ACÓRDÃO N.º 132/2018
Processo n.º 725/2017
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José António Teles Pereira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – A Causa
1. Está na origem do presente recurso de constitucionalidade – um recurso interposto pelo Ministério Público nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante LTC) – uma providência cautelar requerida por A. contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (doravante, IMT), visando com tal procedimento a suspensão da deliberação do Conselho Diretivo do Requerido que determinou a interdição da atividade de empresa exploradora de escola de condução e a revogação da licença de instrutor. O processo correu os seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o n.º 1095/16.0BELSB-A (por apenso à ação administrativa n.º 1095/16.0BELSB). Por despacho da Senhora Juíza titular do processo, foi antecipado o conhecimento da causa principal, ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 1, do CPTA.
1.1. Constituiu antecedente da decisão administrativa impugnada a condenação do Requerente pela prática, no ano 2006, em coautoria material, de um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal (na redação anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, crime este que foi praticado no exercício da profissão de instrutor de condução (ficou provado no processo que o arguido recebeu de uma candidata certa quantia, com vista à facilitação da sua passagem na prova teórica do exame de condução). Ao Requerente não foi aplicada, pelo tribunal da condenação (penal), a pena acessória de proibição de exercício de função prevista no artigo 66.º do Código Penal – v. factos provados “A.”, “B.”, “C.”, “D.” e “E.”, a fls. 57.
1.2. O processo culminou na prolação de sentença, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, com o seguinte segmento decisório:
“[…]
I. Recusa-se a aplicação das normas ínsitas no artigo 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2 e no artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 da Lei n.º 14/2014, de 18 de março […], por serem normas materialmente inconstitucionais, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, determina-se a sua desaplicação ao caso concreto.
II. Julga-se procedente, por provada, a presente ação e declara-se a nulidade do ato impugnado com fundamento nas mesmas normas cuja aplicação se recusa por inconstitucional.
[…]”.
Os fundamentos de tal decisão foram os que ora se transcrevem:
“[…]
A Deliberação do Conselho Diretivo do IMT, I.P. de 6 de novembro de 2015, cuja nulidade vem peticionada determinou ao Autor:
‘1.º – a interdição do exercício da atividade de exploração de escola de condução pois pese embora o interessado já não ser sócio da B. Lda.’, deve ser impedido de integrar no futuro qualquer EC, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 14/2014, pelo menos, enquanto não decorrer o período de cinco anos fixado no n.º 2 do mesmo artigo;
2.º – a revogação da licença de instrutor n.º 2237-L de que é titular, só podendo requerer a emissão de novo título profissional decorridos cinco anos após a decisão definitiva.’
Vejamos.
A Lei n.º 14/2014, de 18 de março, que entrou em vigor em 16 de junho do mesmo ano, veio aprovar o regime jurídico do ensino da condução, regulando o acesso e o exercício da atividade de exploração de escolas de condução e das profissões de instrutor de condução e de diretor de escola de condução e a certificação das respetivas entidades formadoras.
Os artigos 15.º e 50.º, que subjazem ao ato impugnado, estabelecem que:
‘Artigo 15.º
Idoneidade
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, consideram-se inidóneas para o exercício da atividade de exploração de escolas de condução as empresas singulares ou coletivas, considerando-se neste último caso a situação dos respetivos sócios, gerentes ou administradores, que:
a) Estejam inabilitados, interditos ou suspensos do exercício da atividade do ensino da condução por decisão administrativa da qual não se possa recorrer ou por sentença condenatória transitada em julgado.
(…)
2 – As situações de inidoneidade previstas no número anterior caducam decorridos cinco anos após a decisão que as determinou, exceto se outro prazo for fixado por decisão ou sentença.’
Por sua vez o artigo 50.º, sob a epígrafe ‘Revogação do título profissional de instrutor’, determina que:
‘1 – O IMT, I.P., revoga o título profissional ao instrutor que:
a) (…)
b) Tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão.
2 – O titular de título profissional de instrutor revogado pode requerer a emissão de novo título profissional, decorridos cinco anos após a decisão definitiva de revogação, mediante a aprovação no exame a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º ou através de novo processo de reconhecimento de qualificações nos termos do artigo 48.º.’
