ACÓRDÃO Nº 379/2018
Processo n.º 497/2017
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em que é inicialmente recorrente A., S.A., e recorrido o Município de Oeiras, foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), da sentença daquele Tribunal, de 23 de fevereiro de 2017.
2. A recorrente inicial impugnou judicialmente o ato de liquidação da taxa municipal devida por «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)», referente ao período de janeiro de 2015, no valor de € 2.198,88 (dois mil cento e noventa oito euros e oitenta e oito cêntimos), invocando a respetiva nulidade, com fundamento, entre o mais, no facto de, encontrando-se os referidos depósitos instalados em propriedade privada, o tributo liquidado não constituir contrapartida de qualquer prestação administrativa aproveitada ou provocada pelo contribuinte; daí se seguindo que, apesar da sua denominação, o tributo em causa não consubstancia uma taxa, mas um verdadeiro imposto, sem que a sua criação por regulamento municipal tenha respeitado a exigência de reserva de lei parlamentar consagrada nos artigos 103.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
O Tribunal a quo julgou a impugnação improcedente.
Com interesse para os autos, pode ler-se na sentença recorrida:
«b) A qualificação do tributo liquidado e a questão consequente da inconstitucionalidade da norma regulamentar que o prevê e da invalidade do ato impugnado
Em segundo lugar, a Impugnante sustenta que o tributo liquidado não é uma verdadeira taxa, devendo ser qualificado como um imposto. Qualificação da qual extrai, ato contínuo, a inconstitucionalidade da norma regulamentar que o prevê, vertida no n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras para o ano de 2015, por violação do princípio da legalidade fiscal, bem como da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, previstos respetivamente no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. E, em consequência, a invalidade do ato de liquidação da taxa por violação de lei constitucional. Sustenta a sua alegação na circunstância de os depósitos subterrâneos de armazenamento de combustível estarem implantados no subsolo de prédios cuja propriedade é privada, razão pela qual inexiste, no seu entendimento, qualquer prestação individualizável por parte da entidade pública a favor da Impugnante ou a utilização de um bem do domínio público, que possam justificar o pagamento do referido tributo como contraprestação.
Em resposta, o Município de Oeiras defende que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o que justifica a liquidação do referido tributo municipal é a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares e o facto de o Município ter que controlar e fiscalizar a perigosidade da atividade em si mesma; sendo indiferente a natureza pública ou privada da propriedade em que se encontram instalados os depósitos subterrâneos licenciados.
Apreciando.
O Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras, aprovado em Assembleia Municipal de 30 de abril de 2012, dispõe no seu artigo 28.º que:
«A concreta previsão das taxas e demais receitas municipais, bem como os quantitativos e respetivas fórmulas de cálculo constam da Tabela de Taxas e outras receitas municipais que integra o Anexo Ï ao presente Regulamento, sem prejuízo das taxas e outras receitas que, pela sua especificidade, se encontram previstas em regulamentos autónomos».
Por sua vez, o artigo 21.º, n.º 4, da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais em vigor no ano de 2015 prevê a liquidação e cobrança de um tributo de 5,09 euros por m3 e por mês de «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)».
Evocando o clássico critério distintivo entre imposto e taxa - assente na unilateralidade ou bilateralidade do tributo -, o argumento central em tomo do qual se constrói a alegação da Impugnante é, justamente, o carácter alegadamente unilateral do tributo devido pelo armazenamento de combustíveis em depósitos subterrâneos. Tudo porque, no seu entendimento, inexiste qualquer contraprestação direta, específica por parte do Município individualizadamente dirigida à Impugnante e que, em consequência, possa encontrar-se em relação sinalagmática com a taxa prevista no n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras para o ano de 2015.
Com efeito, as autarquias locais têm património e finanças próprios (cfr. n.º 1 do artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa). E as receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as que provêm da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços (cfr. n.º 3 do artigo 238.º da Constituição). No caso dos municípios, essas receitas próprias são corporificadas em taxas, por eles criadas e cobradas, «resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município», ou seja, «incidindo sobre as utilidades prestadas aos particulares, geradas pela atividade dos municípios ou resultantes da realização de investimentos municipais» (cfr. artigos 14.º, alínea d), e 20.º, n.º 2, do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na redação conferida pela Declaração de Retificação n.º 46- B/2013, de 1 de novembro, em vigor à data da elaboração da norma regulamentar em causa nos autos). Dispõe ainda o artigo 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2009, de 29 de dezembro (doravante, “RGTAL”) que as taxas das autarquias locais encontram um tríplice fundamento, suscetível de invocação isolada ou em cumulação: (i) a prestação concreta de um serviço público local, (ii) a utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais e/ou (iii) a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares. Solução normativa que resulta igualmente do preceito do n.º 2 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária (doravante, “LGT”). Por último, a norma do n.º 1 do artigo 6.º do RGTAL concretiza um pouco mais a habilitação legal das autarquias locais para a criação de taxas, nos seguintes termos:
«1 - As taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios, designadamente:
a) Pela realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas primárias e secundárias;
b) Pela concessão de licenças, prática de atos administrativos e satisfação administrativa de outras pretensões de carácter particular;
c) Pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal;
d) Pela gestão de tráfego e de áreas de estacionamento;
e) Pela gestão de equipamentos públicos de utilização coletiva;
f) Pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil;
g) Pelas atividades de promoção de finalidades sociais e de qualificação urbanística, territorial e ambiental;
h) Pelas atividades de promoção do desenvolvimento e competitividade local e regional.
2 - As laxas municipais podem também incidir sobre a realização de atividades dos particulares geradoras de impacto ambiental negativo».
Tendo em conta que os municípios podem obter receitas próprias por meio da criação de taxas, atividade confiada aos seus órgãos deliberativos, é evidente que, a bem do respeito pelo princípio da legalidade fiscal, o poder decisório dos municípios na criação de taxas tem que respeitar os limites formais decorrentes das normas habilitantes dessa autónoma normação autárquica. E são justamente as próprias características das taxas – o carácter sinalagmático e não unilateral, que pressupõe a prestação de uma atividade pública, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um limite jurídico ao exercício de uma atividade - que atuam como limite interno a este poder tributário dos municípios.
Dito isto, cumpre então indagar se, no presente caso, nos encontramos perante uma verdadeira taxa ou antes perante um imposto; tendo presente que a Impugnante contesta a qualificação do presente tributo como taxa em atenção à natureza privada da propriedade em que se encontram instalados os depósitos subterrâneos de armazenamento de combustíveis.
A questão da qualificação, ou não, como «taxa» dos tributos liquidados por municípios como contrapartida da implantação de instalações de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente em terrenos de particulares - não ocupando, portanto, quaisquer terrenos do domínio público municipal - não é nova nem na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, nem na jurisprudência constitucional. Depois de, num primeiro momento, essa jurisprudência se revelar divergente (cfr., a este respeito, os Acórdãos n.os 515/2000, de 29 de novembro de 2000, e 329/2003, de 7 de julho de 2003, do Tribunal Constitucional, extraídos nos processos n.os 46/00 e 537/02, disponíveis, como os restantes Acórdãos do Tribunal Constitucional de seguida referidos, em www.tribunalconstitucional.pt) veio a ser, num segundo momento, pacificada por Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 113/2004, de 17 de fevereiro de 2004 (processo n.º 537/02), no sentido da inconstitucionalidade de um tributo com essas características. Posto isto e mais recentemente, por Acórdão do mesmo Tribunal Constitucional n.º 581/2012, de 5 de dezembro de 2012 (processo n.º 204/12), esta problemática voltou a ser reponderada, designadamente em atenção ao conceito constitucional de taxa - marcadamente menos restritivo - entretanto assumido (a respeito de outro tipo de taxas municipais) pelo Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 5 de maio de 2010 (processo n.º 742/09). E esta reponderação – no sentido da não inconstitucionalidade do mesmo tributo - constitui hoje entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, em resultado do Acórdão do Plenário desse Tribunal n.º 316/2014, de 1 de abril de 2014 (processo n.º 204/12).
Uma vez que a fundamentação vertida no citado Acórdão n.º 316/2014, de 1 de abril de 2014, tem inteira aplicação ao caso dos autos – referente a um tributo que, embora não seja o mesmo, apresenta manifesta semelhança e convoca as mesmas exatas questões então tratadas –, importa recuperar nos segmentos mais relevantes o que então foi decidido.
Pode ler-se no referido Acórdão daquele Tribunal:
«O enquadramento legal dos postos de abastecimento de combustíveis [e, do mesmo modo, das instalações de armazenamento de combustíveis remonta à Lei n.º 1947, de 12 de fevereiro de 1937, que tinha por objeto o licenciamento de instalações de armazenagem de petróleos brutos, seus derivados e resíduos. Este diploma veio a ser regulamentado pelo Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938, que aprovou o «Regulamento de Segurança das Instalações para Armazenagem e Tratamento Industrial de Petróleos Brutos, Seus Derivados e Resíduos». No entanto, por se considerar que a implantação e exploração daqueles postos de abastecimento carecia de um estatuto mais específico e atualizado do ponto de vista técnico que acautelasse as respetivas condições de segurança em geral, tendo em consideração o desenvolvimento de politicas de prevenção conducentes à melhoria das condições de bem-estar e segurança dos cidadãos bem como a preservação da qualidade do ambiente, veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de outubro, o «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis». Este diploma definiu novas regras aplicáveis à construção e exploração dos postos de abastecimento, com especial destaque para as matérias referentes aos locais de implantação dos postos, às distâncias mínimas a observar em relação a outras infraestruturas e construções, à forma de implantação dos reservatórios e à envolvente da unidade de abastecimento, às precauções a observar na exploração e utilização dos equipamentos, à qualidade dos materiais a empregar e, em especial, à proibição da colocação dos postos de abastecimento debaixo de edifícios. A fiscalização da sua observância foi cometida, no âmbito do Ministério da Indústria e Energia, às respectivas delegações regionais (cfr. o artigo 2.º).
O simples enunciado destas matérias elucida sobre a interferência da implantação e funcionamento deste tipo de equipamentos com os interesses públicos da segurança de pessoas e bens, do urbanismo e do ordenamento do território e da preservação do meio ambiente e o consequente potencial de conflito entre os interesses de «vizinhos» e os interesses económicos associados à sua exploração» [realces existentes no original].
E a verdade é que, quando no quadro da descentralização administrativa, o artigo 17.º, n.º 2, alínea b), da (hoje revogada) Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, e depois os artigos 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 25.º do Decreto- Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, transferiram para os órgãos municipais a competência para o licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento de combustíveis e dos postos de abastecimento de combustíveis (salvo os localizados nas redes viárias regional e nacional), continuavam a fazer-se sentir as preocupações com a introdução de padrões de segurança mais rigorosos e eficazes, quer quanto à qualidade dos materiais a utilizar, quer quanto às condições dos locais destinados à implantação e exploração dos postos de abastecimento de combustíveis e respetivos depósitos de armazenamento. Justificando a aprovação e publicação do Decreto-Lei n.º 303/2001, de 23 de novembro, e da Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, que atualmente regulam os requisitos de construção e exploração dos referidos postos de abastecimento e reservatórios subterrâneos.
