ACÓRDÃO Nº 428/2018[1]
Processo n.º 779/17
Plenário
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. O Provedor de Justiça requereu, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 7 e 8 − e, consequentemente, dos n.ºs 9 e 10 − da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição.
2. O pedido veio acompanhado da seguinte fundamentação:
«1.º
Está em causa o regime jurídico das subvenções mensais vitalícias de ex-titulares de cargos políticos.
2.º
A Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, eliminou, através do n.º 1 do seu artigo 6.º, in abstracto e para o futuro, a figura da subvenção mensal vitalícia para os titulares de cargos políticos, revogando os artigos 24.º a 28.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril. Quanto às questões de direito intertemporal, para além das situações de atribuição já consolidadas in concreto, o legislador entendeu por bem acautelar, no artigo 8.º daquele diploma, as situações apenas iniciadas sob a égide do regime anterior, conservando (ainda que com alguma diferença em termos de cálculo) o benefício para os titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos em curso, preenchessem os requisitos da respetiva atribuição.
3.º
De mais a mais, a mesma Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, cuidou de estabelecer, agora no seu artigo 9.º, uma série de restrições à possibilidade de cumulação de pensão ou prestação equiparada e de remuneração advinda do exercício de funções políticas. Com a alteração ali introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, o quadro de limitações passou a abranger, naquele mesmo cenário de ocupação de cargos públicos remunerados, os remanescentes beneficiários da referida subvenção mensal vitalícia.
4.º
Até esta altura a disciplina em apreço ainda não recortava o direito de cumulação relativamente a remunerações oriundas de atividade privada desempenhada pelo beneficiário de pensão ou de subvenção. Tais rendimentos só convocaram este regime de restrições por força da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, a qual no auge da crise económico-financeira que afetou o país – veio também alterar o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro.
5.º
Desde então este último preceito legal enuncia textualmente o seguinte:
«Artigo 9.º
Limites às cumulações
(...)
7 - Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer atividades privadas, incluindo de natureza liberal, só podem acumular a totalidade da subvenção com a remuneração correspondente à atividade privada desempenhada se esta for de valor inferior a três vezes o indexante dos apoios sociais (IAS).
8 - Quando a remuneração correspondente à atividade provada [sic] desempenhada for de valor superior a três IAS, a subvenção mensal vitalícia é reduzida na parte excedente a três
IAS até ao limite do valor da subvenção.
9 - Para efeitos do disposto no número anterior, os beneficiários de subvenções mensais vitalícias comunicam à Caixa Geral de Aposentações, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, o montante dos rendimentos provenientes de atividade privada auferidos no ano civil anterior.
10 - O incumprimento do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o beneficiário de subvenção mensal vitalícia responsável pelo reembolso das importâncias que venha a abonar em consequência daquela omissão.»
6.º
Nestes moldes e não obstante a ausência de articulada remissão para as regras gerais inscritas no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, que estabelece o regime comum de requisitos de acesso às prestações sociais não contributivas, o legislador acabou, na prática, por submeter o pagamento das concretas subvenções mensais vitalícias hoje remanescentes a uma condição de recursos que carrega a peculiaridade de dispensar a consideração dos rendimentos do agregado familiar, referindo-se exclusivamente aos rendimentos do próprio titular do benefício.
7.º
Com efeito, as determinações contidas nos n.os 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, impõem a redução do valor da subvenção mensal vitalícia em razão aritmética direta dos rendimentos auferidos no exercício de atividade privada, sempre que tal remuneração supere o limiar de três vezes o indexante de apoios sociais (que corresponderá à quantia aproximada de 1293,96 euros). Por conseguinte, ao colocar o conteúdo útil do benefício – isto é, o montante a ser recebido na dependência, repete-se, aritmética dos rendimentos auferidos no setor privado as normas em exame consagram uma verdadeira condição de recursos que vem interferir igualmente no modo como a regalia concretamente atribuída, com postergação da pessoalidade que denota a essência do instituto.
8.º
A chamada condição de recursos nada mais é do que a exigência de que aquele que solicita ou recebe uma prestação social não contributiva não tenha rendimentos suficientes para garantir a sua sobrevivência. Ora, se mal não vemos ao valorarmos as coisas, ao fazer o alcance do pagamento daquela subvenção depender quantitativamente, para menos, da remuneração obtida em virtude do desenvolvimento de atividade privada, tal restrição do montante a ser recebido a título de subvenção mensal vitalícia desvirtua claramente a natureza jurídica deste benefício, frustrando, ilicitamente, neste particular, a legítima expectativa dos seus titulares a respeito da inalterabilidade da essência do instituto, aspeto este coberto pelo princípio da proteção jurídica da confiança, em emanação do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
9.º
É preciso não perder de vista que a subvenção mensal vitalícia concedida dos ex-ocupantes de cargos políticos, tal como foi criada pelo já revogado artigo 24.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril, encarnou desde o inicio a expressão de uma clara e firme promessa estadual dirigida àqueles que, em um momento ainda particularmente instável e sensível das nossas instituições, se colocassem ao serviço da gestão maior da coisa pública. Sendo certo que tal escolha implicava um não negligenciável tisco de futuro declínio de oportunidades profissionais, com provável comprometimento, a médio e longo prazo, das condições de vida.
10.º
De facto, aquela especial prestação social não contributiva foi institucionalmente pensada como meio de garantir a atratividade das funções políticas em um cenário historicamente datado, que ainda reclama reforçada cautelar, na consolidação do regime democrático. Por isso, o legislador veio estabelecer um tratamento retributivo que, em competição com o setor privado, fosse suficientemente interessante a ponto de granjear individualidades qualificadas para os cargos em questão. Assim, a intencionalidade da lei constitucionalmente legítima na perspetiva do princípio da igualdade – passava por dignifica as funções assumidas, garantindo as condições de estabilidade para o seu exercício, tudo isso ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 117.º da Constituição da República Portuguesa, na parte em que remete para a legislação ordinária a tarefa de dispor sobre os direitos e as regalias dos titulares de cargos políticos.