Como resulta do probatório e da argumentação da Entidade Demandada, a prática do ato ora impugnado resulta da aplicação inelutável da lei que constitui competência do IMT, I.P., tendo este atuado, simplesmente, no âmbito do princípio da legalidade, sendo que nenhuma outra decisão a lei lhe permitia, estando vinculado legalmente à decisão que tomou, de interdição e de revogação do título profissional do Autor.
Assim consta da fundamentação do ato administrativo ora impugnado, levada ao probatório:
‘c) O Artigo 15.º desta lei considera inidóneas para exercer a atividade de exploração de escolas de condução as pessoas inabilitadas, interditas ou suspensas da atividade do ensino da condução por decisão administrativa definitiva ou por sentença condenatória transitada em julgado.
d) Ora, verificou-se que o requerido se encontra registado no sistema informático das escolas de condução (SIEC) como sócio gerente da sociedade ‘B., Lda.’, pelo que se entendeu que não poderia continuar a exercer a atividade, por falta do requisito de idoneidade, na sequência da condenação pelo crime de corrupção ativa previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, transitada em julgado.
e) Contudo, mesmo que o requerido já não possua essa qualidade, tendo saído da sociedade, a medida é válida, por necessidade de acautelar que, no futuro, o requerido venha a exercer a atividade de empresa exploradora de escola de condução, frustrando deste modo, a finalidade que a medida visa prosseguir.
f) O mesmo sucede com a revogação da licença de instrutor de que o requerido é titular. A redação do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 14/2014 é clara quando prevê que o «IMT,IP revoga o título profissional ao instrutor que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão» .
g) Face a este preceito não podem estes Serviços deixar de dar cumprimento à revogação da licença de instrutor cominada nesta disposição legal, pois a mesma tem natureza imperativa e impõe a revogação do título como exercício de um poder vinculado decorrente do facto de o crime pelo qual o requerido foi condenado ter sido praticado no exercício da profissão.
h) Neste caso a Administração não tem de pesar as circunstâncias nem a conveniência em praticar ou não a revogação da licença, uma vez que essa revogação decorre diretamente da condenação e é imposta por imperativo legal ao IMT, IP atenta a qualidade de órgão da administração pública responsável pela emissão das licenças de instrutor.” (cfr. M e N com sublinhado nosso).
Efetivamente, a solução para as questões relevantes que o Autor suscita na presente ação, por via da invocação dos princípios jurídicos da proporcionalidade e da justiça, pugnando ainda pela inconstitucionalidade da aplicação da lei ao caso concreto, deve ser procurada no quadro constitucional.
Na verdade, a questão substantiva em causa é a de que, pela deliberação de 6 de novembro de 2015, ora impugnada, o Autor ficará durante cinco anos, a contar da ‘decisão definitiva de revogação’, (ainda que, por hipótese, tal venha a ocorrer em 2017, o efeito inibitório durará até 2022), interdito e inibido do exercício da sua atividade profissional que é a base da sua subsistência e do seu agregado familiar.
Sendo que os factos pelos quais o Autor foi punido, com pena suspensa, foram praticados em 2006 e o Tribunal Criminal não lhe aplicou qualquer sanção acessória que afetasse a sua atividade profissional, (cfr. D e E).
Ora, a questão substantiva em causa decorrente da aplicação pelo IMT, IP dos artigos 15.º e 50.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, deve ser subsumida ao disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
O artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) preceitua que:
‘Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis profissionais ou políticos’.
A este propósito, tem vindo a pronunciar-se o Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade material de normas que têm como consequência, automática, sem qualquer mediação ponderadora numa condenação judicial ou numa decisão administrativa concreta, a impossibilidade temporária do exercício de um direito profissional (o direito de escolha de profissão e consequente exercício), ficando essas pessoas, ope legis, impedidas de exercer na plenitude os direitos decorrentes da sua profissão.