Ou seja, e como refere o citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 316/ 2014:
«O simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis [e, do mesmo modo, das instalações de armazenamento de combustíveis envolve riscos para a segurança e a saúde da s pessoas e interfere com a «qualidade do ambiente» (no sentido dado a esta expressão no artigo 5.º, n.º 2, alínea e), da Lei nº 11/87, de 7 de abril – a Lei de Bases do Ambiente: “a adequabilidade de todos os seus [do ambiente] componentes às necessidades do homem”), razões que levaram o legislador a estabelecer um quadro normativo técnico com carácter preventivo e a consagrar um sistema de fiscalização destinado a fazê-lo respeitar. Estas ações do legislador configuram por isso - ao menos, também - uma concretização do dever de proteção do ambiente. Na verdade, os postos de abastecimento de combustíveis, em si mesmos enquanto depósitos [e, do mesmo modo, as instalações e armazenamento de produtos de petróleo], e o seu funcionamento, representam uma fonte de poluição, em especial para os componentes ambientais ar, água, solo e subsolo nas suas imediações (cfr. o artigo 21.º da Lei de Bases do Ambiente). É também a proibição de poluir que justifica os condicionamentos normativos e os termos concretos da ação fiscalizadora a desenvolver (cfr. o artigo 26.º da Lei de Bases do Ambiente)».
Sendo que, como resulta do que atrás se deixou dito e consta igualmente da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional que temos vindo a citar:
«A partir do início de vigência do Decreto-Lei nº 267/2002, de 26 de novembro, os municípios adquiriram um papel central na operacionalização do sistema de fiscalização (cfr. o respetivo artigo 25.º). A importância dos municípios e da fiscalização por eles exercida é tanto mais de sublinhar, desde logo, porque é o ambiente de cada município em que se localizam postos de abastecimento de combustíveis [e, do mesmo modo, instalações de armazenamento dos mesmos] que é - ou pode ser - degradado. Por outro lado, atenta a duração longa das licenças de exploração deste tipo de instalações - até 20 anos, sendo esta a situação normal, de modo a amortizar os investimentos vultosos realizados pelos seus promotores (cfr. o artigo 15.º do Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938 e o artigo 15.º, nos 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro) - frequentemente é apenas ao nível da fiscalização que os municípios podem intervir em defesa dos seus interesses e dos seus munícipes.
(...) e de acordo com a legislação aplicável, a fiscalização é exercida no ‘âmbito da regulamentação técnica das instalações’ (assim, o artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro). E ‘as regras técnicas relativas à construção e exploração das instalações de armazenamento e postos de abastecimento referidos no artigo 1.º obedecem à regulamentação e legislação específicas aplicáveis’ (assim, o artigo 17.º do mesmo diploma). Ou seja, incumbe aos municípios o dever de proteção dos interesses acaute1ados na legislação e regulamentação própria dos postos de abastecimento de combustíveis. E esse dever legal é permanente e específico, porque dirigido à garantia de regras especiais, de modo a, por exemplo, detetar situações de ‘perigo grave para a saúde, a segurança de pessoas e bens, a higiene e a segurança dos locais de trabalho e o ambiente’ e ‘tomar imediatamente as providências que em cada caso se justifiquem para prevenir ou eliminar a situação de perigo’ (cfr. o artigo 20.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/2002, de 26 de novembro); ou situações de infração às regras de exploração de postos de abastecimento (cfr. o artigo 45.º e seguintes do Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis [aprovado pela Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro])».
E é assentando nestes fundamentos que o citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 316/2014 concluiu que:
«Atento o dever legal permanente e específico de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis [e das instalações de armazenamento de combustíveis] – das instalações e equipamentos e do respetivo funcionamento e utilização – previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, com referência ao «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis», imposto às câmaras municipais, não se afigura razoável exigir que estas, para poderem cobrar uma taxa, tenham de fazer prova de todas e de cada uma das ações realizadas em cumprimento de tal dever. Certo é que o cumprimento deste dever - e a responsabilidade associada à sua existência - não está na disponibilidade dos municípios. É a lei que exige a ação continuada de vigilância com carácter preventivo, sem prejuízo de ações pontuais e formais de fiscalização (...). Esta ação continuada de vigilância corresponde ao cumprimento de lei imperativa e traduz o ‘funcionamento normal do serviço’. E a imposição do dever funcional correspondente - um dever de vigilância - traduz-se na assunção de certa responsabilidade. É assim que o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, prevê no seu artigo 10.º, n.º 3, a presunção de culpa leve – que é condição suficiente da responsabilidade exclusiva do ente público – ‘sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância’.
Em suma, o dever legal de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis [e, do mesmo modo, das instalações de armazenamento de produtos de petróleo] por parte das câmaras municipais cria uma presunção suficientemente forte no sentido de que a simples localização daqueles postos [e depósitos subterrâneos] em determinada circunscrição concelhia é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem. (...)
Aliás, estes [os destinatários da ação de fiscalização] sabem bem e à partida que, por força da lei, a existência de postos de abastecimento de combustíveis ‘não localizados nas redes viárias regional e nacional’ [bem como de instalações de armazenamento de combustíveis] obriga os municípios em cuja circunscrição se localizem a uma ação de vigilância permanente, de modo a verificar o cumprimento permanente dos requisitos técnicos específicos desse tipo de instalações, e que vão para além das vistorias previstas e inspeções periódicas. Com efeito, a fiscalização prevista no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, não se esgota nas ações previstas no artigo 22.º do mesmo diploma nem se confunde com o cumprimento do dever geral de polícia. Assim, tal ação fiscalizadora pode ser tida como efetivamente provocada (e, em certo sentido, também aproveitada) apenas pelos proprietários dessas instalações, justificando-se, por conseguinte, o pagamento de uma compensação.
Na verdade, conforme referido no artigo 3.º do RGTAL, ‘as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local’. No caso vertente é razoável e forte a presunção, feila a partir da natureza dos postos de abastecimento de combustíveis [e das instalações de armazenamento de produtos de petróleo] e dos deveres legais de fiscalização que incumbem às câmaras municipais (factos indiciários), da existência de uma atividade de vigilância permanente por parte dos serviços camarários dirigida àquele tipo de instalações e ao seu modo de funcionamento. (...).
A implantação dos mesmos postos [bem como, dos depósitos subterrâneos] “inteiramente” em propriedade privada ou em terrenos do domínio público municipal é, para este efeito, irrelevante, já que os riscos e a vigilância legalmente exigida são idênticos nas duas situações. O que releva é o tipo de instalação e não a natureza privada ou pública onde a mesma se encontra implantada. Mais: essa atividade de vigilância é, pela peculiaridade dos requisitos técnicos que visa controlar, exclusivamente imputável às ditas instalações. Nos municípios em que não se localizem lais postos de abastecimento [ou instalações de armazenamento de combustíveis], não há lugar a tal ação de vigilância».
Neste mesmo sentido, pronunciou-se recentemente o Tribunal Central Administrativo Sul nos Acórdãos de 10 de julho de 2012 (processo n.º 5256/11), de 5 de fevereiro de 2013 (processo n.º 6245/12) e de 26 de junho de 2014 (processo nº 4946/ 11), disponíveis em www.dgsi.pt.
Fazendo aplicação da fundamentação ora expendida ao tributo municipal que incide sobre o m3 de armazenamento de produtos de petróleo (combustível) – porque inteiramente aplicável ao caso sub judicio - e assentando na mesma presunção judicial, nos termos autorizados pelo artigo 351.º do Código Civil, é inegável que a taxa prevista na norma regulamentar do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Licenças e Outras Receitas Municipais para o ano de 2015 assenta na existência de uma relação concreta e específica entre o sujeito passivo do tributo, explorador de determinados depósitos para armazenamento de combustíveis, e a atividade de fiscalização permanente e específica a que os órgãos municipais ficam obrigados em resultado da instalação de tais depósitos na circunscrição do município. E, assim sendo, verifica-se, no presente caso, um dos motivos que, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da LGT e dos artigos 3.º e 6.º, n.º 1, alínea c), do RGTAL, habilita o Município à criação e cobrança desta taxa: a prestação concreta de um serviço público local, mais concretamente da referida atividade de fiscalização efetivamente provocada e também aproveitada pela Impugnante.
*
Mas, não é só. A mesma exata conclusão pode ser alcançada a partir da consideração da própria licença de exploração de depósitos subterrâneos de armazenamento de combustíveis de que a Impugnante é titular, à luz do conceito de taxa de que o Tribunal Constitucional fez aplicação no já referido Acórdão n.º 177/2010, de 5 de maio de 2010. Com efeito, esse Acórdão, ultrapassou a tese restritiva que vinha subscrevendo nas últimas duas décadas, no sentido de que as taxas com fundamento na remoção de um obstáculo jurídico teriam que permitir a utilização de um bem do domínio público, sob pena de serem qualificadas como impostos ou figuras que seguissem o regime destes tributos. E, nessa medida, consagrou que, para integração do conceito de «remoção de um obstáculo jurídico» como fundamento para a criação de taxas municipais, importa apenas aferir se esse obstáculo é real, genuíno, ou se foi arbitrariamente criado (cfr., a súmula sintética de Nuno de Oliveira Garcia e Andreia Gabriel Pereira, «A nova jurisprudência das taxas municipais pela colocação de painéis publicitários em domínio privado», Direito Regional e Local, n.º 15, julho - setembro de 2011, p. 25 e ss., p. 33).
Ora, como referiu o mesmo Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 316/2014, relativamente ao licenciamento da exploração de postos de combustíveis:
«(...) a verdade é que a licença de exploração de postos de combustíveis [e do mesmo modo, de instalações de armazenamento de combustíveis], enquanto ato administrativo de execução continuada (ou de eficácia duradoura), também não esgota os seus efeitos num só momento, através de um ato ou facto isolado. Bem pelo contrário, constitui uma relação jurídica duradoura no quadro da qual o licenciado adquire o direito de exercer uma atividade que, mesmo cumprindo os deveres específicos impostos pela legislação e regulamentação técnica aplicável, interfere permanentemente com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo, o ordenamento do território e a gestão do tráfego. (...) O mesmo é dizer, que, embora assente na licença de exploração, a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento do particular - desde logo, a proibição de poluir - é permanente e não pode deixar de ser imputada ao próprio Município, uma vez que compete hoje à Câmara Municipal (...) licenciar a exploração de postos de abastecimento de combustíveis (cfr. o artigo 5º n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro)» [e, do mesmo modo, a exploração de instalações de armazenamento de combustíveis (cfr. artigo 5º n.º 1, alínea a), do mesmo diploma] [realces existentes no original].
Aliás, importa ter em conta a longa duração da licença de exploração de instalações de armazenamento de combustíveis que é, em regra, de 20 anos (cfr. o artigo 15.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro). E durante todo este período, pode ser exercida a atividade licenciada, que impacta negativamente em bens públicos. O que reforça a conclusão atrás extraída: a remoção do obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares não é um ato de execução instantânea, mas antes de execução continuada.
Como se refere no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2010, de 5 de maio de 2010:
«Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o [administrado] ganha título para uma ativa e particular fruição (...) do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (...). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado (...) introduz, através da [sua] atividade, mudanças qualitativas (...) no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, moldando-o, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário».