11.º
Aliás, este aspeto não deixou de ser destacado pelo próprio Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 3/2016, encontrando o fundamento da subvenção mensal vitalícia dos ex-ocupantes de cargos políticos na necessidade de recompensar, no já desenhado circunstancialismo histórico da redemocratização do país, o empenho que o seu beneficiário devotou ao bem comum, de maneira a compensá-lo pelo sacrifício resultante de uma previsível perda de chances. Ali se reconheceu ainda que o benefício em causa
«[p]rocurava enfrentar um problema real à época, qual fosse o de procurar captar os melhores cidadãos para o exercício de funções políticas. Na verdade, este exercício, na justa medida em que por via de regra, interrompia a atividade e/ou a carreira profissional dos que a ele se dedicavam, não era atrativo. Dificilmente um profissional de qualidade – gestor, advogado, economista, médico, engenheiro, etc. – aceitava afastar-se da sua atividade e/ou carreira profissional, para se dedicar ao serviço dos seus concidadãos, sabendo que, terminado este, se poderia encontrar em condições de vida depauperadas. Julgou-se necessário, para o atrair para a causa pública, acenar-lhe com uma garantia de estabilidade dos seus rendimentos, que lhe proporcionasse uma vida digna e sem sobressaltos. Não se olvide que estávamos então no ano onze de uma jovem democracia, ainda em fase de consolidação. E nada tinha de insólito ou, sequer, inesperado, conferir um tratamento especial aos titulares de cargos políticos, se se pensar que a própria Constituição continha, e ainda contém a previsão de um estatuto próprio para aqueles, remetendo para a lei a sua regulamentação, devendo esta dispor em matéria de «deveres, responsabilidades e incompatibilidades» e, também sobre «direitos, regalias e imunidades» (artigo 117.º, n.º 2). O instrumento encontrado – que não era, seguramente, o único possível para executar o imperativo constitucional – consistiu em criar uma prestação pecuniária mensal, de carácter vitalício, a favor de todos quantos tivessem exercido determinadas funções ou cargos políticos durante um certo período de tempo».
12.º
Assim, delineado e estabilizado o sentido axiológico mais fundo da subvenção mensal vitalícia dos ex-titulares de altos cargos públicos, enquanto prestação não contributiva com fundamento único e exclusivo na função pessoalmente exercida pelo seu benef3ciário, haverá boas e suficientes razões para afirmar que a redução de valor, imposta pelos n.ºs 7 e 8, do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, implicando uma hipótese de retroatividade imprópria ou inautêntica (retrospetividade), não conseguem passar incólumes pelos parâmetros jurídico-constitucionais que asseguram a tutela do investimento de confiança daqueles cidadãos que não tiveram nenhum motivo normativo plausível para deixar de contar com a manutenção legal das características essenciais daquele benefício.
13.º
De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida nos acórdãos n.ºs 188/2009, 3/2010, 396/2011, 862/2013, 413/2014 e 575/14 entre outros, a proteção jurídica da confiança, garantida – não só na sua vertente retrospetiva, mas também na sua vertente prospetiva, como recentemente enfatizou o acórdão n.º 195/2017 – à luz do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, convoca o exame de quatro requisitos, os quais encontram a sua formulação canónica no acórdão n.º 128/2009. Nesta decisão enuncia-se o seguinte:
«[p]ara que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa».
14.º
Retornando à situação normativa sub judice, agora à luz do modelo dos quatros testes, é de concluir que os beneficiários das concretas subvenções mensais vitalícias afetadas pelas determinações constantes dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, merecem a tutela jurídica albergada no âmbito de proteção do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
15.º
No que diz respeito ao primeiro teste, se por um lado é certo que o regime jurídico da subvenção mensal vitalícia dos ex-ocupantes de cargos políticos nunca foi imune a alterações legislativas com significado restritivo ou mesmo revogatório, por outro lado, não é menos certo que nenhuma das sucessivas modificações legais introduzidas à exceção daquela que foi julgada inconstitucional em sede de fiscalização abstrata (infra § 19.º s.) – chegou a por em causa a peculiar natureza jurídica do instituto, segundo a imagem acima esquadrinhada. Assim o Estado, através do legislador, nunca deixou de alimentar, no espírito dos seus beneficiários, a expectativa de que aquela peculiar prestação social não contributiva preservaria o seu perfil essencial por todo o tempo em que fosse devida.
16.º
Quanto ao segundo teste, cumpre recordar que é a própria Constituição da República Portuguesa, no já referido n.º 2 do seu artigo 117.º, que vem remeter para a lei a determinação dos direitos, regalias e imunidades dos titulares de cargos políticos, reenvio este que legitima juridicamente e com especial densidade expectativa dos remanescentes beneficiários da subvenção mensal vitalícia a respeito da conservação do núcleo duro da prestação desenhada pelo legislador ordinário.
17.º
Relativamente ao terceiro requisito, tendo a figura jurídica em exame sido criada exatamente para recompensar o empenho e o sacrifício daqueles que, no já demarcado contexto histórico de consolidação da democracia portuguesa, dedicaram-se à causa pública, será razoável partir da premissa que os remanescentes beneficiários daquela peculiar prestação social não contributiva terão efetivamente tomado decisões de vida em boa medida determinadas pelas legítimas expectativas quanto ao aproveitamento de uma regalia que – segundo um juízo de prognóstico que lhes era habilitado pelas linhas de mutação do correspondente regime jurídico – em nenhuma hipótese seria condicionada a qualquer vertente de rendimento derivado do exercício de atividades privadas.
18.º
A propósito do quarto e último teste, embora a situação económico-financeira do país ainda requeira especiais cuidados de vigilância e supervisão, cumpre admitir que os constrangimentos orçamentais que estiveram por detrás da introdução das normas aqui atacadas já não serão tão severos a ponto de impor aos remanescentes beneficiários da subvenção mensal vitalícia um acrescido dever de solidariedade. Assim sendo, também parece que a vinculação do pagamento daquele benefício a uma condição de recurso já não mais será, agora, uma medida adequada, necessária e proporcional para assegurar o equilíbrio das contas públicas, ao menos não a ponto de justificar tão severa intromissão na esfera jurídica do cidadão. Tanto mais quando se pensa no suposto montante global poupado pelos cofres do Estado.
19.º
Convém também sublinhar que os argumentos acima esgrimidos e a conclusão a partir deles alcançada poderão encontrar apoio claro e firme no já invocado acórdão n.º 3/2016. Sendo certo, aliás, que este aresto versou, também cm sede de fiscalização abstrata sucessiva, exatamente sobre o tipo de condicionamento aqui em apreço, naquela altura imposto, com maior abrangência e espessura, pelas determinações constantes do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, que aprovou o orçamento do Estado para o ano de 2015.