A titulo meramente exemplificativo, refira-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 282/1986, publicado na I Série do D.R. de 1986-11-11, e o Acórdão n.º 154/2004, de 2004-03-16, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98, de 19 de agosto, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, e no qual se concluiu:
‘11.Conclui-se, assim, que a norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 263/98, ao determinar que se considerem “não idóneas, durante um período de três anos após o cumprimento da pena, as pessoas que tenham sido condenadas em pena de prisão efetiva igual ou superior a 3 anos, salvo reabilitação”, tem como consequência, automaticamente, sem qualquer mediação ponderadora numa condenação judicial ou numa decisão administrativa concreta, a impossibilidade temporária do exercício de um direito profissional (o direito de escolha de profissão e consequente exercício), ficando essas pessoas, ope legis, impedidas de exercer a profissão de motorista de táxi. Pelo que deve considerar-se essa norma materialmente inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.’
É o que também acontece no caso dos autos.
Na verdade, pela Deliberação do Conselho Diretivo do IMT, IP, de 6 de novembro de 2015, com base nos factos comunicados pela Comarca de Lisboa – 1.ª Secção Criminal-J9, foi determinado interditar A., ora Autor, do exercício da atividade de exploração de escola de condução, bem como foi determinada a revogação da licença de instrutor n.º 2237-L, por ter sido condenado, por decisão transitada em julgado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, em coautoria material, pelo crime de corrupção ativa, previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na redação anterior à dada pela Lei n.º 32/2010, de 02/09.
Sendo que ao Autor, pelos factos praticados em 2006, não foi aplicada, em sede criminal, qualquer sanção acessória limitativa da sua atividade profissional.
Efetivamente, com base na condenação do Autor em pena de um ano e seis meses de prisão, com execução suspensa, por factos ocorridos em 2006 e sem que tenha sido aplicada ao Autor qualquer pena acessória ao abrigo do artigo 66.º do Código Penal, no que à limitação do exercício da sua atividade profissional respeita, por mera aplicação do disposto no artigo 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e no artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, foi limitado o exercício dos direitos profissionais do Autor pelo prazo de cinco anos.
Tais normas são aplicáveis automaticamente e não permitem qualquer ponderação no que ao exercício dos direitos profissionais respeita e determinam por si só e diretamente a limitação desses direitos, por cinco anos, devido, in casu, ao facto do Autor ter sido condenado, por acórdão transitada em julgado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, em coautoria material, pelo crime de corrupção ativa, previsto no artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na redação anterior à dada pela Lei n.º 32/2010, de 02/09, crime que foi cometido no exercício da profissão.
Ou seja, a aplicação do artigo 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e do artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março ‘envolve como efeito necessário a perda de (…) direitos (…) profissionais’, não consentida pelo artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Nesta conformidade, também no caso sub judice, por via da punição em processo penal, sem qualquer apreciação em concreto, do comportamento do Autor enquanto sócio, diretor de escola de condução ou instrutor, ficou este impedido ope legis de exercer tais funções, pelo período de cinco anos, sem qualquer fundamentação a não ser a da aplicação das normas ínsitas nos artigos 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março.
Deste modo, não pode deixar de concluir-se que a deliberação e as normas fundamento em apreciação, ao impedirem, sem qualquer ponderação, que quem tenha sido condenado ‘por crime praticado no exercício da profissão’, possa exercer a sua atividade durante cinco anos, têm por efeito a perda das liberdades de escolher e de exercer a profissão, ou seja, constituem uma restrição à sua esfera jurídica de direitos profissionais não tolerada pelo artigo 30.º, n.º 4, da CRP.
Com efeito, a perda (ou redução) de direitos civis, profissionais e políticos traduz-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de Direito democrático, designadamente, aos princípio da culpa, princípio da necessidade e da proporcionalidade, princípios estes que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando a possibilidade de penas automáticas por via da aplicação, sem mais, de uma norma jurídica.
Relevando, neste contexto, a argumentação do Autor, quando refere que a decisão deve ser declarada nula, por ter sido proferida sem que se fizesse uma correta interpretação dos elementos de facto constantes do processo, bem como não efetuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.
