ACÓRDÃO N.º 654/2018
Processo n.º 1083/18 (5964-INC)
Plenário
Aos 4 de dezembro de dois e dezoito, achando-se presentes o Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e os Conselheiros Pedro Machete, Maria de Fátima Mata-Mouros, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Maria José Rangel de Mesquita, José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Catarina Sarmento e Castro, Lino Rodrigues Ribeiro, Joana Fernandes Costa, Claudio Ramos Monteiro, João Pedro Caupers e Maria Clara Sottomayor, foram trazidos à conferência os presentes autos. O Conselheiro Claudio Ramos Monteiro solicitou, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 29.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e 119.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a dispensa de intervir na causa, invocando a relação de amizade que o liga ao declarante, ausentando-se de seguida da sala. O Tribunal pronunciou-se favoravelmente ao pedido.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I. Relatório
1. Em 21 de dezembro de 2017, A., que iniciara funções como Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro em 21 de outubro do mesmo ano, veio apresentar declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, por último alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro. De tal declaração consta a informação de que ao tempo o declarante exercia, de forma não remunerada, a atividade de gerente da sociedade B., Lda., da qual detinha 50% das participações sociais.
Em 25 de maio de 2018, o declarante apresentou nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, em que declara exercer as funções de Ministro Adjunto em exclusividade – continuando a mencionar a detenção de 50% das participações sociais da sociedade B., Lda.
2. Perante esta segunda declaração, o Ministério Público, em 1 de junho de 2018, promoveu que o declarante fosse notificado para vir esclarecer a situação.
3. Na sua resposta ao Tribunal, em 15 de junho de 2018, o declarante veio informar que, à data, não exercia qualquer outra atividade além da de membro do Governo. Prestou ainda os seguintes esclarecimentos:
«4. Anteriormente à minha tomada de posse, mas já depois do Decreto de nomeação para o cargo, havia cessado a atividade profissional como advogado e sócio da sociedade de advogados C., LLP.
5. Acordei a amortização da minha quota naquela sociedade no dia 20 de outubro de 2017 (cfr. carta do Senior Partner desta sociedade, que se junta como Documento n.º 1).
6. E requeri a suspensão da minha inscrição na Ordem dos Advogados através de requerimento entrado nesse mesmo dia 20 de outubro de 2017 (cfr. requerimento, que se junta como Documento n.º 2).
7. No dia 27 de outubro de 2017 apresentei carta de renúncia ao cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Sociedade D., S.A. (cfr. carta de renúncia, que se junta como Documento n.º 3), tendo requerido que a referida renúncia produzisse efeitos no anterior dia 19 de outubro.
8. O referido pedido de renúncia foi aceite em Assembleia Geral da Sociedade D., S.A., realizada em 23 de novembro de 2017 (cfr. ata da assembleia geral, que se junta como Documento n.º 4).
9. Embora a deliberação em que se aceita o pedido de renúncia refira os termos em que o mesmo foi solicitado (isto é, produzindo efeitos a 19 de outubro de 2017), não é explícita a referir a aceitação dos seus efeitos àquela data anterior, pelo que, à cautela, se considera que a renúncia produziu efeitos no dia da assembleia, isto é, 23 de novembro de 2017.
10. No dia 15 de dezembro de 2017, apresentei pedido de renúncia ao cargo de gerente da sociedade B., Lda., através de carta dirigida à sociedade (cfr. carta de renúncia, que se junta como Documento n.º 5).
11. Não houve deliberação da sociedade a aceitar o pedido de renúncia prescindindo do benefício do prazo, pelo que este apenas produziu efeitos no termo do prazo legal.
12. O pedido de renúncia foi formulado nos termos do artigo 258.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o que significa que produziu efeitos no prazo de oito dias a contar da respetiva receção.
13. Nos termos do artigo 279.º do Código Civil, na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr. No caso, o evento a partir do qual o prazo começa a correr é a receção da carta de renúncia, que teve lugar no próprio dia 15 de dezembro; o prazo conta-se por isso a partir de dia 16 de dezembro de 2017. De acordo com a alínea c) do artigo 279.º, é havido como prazo de uma semana o prazo designado por oito dias, pelo que o prazo só terminou no dia 23 de dezembro de 2017, que calhou num sábado. Tratando-se este de um prazo substantivo, deve assumir-se esse como o dia em que o prazo terminou e a renúncia produziu efeitos.
14. A sociedade B., Lda., não teve qualquer atividade durante o período que decorreu entre a minha nomeação e a data de produção de efeitos da renúncia (cfr. cópia de declarações trimestrais de IVA, que se juntam como Documento n.º 6).
15. Uma vez que não era já advogado e não podia já efetuar o registo da renúncia online, solicitei a advogada que promovesse o registo da cessação de funções.
16. No dia 24 de abril de 2018, tendo solicitado à mesma advogada uma outra diligência, pedi que me fosse dada informação sobre o pedido de registo, tendo-me sido referido que este não havia sido ainda efetuado, mas que iria ser promovido em breve (cfr. comunicação, que se junta como Documento n.º 7).
17. No dia 22 de maio de 2018, tendo sido questionado pela comunicação social a circunstância de no registo comercial ainda figurar como gerente da sociedade, contactei a advogada a quem havia solicitado a diligência, procurando informar-me sobre a situação. Foi-me então referido que ainda não havia sido efetuado o registo.