20.º
Estava em cena solução legal que atrelava as subvenções vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos à denominada condição de recursos, com remissão expressa para o regime geral de requisitos de acesso a prestações sociais não contributivas, estabelecido pelo já referido Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, embora com as especificidades consagradas no referido diploma orçamental, que, em função do valor do rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar, chegou a prever, para alguns casos, a suspensão do benefício e, para as demais situações, a sua redução. Sem distinguir estas duas situações, o Tribunal Constitucional veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas em questão, sublinhando que a sua introdução implicava alterar, de maneira imprevisível, a própria natureza da subvenção mensal vitalícia como figura jurídica concebida à luz do n.º 2 do artigo 117.º da Lei Fundamentai e voltada para a compensação de sacrifício pela entrega pessoal à causa pública.
21.º
De acordo com esta decisão,
«(…) a contabilização de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar constitui um elemento inovador no regime jurídico relativo a estas prestações, que as descaracteriza por completo. Com a nova configuração, constante das normas sob escrutínio, a subvenção mensal vitalícia perde a sua natureza de benefício atribuído aos ex-titulares de cargos políticos, em razão dos serviços prestados ao pais e tendo em conta especiais exigências e potenciais consequências, nos percursos de vida de cada um, do desempenho de determinadas funções, e passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica».
22.º
Ainda naquele aresto, o Tribunal Constitucional acentuou também que:
«(...)os beneficiários perdem a garantia de um rendimento pessoal cerro, livremente disponível, suscetível de assegurar simultaneamente a autonomia patrimonial e a continuidade de um nível de vida satisfatório, sem uma degradação excessivamente acentuada. Com isso, a posição de vantagem de que gozavam sofre urna afetação muito intensa, em grau que dificilmente pode ser justificado pelo interesse público motivador da medida. (...) Se a evolução legislativa e a mudança das conceções sociais dominantes contrariam decisivamente a formação de uma base de confiança na perpetuação, inalterado, do regime anteriormente em vigor, é de ter como legitima e digna de proteção a crença – mais mitigada, mas ainda assim merecedora de tutela constitucional – de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração da subvenção consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais».
23.º
Tal argumentação poderá ser transposta, por igualdade de razão e por isso sem qualquer entorse ou artifício hermenêutico, para a situação que suscitou a presente intervenção. Afinal, como visto, também na hipótese normativa hoje vertida nos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, estamos diante de uma disciplina que veio contradizer de maneira frontal e repentina o regime transitório consagrado no artigo 8.º daquele mesmo diploma, atentando desproporcionalmente contra o princípio da proteção da confiança, porquanto da leitura daquela disciplina de direito intertemporal não é possível descortinar objetivamente qualquer elemento de informação a indiciar uma semelhante rotação semântica e normativa no perfil distintivo da subvenção.
24.º
Contra isso não caberá argumentar que a própria extinção, in abstracto, da figura da subvenção mensal vitalícia dos titulares de cargos políticos já constituiria, por si só, sinal evidente da radical mudança de rota que se avizinhava. Afinal, as disposições de direito intertemporal servem justamente para definir com suficiente precisão o tratamento das situações já iniciadas e porventura consolidadas sob a égide da lei anterior, selecionando os sinais juridicamente relevantes em termos de orientação prática do comportamento do cidadão. Ao se valer das determinações constantes dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, o Estado, através do poder legislativo, acaba por contradizer, em violação ao quadro axiológico constitucional, o seu comportamento anterior, quebrando a promessa feita aos ex-titu1ares de cargos políticos no plano da garantia de instituto.
25.º
Aplicando à subvenção mensal vitalícia parâmetros concebidos para prestações sociais encarregadas de resolver situações de carência, as normas aqui examinadas descaracterizam o cerne daquela categoria jurídica, sem que ta1 brusca mudança de configuração pudesse ter sido prevista pelos beneficiários, os quais, a despeito das diversas alterações sofridas pelo correspondente regime jurídico (no que se refere ao círculo dos titulares e ao montante do pagamento), podiam legitimamente esperar a manutenção dos traços que delineavam o núcleo duro da regalia. Por outros termos ainda: embora não estivessem em condições de contar com a imodificabilidade dos componentes mais periféricos, os beneficiários podiam sempre confiar na imutabilidade do dado mais elementar da subvenção mensal vitalícia enquanto instituto, precisamente a dimensão que foi desvirtuada pela sujeição desta categoria a urna condição de recursos, em solução legal que redundou na sua equiparação às demais prestações sociais não contributivas.
26.º
Embora as determinações ora atacadas não atrelem a prestação social em causa ao rendimento do agregado familiar do beneficiário, parece-nos inequívoco que o simples condicionamento em função da remuneração obtida no exercício de atividade privada já configura, por si só, uma dependência capaz de desfigurar o núcleo fundamental da juridicidade da subvenção mensal vitalícia enquanto categoria que, imbuída da específica intencionalidade normativa do n.º 2 do artigo 117.º da Constituição da República Portuguesa, veio não s6 recompensar, mas também honrar o sentido de sacrifício daqueles que, em um período de consolidação político-institucional, contribuíram com um acrescido e inestimável esforço de dedicação à res publica.
27.º
Vulnerada a solução que decorre dos n.os 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, perdem qualquer utilidade os conteúdos dos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo, sem qualquer autonomia face ao estatuído naqueles, motivo pelo qual devem igualmente ser eliminados da ordem jurídica, não a título principal mas consequencial.
Perante este enquadramento, requeiro ao Tribunal Constitucional que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 7, 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, de 10 de outubro, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, por violação do princípio da proteção da confiança, inferível do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, bem como, consequentemente, dos n. os 9 e 10 do mesmo artigo.»
3. Notificado para se pronunciar sobre o pedido, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos.
4. Tendo sido discutido em Plenário o memorando previsto no artigo 63.º da LTC, apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, por delegação do Presidente, nos termos do n.º 2 do artigo 39.º da LTC, e tendo sido fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver no âmbito do presente processo, cabe agora decidir em conformidade com o que então se deliberou.
II - Fundamentação
5. As normas sindicadas pelo requerente têm o seguinte teor:
«Artigo 9.º
Limites às cumulações
(...)
7 - Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer actividades privadas, incluindo de natureza liberal, só podem acumular a totalidade da subvenção com a remuneração correspondente à atividade privada desempenhada se esta for de valor inferior a três vezes o indexante dos apoios sociais (IAS).
8 - Quando a remuneração correspondente à atividade privada desempenhada for de valor superior a três IAS, a subvenção mensal vitalícia é reduzida na parte excedente a três IAS até ao limite do valor da subvenção.