O que efetivamente não foi feito porque a lei não prevê qualquer ponderação.
E, ainda, sobre o afastamento dos efeitos automáticos das condenações proibido pelo artigo 30.º, n.º 4, da CRP, diga-se, a latere, que o coarguido material que foi efetivamente punido pelo Tribunal Criminal com pena acessória com a duração de três anos, em sede de eventual aplicação do artigo 15.º, n.º 2, da mesma Lei n.º 14/2014, de 18 de março, ficaria em posição menos inibitória do que a do Autor, que não foi punido com pena acessória, na medida em que o artigo 15.º, n.º 2, determina o prazo de cinco anos, que exceciona ‘…se outro prazo for fixado por decisão ou sentença’.
Eis, pois, porque também assiste razão ao A., quando invoca a violação dos princípios jurídicos da justiça, da proporcionalidade e da adequação e pede a declaração de nulidade do ato por inconstitucionalidade.
O artigo 204.º da CRP estabelece que ‘nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o dispostos na Constituição ou os princípios nela consignados’.
Pelo que não pode este Tribunal sancionar a aplicação dos normativos subjacentes ao ato impugnado.
Face ao exposto e prejudicadas demais considerações, deve ser recusada a aplicação das normas do artigo 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e do artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, por serem normas materialmente inconstitucionais por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e, em consequência, deve ser determinada a sua desaplicação ao caso concreto e deve declarar-se a nulidade do ato impugnado.
[…]
Em conclusão, e prejudicadas demais considerações, a ação deve ser julgada procedente, por provada, devendo recusar-se a aplicação das normas ínsitas no artigo 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e no artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, por serem normas materialmente inconstitucionais por violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP e, em consequência, deve ser determinada a sua desaplicação ao caso concreto e declarar-se a nulidade do ato impugnado.
[…]” (sublinhado acrescentado).
1.3. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes:
“[…]
[V]em [da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada] interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da LTC, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com última redação introduzida pela Lei n.º 11/2015, de 28 de agosto.
Na verdade, a douta sentença recorrida recusou, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, as normas ínsitas no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e no artigo 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março.
[…]”.
1.3.1. Já no Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para alegações, tendo o Ministério Público oferecido as suas, rematando-as com as seguintes conclusões:
“[…]
1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da LTC da sentença de fls. 54 a 66 dos autos de processo n.º 1095/16.0BELSB-A (Outros processo cautelares/Suspensão de eficácia de ato) do TAF de Almada, em que é A. A.… e R. o IMTT, I.P., pois essa decisão “recusou com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, as normas ínsitas no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e no artigo 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março”.
2.ª) O artigo 15.º (Idoneidade) da Lei n.º 14/2014, de 18 de março (Regime jurídico do ensino da condução) não prevê qualquer ‘efeito necessário’ (dito ‘automático’) de uma pena, no caso de uma pena criminal.
3.ª) O que a previsão legal em causa estabelece, no que à ‘sentença condenatória transitada em julgado’ diz respeito, é que, no caso de essa decisão judicial ter por conteúdo, nomeadamente, a inabilitação, interdição ou suspensão dos sócios, gerentes ou administradores, isso consubstanciará um caso de ‘inidoneidade’ do visado, que é impeditivo do acesso do mesmo à atividade exploração de escolas de condução, através de empresa singular ou coletiva.
4.ª) Portanto, não se prevê aqui um ‘efeito necessário’ de uma sentença condenatória, mas antes de um efeito do concreto conteúdo de tal ato judicial fazendo relevar, em sede do procedimento administrativo de autorização de acesso à atividade exploração de escolas de condução, os efeitos de “pena acessória” que haja sido decretada na justiça penal (Código Penal, art. 66.º, n.º 1, als. a), b) e c), e n.º 2); um “efeito da condenação”, legalmente determinado e derivado de uma condenação (idem, art. 65.º, n.º 2, e 67.º, n.ºs 1 e 3); um conteúdo da sentença condenatória que decrete a ‘interditação do exercício de atividade’ (idem, art. 100.º, n.ºs 1 e 2), nos termos decorrentes do regime geral das penas criminais.