Contra o que agora se deixa dito é insubsistente a invocação de que o licenciamento da exploração de instalações de armazenamento de combustíveis é, em si mesma, taxado no quadro do regime jurídico que regula esse licenciamento, i.e., o Decreto-Lei n.º 267/2012, de 26 de novembro. Como a esse respeito decidiu o Tribunal Constitucional no já por várias vezes citado Acórdão n.º 316/2014:
«(...) as taxas a impor com referência ao licenciamento propriamente dito - por exemplo, apreciação dos pedidos de aprovação dos projetos de construção e de alteração ou as vistorias que antecedem a emissão das licenças – estão previstas no artigo 22.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, que, no tocante aos respetivos montantes remete, na parte que aqui interessa, para regulamento municipal (cfr. o n.º 2 do citado artigo 22.º). Acresce que as licenças em causa se limitam a verificar que, no momento em que são emitidas, se encontram cumpridos todos os requisitos técnicos. Tais licenças e, por conseguinte, as taxas fixadas com referência às mesmas, pura e simplesmente não tomam em consideração os aludidos condicionamentos e impactes negativos no espaço público municipal.
(...) o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma – e, em rigor, nem pode tomar, atento o princípio da autonomia das autarquias locais – em consideração a obrigação passiva do Município (...) de se conformar com a influência modeladora da atividade licenciada. E este deve ser o aspeto decisivo: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui aquele Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da atividade licenciada que pura e simplesmente não são considerados na licença. E a taxa em causa é a contrapartida específica de tal obrigação passiva. Não ocorre dupla tributação, uma vez que a mesma obrigação pura e simplesmente não é considerada nas taxas a pagar por ocasião da emissão ou renovação da licença» [realces existentes no original].
Assentando na fundamentação expendida nos citados Acórdãos – inteiramente aplicável no presente caso –, cabe então extrair duas conclusões. A um tempo, que as taxas previstas no Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, não consomem a taxa criada pelo artigo 21.º, n.º 4, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras para o ano de 2015, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes. A outro tempo, que se verificam no presente caso razões bastantes para justificar a criação e cobrança desta última taxa, ao abrigo do terceiro fundamento previsto no artigo 3.º do RGTAL - como contrapartida da remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma atividade –, reforçado pelo princípio constitucional da autonomia patrimonial e financeira das autarquias locais.
Em suma e em conclusão: o tributo previsto no n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras para o ano de 2015, exigido pelo armazenamento de produtos de petróleo (combustíveis) em depósitos subterrâneos, tem, por um lado, contrapartida no aproveitamento pelo sujeito passivo do tributo da atividade fiscalizadora permanente e específica a que a exploração de depósitos de armazenamento de combustíveis obriga o Município de Oeiras, e constitui, por outro lado, prestação correlativa da remoção de um obstáculo jurídico ao desenvolvimento dessa atividade pela Impugnante. Razões que, de forma cumulativa e ao abrigo do disposto no artigo 3.º do RGTAL, determinam a qualificação deste tributo como taxa.
Em consequência, improcede o vício de inconstitucionalidade que a Impugnante assaca a essa norma regulamentar e ao ato impugnado nos autos, por alegada violação do princípio da legalidade fiscal, bem como da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, previstos, respetivamente, no n.º 2 do artigo 103.º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. E, bem assim, improcede a ilegalidade consequente que a Impugnante assaca ao ato de liquidação impugnado.»
3. De tal decisão foi interposto recurso de constitucionalidade.
4. Através do Acórdão n.º 33/2018, a 3.ª Secção do Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, a norma do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais que consta do Anexo I ao Regulamento n.º 364/2012, de 11 de junho, do Município de Oeiras.
5. Notificado de tal Acórdão, o ora recorrente veio, ao abrigo do artigo 79.º-D, da LTC, interpor recurso do mesmo para o Plenário do Tribunal Constitucional, com fundamento na divergência entre a decisão recorrida e as Decisões Sumárias n.ºs 890/2017 e 305/2017.
6. Admitido o recurso, o ora recorrente produziu alegações, que conclui nos seguintes termos:
«Em conclusão:
A) Por decisão proferida em 31 de janeiro de 2018, este Tribunal Constitucional declarou inconstitucionalidade, por violação do art.º 103.º n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i) da CRP, a norma do art.º 21.º, n.º 4 do Regulamento de Permiss6es Administrativas, Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras (RPATOR), sumariamente invocando a:
- o facto do tributo em causa incidir sobre os diversos componentes da unidade de abastecimento e não sobre o todo, faz com que não seja identificável qualquer prestação administrativa de sinalagma, sendo simplesmente ficcionada.
- para essa conclusão contribui a justificação económico-financeira do tributo posto em causa, ao referir que o mesmo tem por fundamento “o objetivo de racionalizar a proliferação destas ocupações”, pois um tributo cuja finalidade exclusiva é a de orientar comportamentos não é, por definição, um tributo comutativo, visto que não é cobrado como contrapartida de uma prestação administrativa aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo. Não tem um sinalagma direto.
- poderia o dito tributo ser qualificado com uma contribuição financeira a favor das entidades públicas, pois essas sim correspondem a uma bilateralidade genérica, mas essa questão não importa para o caso, dado que as mesmas não estão previstas no Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais n.º 73/2013, de 3 de setembro).
- pelo que, conclui o Acórdão recorrido que o Município de Oeiras invadiu a reserva parlamentar, viciando a norma do n.º 4 do artigo 21.º do TTMO de inconstitucionalidade orgânica por ter criado um tributa para o qual não tinha competência.
B) Contrariamente à decisão ora posta em crise, decidiu anteriormente este Tribunal Constitucional julgar constitucional justamente a norma constante do art.º 21.º do RPATOR do Município de Oeiras em duas outras decisões:
- a decisão sumária 890/2017, autos de recurso 363/17 – 3.ª secção S, proferida no âmbito do processo 1522/15.4BESNT;
- a decisão sumária 305/2017, autos de recurso 417/17 – 2.ª secção, proferida no âmbito do processo 3064/15.9BESNT.
C) A decisão sumária 890/2017, no âmbito dos autos de recurso autos de recurso 363/17, considera em suma que existe uma contrapartida direta entre atividade administrativa do Município e o tributo cobrado, classificando o tributo como taxa. No dissocia as diversas taxas cobradas do todo da unidade de abastecimento. Como tal deixa de ter interesse a questão da falta de autorização legislativa, pois as autarquias podem criar taxas.
D) A decisão sumária 305/2017. no âmbito do processo 417/17 (3064/15.SBESNT), refere que a questão de inconstitucionalidade objeto do presente recurso convoca as mesmas razões e ponderações feitas pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 316/2014, o que toma admissível a prolação de decisão sumária meramente remissiva (cfr. o artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC). Nestes termos, e reiterando a jurisprudência constitucional mencionada, conclui pela não verificação da inconstitucionalidade orgânica invocada pela recorrente.
E) A decisão aqui posta em crise aceita, na senda do Acórdão 316/2014, considera por um lado que a prestação de um serviço público possa ser presumida; por outro, que a contrapartida da tributação das taxas aqui em ousa possa ser a mera inação administrativa em face de uma atividade que interfere no gozo de determinados bens públicos, como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego.
F) Rejeita este aresto esse raciocínio no caso concreto, por entender que o dever de fiscalização municipal da atividade e a obrigação de suportar os seus inconvenientes se reportam necessariamente ao todo da unidade de abastecimento e não aos seus diversas componentes.
G) Não se pode concordar com os argumentas invocados pelo aresto em crise, porquanto as diversas taxas cobradas, sobre cada parte da unidade de abastecimento, comportam riscos ambientais e ecológicos, bem como materiais e pessoais, distintos, ligando-se cada risco especificamente a cada taxa cobrada.
H) De facto umas comportam riscos de explosão, outras riscas de inundação, outros riscos de contaminação dos solos onde os depósitos estão instalados, outros riscos de vazamento/derrame para a solo, causando riscos de Saúde pública e poluição, etc.
1) Dizer que não faz sentido a desagregação da unidade de abastecimento, porquanto os Inconvenientes ecológicos são unitários e ligam-se ao posto de abastecimento no seu todo, é desconsiderar que o ambiente se desagrega em várias componentes que têm de ser tratadas de forma diferentes e concomitantemente taxadas em função desse risco presumido, mas por vezes real.
i) Efetivamente, o ambiente decompõe-se em várias componentes ar, água, solo, subsolo, ocorrendo riscos diferentes em cada componente que o Município se encontra obrigado a minorar.
K) Por outro lado, quantos mais depósitos existirem numa unidade de abastecimento e quantas mais m3 este tiver, maior risco existirá para os subsolos onde estes estão instalados, um facto que os depósitos podem criar fissuras e vazar, infiltrando-se e causando prejuízos nas áreas adjacentes. Como também é um facto, que essas infiltrações e largadas de detritos tóxicos vão parar por vezes às caixas de visitas dos esgotos pluviais, tendo depois de ser reparadas pelos Municípios e a custas destes.
L) Assim, discorda-se totalmente da decisão proferida ao desconsiderar a comutatividade da taxa em apreço, por esta não ter uma prestação concreta no âmbito da fiscalização e da interferência com o ambiente. Há que fragmentar as taxas cobradas, porque a risco ambiental também não é uno!
M) É um poder-dever dos Municípios criar um obstáculo jurídico à proliferação de depósitos subterrâneos. Tal como é a sua obrigação criar um obstáculo jurídico à criação das bombas em si, ou às unidades de abastecimento de água e ar que comportam riscos diferentes.
N) O facto do Município de Oeiras cobrar diversas taxas com referência a cada unidade de abastecimento e não meramente uma só, o que faz por uma questão de dever de transparência para com os seus administrados, por se tratarem de prestações de serviços distintas, não retira a comutatividade ao tributa, pelo contrário, concretiza essa bilateralidade.
O) “Se é certo que a Câmara Municipal de Oeiras cobra diversas taxas relativamente ao armazenamento de produtos de petróleo, igualmente certo é que os montantes em apreço refletem o pagamento de diversos serviços distintos, a saber, o licenciamento – prevendo-se para o efeito o pagamento de taxas para apreciação do processo de licenciamento e para a emissão de alvará de autorização de utilização; a realização de vistorias específicas, prevendo-se para o efeito taxas, e os demais serviços relacionados com a existência dos depósitos – prevendo-se para o efeito a taxa municipal sobre o armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos).”
P) Estamos claramente, nas palavras de Sousa Franco, perante “uma contraprestação especifica, resultante de uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e um bem ou um serviço público.” – uma prestação pecuniária e coativa exigida pelo ente público como contrapartida de uma prestação administrativa que é efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo.
Q) Existe na situação em apreço a prestação de serviços determinados e individualizáveis destacáveis das demais.
R) Mas existe igualmente na situação em apreço a remoção de um obstáculo jurídico real ao comportamento dos particulares, ditado por um interesse genuíno administrativo e não de um obstáculo artificialmente erguido para, através da respetiva remoção, propiciar à administração a cobrança de uma receita extra, verificando-se uma duplicação de receitas por essa via.
S) A CMO presta um relevante serviço público ao desencadear toda uma série de ações relativas aos riscos decorrentes da instalação dos referidos depósitos, como vazamento e explosões, disponibilizando meios humanos e materiais que têm custos.
T) Ora, estes factos não foram adequadamente chamados à colação ou analisados pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 33/2018, de 31 de janeiro de 2018.
U) Por outro lado, os tributos em causa não podem ser considerados contribuições financeiras, porquanto são aproveitadas e provocadas pelos titulares de cada posto de abastecimento e não por um grupo específico de risco.