9 - Para efeitos do disposto no número anterior, os beneficiários de subvenções mensais vitalícias comunicam à Caixa Geral de Aposentações, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, o montante dos rendimentos provenientes de atividade privada auferidos no ano civil anterior.
10 - O incumprimento do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o beneficiário de subvenção mensal vitalícia responsável pelo reembolso das importâncias que venha a abonar em consequência daquela omissão.»
6. Para melhor se compreender o regime jurídico das subvenções vitalícias e as modificações a que o mesmo foi sendo sujeito desde a sua criação, afigura-se útil proceder a uma breve descrição.
As subvenções dos titulares de cargos políticos foram criadas pela Lei n.º 4/85, de 9 de abril, que estipulava que os titulares de cargos políticos teriam direito a uma subvenção mensal vitalícia, desde que tivessem exercido os cargos ou desempenhado as respetivas funções após 25 de Abril de 1974 durante oito ou mais anos, consecutivos ou interpolados (artigo 24.º, n.º 1). A subvenção era calculada, nos termos do artigo 25.º da mesma lei, à razão de 4% do vencimento base correspondente por ano de exercício, até ao limite de 80%.
A subvenção era imediatamente suspensa se o respetivo titular reassumisse a função ou o cargo que tivesse estado na base da sua atribuição (artigo 26.º, n.º 1), ou assumisse alguma das funções públicas constantes do elenco legalmente fixado (artigo 26.º, n.º 2); sendo, além do mais, cumulável com a pensão de aposentação ou de reforma a que o respetivo titular tivesse igualmente direito, nos termos do disposto do Decreto-Lei n.º 334/85, de 20 de agosto (artigo 27.º, n.º 1). Segundo o artigo 28.º da mesma lei, 75% do seu montante era também transmissível por morte ao cônjuge e descendentes menores, ou aos ascendentes a cargo.
De entre as modificações mais relevantes, importa salientar as introduzidas pela Lei n.º 26/95, de 18 de agosto. Com esta lei, passou a exigir-se, como condição de atribuição da subvenção, o exercício dos cargos ou desempenho das funções públicas, após 25 de Abril de 1974, durante doze ou mais anos, consecutivos ou interpolados (artigo 24.º, n.º 1). Paralelamente, introduziu-se um limite para a acumulação com a pensão de aposentação ou de reforma a que o respetivo titular tivesse igualmente direito, equivalente à remuneração base do cargo de ministro (artigo 27.º, n.º 1). Determinou-se ainda que a subvenção só poderia ser processada a partir do momento em que o titular do cargo perfizesse cinquenta e cinco anos de idade (artigo 27.º, n.º 5).
7. A modificação mais significativa ocorreria, porém, com a Lei n.º 52-A/2005, que revogou a totalidade das disposições que integravam o Título II da Lei n.º 4/85 – dedicado, conforme se viu, ao regime de atribuição das subvenções –, com exceção apenas das respeitantes à subvenção em caso de incapacidade (artigo 29.º da Lei n.º 4/85).
Conforme consta da Proposta de Lei n.º 18/X, foi com vista ao «reforço da justiça e da equidade», em particular «num contexto em que [eram] solicitados a todos os cidadãos importantes sacrifícios», que a Lei n.º 52-A/2005 procedeu «à reforma dos regimes aplicáveis a titulares de cargos políticos, eliminando os direitos específicos de que beneficiavam em matéria de subvenções vitalícias e de aposentação», e, simultaneamente, à «revisão do estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos executivos das autarquias locais com relação ao exercício de funções em órgãos sociais de empresas do setor público empresarial, nomeadamente do setor municipal, de forma a corrigir casos inaceitáveis de acumulação de vencimentos» então «verificáveis em diversas situações».
Assim, através do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 52-A/2005 - e com a referida ressalva de subvenção em caso de incapacidade -, a componente subvencional do regime remuneratório dos titulares de cargos políticos instituído pela Lei n.º 4/85 foi totalmente eliminada, ainda que essa eliminação tenha sido acompanhada da previsão de um regime transitório de salvaguarda dos titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos então em curso, preenchessem os requisitos para a atribuição das subvenções estabelecidas pelas disposições revogadas.
O regime transitório, contido no artigo 8.º da Lei n.º 52-A/2005, era o seguinte:
«(…) aos titulares de cargos políticos que, até ao termo dos mandatos em curso, preencham os requisitos para beneficiar dos direitos conferidos pelas disposições alteradas ou revogadas pelos artigos anteriores são aplicáveis, para todos os efeitos, aqueles regimes legais, computando-se, nas regras de cálculo, apenas o número de anos de exercício efetivo de funções verificado à data da entrada em vigor da presente lei, independentemente da data do requerimento e sem prejuízo dos limites máximos até aqui vigentes.
No que respeita aos titulares de cargos políticos abrangidos pelo regime transitório do artigo 8.º, a mesma lei introduziu, através do artigo 9.º, restrições à possibilidade de cumulação de pensão ou prestação equiparada e de remuneração advinda do exercício de funções públicas.
É o seguinte o teor do artigo 9.º:
«Limites às cumulações
1-Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas, independentemente do regime público ou privado que lhes seja aplicável, é-lhes mantida a pensão de aposentação, de reforma ou a remuneração na reserva, sendo-lhes abonada uma terça parte da remuneração base que competir a essas funções, ou, em alternativa, mantida a remuneração devida pelo exercício efetivo do cargo, acrescida de uma terça parte da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração na reserva que lhes seja devida.
2- O limite previsto no número anterior não se aplica às prestações de natureza privada a que tenham direito os respetivos titulares, salvo se tais prestações tiverem resultado de contribuições ou descontos obrigatórios.
3- A definição das condições de cumulação ao abrigo do n.º 1 é estabelecida em conformidade com declaração do interessado, para todos os efeitos legais.»
8. Os limites à possibilidade de cumulação de vencimentos com prestações de outra natureza, estabelecidos neste artigo 9.º, foram reforçados a partir de 2011, tendo tal reforço sido concretizado através das Leis do Orçamento do Estado.
A primeira alteração ao citado artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005 foi introduzida pelo artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, substituindo a regra de redução em 2/3 de uma das prestações cumuladas, ali prevista, pela da impossibilidade da sua cumulação. De acordo com a nova redação, os titulares de cargos políticos em exercício de funções que se encontrassem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas deveriam optar pela suspensão do pagamento da pensão ou pela suspensão da remuneração correspondente ao cargo político desempenhado, aplicando-se tal opção aos beneficiários de pensões de reforma da Caixa Geral de Aposentações e da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos setores empresariais do Estado, regional e local (n.ºs 1 e 2 do citado artigo 9.º, alterado pelo artigo 172.º da Lei n.º 55-A/2010).
