ACÓRDÃO Nº 618/2018
Processo n.º 369/18
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. A., Ld.ª impugnou judicialmente a liquidação oficiosa do imposto sobre produtos petrolíferos, juros compensatórios e impresso, no montante total de € 25.059,99.
Por sentença proferida em 28 de julho de 2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, seguindo a jurisprudência firmada no Acórdão n.º 176/2010 do Tribunal Constitucional, decidiu que «atenta a inconstitucionalidade orgânica de que enferma o § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril, na conjugação com o artigo 3.º, n.º 2, alínea e) e 74.º, n.º 5 (na redação anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, aplicável ao caso dos autos), do CIEC, impera decidir pela desaplicação de tal norma». Por conseguinte, julgou a presente impugnação procedente e, em consequência, anulou a liquidação impugnada.
2. Nesta sequência, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), constituindo o seu objeto a questão de constitucionalidade da norma anteriormente identificada e cuja aplicação foi recusada.
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações junto deste Tribunal, tendo concluído nos seguintes termos:
«2. Apreciação do mérito do recurso
2.1. Sobre a questão de constitucionalidade que constitui objeto do recurso já o Tribunal Constitucional se pronunciou.
Assim, o Acórdão n.º 176/2010, proferido pelo Plenário, julgou organicamente inconstitucional a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril, na dimensão em causa, por violação dos artigos 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição.
O Acórdão poderá sumariar-se da seguinte forma:
I - O que está em causa é averiguar se já tinha assento no sistema uma previsão genérica de tratamento de irregularidades na venda do gasóleo a taxa reduzida, da qual já pudesse ser extraída, seguindo os cânones hermenêuticos aplicáveis, uma imputação de responsabilidade, pelos mesmos factos, e nos mesmos termos, dos enunciados no § 7.º da Portaria n.º 234/97. Ou seja, averiguar se foi esta norma que, pela primeira vez, associou a exigência de que a venda se efetue aos titulares de cartão com microcircuito à responsabilização da entidade vendedora pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida
(que fora paga, por ser gasóleo colorido e marcado) e a taxa normal (que passa a ser devida), em consequência do incumprimento dos procedimentos de venda, previstos na lei com vista a assegurar que esse combustível se destina às finalidades que legalmente justificam a redução da taxa.
II - O confronto com o quadro legal anterior à Portaria n.º 234/97 - e ao Código dos IEC, na versão anterior à Lei n.º 53-A/2006, que alterou o artigo 74.º - revela, sem margem para qualquer dúvida, que antes (até à Portaria n.º 234/97) nada se previa quanto às condições em que se verifica a responsabilidade dos sujeitos em causa. De facto, a dimensão normativa em causa nos autos não pode subsumir-se às situações de 'introdução irregular no consumo' ou de 'detenção irregular', a que se referia o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 123/94, pois, nos casos em apreço, o que se mostra ‘irregular’ é a venda efetuada sem cumprimento dos procedimentos de controlo subjacentes à utilização do cartão com microcircuito.
III - Ainda que os conceitos relativamente amplos do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 123/94 fossem suscetíveis de abarcar uma situação de 'venda irregular', como a que está em causa nos presentes autos, ainda assim a letra deste preceito seria insuscetível de comportar todo o 'circunstancialismo' previsto no § 7.º da Portaria n.º 234/97, pelo que se conclui pela 'novidade' da previsão normativa constante do § 7.º da Portaria n.º 234/97, relativamente à legislação que a antecedeu, com a consequente inconstitucionalidade orgânica, por violação do princípio constitucional da reserva de lei fiscal.
IV - Essa inconstitucionalidade não pode ser apagada pelo disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do Código dos IEC. De facto, embora a situação aqui questionada possa equivaler a uma 'situação irregular' de 'venda' de 'produtos sujeitos a imposto especial de consumo', a que alude esta alínea, a verdade é que a versão originária desse Código (Decreto-Lei n.º 566/99) não fazia qualquer alusão ao cartão de microcircuito, cuja titularidade era, à data, exigida pelo § 7.º da Portaria n.º 234/97, para a venda do gasóleo colorido e marcado à taxa reduzida. A mesma previsão, ‘no seu todo’, também não pode ser retirada da conjugação da alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º do Código dos IEC, com o artigo 74.º (na redação aplicável, anterior à Lei n.º 53-A/2006), uma vez que aí apenas se estabelecia a obrigação de utilização de cartões de microcircuito, bem como a aplicação de 'sanções' em caso de venda sem cumprimento destas regras, o que não equivale à tipificação dos elementos objetivos e subjetivos exigidos para a responsabilização imposta pelo § 7.º da Portaria n.º 234/97.
V - Apenas a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97 estabelece, por um lado, que a tributação do gasóleo colorido e marcado, vendido sem obediência aos procedimentos de controlo destinados a assegurar o cumprimento das finalidades legais a que está destinado (ou seja, obrigatoriedade de venda aos titulares de cartão com microcircuito), seja feita à taxa aplicável ao gasóleo rodoviário e, por outro lado, que os responsáveis pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida e a taxa normal são os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento. E, por outro lado, a permanência em vigor das disposições regulamentares da legislação revogada pelo Código dos IEC, determinada pelo n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 566/99, na redação do artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, não resolve o problema, pois em nada altera a natureza regulamentar dessas disposições, não satisfazendo o princípio da reserva de lei fiscal.
VI - A norma do artigo 3.º, n.º 2, alínea e), do Código dos IEC (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de Dezembro, na redação anterior às alterações introduzidas pelo artigo 69.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao artigo 74.º deste Código), é organicamente inconstitucional, na medida em que esta seja interpretada, como foi pelo acórdão recorrido, no sentido de prever, nos mesmos termos do § 7.º da Portaria n.º 234/97, a responsabilização dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento.
2.2. O juízo de inconstitucionalidade foi posteriormente confirmado pelos Acórdãos nºs 268/2010, 431/2011 e 84/2014.
Remete-se, pois, para a fundamentação constante desses arestos.
3. Conclusão
1. A norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do Imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito, é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição.
2. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso».
4. Notificada para contra-alegar, a recorrida nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O presente recurso respeita à inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, da norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões de microcircuito.
Esta questão foi já objeto de jurisprudência constitucional. Assim, o Acórdão n.º 176/2010 (publicado no Diário da República, II série, de 28 de junho de 2010, e disponível, assim como os demais acórdãos adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), proferido pelo Plenário (nos termos do artigo 79.º-A da LTC), julgou organicamente inconstitucional a referida norma, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
Idêntica orientação foi posteriormente seguida nos Acórdãos n.os 268/2010, 431/2011 e 84/2014.
Em aplicação dessa doutrina, é de manter idêntico juízo de inconstitucionalidade, que é plenamente transponível para o caso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de abril, segundo a qual devem os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pagar o ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões de microcircuito; e em consequência,
b) Negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 21 de novembro de 2018 - Maria de Fátima Mata-Mouros - José Teles Pereira - Claudio Monteiro - João Pedro Caupers - Manuel da Costa Andrade