18. Por isso, só nesse dia 22 de maio de 2018 foi apresentado o pedido de registo online da renúncia. Do registo consta como data da renúncia o dia 15 de dezembro de 2017 - a data da carta de renúncia (cfr. cópia da certidão permanente, que se junta como Documento n.º 8).
19. O registo da cessação de funções dos membros dos órgãos de administração das sociedades, por qualquer outra causa que não seja o decurso do tempo, é obrigatório, nos termos dos artigos 3.º, n.º 1, alínea m), e 15.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de dezembro.
20. Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo, mas são eficazes em relação à respetiva sociedade no momento fixado na Lei.
21. Assim, a consequência jurídica do incumprimento do prazo de registo é, nos termos do disposto no artigo 17.º do Código do Registo Comercial, a obrigação de pagamento dos emolumentos em dobro, sem prejudicar a eficácia do ato de renúncia.
22. No dia 25 de maio de 2018, concluído o processo de registo da renúncia, apresentei no Tribunal Constitucional nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos».
4. Vista a resposta do declarante, o Ministério Público, em 3 de outubro de 2018, promoveu o seguinte:
«[C]rê-se que o declarante terá agido de boa fé, quer ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos, quer ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com que se viu confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de inexistência de tais incompatibilidades.
Por outro lado, as referidas situações de incompatibilidade encontram-se todas elas já sanadas, não se vendo, por isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção constante do art. 10º, nº 3, alínea b) da Lei 64/93.
Por último, a ter-se verificado, nos autos, uma situação de dúvida como a prevista no art. 112º, nº 3, da LTC, a cessação da situação de incompatibilidade já se verificou, pelo que nada se oferece ordenar a este respeito.
Nestes termos, crê o Ministério Público que as situações de incompatibilidade existentes à data de posse do declarante, como membro do Governo, se encontram, no presente momento, por ele devidamente sanadas e comprovadas nos autos, não se vendo, por isso, justificação para aplicar, ao declarante, a sanção prevista no artigo 10º, nº 3, alínea b) da Lei 64/93».
5. Notificado da promoção do Ministério Público, o declarante veio, em 23 de novembro de 2018, exprimir a sua concordância com a análise aí desenvolvida e, tendo também em conta que, em 15 de outubro do mesmo ano, havia sido exonerado do cargo de Ministro Adjunto e tomado posse como Ministro Adjunto e da Economia, requerer o arquivamento do processo.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. A Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, alterada por último pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, estabelece o regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Dispõe o artigo 10.º, n.º 1, que «[o]s titulares de cargos políticos devem depositar no Tribunal Constitucional, nos 60 dias posteriores à data da tomada de posse, declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos, donde conste a enumeração de todos os cargos, funções e atividades profissionais exercidos pelo declarante, bem como de quaisquer participações iniciais detidas pelo mesmo».
Ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, os membros do Governo, enquanto titulares de um órgão de soberania (cfr. o artigo 1.º, n.º 1), exercem as suas funções em regime de exclusividade. Determina o n.º 2 desse mesmo artigo 4.º que a titularidade de tais cargos «é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos».
A infração do disposto no artigo 4.º implica, para os cargos de natureza não eletiva, a demissão [artigo 10.º, n.º 3, alínea b)]. Por sua vez, dispõe o artigo 112.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional que «[o] Tribunal, se considerar fundada a existência de dúvida sobre a ocorrência de uma situação de incompatibilidade, limitar-se-á a ordenar a sua cessação, fixando prazo para o efeito».
7. Deste modo, importaria, desde logo, determinar se, in casu, ocorrera uma situação de incompatibilidade. Independentemente da resposta a tal questão, na pendência do presente processo, o declarante, através do Decreto do Presidente da República n.º 72-J/2018, de 15 de outubro, foi exonerado do cargo de Ministro Adjunto – cargo de natureza não eletiva. Ora, quer a sanção cominada no artigo 10.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 64/93, quer a consequência que se estabelece no artigo 112.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, pressupõem o exercício efetivo do cargo em questão pelo titular respetivo (neste sentido, cfr. os Acórdãos n.ºs 218/2005, 219/2005, 696/2005, 697/2005 e 248/2006). Tornou-se, assim, inútil o prosseguimento dos autos, na medida em que qualquer consequência que pudesse ser associada a uma eventual situação de incompatibilidade apenas poderia reportar-se ao cargo à data exercido.
Neste contexto, é irrelevante que, através do Decreto do Presidente da República n.º 72-L/2018, de 15 de outubro, o declarante tenha, na sequência da exoneração do cargo de Ministro Adjunto, sido nomeado para o cargo de Ministro Adjunto e da Economia. As consequências estabelecidas na Lei n.º 64/93 para a infração do regime de exclusividade aí contido estão necessariamente vinculadas ao exercício do cargo cuja tomada de posse, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, deu origem ao dever de apresentação de declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos. Não se reportam ao exercício do cargo de ministro em abstrato. Relativamente ao mandato como Ministro Adjunto e da Economia, o declarante encontra-se sujeito ao dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos.
III. Decisão
8. Pelo exposto, determina-se o arquivamento dos autos, com fundamento em inutilidade superveniente.
Lisboa, 4 de dezembro de 2018 - Pedro Machete - Maria de Fátima Mata-Mouros - Gonçalo Almeida Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita - José Teles Pereira - Fernando Vaz Ventura - Catarina Sarmento e Castro - Lino Rodrigues Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Maria Clara Sottomayor - João Pedro Caupers - Manuel da Costa Andrade