V) É inegável que tal taxa assenta na existência de uma relação concreta e especifica entre o sujeito passivo do tributo, explorador de determinados depósitos combustíveis, e a atividade de fiscalização permanente e especifica a que os órgãos municipais ficam obrigados em resultado da instalação de tais depósitos na circunscrição do município).
W) Ainda que se concluísse pela respetiva qualificação como contribuição, sempre se diria que entendemos que as contribuições não estão abrangidas pela reserva de lei parlamentar estabelecida pelo artigo 165.º da Constituição da República”.
X) Não restam ainda dúvidas que os titulares dos depósitos de carburantes efetivamente aumentam o risco ambiental do local onde os detém e o mesmo é proporcional ao número de depósitos e à sua quantidade em metros cúbicos.
Y) O critério de determinação do valor da taxa tem conexão com o respetivo facto gerador, estando relacionado com os custos e a utilidade do serviço prestado pelo município, sendo proporcional na realidade, está em causa o pagamento de uma taxa que corresponde à atividade administrativa realizada e não à apropriação por parte da entidade pública da vantagem decorrente do uso da propriedade privada.
Z) Em suma: (i) Existe no caso concreto uma contraprestação especifica por parte do município; (ii) Essa contraprestação é distinta das demais que estão subjacentes ao pagamento de outras taxas municipais; (iii) Está Igualmente em causa a remoção de um obstáculo jurídico à atividade dos particulares; (iv) O critério de determinação do valor da taxa tem conexão com o respetivo facto gerador estando ligado aos custos ou valores de mercado da atividade administrativa.
AA) Afastando-se a questão da falta de comutatividade, este tributo só pode ser considerado uma taxa, pelo que deve ser afastada a questão da inconstitucionalidade.
Termos em que, deve o presente recurso proceder, declarando-se constitucionalidade a norma do n.º 4 do art.º 21 do Regulamento de Permissões Administrativas taxas e Outras receitas do Município de Oeiras.»
7. A ora recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A) A ora Recorrente veio interpor o presente recurso de constitucionalidade da douta Sentença proferida pelo TAF Sintra em 23/02/2017, que julgou improcedentes os vícios de inconstitucionalidade invocados pela Recorrente ao longo deste processo, referentes à norma que aplicou contida no número 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas e respetivas fórmulas de cálculo que consta como Anexo I ao Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras (Regulamento n.º 364/2012, publicado em DR, 2.ª Série, n.º 157, em 14/08/2012, págs. 28716 a 28977), na sua versão de 2015.
B) Inconformada com esta decisão – até por considerar que o Tribunal a quo aderiu, erradamente, à jurisprudência deste Venerando Tribunal Constitucional, por entender que não é aqui aplicável a jurisprudência do citado Ac. 326/2014 – pretende a ora Recorrente que o Venerando Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da norma em causa, por entender que a mesma padecerá de várias inconstitucionalidades, nomeadamente, a mesma incorre numa total afronta à Constituição porquanto configura uma violação dos princípios constitucionalmente consagrados da primazia e reserva de lei em matéria de impostos, por materialmente constituir um imposto/contribuição não aprovado ou autorizado por lei do Parlamento (v. arts. 103.º, n.º 2 e 165.º/1/i) da CRP), dos princípios da proporcionalidade e da justiça, no plano das relações entre a Administração Pública e os particulares, configurando um excesso de valor sem qualquer razoabilidade (v. art. 266º, n.º 2 CRP); e do principio da liberdade de iniciativa económica privada ao se imiscuir sem necessidade na conformação do exercício do direito da iniciativa económica privada (v. art. 61.º da CRP).
C) Apesar de estar invocado pela douta sentença recorrida o douto Acórdão n.º 316/2014 do Venerando Tribunal Constitucional, este não só não se pronunciou sobre a mesma questão ora em exame, que é material e substancialmente diversa, como posteriormente o T. Constitucional veio já alterar a sua posição sobre o conceito de taxa!
D) E, no presente caso ainda é mais evidente a desproporcionalidade da taxa e a falta de contraprestação, razão pela qual as posições dos 6 Exm.ºs Conselheiros que ficaram vencidos no douto Acórdão n.º 316/2014, ainda mais reforço merecem no presente caso, bem como a posição expressa reiteradamente pela Doutrina que tem vindo a criticar aquela jurisprudência deste Venerando Tribunal – Susana Tavares da Silva; Sergio Vasques; Rocha Andrade; etc..
E) E acresce a tudo isto a situação de a jurisprudência deste Venerando Tribunal sobre o conceito de “taxa” não se mostrar pacificada, como o douto Acórdão n.º 539/2015 o veio demonstrar, apenas um ano depois do douto Acórdão de 2014, e com uma jurisprudência totalmente contrária sobre o conceito de “taxa”!
F) Entende a ora Recorrente que este recurso de constitucionalidade faz todo o sentido, até também pelo vasto número de decisões baseadas na mesma norma aqui em crise que têm vindo a ser emitidas pelos municípios (são taxas mensais), constituindo já uma prática corrente, que se considera absolutamente inconstitucional, estando neste momento variadíssimas impugnações em curso nos tribunais administrativos e fiscais, em relação às quais este pronunciamento de inconstitucionalidade terá também efeito útil.
G) A sentença recorrida cita em seu apoio e baseia-se quase exclusivamente num douto acórdão do Tribunal Constitucional proferido embora sobre uma outra questão, (diversidade que a sentença recorrida não se apercebeu) relacionada com taxas de licenciamento de postos de abastecimento de combustível (Município de Sintra), que acabou por concluir pela não inconstitucionalidade da norma, por considerar que a mesma não contende com qualquer principio constitucional – v. Ac. n.º 316/2014, proc. n.º 204/12 da 2.ª secção
H) Não consideramos correta esta pura aplicação da jurisprudência de 2014 ao presente caso, pois: (i) o Tribunal Constitucional alterou a sua posição logo em douto Acórdão de 2015; e (ii) o caso aqui em exame diverge materialmente do analisado no douto Acórdão de 2014.
I) O Tribunal Constitucional manteve durante muito pouco tempo esta posição de 2014, tendo alterado a sua jurisprudência sobre o conceito de “taxa” logo no ano seguinte, em 2015, no Acórdão nº 539/2015, de 21.10.2015. E embora este douto Acórdão trate de uma taxa não municipal, em tudo o restante é idêntica à tratada pelo douto Acórdão de 2014.
J) Mas o caso em exame é diverso do analisado no douto Acórdão de 2014: ainda que em ambos os casos tenhamos de comum serem encargos impostos por um município a particulares relativos a postos de abastecimento de combustível ínsitos em propriedade privada, no presente caso não se trata de encargos pelo licenciamento (inicial ou renovação) do posto, mas pela simples existência de depósitos subterrâneos de armazenamento de combustível.
K) Sendo que, no presente caso, os encargos se somam! Somam, desde logo, porque, como foi aqui expresso, há outras normas da Tabela de Taxas que preveem outros tributos aos quais a “taxa” aqui em causa, prevista no número 4 do artigo 21.º Tabela de Taxas, acresce, mensalmente e anualmente, a outros encargos periódicos cobrados pelo Município: pelo licenciamento do posto, por vistorias e inspeções, por cada equipamento e por cada edifício existente no posto!
L) E, tendo por base a diferença de situações entre aquela que é analisada no douto Acórdão de 2014 e aquela que dá origem ao presente recurso, como se vê, não estamos aqui perante um licenciamento anual de um posto de abastecimento de combustível (Ac. 316/2014), mas sim perante um encargo mensal pela ocupação de um espaço público por depósitos subterrâneos incluídos no posto licenciado! E esta diversa natureza do facto objeto do encargo aqui em causa tem de ter forçosamente consequências na aplicação do Direito.
M) Quanto à violação dos princípios da primazia e da reserva de lei, para que estejamos perante uma taxa e não um imposto/contribuição, teríamos que ter um encargo criado pelo município exclusivamente tendo em vista: a prestação concreta de um serviço público local; a utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais; ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
N) Entendemos, que a atuação levada a cabo pelo Município de Oeiras leva a que se frustrem os indispensáveis elementos caracterizadores da taxa, a saber, a sua bilateralidade e o seu carácter sinalagmático, assentes na equivalência entre o serviço concreto prestado ao sujeito passivo da taxa e o custo suportado pela entidade pública que prestou tal serviço.
O) Não estando perante qualquer utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais, pois os depósitos estão inseridos totalmente em propriedade privada da Recorrente, não estamos, também, perante qualquer das outras duas situações que constam da fundamentação do ato de liquidação, nem da fundamentação económico-financeira do tributo aqui em causa (ponto 5.38).
P) A circunstância de poder estar no nosso caso presumida uma fiscalização permanente por parte do município deixa sem resposta a existência de outras taxas igualmente fixadas no Tabela de Taxas e que são impostas à Recorrente enquanto detentora de um posto de abastecimento de combustível (cfr. arts. 20.º e 21.º/1, 2 e 3 Tabela de Taxas)!
Q) Mesmo que se admitisse – o que não se faz – que o Acórdão de 2014 fosse correto e o licenciamento anual de um posto de abastecimento de combustível tinha a justificação da presumida fiscalização periódica por parte do município que fundamentava a contrapartida e o sinalagma necessário à existência válida da taxa, este raciocínio não pode ser pura e simplesmente transposto sem mais para o presente caso de taxação de depósitos subterrâneos incluídos no mesmo posto!
R) Com efeito, tem de se entender que o raciocínio do Tribunal Constitucional incluía a sua justificação no licenciamento do próprio posto e não que também o estendia a cada um dos equipamentos e edifícios nele existentes. Se o fizéssemos estávamos clara e manifestamente no âmbito de uma evidente duplicação de coleta!
S) A pretendida – e criticável – presunção de fiscalização só pode estar incluída no licenciamento do próprio posto. Pretender que também esteja em simultâneo na taxação de cada um dos equipamentos existentes no posto seria um total absurdo!
T) No presente caso – mesmo na tese a que não aderimos do Acórdão de 2014 – não pode encontrar-se em alguma presunção de fiscalização a razão da contraprestação da taxa aqui em causa, nem, igualmente, em alguma ideia de “ocupação” do espaço público por reflexo, como foi julgado nos casos de publicidade. Estamos no presente caso, face a depósitos subterrâneos que nenhum impacto visual tem sobre a via pública!
U) Ora, sobre a irrelevância conceitual das taxas de licença, conclui Sérgio Vasques, dizendo que “noutros casos, o levantamento da proibição relativa em que assenta uma taxa de licença tem como contrapartida a mera prestação presumida de um bem ou serviço. Estamos então perante contribuições mostrando-se também aqui dispensável conceber como pressuposto tributário a remoção de um obstáculo ao comportamento dos particulares.” – sombreado nosso.
V) E que: “há casos ainda em que o levantamento da proibição relativa subjacente a uma taxa de licença tem como contrapartida prestações meramente eventuais ou das quais não se consegue fazer quantificação objetiva. Nestes casos, a taxa exigida ao particular não se dirige à compensação de qualquer prestação à qual possamos imputar um custo ou valor sem cairmos na auscultação da força económica do contribuinte, estando-se então perante imposto, que assenta no licenciamento mas não visa a sua compensação” – sombreado nosso.
W) Pelo que se afirma que nunca se poderá estar perante uma taxa.