5.ª) Mas, se dúvidas houvesse quanto ao correto alcance de tal expressão legal na frase em apreço, a interpretação a imputar à mesma deverá, necessariamente, ser a que a reconcilie com a proibição constitucional estabelecida no artigo 30.º, n.º 4, no quadro do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição (LOFPTC, art. 80.º, n.º 3).
6.ª) No mesmo sentido, aliás, depõem os princípios da constitucionalidade e da aplicação direta e da vinculação da administração pública aos direitos, liberdades e garantias (arts. 3.º, n.º 2, e 18.º, n.º 1).
7.ª) Finalmente, está aqui em causa o exercício de uma atividade económica privada de “exploração de escolas de condução”, ou seja, está em causa a liberdade de empresa, considerada aqui nas suas faculdades de liberdade de estabelecimento (criação de empresas, de iniciar uma atividade empresarial) e de atividade (livre prestação de serviços).
8.ª) Estamos assim, no âmbito do direito fundamental de iniciativa económica privada, o qual está sujeito a uma restrição expressamente autorizada pela Constituição, nos termos da cláusula do seu livre exercício ‘nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral’ (art. 61.º, n.º 1).
9.ª) Por conseguinte, é constitucionalmente legítimo que a lei estabeleça a “idoneidade” (impedindo o acesso de quem possa fundadamente ser reputado de “inidóneo” para este efeito, nomeadamente por força da prática de ilícitos criminais) dos interessados como pressuposto subjetivo do acesso a esta atividade económica, na medida em que assim se promove a tutela do interesse geral na integridade das atividade exploração de escolas de condução, através de empresa singular ou coletiva, e da confiança do público nesta atividade privada de interesse e relevância pública.
10.ª) Sendo que o prazo máximo de cinco anos de vigência desta situação de inidoneidade (art. 15.º, n.º 2) está em consonância com os prazos similares da lei penal (Código Penal, arts. 66.º, n.º 1, e 100.º, n.º 2).
11.ª) Em suma, os preceitos legais em apreço, gerais e abstratos, são se reputar como necessários, idóneos e proporcionados à regulação da liberdade de empresa em sede exploração de escolas de condução (Constituição, art. 18.º, n.º 2 e 3).
12.ª) Concluímos que as normas jurídicas constantes do artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, cit., não violam a proibição estabelecida no art. 30.º, n.º 4, da Constituição, pois que a ‘sentença condenatória transitada em julgado’ ali aludida está referida a ‘pena acessória’, a ‘efeito da condenação’, legalmente determinado e derivado de uma condenação, ou a conteúdo da mesma que decrete a “interditação do exercício de atividade”, nos termos decorrentes do regime sancionatório geral da lei penal.
13.ª) A competência revogatória prevista no artigo 50.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 14/2014, cit. não tem de ser lida como consagrando um ‘efeito necessário’ da condenação por sentença transitada em julgado, por crime praticado no exercício da profissão.
14.ª) Com efeito, tendo notícia deste facto, o IMT, I.P., pelos seus órgãos competentes, está vinculado a examinar e decidir quanto à manutenção do título profissional pelo instrutor de condução em causa.
15.ª) A notícia de condenação penal, por maioria de razão no caso de ‘crime praticado no exercício da profissão’, por um instrutor de condução integra, de plano, a esfera das atribuições e competências do IMT, I.P., enquanto autoridade de regulação e fiscalização do setor da mobilidade e dos transportes terrestres, investida dos pertinentes poderes de supervisão, fiscalização e sancionatórios (Estatutos do IMT, I.P., aprovados pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 78/2014 de 14 de maio, art. 1.º).
16.ª) Na verdade, a supervisão contínua da idoneidade dos instrutores de condução, na medida em que os mesmos estão oficialmente habilitados a ministrar as competências técnicas que permitem exercer a condução rodoviária, que é uma atividade de risco qualificado, e mais exercendo a sua profissão numa área exposta a riscos de natureza criminal, é necessária para tutela do interesse geral na integridade da profissão e da confiança do público no seu idóneo desempenho.
