nos termos “[…] do artigo 78.º-B, n.º 2, e do artigo 78.º-A, n.os 3 e 4, todos da LTC”.
As normas indicadas referem-se à reclamação para a conferência. É certo que existem precedentes jurisprudenciais – não unívocos – em que o Plenário aprecia a reclamação do despacho do relator que não admite recurso para aquela formação. Não obstante, perante lei expressa (artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC) no sentido da competência da conferência, a jurisprudência mais recente estabilizou neste sentido. Como se faz notar no recente Acórdão n.º 18/2019:
“[…]
6. Tendo sido impugnada a decisão da relatora que indeferiu o requerimento de interposição do recurso previsto no artigo 79.º-D da LTC, a competência para conhecer da correspondente reclamação pertenceria, em princípio, ao Plenário do Tribunal Constitucional (cf., neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 54/2014).
Sucede, todavia, que a intervenção do Plenário em recurso interpostos de outros acórdãos apenas tem lugar quando o acórdão recorrido tenha conhecido da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade e haja divergência entre a decisão recorrida e o sentido anteriormente adotado em outras decisões (artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC).
Ora, tais requisitos não se verificam no caso presente: apesar de o recurso para o Plenário ter sido interposto de decisão proferida por acórdão, este não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade, o que inviabiliza, também para os presentes efeitos, a intervenção daquela formação.
Verificando-se unanimidade dos juízes intervenientes, a reclamação será, pois, apreciada pela conferência, de acordo com a regra geral prevista no artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC
[…]” (sublinhado acrescentado).
No mesmo sentido, embora implicitamente, podem ver-se, ainda, os Acórdãos nºs. 55/2019, 678/2018 e 389/2018.
Deste modo, a pretensão do Recorrente será apreciada pela Conferência, nos termos do artigo 78.º-B, n.º 2, da LTC.
2.2. Sem necessidade de entrar na fértil discussão jurídica sobre os pressupostos da interpretação analógica e da interpretação extensiva, assinala-se que, no despacho reclamado, não se reconduziu a discussão à existência, ou não, de lacuna, acrescentando-se que, seja como for, as razões que o Recorrente buscava na norma, em boa verdade, a exorbitavam (“[…]as razões adiantadas pelo Recorrente para alcançar uma interpretação diferente, para além de não encontrarem apoio na figura da analogia, reconduzir-se-iam mais propriamente a uma discussão de iure constituendo, mas não ao sistema que existe e cumpre aplicar, de iure constituto”).
Questionando aquela conclusão, a reclamação assenta num pressuposto fundamental, que podemos sintetizar na seguinte ideia, com fidelidade quase literal ao claríssimo enunciado do Recorrente: a ratio legis que fundamentou o regime estatuído no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC quanto ao recurso para o Plenário por oposição de julgados no próprio Tribunal Constitucional também se faz sentir nos casos em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional quanto a questões processuais importantes para a justiça constitucional. Em particular, ainda no entender do Recorrente, as oposições de julgados quanto aos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade podem ser tão relevantes quanto as questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade materiais – possibilitar uma mensagem fundamental do Tribunal Constitucional para os cidadãos e seus mandatários judiciais quanto ao momento de interposição de recurso é essencial para assegurar a tutela da segurança jurídica, da confiança e da igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei.
Admite-se uma evidência: qualquer solução normativa que alargue o âmbito dos recursos para o Plenário implicará, como externalidade positiva, o consequente alargamento das matérias sobre as quais o Tribunal terá oportunidade de estabilizar a sua jurisprudência, com os correspondentes ganhos.
A cuidadosa construção argumentativa do Reclamante esquece, todavia, dois aspetos fundamentais da norma que se propõe interpretar, os quais contrariam o resultado que pretende alcançar.
Em primeiro lugar – e, note-se, estamos precisamente no âmago da sua tese – o Reclamante não atende à circunstância de que, como justamente se assinalou na decisão reclamada, a norma não conter uma ratio unidirecional de abertura das vias de recurso. Ou seja, a ossatura normativa não revela que o legislador pretendeu, sempre e em qualquer caso, potenciar a intervenção do Plenário no cumprimento da sua função estabilizadora da jurisprudência constitucional. O elemento da norma contida no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC que vai referido ao mérito da decisão – “julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade” –, para além de inequívoco, revela que ali não encontramos uma ratio, mas sim rationes que conduziriam a diferentes soluções. A ratio (única) apontada pelo Reclamante, a vingar só por si, imporia um alargamento da possibilidade de recurso para o Plenário limitado apenas ao interesse da questão a decidir, solução que o legislador não adotou, ao introduzir o elemento de mérito da decisão, dando corpo à (diferente) ratio de racionalização do sistema interno de recursos do Tribunal Constitucional, que, no caso, é de sinal restritivo.