Além desta alteração, o mesmo artigo 172.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011 estendeu a obrigatoriedade de opção aos beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exercessem quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o setor empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas, impondo-lhes o dever de optar pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada (n.º 4 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, aditado pelo artigo 172.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011).
Por força das alterações acima referidas, o artigo 9.º passou a ter a seguinte redação:
«Artigo 9.º
Limites às cumulações
1 - Nos casos em que os titulares de cargos políticos em exercício de funções se encontrem na condição de aposentados, pensionistas, reformados ou reservistas devem optar ou pela suspensão do pagamento da pensão ou pela suspensão da remuneração correspondente ao cargo político desempenhado.
2 - A opção prevista no número anterior aplica-se aos beneficiários de pensões de reforma da Caixa Geral de Aposentações e da segurança social e de pensões pagas por entidades gestoras de fundos de pensões ou planos de pensões de institutos públicos, de entidades administrativas independentes e de entidades pertencentes aos sectores empresariais do Estado, regional e local.
3 - Caso o titular de cargo político opte pela suspensão do pagamento da pensão de aposentação, de reforma ou da remuneração na reserva, tal pagamento é retomado, sendo atualizado nos termos gerais, findo o período de suspensão.
4 - Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas, nomeadamente em quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integrem o sector empresarial municipal ou regional e demais pessoas coletivas públicas, devem optar ou pela suspensão do pagamento da subvenção vitalícia ou pela suspensão da remuneração correspondente à função política ou pública desempenhada.
5 - A opção exercida ao abrigo dos n.ºs 1 e 4 é estabelecida em conformidade com declaração do interessado, para todos os efeitos legais.
6 - O disposto no presente Artigo aplica-se no caso da alínea a) do n.º 2 do Artigo 1.º da Lei n.º 4/85, de 9 de abril, alterada pelas Leis n.ºs 26/95, de 18 de agosto, 3/2001, de 23 de fevereiro, e 52-A/2005, de 10 de outubro.»
9. A tendência para o reforço dos limites à possibilidade de cumulação das remunerações auferidas pelos titulares de cargos políticos com prestações de outra natureza manteve-se nas leis orçamentais posteriores.
Aditando ao artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005 os seus atuais n.os 7 a 10, o artigo 203.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, veio incluir nos limites à cumulação então fixados no artigo 9.º as remunerações oriundas de quaisquer atividades privadas, incluindo de natureza liberal, desempenhadas pelo beneficiário de subvenção mensal vitalícia, determinando que os mesmos apenas poderiam acumular a totalidade da subvenção com a remuneração correspondente à atividade privada desempenhada se esta fosse de valor inferior a três vezes o indexante dos apoios sociais (IAS). Sendo aquela remuneração de valor superior, a subvenção mensal vitalícia seria reduzida, na parte excedente a três IAS, até ao limite do valor da subvenção (artigo 9.º, n.ºs 7 e 8, da Lei n.º 52-A/2005, aditados pelo artigo 203.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012).
O teor dos preceitos então aditados é o seguinte:
«Artigo 9.º
Limites às cumulações
(...)
7 - Os beneficiários de subvenções mensais vitalícias que exerçam quaisquer atividades privadas, incluindo de natureza liberal, só podem acumular a totalidade da subvenção com a remuneração correspondente à atividade privada desempenhada se esta for de valor inferior a três vezes o indexante dos apoios sociais (IAS).
8 - Quando a remuneração correspondente à atividade provada [sic] desempenhada for de valor superior a três IAS, a subvenção mensal vitalícia é reduzida na parte excedente a três IAS até ao limite do valor da subvenção.
9 - Para efeitos do disposto no número anterior, os beneficiários de subvenções mensais vitalícias comunicam à Caixa Geral de Aposentações, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, o montante dos rendimentos provenientes de atividade privada auferidos no ano civil anterior.
10 - O incumprimento do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o beneficiário de subvenção mensal vitalícia responsável pelo reembolso das importâncias que venha a abonar em consequência daquela omissão.»
10. Novas alterações foram introduzidas pelos artigos 77.º e 78.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2014.
A nova redação do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 55-A/2010, dada pelo artigo 78.º, veio consagrar o princípio segundo o qual o exercício de quaisquer funções políticas ou públicas remuneradas por pensionista ou equiparado ou por beneficiário de subvenção mensal vitalícia determina a suspensão do pagamento da pensão ou prestação equiparada e da subvenção mensal vitalícia durante todo o período em que durar aquele exercício de funções, sendo ainda mantidos, para os beneficiários de subvenções mensais vitalícias, os limites à possibilidade da sua cumulação com as remunerações provenientes do desempenho de atividades privadas, incluindo de natureza liberal, introduzidos pela Lei do Orçamento do Estado para 2012 (n.ºs 7 a 10 do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005).
A par desta revisão, o artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 procedeu ainda à reorganização do elenco dos sujeitos vinculados pelo regime de cumulação estabelecido pela Lei n.º 52-A/2005, que passou a incluir expressamente os «membros dos Governos Regionais» e os «deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas» (alíneas i) e j) do artigo 10.º da Lei n.º 52-A/2005).
A revisão descrita foi acompanhada da consagração de uma cláusula de salvaguarda, nos termos da qual os titulares de cargos políticos ou de cargos públicos em exercício de funções na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 que se encontrassem abrangidos pelo regime do artigo 9.º da Lei n.º 52-A/2005, na redação anterior, continuariam abrangidos por aquele regime até ao momento da «cessação do mandato» ou ao «termo do exercício» das respetivas funções (n.º 3 do artigo 10.º na versão introduzida pelo artigo 78.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014).
Simultaneamente, através do artigo 77.º da mesma Lei do Orçamento do Estado para 2014, determinou-se que o valor das subvenções mensais vitalícias atribuídas a ex-titulares de cargos políticos e das respetivas subvenções de sobrevivência, em pagamento e a atribuir, ficaria dependente de condição de recursos, nos termos do regime de acesso a prestações sociais não contributivas previsto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de junho, diploma que estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação da condição de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito a prestações dos subsistemas de proteção familiar e de solidariedade bem como a outros apoios ou subsídios, quando sujeitos a tal condição (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 70/2010).