X) Também quando à previsão legal de aproveitamento efetivo, e continuando a citar o referido Autor, importa salientar que “quando a presunção de uma prestação pública não assente em mais que a sua previsão legal devemos recusar ao tributo a natureza de taxa, porque, sendo incerta a contrapartida, o contribuinte merece maior proteção do que aquela que lhe confere esta categoria tributária. As categorias autonomizadas pelo artigo 165º da Constituição da República não o foram com vista a proteger a administração face aos contribuintes, aligeirando-lhe a demonstração das prestações que realiza e facultando-lhe a cobrança de tributos unilaterais sem as garantias que a estes estão associadas. É precisamente o contrário, a função do artigo 165º é a de assegurar ao contribuinte uma proteção tanto maior quanto mais intensa a unilateralidade do tributo que lhe seja exigido”
Y) Concluindo, quanto à inação como prestação pública, que “a taxa sobre a exploração de postos de abastecimento prevista no artigo 21º da Tabela de Taxas do Município de Oeiras não constitui taxa mas, na melhor das hipóteses, uma contribuição criada sem a devida habilitação legal. Segundo, que a tese de que a obrigação de suportar um impacto ecológico ou visual dá corpo a uma prestação pública efetiva obrigaria à degradação em taxas da generalidade dos tributos ambientais hoje em vigor.”
Z) E, a propósito da fundamentação económica e da fraude à lei, refere o supracitado Autor que “no tocante a Oeiras, o problema é mais evidente ainda, porque a taxa sobre a exploração de postos de abastecimento não está aí associada a quaisquer prestações de fiscalização, presumíveis que sejam, e pela técnica muito rudimentar empregue no seu Regulamento e Tabela de Taxas.”
AA) Impondo-se a conclusão de que “caso admitíssemos estar aqui perante uma taxa, forçosamente havíamos de reconhecer haver violação grosseira das exigências do artigo 8º do RGTAL. A deficiência que há nesta fundamentação económico-financeira, porém, é sintoma de outra coisa – é sintoma de que é impossível fixar custo objetivo a prestações que não vão além da inação. As taxas sobre a exploração de postos de abastecimento previstas no artigo 21º da Tabela de Oeiras não são verdadeiras taxas, pois, podendo-se dizer, na melhor das hipóteses, que são contribuições instituídas sem que para isso haja a necessária habilitação legal.”
BB) Não sendo Sérgio Vasques o único a pronunciar-se criticamente face à jurisprudência de 2014 – desde logo devemos ter em conta as declarações de voto, nomeadamente dos Exmo. Juízes-Conselheiros, Professor João Caupers, Professora Maria Lúcia Amaral e Dr. Lino Ribeiro –, também aqui devemos ter em atenção, o que escreveram Susana Tavares da Silva e Fernando Rocha Andrade, nomeadamente quanto à questão da bilateralidade.
CC) Afirma a primeira Susana Tavares da Silva “«não compreender» qual o sentido da posição adotada pelo Tribunal, ao admitir a liquidação de uma “taxa anual” para custear as despesas especiais de fiscalização, quando essas despesas hão de ser custeadas, segundo o legislador, por cada ato de fiscalização individualmente realizado, como é, de resto, consentâneo com a natureza jurídica das taxas.”
DD) E refere Rocha Andrade que “se o critério de determinação do valor não tiver conexão com o facto gerador da taxa, há um elemento da taxa que não está coberto pela bilateralidade e, portanto, o tributo tem um elemento de prestação coativa unilateral – ou seja, tem um elemento de imposto. Se não tiver sido criado por lei, é inconstitucional.”
EE) Dizendo, ainda, que “deve assim afirmar-se que o “benefício auferido pelo particular” da atividade da administração tem que resultar efetivamente dessa atividade, fundar-se no valor próprio dessa atuação, e não confundir-se com o benefício auferido pelo particular da sua própria atividade, ainda que só possa exercê-la com autorização de uma entidade pública.”
FF) Pelo que parece ficar evidente que, ao contrário do tributo analisado no Acórdão de 2014, não existe no presente caso qualquer contraprestação ou bilateralidade, não havendo prestação, sequer presumida, de qualquer serviço; não havendo, também, qualquer ocupação de espaço público, nem havendo qualquer remoção de obstáculo.
GG) E, assim, fica evidente que estamos no nosso caso concreto perante verdadeiras e próprias “contribuições/impostos” e não “taxas”, não criadas por lei, logo sendo a norma em causa inconstitucional, violando os artigos 103.º e 165.º da Constituição
HH) Mas mais, a Recorrente entende ainda que a norma constante do referido artigo 21.º, n.º4, viola os princípios da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, e da justiça - artigo 266º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que existe uma clara desproporcionalidade – um claro e irrazoável excesso – entre os custos e benefícios, bem como uma incerteza – que leva à arbitrariedade – sobre as pessoas (singulares ou coletivas) a quem aqueles custos podem ser imputados.
II) Na verdade, se hipoteticamente partíssemos do princípio que o tributo em questão é uma taxa, como tal sujeita ao princípio da equivalência relativamente ao seu montante, sempre se verificaria uma situação de desproporção manifesta entre o respetivo valor e o custo do serviço assegurado pela Recorrida
JJ) Mesmo admitindo-se – o que não se faz – que existia alguma bilateralidade na prestação de um presumido serviço de fiscalização ou na remoção de um obstáculo de âmbito ambiental pela atividade com relevo sobre o espaço público, o serviço teria sempre o mesmo custo independentemente dos m3 dos depósitos!!!
KK) Sendo que, ainda para mais, o Município já cobra ao Recorrente taxas de licenciamento do posto de abastecimento e outras várias taxas por todos os restantes equipamentos que se incluem no posto (cfr. arts. 20.º e 21.º/1, 2 e 3 Tabela de Taxas, isto é, este encargo aqui em causa não é o único cobrado pelo município pela atividade de exploração do posto de combustível!
LL) Ou seja, a totalidade dos encargos que incidem sobre o proprietário dos postos de abastecimento de combustível é totalmente desproporcional.
MM) A forma de interpretar a norma de incidência tributária – isto é – de admitir que possa ser aplicada a depósitos que estejam somente em propriedade privada – é manifestamente injusta, desproporcional e violadora do princípio da proibição do excesso.
NN) E da Doutrina (Jorge Miranda / Rui Medeiros) feita sobre este principio, decorre que o critério encontrado pelo Recorrido para fixar o montante das taxas a pagar, nos termos do artigo 21.º, n.º 4, baseando-se única e exclusivamente na mera existência de um depósito para armazenamento de produtos de petróleo, já de si constitui uma total desproporção, que compromete a correspondência que deverá sempre existir entre o serviço prestado (o licenciamento) e a utilidade que a entidade que explora os postos retira, desde logo porque se impõe uma taxa sem qualquer tipo critério através do qual se possa medir qual o concreto e efetivo beneficio que se visa alcançar para o interesse público – desde logo as fiscalizações não o são, porque podem nem sequer existir.
OO) Também com base nos ensinamentos de Jorge Novais, a cobrança de uma taxa somente pela existência de um depósito – ainda para mais em propriedade privada(!) – não é a adequada para assegurar o fim de interesse público que supostamente se visa atingir; não é indispensável e excede o que seria razoável em relação aos objetivos a prosseguir.
PP) Mas excede, também, os limites da razoabilidade, justamente porque não é factualmente permitido a quem é onerado com esta suposta taxa permitir o controlo da destrinça sobre os efetivos custos e benefícios que da sua aplicação advêm.
QQ) E, portanto, a ratio legis desta norma não poderá dispensar esta análise factual e económica em que chegaremos à conclusão que é manifestamente desproporcional, completamente alheio e excessivo, até desta perspetiva da utilidade para o operador do posto, ter que pagar uma taxa pelo licenciamento de depósitos que estão na sua propriedade.
RR) É esta proibição do excesso, a falta de razoabilidade resultante da liquidação das taxas pelos depósitos em propriedade privada que se verifica no caso e que impõe a conclusão de qua há violação do princípio constitucional da proporcionalidade e da justiça.
SS) Entende-se, também, que a interpretação feita pelo Tribunal a quo, está na verdade a violar a liberdade de iniciativa económica da Recorrente: o Requerido não permite que a Recorrente goze da liberdade de estabelecimento que lhe é assegurada pela Constituição da República Portuguesa, sem qualquer restrição, uma vez que existem graves prejuízos para a própria eficiência económica.
TT) Isto é, a Recorrente decide abrir o seu posto de abastecimento de combustível, adquirindo para isso um terreno, que passa a ser seu de pleno direito e titulado com o maior dos direitos reais – o direito de propriedade. Contudo, esse estabelecimento da sua atividade naquele terreno é restringido pelo Recorrente, através da aplicação das taxas ora em crise.
UU) E, seguindo os ensinamentos de Gomes Canotilho / Vital Moreira, chegamos à conclusão de que a taxação de depósitos em propriedade privada implica também uma restrição abusiva à iniciativa económica privada proibida pela Constituição, enquanto restrição à liberdade de estabelecimento e de atividade da empresa privada – desde logo porque existe uma interferência por parte de uma entidade pública, sem que para isso haja qualquer legitimação á luz do principio da proporcionalidade, único que o poderia fazer.
VV) Assim, entendemos que se encontra verificada a inconstitucionalidade desta norma em que o Recorrido e o Tribunal a quo se baseiam para praticar e manter o ato de liquidação da taxa impugnada, isto é, concluímos pela inconstitucionalidade da norma contida no número 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas e respetivas fórmulas de cálculo que consta como Anexo I ao Regulamento de Permissões Administrativas, Taxas e Outras Receitas do Município de Oeiras (Regulamento n.º 364/2012, publicado em DR, 2.ª Série, n.º 157, em 14/08/2012, págs. 28716 a 28977).
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., se requer que seja determinada a inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas do Município de Oeiras, por violação das normas e princípios constitucionais acima mencionados, como é de Lei e de Justiça!»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
7. A questão de constitucionalidade que cabe decidir no âmbito do presente recurso é a de saber se o tributo de 5,09 euros por mês incidente sobre o metro cúbico de «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)» situado em propriedade privada, nos termos do n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras (referida adiante pela sigla «TTMO»), constitui uma verdadeira taxa, legitimamente criada ao abrigo da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, referido adiante pela sigla «RGTAL») ou se, pelo contrário, não constituindo uma taxa, invade a reserva de lei parlamentar consagrada nos artigos 103.º, n.º 3 e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
A taxa é um tipo de tributo que se caracteriza, nas palavras do Acórdão n.º 539/2015, por ser uma «prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática.» A prestação administrativa em contrapartida da qual o respetivo beneficiário ou causador é tributado pode traduzir-se – lê-se aí – «na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).»
O tributo em causa no presente recurso não pode seguramente ser concebido como contrapartida da utilização de um bem do domínio público, na medida em que incide, de modo idêntico, sobre depósitos de armazenamento subterrâneo de combustíveis localizados no domínio público ou em propriedade privada; na verdade, não distinguindo, quanto à incidência objetiva, entre propriedade privada do município e propriedade privada do sujeito passivo, não pode sequer ser concebido como contrapartida da utilização de um bem municipal no mais amplo sentido possível do termo. Resta saber se o tributo pode ser caracterizado como contrapartida de uma outra modalidade de prestação administrativa efetivamente aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo, como seja a prestação de um serviço público ou a remoção de um obstáculo jurídico.