Nada autoriza a reduzir a razão de ser da norma à tutela de um só interesse, quando na mesma convivem interesses de sinal oposto que o legislador – fazendo uso da sua legitimidade exclusiva para esse efeito – resolveu com uma solução que não sacrifica excessivamente qualquer deles. Como se afirmou no despacho reclamado, “[…] a possibilidade de interposição de recurso de um acórdão de uma secção ou da conferência do Tribunal Constitucional para o Plenário do mesmo tribunal, por oposição de decisões é uma solução que o legislador – que não estava obrigado a prevê-la – pode limitar, como efetivamente limitou, a certa categoria de decisões. O que fez, lançando mão do critério da natureza da decisão. Trata-se de um critério objetivo, que não é estranho ao nosso ordenamento processual (cfr., designadamente, o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP), razoável (valorizando a relevância da decisão de mérito) e que garante, ademais, a racionalidade do sistema (evitando a sobrecarga do Plenário com questões de forma). Assim, na hipótese, como é a presente, de ter sido proferido acórdão que incida sobre questões processuais, como as condições de recorribilidade, não nos encontramos, propriamente, perante um caso omisso, mas simplesmente perante um caso que o legislador, usando a larga margem de liberdade de que dispõe, entendeu não submeter à apreciação do Plenário”.
Daqui resulta que, ao contrário do que afirma o ora Reclamante, a ratio legis que fundamentou o regime estatuído no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC quanto ao recurso para o Plenário por oposição de julgados no próprio Tribunal Constitucional não se faz sentir nos casos em que tenha havido decisões opostas do Tribunal Constitucional quanto a questões processuais importantes para a justiça constitucional – e não se faz sentir, precisamente, porque no segundo caso prevalece, contra a opção legislativa, um dos interesses sobre o outro, perdendo-se o equilíbrio da norma. Não poderia o julgador substituir-se ao legislador na ponderação que este exprimiu de forma tão precisa numa hipótese, por natureza, tão delimitada.
Em segundo lugar, e no seguimento do que se expôs, esquece o ora Reclamante o momento culminante do processo em que a norma se destina a ser aplicada. No âmbito de um certo processo judicial, que concretiza, também ele, em todos os momentos, a tutela jurisdicional, a parte que pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional vê a sua pretensão negada por um juiz e tem a possibilidade de recorrer para um coletivo de juízes, assim se assegurando um duplo grau de jurisdição. Neste quadro, a abertura de uma nova via de recurso, um terceiro grau de jurisdição dentro do mesmo tribunal, com intervenção de todos os (treze) juízes do Tribunal Constitucional, é uma solução que não só o legislador não está obrigado a garantir (como se assinalou no despacho reclamado, citando jurisprudência constitucional uniforme), como se apresenta, a todos os títulos, excecional. Dito de outro modo, o caráter excecional da norma contida no artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC – excecionalidade que o legislador entendeu balizar por referência a questões de mérito, quando poderia, até, tê-la limitado mais fortemente – não permite a pretendida aplicação analógica ou interpretação extensiva.
Por fim, a norma do artigo 79.º-A, n.º 1, da LTC, à luz do que vai dito, nada nos diz quanto ao sentido em que deve ser interpretada a norma do artigo 79.º-D, n.º 1, do mesmo diploma – aquela solução, diferente desta nos seus pressupostos, na legitimidade para acionar o mecanismo de intervenção do Plenário e no momento processual em que este pode ocorrer só reforça que o legislador exerce com criatividade a sua liberdade de conformar a intervenção do Plenário. Ademais, nos casos previstos no artigo 79.º-A, n.º 1, da LTC o julgamento pelo Plenário pode ser o único a realizar pelo Tribunal, sendo, por esse motivo, intransponível para uma hipótese em que se visa provocar uma terceira decisão.
No mais, restam os fundamentos do despacho reclamado, que aqui se validam e dão por integralmente reproduzidos, deles decorrendo a improcedência da reclamação, ficando prejudicadas as demais questões suscitadas, por dependerem do sucesso da primeira.
III – Decisão
3. Face ao exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida pelo Recorrente A., mantendo-se a decisão reclamada de não admissão do recurso que pretendeu interpor para o Plenário do Tribunal Constitucional da decisão da conferência que confirmou a decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso, por intempestividade.
Custas pelo Recorrente, ora Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta, tendo em atenção os critérios definidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 20 de fevereiro de 2019 - José Teles Pereira - Claudio Monteiro - João Pedro Caupers