17.ª) Cumpre assim, à autoridade administrativa, reapreciar o seu pretérito juízo quanto à ‘idoneidade’ do interessado, para resolver se é ou não de manter o título profissional de que o mesmo é detentor, pois essa disposição pessoal é requisito de acesso à profissão e de verificação permanente, criando assim um dever de supervisão contínua da habilitação legal (arts. 37.º, n.º 1, al. g), 47.º, n.º 1).
18.ª) Para tanto a autoridade administrativa deverá examinar a situação de todos os ângulos relevantes, sejam favoráveis ou desfavoráveis à posição do detentor do título profissional, no âmbito de um procedimento conduzido com todas as garantias adjetivas, nomeadamente aquelas decorrentes do princípio da participação do interessado, e de acordo com critérios de proporcionalidade (CPA, arts. 7.º, n.º 2, e 12.º), culminado com um juízo, autonomamente construído, determinando se presentemente se mantêm as condições de ‘idoneidade’ exigíveis para que o instrutor de condução visado mantenha o seu título profissional.
19.ª) Portanto, certamente a decisão administrativa terá de ponderar os factos comprovados, as qualificações penais e as formas de comissão do crime, nos termos que ficaram estabelecidos na sentença e, se for caso disso, coligir e ponderar outros elementos que sejam pertinentes para ajuizar da referida ‘idoneidade’, e em função da ponderação autónoma destes elementos deverá proceder a uma reapreciação da anterior decisão administrativa sobre a ‘idoneidade’ do instrutor de condução visado para manter o título profissional.
20.ª) Mas não tem, necessariamente ― se a sentença não veicular autonomamente esse efeito (CP, arts. 65.º, n.º 2, 66.º, n.º 2, e 100.º, n.º 1), bem entendido ― de determinar a revogação do título profissional do instrutor de condução visado, só o fará se os factos e qualificações e as formas de comissão do crime em causa derem motivo suficiente e justificado a tal efeito cassatório.
21.ª) Corroborando o que se afirma, que o sentido da decisão administrativa proferida após a reapreciação não será um caso de ‘efeito necessário’, por simples força da lei, de uma pena criminal, é o que se pode inferir da circunstância da Lei n.º 14/2014, cit., prever uma base legal específica para o exercício de uma competência de reapreciação da ‘idoneidade’ do detentor do título profissional, ou seja, a lei prevê a interposição da prática de um específico ato administrativo para surtir tal efeito.
22.ª) E, seja como for, em caso de dúvida sobre o sentido e alcance deste poder de reapreciação, o mesmo tem de ser lido em conformidade com a proibição constitucional de que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos” (art. 30.º, n.º 4).
23.ª) No mesmo sentido, aliás, depõem os princípios da constitucionalidade e da aplicação direta e da vinculação da administração pública aos direitos, liberdades e garantias (arts. 3.º, n.º 2, e 18.º, n.º 1).
24.ª) Nestes termos, concluímos que o poder reapreciação pela autoridade administrativa da anterior decisão administrativa sobre a “idoneidade” do instrutor de condução visado na sequência de condenação por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão, nos termos do preceituado no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), cit. não está necessariamente predeterminado à pronúncia de decisão negativa, de revogação do título profissional do mesmo.
25.ª) Por outra parte, o prazo máximo de cinco anos de vigência desta situação de inidoneidade (art. 50.º, n.º 2) está em consonância com os prazos similares da lei penal (Código Penal, arts. 66.º, n.º 1, e 100.º, n.º 2).
26.ª) Sendo certo que uma eventual decisão administrativa de cariz revogatório está sujeita a fiscalização na jurisdição administrativa, nos termos gerais de direito [Constituição, arts. arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, e CPTA, art. 2.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b)].
27.ª) Finalmente, quanto à liberdade de escolha de profissão, é um direito fundamental pessoal, cuja restrição legal é expressamente autorizada pela Constituição, nomeadamente para tutela do interesse coletivo (art. 47.º, n.º 1).