No âmbito da verificação da condição de recursos eram abrangidos os rendimentos do requerente e dos elementos que integravam o seu agregado familiar, de acordo com determinada ponderação, incluindo os rendimentos de trabalho dependente, os rendimentos empresariais e profissionais, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais, as pensões, as prestações sociais e os apoios à habitação com caráter de regularidade. Previam-se ainda distintos efeitos, em função do valor do rendimento mensal médio do beneficiário e do seu agregado familiar, a saber: a) suspensão da subvenção, se o beneficiário tivesse um rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, superior a € 2000; e b) limitação da subvenção à diferença entre o valor de referência de € 2000 e o rendimento mensal médio, excluindo a subvenção, nas restantes situações.
11. Foi este regime, então previsto pelo artigo 77.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014, e reproduzido na norma do artigo 80.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), que veio a ser declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, por violação do princípio da proteção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição (Acórdão n.º 3/2016).
Na análise do primeiro requisito para uma tutela constitucional com base no princípio da proteção da confiança, o Tribunal sublinhou que as subvenções em pagamento nunca foram pacificamente consideradas um direito imune a mudanças legislativas de sentido restritivo ou até revogatório. Pelo contrário, conforme se sublinhou, as sucessivas alterações legislativas desde a consagração da subvenção mensal vitalícia até à (então) atualidade foram no sentido de restringir os requisitos de atribuição da subvenção vitalícia e, mais tarde, de eliminá-la por completo para o futuro.
Neste contexto, considerando que o direito à perceção de uma subvenção mensal vitalícia, por parte de ex-titulares de cargos políticos e outros altos cargos públicos legalmente equiparados, não consubstanciava remuneração ou pensão, o Tribunal entendeu que o mesmo não gozava da proteção constitucional própria dos direitos fundamentais.
Vale a pena recordar o que, a tal propósito, se escreveu no Acórdão n.º 3/2016:
«Tendo em conta tudo quanto se expôs, não parece que o comportamento do legislador tenha contribuído para a formação, por parte dos potenciais beneficiários, de expetativas fundadas na intangibilidade ou na subsistência inalterada do regime jurídico das subvenções em pagamento. Pelo contrário, as sucessivas alterações legislativas deveriam ter alertado os afetados pelas normas cuja constitucionalidade aqui se escrutina para a precariedade desse regime, já que as subvenções vitalícias, não sendo um elemento constitucionalmente imposto ao estatuto dos titulares de cargos políticos, nem consubstanciando uma concretização necessária de um direito fundamental, não são imunes à possibilidade de uma reconfiguração legislativa com alcance redutor do círculo dos beneficiários e dos montantes das prestações.
Este último aspeto é, aliás, de extraordinária relevância para a presente análise: a subvenção vitalícia dos ex-titulares de cargos políticos não constitui uma dimensão concreta, nem do direito constitucional ao salário, nem do direito à segurança social. Por outras palavras: não é, na sua específica caracterização, nem remuneração, nem pensão, não gozando, por isso, da proteção constitucional conferida a estes dois tipos de rendimento. Representa antes um puro benefício, que, por razões específicas, válidas num certo contexto histórico, o legislador entendeu atribuir a uma categoria de sujeitos e cuja resistência às alterações legislativas são seguramente mais ténues. Nas ponderações a efetuar, à luz dos princípios constitucionais pertinentes, a afetação da posição resultante do percebimento dessa subvenção não pode, designadamente, ser tratada como se estivesse em causa uma lei restritiva de direitos fundamentais, com as exigências daí decorrentes».
Daqui não se seguia, porém, que o primeiro requisito da tutela constitucional da confiança não se encontrava verificado. É que, conforme se sublinhou no Acórdão, se os particulares afetados não poderiam ter «expectativas fundadas» quanto à inalterabilidade do regime das subvenções em pagamento, já teriam toda a expectativa de que tais subvenções não mudassem de «natureza», porque nesse sentido tinha ido, até então, todo o «comportamento» legislativo.
Ora, ao fazer depender a atribuição da subvenção de uma condição de recursos, por força da qual a determinação do rendimento relevante para efeitos de atribuição ou suspensão da prestação ficaria dependente (também) do rendimento do agregado familiar do beneficiário da subvenção − deixando de assentar exclusivamente no rendimento do ex-titular do cargo politico −, a norma do artigo 80.º descaracterizaria a sua natureza. Conforme igualmente se destaca na decisão, todas as mudanças legislativas entretanto ocorridas tinham preservado o elemento de pessoalidade característico desta prestação, tratando sempre as subvenções como contrapartida de um sacrifício traduzido na entrega pessoal à causa pública.
Essencial para a declaração de inconstitucionalidade foi, como é bom de ver, a adulteração do elemento pessoal – a consideração exclusiva de rendimentos do próprio beneficiário da subvenção –, resultante da introdução da «condição de recursos» que, por ser própria das prestações do sistema de segurança social destinadas a assegurar mínimos de sobrevivência condigna, mandava tomar em consideração, além dos rendimentos do próprio, os rendimentos do seu agregado familiar. Assim se alterara o «comportamento do legislador», de uma forma com a qual os destinatários não podiam razoavelmente contar.
Pode ler-se na fundamentação do Acórdão n.º 3/2016:
«O que sucede é que o comportamento do legislador ao longo do tempo – tornando embora mais exigentes as condições de atribuição da subvenção e reduzindo o seu montante – nunca pôs em causa a sua peculiar natureza, supra clarificada. Ora, a confiança dos beneficiários assentava precisamente neste aspeto: que o Estado manteria transitoriamente em vigor, para os beneficiários da prestação, um regime legal compatível com a sua natureza.
Esta compatibilidade impunha que o Estado não desacautelasse a posição de quantos tivessem feito opções de vida com base na expectativa, não de que o regime das subvenções se manteria perpetuamente inalterado, mas de que, sendo modificado e, mesmo, restringido, não deixaria, a quem dele beneficiasse e enquanto durasse (e, por força da transitoriedade da vida humana, não durará muito), de respeitar a natureza específica daquelas.
O novo regime, como se disse já, estabelece uma condição de recursos, condicionante da atribuição das subvenções. E fá-lo por remissão para o regime constante do Decreto-Lei n.º 70/2010. Este, por sua vez, no artigo 3.º, manda tomar em consideração, como condição de atribuição, diversos rendimentos do requerente e do seu agregado familiar: rendimentos do trabalho dependente, rendimentos empresariais e profissionais, rendimentos de capitais, rendimentos prediais, pensões, prestações sociais e apoios à habitação com caráter de regularidade. E não só rendimentos, mas também o património do requerente e do seu agregado familiar, excluindo a atribuição da prestação quando este seja superior a 240 vezes o valor do indexante dos apoios sociais.