8. A decisão recorrida, que reconheceu natureza comutativa ao tributo, baseia-se essencialmente no Acórdão n.º 316/2014. Nesse aresto, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a natureza de um tributo municipal incidente sobre equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados em propriedade privada, tendo concluído que o mesmo se situava ainda dentro dos limites do conceito constitucional de taxa.
Para fundamentar tal juízo, o Tribunal argumentou sob dois pontos de vista distintos.
Por um lado, o de que o tributo podia ser caracterizado como contrapartida de uma atividade administrativa gerada pela instalação de postos de abastecimento de combustíveis, ainda que em propriedade privada, em virtude do dever permanente e específico de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis imposto pela lei aos municípios. Segundo esta perspetiva, o tributo constituía contrapartida de um serviço público provocado pelo sujeito passivo, que se traduzia numa pluralidade de prestações administrativas cuja efetividade pode ser presumida a partir do dever legal dos municípios de fiscalização da atividade que aquele exerce:
«Atento o dever legal permanente e específico de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis – das instalações e equipamentos e do respetivo funcionamento e utilização – previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, com referência ao “Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis”, imposto às câmaras municipais, não se afigura razoável exigir que estas, para poderem cobrar uma taxa, tenham de fazer prova de todas e de cada uma das ações realizadas em cumprimento de tal dever. Certo é que o cumprimento deste dever - e a responsabilidade associada à sua existência - não está na disponibilidade dos municípios. É a lei que exige a ação continuada de vigilância com carácter preventivo, sem prejuízo de ações pontuais e formais de fiscalização (...). Esta ação continuada de vigilância corresponde ao cumprimento de lei imperativa e traduz o ‘funcionamento normal do serviço’. E a imposição do dever funcional correspondente - um dever de vigilância - traduz-se na assunção de certa responsabilidade. É assim que o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, prevê no seu artigo 10.º, n.º 3, a presunção de culpa leve – que é condição suficiente da responsabilidade exclusiva do ente público – ‘sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância’.
Em suma, o dever legal de fiscalização dos postos de abastecimento de combustíveis por parte das câmaras municipais cria uma presunção suficientemente forte no sentido de que a simples localização daqueles postos em determinada circunscrição concelhia é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município correspondente, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem. (...).
Aliás, estes sabem bem e à partida que, por força da lei, a existência de postos de abastecimento de combustíveis “não localizados nas redes viárias regional e nacional” obriga os municípios em cuja circunscrição se localizem a uma ação de vigilância permanente, de modo a verificar o cumprimento permanente dos requisitos técnicos específicos desse tipo de instalações, e que vão para além das vistorias previstas e inspeções periódicas. Com efeito, a fiscalização prevista no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, não se esgota nas ações previstas no artigo 22.º do mesmo diploma nem se confunde com o cumprimento do dever geral de polícia. Assim, tal ação fiscalizadora pode ser tida como efetivamente provocada (e, em certo sentido, também aproveitada) apenas pelos proprietários dessas instalações, justificando-se, por conseguinte, o pagamento de uma compensação.
Na verdade, conforme referido no artigo 3.º do RGTAL, “as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local”. No caso vertente é razoável e forte a presunção, feila a partir da natureza dos postos de abastecimento de combustíveis e dos deveres legais de fiscalização que incumbem às câmaras municipais (factos indiciários), da existência de uma atividade de vigilância permanente por parte dos serviços camarários dirigida àquele tipo de instalações e ao seu modo de funcionamento. (...).
A implantação dos mesmos postos] “inteiramente” em propriedade privada ou em terrenos do domínio público municipal é, para este efeito, irrelevante, já que os riscos e a vigilância legalmente exigida são idênticos nas duas situações. O que releva é o tipo de instalação e não a natureza privada ou pública onde a mesma se encontra implantada. Mais: essa atividade de vigilância é, pela peculiaridade dos requisitos técnicos que visa controlar, exclusivamente imputável às ditas instalações. Nos municípios em que não se localizem lais postos de abastecimento [ou instalações de armazenamento de combustíveis], não há lugar a tal ação de vigilância».
Por outro lado, o Tribunal entendeu que o tributo podia ser caracterizado como contrapartida da permissão do exercício da atividade de exploração de postos de abastecimento de combustíveis, em virtude da qual o município se obriga perante o sujeito passivo a tolerar uma atividade que interfere a título permanente no gozo de determinados bens públicos, como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego. Segundo esta perspetiva, baseada no Acórdão n.º 177/2010, que caracterizou como taxa um tributo incidente sobre a afixação de painéis publicitários em propriedade privada, o tributo constituía a contrapartida da remoção de um obstáculo jurídico à atividade exercida pelo sujeito passivo, através da qual o município se vinculava a uma prestação administrativa de facto negativo:
«Considerando conjuntamente todos estes aspetos, a interrogação que se pode formular é a de saber se um município, obrigado a suportar permanentemente no seu espaço público interferências decorrentes de uma atividade económica sujeita a procedimentos públicos de licenciamento previstos em legislação especial e igualmente aplicável à Administração municipal e à Administração central, que, todavia, não considera nem faz relevar tais impactes negativos para efeitos de fixação das taxas aplicáveis, pode, por sua iniciativa, e em ordem à prossecução das suas atribuições nos domínios afetados pela atividade licenciada, tributá-la, tomando como referência as licenças previamente atribuídas. Noutros termos: será que a «remoção do obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» a que se refere o artigo 3.º do RGTAL, como pressuposto das taxas, é necessariamente específico de uma dada taxa, ou pode ser comum e, por conseguinte, valer para outras taxas conexionadas com dimensões da atividade licenciada não consideradas na fixação da taxa que remove o obstáculo jurídico em causa?
(…).
No Acórdão n.º 177/2010 este Tribunal entendeu que “a constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário”. Mas, como mencionado pelo Tribunal Central administrativo Sul, também aí se considerou que “findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da atividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença. Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários”.
Ora, a grande diferença no caso sujeito é que a taxa a aplicar nos termos do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008 pressupõe já o benefício da remoção do obstáculo jurídico, isto é, a licença de exploração de postos de abastecimento de combustíveis. O que aquela taxa vem valorar é, no quadro de tal licenciamento, aspetos ainda nele não considerados, uma vez que o licenciamento em causa é determinado por lei especial que não tem de tomar em linha de consideração a especificidade dos interesses municipais. Será que, por ser assim, fica a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, desprovida de uma estrutura bilateral?
A resposta deve ser negativa, uma vez que o licenciamento dos postos de abastecimento de combustíveis nos termos do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, removendo embora um obstáculo jurídico, não toma – e, em rigor, nem pode tomar, atento o princípio da autonomia das autarquias locais - em consideração a obrigação passiva do Município de Sintra de se conformar com a influência modeladora da atividade licenciada. E este deve ser o aspeto decisivo: existe um comportamento sujeito a licenciamento que constitui aquele Município numa dada obrigação de suportar impactes negativos da atividade licenciada que pura e simplesmente não são considerados na licença. E a taxa em causa é a contrapartida específica de tal obrigação passiva. Não ocorre dupla tributação, uma vez que a mesma obrigação pura e simplesmente não é considerada nas taxas a pagar por ocasião da emissão ou renovação da licença. Também aqui deve valer a ideia de que as taxas do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro não consomem a taxa do artigo 70.º, n.º 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, uma vez que se reportam a contrapartidas diferentes.»
9. O Acórdão n.º 316/2014, tirado em Plenário com cinco votos de vencido e uma declaração de voto, constitui o “marco geodésico” do conceito de taxa na jurisprudência constitucional. Com efeito, nesse aresto o Tribunal admitiu dois alargamentos significativos do conceito tradicional de taxa.
Por um lado, admitiu que a prestação de um serviço público possa ser presumida a partir de um dever legal específico e permanente de fiscalização da atividade tributada. A este respeito, importa notar que as prestações administrativas em que se traduz a observância de tal dever de fiscalização não correspondem a atos ou comportamentos especificamente previstos na lei – como a apreciação do pedido de licenciamento, as vistorias técnicas prévias ou posteriores ao licenciamento ou a emissão do alvará de utilização –, os quais constituem fundamentos de tributação autónoma, segundo o previsto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro. Constituem, pelo contrário, todo o universo – residual e potencial – de atos de fiscalização praticados em observância do dever genérico imposto aos municípios pelo artigo 25.º daquele diploma. De resto, a habilitação legal invocada para a criação destes tributos sobre postos de abastecimento de combustíveis não é qualquer disposição do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, mas o artigo 6.º do RGTAL, que delimita as categorias de incidência objetiva das taxas municipais.
Por outro lado, o Tribunal admitiu, na linha do decidido no Acórdão n.º 177/2010, que a mera inação administrativa em face de uma atividade que interfere no gozo de determinados bens públicos – como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego – possa consubstanciar uma contrapartida da respetiva tributação, satisfazendo o requisito, essencial ao conceito de taxa, de bilateralidade ou comutatividade. Ao fazê-lo, incluiu no domínio das taxas por remoção de um obstáculo jurídico todo o vasto conjunto das prestações de “deixar fazer” que constituem objeto das obrigações ditas de pati. Segundo este entendimento, o obstáculo jurídico removido é o direito municipal de gozo exclusivo daqueles bens, por analogia com a situação do proprietário que, mediante contrapartida pecuniária, se obriga perante terceiro a consentir na interferência no gozo do seu bem; ou ainda com a situação do proprietário ao qual a lei impõe excecionalmente uma obrigação dessa natureza – por exemplo, caso se verifique um estado de necessidade –, ao mesmo tempo que lhe atribui o direito a uma compensação pelos prejuízos sofridos.
Foi com base nesse conceito alargado ou amplo de taxa, e na pretensa analogia entre o tributo municipal sobre os postos de abastecimento de combustíveis apreciado no Acórdão n.º 316/2014 e o tributo sobre o armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos) no Município de Oeiras, que o tribunal a quo considerou ser de reconhecer a este último a natureza de taxa. Todavia, ainda que se admita – arguendo – aquele conceito, as diferenças entre os dois tributos, diferenças essas que a decisão recorrida não relevou, justificam plenamente juízos divergentes quanto à sua natureza.