A causa determinante do problema que nos ocupa radica precisamente na circunstância de o legislador ter mandado aplicar às subvenções vitalícias regras concebidas para prestações destinadas a fazer face a situações de carência, em que a condição de recursos faz todo o sentido. Ao determinar a aplicação de tais regras às subvenções vitalícias - que não têm, nem nunca tiveram, tal finalidade -, desvirtuaram-se inevitavelmente estas.
Como se disse noutro ponto, estas subvenções, quando foram instituídas, apresentavam quatro características principais: eram vitalícias; apenas estavam condicionadas a um requisito positivo de atribuição; tinham natureza não contributiva; e o seu fundamento único residia na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescindindo de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele.
Ora, a contabilização de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar constitui um elemento inovador no regime jurídico relativo a estas prestações, que as descaracteriza por completo. Com a nova configuração, constante das normas sob escrutínio, a subvenção mensal vitalícia perde a sua natureza de benefício atribuído aos ex-titulares de cargos políticos, em razão dos serviços prestados ao país e tendo em conta as especiais exigências e potenciais consequências, nos percursos de vida de cada um, do desempenho de determinadas funções, e passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica.»
Prosseguindo na análise da verificação dos restantes requisitos da tutela da confiança − a saber: (i) que as expectativas criadas se apresentassem como legítimas, porque fundadas em boas razões, a avaliar no quadro axiológico jurídico-constitucional; e (ii) que o beneficiário da prestação tivesse orientado a sua vida e realizado investimentos com base na expectativa de manutenção de um determinado regime jurídico −, concluiu o Tribunal que também estes se encontravam verificados.
Por último, o Tribunal entendeu que nenhum «contrapólo valorativo» poderia justificar a referida alteração do «comportamento legislativo», na medida em que, «considerando o orçamento no seu todo», a poupança de despesa pública alcançada por esta medida não seria «de grande monta», sendo certo ainda que os valores a afetar a tal rubrica iriam gradualmente reduzir-se, pela «fatal diminuição do número de beneficiários». Donde, não se descortinando qualquer interesse constitucionalmente protegido cuja salvaguarda pudesse justificar a lesão da confiança produzida pela alteração legislativa, as normas em causa estavam feridas de inconstitucionalidade.
12. Como decorre do teor do pedido acima transcrito, o requerente considera que os fundamentos subjacentes ao juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 3/2016 são integralmente transponíveis para o caso vertente, daí resultando que devem ter-se por igualmente violadoras do princípio da proteção da confiança as normas constantes dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 64-B/2011 - e, consequentemente, as normas dos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo.
Para construir a sua tese, o requerente sustenta que a restrição ao montante a ser recebido a título de subvenção mensal vitalícia por força da contabilização dos rendimentos da atividade privada, imposta pelas normas sindicadas, configura o exato tipo de condicionamento imposto pela condição de recursos, recortada no Decreto-Lei n.º 70/2010, a que a subvenção passaria a estar sujeita, nos termos da norma do artigo 80.º da Lei do Orçamento do Estado para 2015.
Note-se que o requerente não deixa de salientar uma especificidade do condicionamento imposto pelas normas sindicadas, quando confrontado com a condição de recursos do referido Decreto-Lei n.º 70/2010. É que, ao contrário do regime constante das normas em apreço, a norma do artigo 80.º introduzira um elemento inovador na forma de cálculo dos rendimentos a ter em conta para efeito de atribuição do montante da subvenção: a contabilização dos rendimentos do agregado familiar − e não apenas dos rendimentos do beneficiário da subvenção.
Porém, e não obstante reconhecer a diferença entre os dois regimes, o requerente pretende que, por si só, a introdução deste fator – a contabilização de rendimentos da atividade privada, agora exclusivamente do beneficiário − no modo como a regalia é concretamente atribuída, adultera a pessoalidade que constitui a essência da figura, nos exatos termos em que a caracteriza o Acórdão n.º 3/2016.
Por ser assim, e porque, sem prejuízo de a situação económico-financeira do país continuar a reclamar prudência, não se verificam hoje os severos constrangimentos orçamentais subjacentes à introdução das normas sindicadas, pelo menos ao ponto de impor aos remanescentes beneficiários da subvenção mensal vitalícia um acrescido dever de solidariedade, não se vislumbram – entende o requerente − razões de interesse público justificativas da perpetuação da medida.
13. Cabe agora apreciar se as normas constantes dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 64-B/2011 − e, consequentemente, as normas dos n.ºs 9 e 10 do mesmo artigo –, consubstanciam, como alega o requerente, uma violação do princípio da proteção da confiança.
Como vimos, o argumento central do requerente assenta na ideia de que a configuração da restrição imposta pelas normas dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, se manteve idêntica à que foi objeto da censura do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 3/2016 − ou seja, como sujeição da subvenção mensal vitalícia a uma condição de recursos −, daí resultando, em termos também idênticos, a adulteração do elemento pessoal característico deste benefício.
Ora, não podemos acompanhar tal entendimento.
Ao contrário do que sucedia com a norma do artigo 80.º declarada inconstitucional na decisão anterior, no caso das normas objeto do presente processo não só não existe remissão alguma para o Decreto-Lei n.º 70/2010, como nelas se não encontra qualquer referência aos conceitos de «agregado familiar», «rendimentos do agregado familiar, rendimentos ou capitação de rendimentos do agregado familiar, cuja utilização nas demais leis e regulamentos, segundo o disposto no artigo 23.º do mesmo diploma, deve ser entendida nos termos por ele fixados. Ora, tal como se encontra definida nos artigos 2.º e 3.º, a condição de recursos para a atribuição das prestações elencadas no artigo 1.º − entre as quais não consta, note-se, a subvenção mensal vitalícia −, implica necessariamente a tomada em consideração de diversos tipos de rendimento e do património mobiliário do requerente e do seu agregado familiar.
Foi precisamente a presença deste elemento no regime legal − a contabilização de rendimentos e património do agregado familiar na determinação do montante da subvenção – que veio quebrar, no entender do Tribunal, a conexão da subvenção com o exercício da função ou cargo político.
Escreveu-se no Acórdão n.º 3/2016:
«A causa determinante do problema que nos ocupa radica precisamente na circunstância de o legislador ter mandado aplicar às subvenções vitalícias regras concebidas para prestações destinadas a fazer face a situações de carência, em que a condição de recursos faz todo o sentido. Ao determinar a aplicação de tais regras às subvenções vitalícias - que não têm, nem nunca tiveram, tal finalidade -, desvirtuaram-se inevitavelmente estas.
Como se disse noutro ponto, estas subvenções, quando foram instituídas, apresentavam quatro características principais: eram vitalícias; apenas estavam condicionadas a um requisito positivo de atribuição; tinham natureza não contributiva; e o seu fundamento único residia na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescindindo de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele.
Ora, a contabilização de outros rendimentos do beneficiário e do seu agregado familiar constitui um elemento inovador no regime jurídico relativo a estas prestações, que as descaracteriza por completo. Com a nova configuração, constante das normas sob escrutínio, a subvenção mensal vitalícia perde a sua natureza de benefício atribuído aos ex-titulares de cargos políticos, em razão dos serviços prestados ao país e tendo em conta as especiais exigências e potenciais consequências, nos percursos de vida de cada um, do desempenho de determinadas funções, e passa a revestir a natureza de prestação não contributiva comum, visando, como as outras, tão-somente evitar que os seus beneficiários sofram uma situação de carência económica.»
Este trecho revela claramente que determinante para o juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 80.º foi o entendimento de que a sujeição das subvenções à condição de recursos definida no Decreto-Lei n.º 70/2010 – não a uma qualquer condição de recursos, mas a esta em particular, pelo facto de implicar a contabilização de rendimentos e património do agregado familiar do beneficiário – era o elemento radicalmente novo que adulterava a natureza da subvenção. Conforme se salientou na decisão, a propriedade básica e constante da subvenção mensal vitalícia encontrava-se em «o seu fundamento único resid[ir] na atividade exercida pessoalmente pelo beneficiário, prescindindo, por isso, de quaisquer condicionantes relativas à situação civil, familiar ou outra, daquele». Por aqui passava a linha divisória da subvenção relativamente a qualquer outra prestação não contributiva: enquanto aquela, recompensando o empenho e compensando os sacrifícios do serviço público, se encontrava exclusivamente dependente da situação económica do beneficiário, nomeadamente dos seus rendimentos, estas, tendo por razão de ser assegurar mínimos de existência condigna, garantindo apenas a sobrevivência, incluíam na sua contabilização fatores relativos à situação económica, não apenas do beneficiário, mas também do seu agregado familiar.
Como resulta inequivocamente da comparação entre a norma do artigo 80.º e as normas objeto do presente processo, em momento algum estas determinam ou impõem a contabilização, para efeitos de determinação do montante da subvenção mensal vitalícia, de rendimentos do agregado familiar.
Na verdade, e como se disse, as normas dos n.ºs 7 e 8 do artigo 9.º da Lei n.º 52.º-A/2005 impõem a redução do valor da subvenção mensal vitalícia em razão aritmética direta dos rendimentos auferidos pelo beneficiário da subvenção no exercício de atividade privada, sempre que tal remuneração supere o limiar de três vezes o indexante de apoios sociais. A sujeição do montante da subvenção a atribuir ao rendimento derivado do exercício de atividades privadas cinge-se ao universo de vida do próprio beneficiário. Ora, se o montante a ser recebido pelo beneficiário não depende, em nenhuma medida, de outros rendimentos que não os auferidos pelo próprio, não se vislumbra onde possa ocorrer «postergação da pessoalidade que denota a essência do instituto»; pelo contrário, a conclusão a extrair é a de que as normas sindicadas não adulteram a natureza da figura.
Nestes termos − e conforme se sublinhou Acórdão n.º 3/2016 −, considerando que, nas sucessivas alterações que fez ao regime das subvenções, o legislador evidenciou a intenção de reduzir o seu montante, chegando ao ponto de as eliminar, como efetivamente veio a ocorrer em 2005, não se pode ter por verificado o primeiro requisito da proteção constitucional da confiança. Com efeito, a evolução legislativa relatada tem um sinal visivelmente restritivo, que se expressou através de exigências cada vez maiores para o reconhecimento do direito à subvenção e em condições cada vez mais rigorosas para o seu recebimento efetivo.
Conclui-se, assim, seguindo de perto a fundamentação do Acórdão n.º 3/2016, que as normas sindicadas não violam o princípio da proteção da confiança.
14. Resta dizer que a conclusão é a mesma – a fortiori – caso se entenda que as normas apreciadas no Acórdão n.º 3/2016 não violavam o princípio da proteção da confiança.
Seja porque se entende que as subvenções vitalícias constituem uma espécie de apoio social, de modo que a sujeição a condição de recursos, nos termos gerais, não adultera a sua natureza; seja porque se entende que as normas que faziam depender de condição de recursos, nos termos gerais, a atribuição e o quantum da subvenção, consubstanciavam uma medida de carácter provisório, sem a virtualidade de descaracterizar a figura; seja porque se parte de uma compreensão diversa da tutela constitucional da confiança, nos termos da qual as expectativas dos destinatários na continuidade do regime anterior devem ser aferidas em função, não das incidências empíricas do comportamento legislativo, mas da relevância constitucional das situações jurídicas que através dele se consolidaram; seja porque se entende que o «contrapólo valorativo» de uma eventual lesão da confiança não era a redução da despesa pública, mas a justiça na distribuição dos sacrifícios da consolidação orçamental; seja, em suma, qual for a razão para se entender que as normas então apreciadas não eram inconstitucionais, maior será a razão para se formar idêntico juízo a respeito das normas sindicadas no presente processo.
Assim sendo, seria ocioso reabrir a controvérsia sobre a qual incidiu o Acórdão n.º 3/2016. O Tribunal basta-se com o juízo de que, mesmo tendo por referência o entendimento expresso em tal aresto, as normas sindicadas pelo requerente não são inconstitucionais.
III. Decisão
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.ºs 7 e 8 − e, consequentemente, dos n.ºs 9 e 10 − do artigo 9.º, da Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro.
Lisboa, 20 de setembro de 2018 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita - José Teles Pereira - Fernando Vaz Ventura - Catarina Sarmento e Castro - Lino Rodrigues Ribeiro - Joana Fernandes Costa - Maria Clara Sottomayor - Pedro Machete - Maria de Fátima Mata-Mouros - João Pedro Caupers