O tributo apreciado no Acórdão n.º 316/2014 incidia sobre a titularidade de «equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos», fixando um valor por cada unidade de abastecimento e um valor suplementar variável consoante os equipamentos estivessem instalados em domínio público ou em propriedade privada. O tributo criado pelo Município de Oeiras, por outro lado, insere-se numa constelação tributária em matéria de «unidades de abastecimento de combustível e tomadas de ar» que compreende vários tributos incidentes sobre diferentes parcelas ou equipamentos de um posto de abastecimento de combustíveis. O elenco desses tributos está contido no artigo 21.º da TTMO, com o seguinte teor:
Artigo 21.º
Unidades de Abastecimento de Combustível e Tomadas de Ar
(Lei n.º 53-E/2006, de 29/12, artigo 6.º)
1 – Instalados em domínio público
a) Por bomba e por mês
b) Ao disposto na alínea anterior acresce, por cada espécie de carburante, mais 50%
do valor base
c) Edifício de apoio/espaço comercial, por m2 e por ano
d) Área de lavagem, por m2 e por ano
e) Ocupação do espaço público, por m2 e por ano
2 – Instaladas em domínio privado
a) Por bomba e por mês
b) Unidades ou tomadas de ar ou água, por unidade e por mês
3 – Bombas volante, por unidade e por mês
4 – Armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos), por m3 e por mês
A desagregação da «unidade de abastecimento de combustível» em diversos componentes, sobre os quais incidem tributos autónomos, torna inviável a transposição para este caso dos fundamentos do Acórdão n.º 316/2014. Com efeito, quer o dever de fiscalização municipal da atividade, quer a obrigação de suportar os respetivos inconvenientes, reportam-se necessariamente à unidade funcional constituída pelas diversas partes. O dever de fiscalização do município tem por pressuposto a instalação e por referente a operação de um posto de abastecimento de combustível, e não de qualquer parte específica do mesmo, como uma bomba, uma tomada ou um depósito. E a interferência no gozo de determinados bens públicos, nomeadamente ambientais e urbanísticos, decorre da unidade de abastecimento, sem que seja possível discernir o contributo relativo de cada componente para esse efeito. Não é absurdo presumir que os custos administrativos da fiscalização municipal e da obrigação de suportar a atividade cresçam na proporção da dimensão da unidade de abastecimento, seja ela definida em termos de área ocupada ou de número de equipamentos do mesmo tipo; mas já é arbitrária e ininteligível a segregação e quantificação de diversas partes integrantes da unidade, como seria a atribuição de importância relativa a cada família de instrumentos musicais numa orquestra sinfónica, a decomposição do preço de um bilhete de teatro pelas várias personagens da peça ou a quantificação do contributo para a saúde individual de cada um dos órgãos do corpo humano. Não há, na verdade, nenhuma prestação administrativa, ainda que meramente hipotética, específica e comprovadamente associada à componente «depósitos subterrâneos» de uma unidade de abastecimento de combustíveis. Na medida em que pretenda revestir forma comutativa, um tributo com tal incidência objetiva não pode deixar de se ter por arbitrário; a prestação administrativa não chega a ser presumida, sendo simplesmente ficcionada.
Esta conclusão é reforçada pela análise da «fundamentação económico-financeira» incluída na TTMO. Segundo a mesma, o tributo tem dois fundamentos: «o benefício obtido com a ocupação de um espaço público» e o «objetivo de racionalizar a proliferação destas ocupações».
Quanto ao primeiro – a ocupação de um espaço público –, é manifesto que não se aplica aos casos em que os equipamentos estão situados em propriedade privada (ou, pelo menos, em propriedade não-municipal), sendo certo que o regime do tributo nem sequer distingue uns e os outros casos para efeitos de determinação dos montantes a pagar. Isto, está claro, se por «espaço público» não se entender qualquer espaço, independentemente da sua titularidade, «aberto ao público»; mas tal conceito não tem qualquer conexão relevante com o de prestação administrativa aproveitada ou causada pelo sujeito passivo da relação tributária, pelo que é, por essa razão, insuscetível de traduzir a comutatividade própria das taxas.
Quanto ao segundo fundamento – a racionalização da atividade –, trata-se do que habitualmente se designa de «objetivo extrafiscal», no sentido em que um tributo é criado, não com o propósito exclusivo de angariar receita, mas com o fito de dissuadir a aquisição de determinados bens ou o ingresso em determinadas atividades reputadas indesejáveis ou lesivas de interesses difusos. Ora, um tributo cuja finalidade exclusiva é a de orientar comportamentos não é, por definição, um tributo comutativo, visto que não é cobrado como contrapartida de uma prestação administrativa aproveitada ou provocada pelo sujeito passivo.
Por tudo quanto se disse, impõe-se a conclusão de que o tributo sobre o «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)», criado pelo n.º 4 do artigo 21.º da TTMO, não constitui uma taxa.
10. Firmada a conclusão de que o tributo aqui apreciado não é uma taxa – por lhe faltar a qualidade essencial da comutatividade –, pode o mesmo, ainda assim, constituir uma contribuição e não um imposto. De facto, está perfeitamente estabilizada na jurisprudência do Tribunal Constitucional posterior à revisão constitucional de 1997 a conceção tripartida e gradativa dos tributos públicos – por ordem decrescente de bilateralidade: taxas, contribuições e impostos –, sintetizada do seguinte modo no Acórdão n.º 539/2015:
«O imposto constitui uma prestação pecuniária, coativa e unilateral, exigida com o propósito de angariação de receitas que se destinam à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, e que, por isso, tem apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais. O que permite compreender que os impostos assentem essencialmente na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, revelada através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). A taxa constitui uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública, em contrapartida de prestação administrativa efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, assumindo uma natureza sinalagmática. A taxa pressupõe a realização de uma contraprestação específica resultante de uma relação concreta entre o contribuinte e a Administração e que poderá traduzir-se na prestação de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária).
A taxa tem igualmente a finalidade de angariação de receita. Mas enquanto que nos impostos esse propósito fiscal está dissociado de qualquer prestação pública, na medida em que as receitas se destinam a prover indistintamente às necessidades financeiras da comunidade, em cumprimento de um dever geral de solidariedade, nas taxas surge relacionado com a compensação de um custo ou valor das prestações de que o sujeito passivo é causador ou beneficiário. Assim, ‘a bilateralidade das taxas não passa apenas pelo seu pressuposto, constituído por dada prestação administrativa, mas também pela sua finalidade, que consiste na compensação dessa mesma prestação. Se a taxa constitui um tributo comutativo não é simplesmente porque seja exigida pela ocasião de uma prestação pública mas porque é exigida em função dessa prestação, dando corpo a uma relação de troca com o contribuinte’ (Sérgio Vasques, em ‘Manual de Direito Fiscal’, pág. 207, ed. de 2011, Almedina).
Entretanto, a revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em ‘Constituição da República Portuguesa Anotada’, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em ‘As taxas e a coerência do sistema tributário’, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora).
Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa.
Como sublinha Cardoso da Costa, a este propósito, por via dessa autonomização, o teste da bilateralidade, no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa, deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos duvidosos ou ambíguos quanto à natureza do tributo; e deixou de poder manter-se, também, a orientação jurisprudencial que tendia a qualificar como imposto, mormente para efeito da aplicação do correspondente regime de reserva parlamentar, as receitas parafiscais que não pudessem ser qualificadas tipicamente como taxas (em ‘Sobre o Princípio da Legalidade das Taxas e das demais Contribuições Financeiras’, in «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcelo Caetano», vol. I, pág. 806-807, ed. de 2006, Coimbra Editora; sobre a jurisprudência mencionada, cfr. o acórdão do o Tribunal Constitucional n.º 152/2013).»
Ora, atentas as diferenças de regime constitucional, em matéria de competência para a respetiva criação, entre contribuições e impostos, pode porventura ser-se levado a pensar que a eventual qualificação do tributo em causa nos presentes autos como contribuição é suficiente para evitar um juízo de inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 4 do artigo 21.º da TTMO.
Porém, tal conclusão revela-se inexata, pelas razões aduzidas no recentíssimo Acórdão n.º 848/2017, no qual o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas respeitantes à criação, pelo Município de Lisboa, da denominada Taxa Municipal de Proteção Civil.
Como se escreveu nesse aresto:
«[O] tributo em apreço encontra-se previsto exclusivamente num regulamento municipal habilitado por uma lei que apenas prevê a aprovação de taxas (o RGTAL). Deste modo, e tal como já afirmado no Acórdão n.º 581/2012, “[…] uma vez que inexiste qualquer outro diploma legal que contenha uma habilitação genérica para a aprovação pelos municípios de outro tipo de tributos, das duas uma: ou o tributo [em análise] se pode reconduzir ao conceito de «taxa» consagrado no citado RGTAL, e, por conseguinte, aquele preceito regulamentar não é inconstitucional; ou, diversamente, correspondendo o [mesmo] tributo a um «imposto» ou a uma «outra contribuição tributária com contornos paracomutativos», o mesmo preceito não poderá deixar de ser tido como incompatível com o artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição […]”, designadamente por violação da reserva de lei parlamentar.
É certo que, no Acórdão n.º 539/2015, o Tribunal afastou a existência de uma reserva de lei parlamentar relativamente a toda a matéria das contribuições (“[c]onfiguram-se assim dois tipos de reserva parlamentar: um relativo aos impostos, que abrange todos os seus elementos essenciais, incluindo a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (artigo 103.º), outro restrito ao regime geral, que é aplicável às taxas e às contribuições financeiras, e relativamente às quais apenas se exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais e, portanto, sobre um conjunto de diretrizes orientadoras da disciplina desses tributos que possa corresponder a um regime comum. Com esta alteração deixou de fazer qualquer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar, passando o regime destas a estar equiparado ao das taxas. O princípio da legalidade, relativamente às contribuições financeiras, tal como o das taxas, apenas exige que o parlamento legisle ou autorize o governo a legislar sobre as regras e princípios gerais comuns às diferentes contribuições financeiras, não necessitando de uma intervenção ou autorização parlamentar para a sua criação individualizada, enquanto que, relativamente a cada imposto, continua a exigir-se essa intervenção qualificada, a qual deve determinar a sua incidência, a sua taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”).
Segundo esta linha de argumentação, que aqui se reitera, é inútil decidir se o tributo em causa nos presentes autos constitui uma contribuição ou um imposto, na medida em que tal qualificação não interfere no juízo de que o Município de Oeiras invadiu a reserva parlamentar, viciando a norma do n.º 4 do artigo 21.º do TTMO de inconstitucionalidade orgânica.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, o n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais que consta do Anexo I ao Regulamento n.º 364/2012, de 11 de junho, do Município de Oeiras, com o sentido de que o metro cúbico de «armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos)» situado em propriedade privada é tributado no valor mensal de 5,09 euros.
b) Em consequência, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 4 de julho de 2018 - Gonçalo Almeida Ribeiro - Maria José Rangel de Mesquita (com declaração) - José Teles Pereira - Lino Rodrigues Ribeiro - Joana Fernandes Costa - João Pedro Caupers - Maria de Fátima Mata-Mouros - Fernando Vaz Ventura (vencido, pelas razões constantes da declaração de voto do Sr. Conselheiro Pedro Machete, para que remeto) - Catarina Sarmento e Castro (vencida, nos termos da declaração de voto junta) - Maria Clara Sottomayor (vencida de acordo com a declaração que junto) - Pedro Machete (vencido quanto ao conhecimento e quanto ao mérito, conforme declaração junta) - Manuel da Costa Andrade (vencido nos termos da declaração de voto junta)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Subscreve-se o sentido decisório do presente Acórdão exatos nos termos da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 33/2018, da 3.º Seção, segundo a qual se acompanhou então o sentido decisório deste Acórdão, não obstante termos subscrito o Acórdão do Plenário n.º 316/14, na medida em que a desagregação ou segmentação da unidade de abastecimento de combustível em diversos componentes - entre os quais o previsto na concreta norma sindicada («Armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos))» -, não permite de modo evidente estabelecer a «presunção suficientemente forte», admitida naquele Acórdão (para a unidade funcional), da contrapartida da prestação de um serviço público segmentado em razão do específico componente objeto do tributo.
Maria José Rangel de Mesquita
DECLARAÇÃO DE VOTO
Fiquei vencida.
Votei, anteriormente, o Acórdão n.º 316/2014, cujo sentido decisório e fundamentos entendo que se estendem ao julgamento da norma a que se refere o presente processo, convocando ponderações perfeitamente transponíveis para o caso em apreciação. Isso mesmo havia já considerado este Tribunal, através da Decisão Sumária n.º 305/2017, que aplicou a jurisprudência do referido acórdão, e decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 21.º, n.º 4, da Tabela de Taxas e Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras (em vigor para o ano de 2015) segundo a qual o tributo de € 5,09 por m3 e por mês de armazenamento de produtos de petróleo (depósitos subterrâneos) também se aplica aos depósitos instalados em propriedade privada, entendimento que partilho.
Catarina Sarmento e Castro
DECLARAÇÃO DE VOTO
O presente Acórdão pronunciou-se sobre a constitucionalidade da norma consagrada no artigo 21.º, n.º 4, da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras, relativa ao armazenamento de produtos de petróleo em depósitos subterrâneos, decidindo que tal norma é inconstitucional, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 103.º e na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
O Acórdão, que fez vencimento, para o efeito de distinguir o tributo do caso dos autos do tributo apreciado no Acórdão n.º 316/2014, que se pronunciou sobre a constitucionalidade de um tributo que incidia sobre o posto de estabelecimento de combustíveis, socorreu-se de uma visão do depósito subterrâneo como uma parte de uma unidade funcional de abastecimento de combustíveis, entendendo que as unidades de abastecimento de combustíveis e tomadas de ar desagregam-se em diversos componentes sobre os quais incidem tributos autónomos, correspondendo ao armazenamento de produtos de petróleo em depósitos subterrâneos, ainda que situados em propriedade privada, o tributo de x por m2 e por mês.
Em vez de questionar o alargamento da noção de taxa consagrado no Acórdão n.º 316/2014, a tese vencedora refugiu-se na distinção entre unidade do posto de abastecimento e partes de um todo, para considerar inaplicável a orientação adotada na jurisprudência do Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 316/2014.
Contudo, trata-se de uma estratégia ou de um artifício usado como argumento ou elemento da fundamentação, mas que não tem relevo para o efeito de concetualizar o tributo em causa como taxa ou imposto, sendo aqui aplicável, do mesmo modo, a orientação jurisprudencial adotada no Acórdão n.º 316/2014 e nas Decisões Sumárias n.ºs 890/2017 e 305/2017.
A implantação de depósitos subterrâneos de petróleo, ainda que em propriedade privada e constituindo uma parte de um posto de combustíveis, constitui uma atividade com riscos para a saúde e segurança das pessoas, representando uma fonte de poluição, em especial para o gozo de bens públicos, como o ambiente, a água, solo e subsolo nas suas imediações, que exige às autarquias uma atividade fiscalizadora permanente e específica, de vigilância ou de prevenção de danos, bem como a sua responsabilização perante terceiros em caso de acidente, sendo indiferente se existe uma taxa única sobre o estabelecimento ou várias taxas parcelares relativa a cada uma das suas componentes e de acordo com o grau de perigosidade de cada uma delas.
Pelo que, a meu ver, está verificado o requisito da comutatividade/bilateralidade entre a taxa devida e o serviço a prestar pelo município, verificando-se uma presunção suficientemente forte e razoável entre os riscos destes depósitos de armazenamento de petróleo e os deveres de fiscalização das câmaras municipais.
Maria Clara Sottomayor
DECLARAÇÃO DE VOTO
1.º Quanto ao conhecimento
Conforme resulta do final da transcrição da sentença proferida pelo TAF de Sintra nos presentes autos, esta última pronunciou-se sobre a seguinte norma: o tributo previsto no n.º 4 do artigo 21.º da Tabela de Taxas, Licenças e Outras Receitas Municipais do Município de Oeiras (“TTMO”) pelo armazenamento de produtos de petróleo em depósitos subterrâneos. E, de acordo com a mesma sentença, tal norma não é inconstitucional, uma vez que consagra uma taxa (cfr. a parte final do n.º 2 do presente acórdão). E esse foi o objeto de idêntico juízo negativo de inconstitucionalidade formulado pela Decisão Sumária n.º 305/2017 – a decisão-fundamento nos presentes autos. Nas duas decisões em apreço considerou-se apenas a tributação incidente sobre o armazenamento de produtos de petróleo em depósitos subterrâneos, tal como prevista nos termos literais do artigo 21.º, n.º 4, da TTMO, entendendo-se ser aplicável no caso, por identidade de razões, a jurisprudência do Acórdão n.º 316/2014 referente aos postos de abastecimento de combustíveis.
Sucede que o Acórdão n.º 33/2018 – o acórdão recorrido nos presentes autos –, embora sem o explicitar no seu dispositivo, entendeu que o mesmo preceito da TTMO – o artigo 21.º, n.º 4 – deveria ser objeto de uma interpretação que privilegiasse o elemento sistemático, alcançando, desse modo, um resultado hermenêutico, segundo o qual o depósito subterrâneo é perspetivado como componente de um todo mais amplo: o posto de abastecimento de combustíveis. Para o efeito, desagregou a unidade funcional em diversos componentes e considerou autonomamente a tributação incidente sobre cada um deles. A consequência relativamente ao n.º 4 do artigo 21.º da TTMO foi a seguinte interpretação normativa: as unidades de abastecimento de combustíveis e tomadas de ar desagregam-se em diversos componentes sobre os quais incidem tributos autónomos, correspondendo ao armazenamento de produtos de petróleo em depósitos subterrâneos, ainda que situados em propriedade privada, o tributo de x por m3 e por mês. Este resultado hermenêutico só foi possível considerando, juntamente com o n.º 4 do artigo 21.º da TTMO, os n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, de modo a concluir que está em causa a parte de um todo mais amplo, artificialmente desagregada para efeitos de tributação autónoma.
Ora, este entendimento de se estar perante a desagregação de uma unidade funcional mais ampla, destinada a justificar objetivamente uma série de tributações autónomas, é estranho à jurisprudência que antecede o mencionado Acórdão n.º 33/2018. Esta última considerou, como mencionado, apenas, e autonomamente, uma certa realidade sobre a qual incide um dado tributo autónomo (o posto de abastecimento de combustíveis, no caso do Acórdão n.º 316/2014; e o armazenamento subterrâneo dos produtos de petróleo, nas situações objeto da Decisão Sumária n.º 305/2017 e da sentença proferida pelo TAF de Sintra). A ideia de tomar como referente do tributo em análise o “depósito enquanto componente” é uma inovação hermenêutica do próprio Acórdão n.º 33/2018, que, por isso mesmo, se afasta do sentido interpretativo acolhido tanto na decisão-fundamento, como na própria decisão objeto do recurso a que o mesmo Acórdão concedeu provimento.
Inexiste, por conseguinte, a identidade normativa justificativa e legitimadora da prolação de uma decisão em sede de oposição de acórdãos, nos termos e para os efeitos, do artigo 75.º-D da LTC (sobre a exigência de tal identidade, v. os Acórdãos n.ºs 577/2015 e 281/2017).
Note-se, de resto, como no presente acórdão foi sentida a necessidade de, face ao silêncio do dispositivo do Acórdão n.º 33/2018, ir “buscar” à respetiva fundamentação a referência à localização dos depósitos subterrâneos em propriedade privada, de modo a aproximar a decisão recorrida da decisão-fundamento (a Decisão Sumária n.º 305/2017). A questão que esta reformulação do dispositivo suscita é a de saber o que leva a retirar da fundamentação do Acórdão n.º 33/2018 a referência à localização dos depósitos subterrâneos em propriedade privada, omitindo, do mesmo passo, a referência às ideias inovatórias da “desagregação em diversos componentes” e das “tributações autónomas”.
§ 2.º Quanto ao mérito
Por outro lado, a desagregação hermenêuticamente operada afigura-se puramente formal e artificial, já que, conforme resulta da legislação aplicável, nomeadamente do conceito legal de “posto de abastecimento de combustíveis” (cfr., por último, o artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, na redação atual; v., também, o artigo 3.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 87/2014, de 29 de maio), os diferentes componentes considerados pelo Acórdão n.º 33/2018 são indissociáveis: um equipamento ou instalação correspondente a um posto de abastecimento de combustíveis constitui uma universalidade de que fazem parte necessariamente, além das vias de acesso e de circulação e dos edifícios de apoio, as unidades de abastecimento (vulgo, “bombas de gasolina” com as respetivas mangueiras) e os reservatórios subterrâneos. Por ser assim, a eventual autonomização da tributação sobre os diferentes componentes é puramente formal. Com efeito, e sem prejuízo da especificidade e diferença dos riscos associados a cada componente e, bem assim, do distinto impacto visual, urbanístico e em termos de tráfego rodoviário, certo é que a mera existência de um posto de abastecimento de combustíveis é, por si só, condição suficiente da atividade fiscalizadora a desenvolver obrigatoriamente nos termos legais pelos municípios e, outrossim, da interferência permanente com o gozo de bens públicos como o ambiente, o ordenamento do território, o urbanismo ou a gestão do tráfego – as duas ordens de razões, que, de acordo com a jurisprudência do Acórdão n.º 316/2014, justificam a natureza sinalagmática da tributação municipal incidente sobre postos de abastecimento de combustíveis (como, aliás, é expressamente reconhecido tanto no Acórdão n.º 33/2018, como no presente acórdão).
Esta necessária unidade da contraprestação municipal – que é consequência da unidade das próprias instalações de abastecimento de combustíveis, atenta a indissociabilidade dos respetivos componentes – determina que a quantificação da tributação municipal incidente sobre mesma deva ser, por razões de objetividade, considerada globalmente: Não o fazer implica um afastamento da realidade material que se está a considerar para efeitos de tributação. Ou seja: se a simples localização de um posto de abastecimento de combustíveis na circunscrição de um dado município obriga este último a suportar determinados custos, em termos de se estabelecer uma relação comutativa entre aquela instalação e estes custos, então o que se deverá discutir é, não a comutatividade em si mesma – que, na linha da jurisprudência do Acórdão n.º 316/2014, existe sempre –, mas antes a proporcionalidade ou equilíbrio entre os custos de vária ordem suportados pelo município e o custo financeiro global por este imposto, a título de uma taxa única ou de várias taxas parcelares, ao titular do alvará do posto de abastecimento de combustíveis.
Deste modo, a menos que o presente acórdão pretendesse afastar a jurisprudência do Acórdão n.º 316/2014 – e não é isso que resulta da sua fundamentação (como, de resto, também não resultava da fundamentação do Acórdão n.º 33/2018) –, o mesmo deveria ter avaliado, do ponto de vista material, um eventual excesso do valor da taxa incidente sobre o armazenamento subterrâneo de produtos de petróleo, tendo em conta que ao respetivo valor se somam necessariamente os valores das taxas incidentes sobre outros componentes do posto de abastecimento de combustíveis autonomamente identificadas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 21.º da TTMO. Nessa perspetiva, o que está em causa, e importaria apreciar, é o quantum da tributação, e não a sua natureza jurídica.
Pedro Machete
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido.
Por um lado, não estou convencido de que o alojamento de depósitos subterrâneos de produtos petrolíferos não implique uma específica atividade pública de fiscalização e prevenção de riscos, legalmente imposta aos municípios, cuja contrapartida financeira constitui uma taxa.
Por outro lado, face à autorização constitucional de criação de taxas municipais pela fiscalização dos postos de combustíveis (cfr. Acórdão 316/2014), o facto de o apuramento do seu montante ter por referência os elementos componentes do posto não parece implicar a mutação da natureza do tributo, visando a equivalência entre a importância liquidada e os serviços prestados pela Administração.
Manuel da Costa Andrade