28.ª) Assim, atentas as já referidas exigências tutela do interesse geral na integridade da profissão e da confiança do público no seu apropriado desempenho, é constitucionalmente legítimo que a lei estabeleça a ‘idoneidade’ (impedindo o acesso de quem possa fundadamente ser reputado de “inidóneo” para este efeito, nomeadamente por força da prática de ilícitos criminais) dos interessados como pressuposto subjetivo do acesso a esta profissão, na medida em que assim se promove a para tutela do interesse geral na integridade da profissão e da confiança do público nesta atividade privada de interesse e relevância pública.
29.ª) Em suma, os preceitos legais em apreço, gerais e abstratos, são se reputar como necessários, idóneos e proporcionados à regulação da liberdade de acesso à profissão de instrutor de condução (Constituição, art. 18.º, n.º 2 e 3).
30.ª) Face ao exposto, concluímos que as normas jurídicas constantes do artigo 50.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, cit., não consagram qualquer “efeito necessário” de uma pena criminal, pelo que não violam a proibição constitucional segundo a qual “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos” (art. 30.º, n.º 4).
Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, por concorrer erro de interpretação das normas jurídicas constantes dos artigos 15.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, e 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, todas da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, lidas em conformidade com proibição estabelecida artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, deverá ser revogada a decisão impugnada, baixando então os autos ao tribunal recorrido, a fim de que este a reforme de harmonia com o julgamento da questão de inconstitucionalidade (LOFPTC, art. 80.º, n.ºs 2 e 3).
[…]”.
1.3.2. Também o Recorrido A. ofereceu alegações, que rematou com as conclusões seguintes:
“[…]
1. Concorda-se inteiramente com a fundamentação da, aliás douta, Sentença recorrida.
2. As normas pelas quais a entidade administrativa quer punir o Autor não são aplicáveis ao presente caso.
3. A decisão condenatória que baseia este procedimento instaurado com base no disposto no artigo 15.º e no artigo 50.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março. E a Lei 14/2014 que sustenta este procedimento apenas entrou em vigor no dia 18 de junho de 2014 (90 dias após a sua publicação). Mas a matéria em causa é a que consta da sentença condenatória de 29-01-2014 e a qual não sofreu qualquer alteração posterior.
4. Basta consultar o processo para verificar que o ofício que deu causa a todo este processo é a que consta da sentença condenatória é de 29-01-2014. Sendo certo que, os factos sobre os quais foi proferida aquela sentença condenatória ocorreram, conforme resulta do processo, em 2006.
5. Pelo que não se podem aplicar normas (artigos 15.º e 50.º da Lei n.º 14/2014, de 18 de março) a factos decididos em 29-01-2014 e praticados em 2006.
6. Acompanhando-se o que diz a Sentença recorrida sobre o, aliás douto, juízo sobre a verificação da inconstitucionalidade material das normas do artigo 15.º n.º 1, al a) e n.º 2 e do artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
7. Como resulta da sua epígrafe, o artigo 30.º da Constituição refere-se genericamente aos limites das penas e das medidas de segurança. E o seu n.º 4 proíbe que da aplicação de uma pena resulte automaticamente, de forma meramente mecânica, uma outra pena, sem que haja uma intervenção judicial.
8. Ou seja, pretende-se proibir que à pena a aplicar pelos tribunais acresça, ope legis, uma nova pena.
9. É esta a interpretação de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 198) que explicitam ainda o seguinte: “Embora o n.º 4 se refira apenas à proibição de efeitos necessários das penas, a proibição estende-se também por identidade de razão aos efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes, pois não se vê razão para distinguir.” (defendendo, em sentido inverso, que o n.º 4 do artigo 30.º proíbe apenas que o legislador faça corresponder, de forma automática, certos efeitos a certas espécies de penas, e não já que faça corresponder à condenação pela prática de certos crimes esses efeitos automáticos, cfr. Mário Torres, “Suspensão e demissão de funcionários ou agentes como efeito de pronúncia ou condenação criminais”, Revista do Ministério Público, Ano 7.º, n.º 25, 1986, págs. 111 e segs., e n.º 26, 1986, págs. 161 e segs.).
10. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já, em várias ocasiões, sobre o sentido e alcance do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição. Assim, merece destaque, desde logo, o Acórdão n.º 16/84 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], vol. 2.º, pág. 367), no qual se afirmou: “A Constituição, partindo da dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Portuguesa (artigo 1.º), intentou, através do n.º 4 do seu artigo 30.º, retirar às penas todo o carácter infamante e evitar que a atribuição de efeitos automáticos estigmatizantes perturbe a readaptação social do delinquente).
11. O n.º 4 do artigo 30.º da Constituição deriva, em linha reta, dos primordiais princípios definidores da atuação do Estado de Direito democrático que estruturam a nossa Lei Fundamental, ou seja: os princípios do respeito pela dignidade humana (artigo 1.º) e os de respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2.º).
12. Daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade.
13. Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios.”
14. “A sua justificação é simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das sanções penais e a de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das penas, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege.”
15. Ora, como resulta da análise das normas em questão, é esta ponderação que existe no caso vertente.
16. Tendo a sentença recorrida aplicado, enquadrado e interpretado devidamente as normas legais constitucionais aplicáveis ao presente caso em concreto.
17. Fazendo inclusive menção às decisões anteriores do Tribunal Constitucional que fundamento o douto entendimento vertido na sentença recorrida.
18. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a eleger como critério para a aplicação desta norma constitucional a possibilidade de existência, segundo a previsão legal, de juízos de valoração ou ponderação que podem vir a afastar a automaticidade dos efeitos das penas.
19. Conclui-se, assim, que as normas constantes do artigo 15.º n.º 1, al a) e n.º 2 e do artigo 50.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 da Lei n.º 14/2014, de 18 de março, ao determinar que se considerem “não idóneas as pessoas que tenham sido condenadas”, tem como consequência, automaticamente, sem qualquer mediação ponderadora numa condenação judicial ou numa decisão administrativa concreta, a impossibilidade temporária do exercício de um direito profissional (o direito de escolha de profissão e consequente exercício), ficando essas pessoas, ope legis, impedidas de exercer a profissão.
20. Pelo que deve considerar-se essa norma materialmente inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição.
[…]”.
Relatado o desenvolvimento do processo no trecho anterior à chegada a este Tribunal, cumpre apreciar e decidir o recurso
II – Fundamentação
2. Está em causa, nos presentes autos, uma decisão (recorrida) de recusa de aplicação de normas jurídicas contidas nos artigos 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Lei n.º 14/2014, de 18 de março – Regime Jurídico do Ensino da Condução (doravante, RJEC). Importa, pois, começar por enquadrar as normas em causa e o sentido com que foram entendidas e aplicadas na decisão recorridas.
2.1. O artigo 15.º do RJEC, que se encontra no Capítulo III (“Das escolas de condução”), Secção I (“Acesso à atividade de exploração de escolas de condução”) regula o requisito da “idoneidade” nos termos seguintes, quanto ao que ora releva:
Artigo 15.º
Idoneidade
1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, consideram-se inidóneas para o exercício da atividade de exploração de escolas de condução as empresas singulares ou coletivas, considerando neste último caso a situação dos respetivos sócios, gerentes ou administradores, que:
a) estejam inabilitados, interditos ou suspensos do exercício da atividade do ensino da condução por decisão administrativa da qual não se possa recorrer ou por sentença condenatória transitada em julgado;
-------------------------------------------------------------------------------------------.
2 – As situações de inidoneidade previstas no número anterior caducam decorridos cinco anos após a decisão que as determinou, exceto se outro prazo for fixado por decisão ou sentença.
Por sua vez, o artigo 50.º do RJEC, sedeado no Capítulo IV (“Dos instrutores de condução”), Secção IV (“Exercício da profissão de instrutor de condução”) do diploma, regula a revogação do título profissional de instrutor nos termos seguintes, quanto ao que nestes autos importa apreciar:
Artigo 50.º
Revogação do título profissional de instrutor
1 – O IMT, I. P., revoga o título profissional ao instrutor que:
-------------------------------------------------------------------------------------------.
b) Tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão.
2 – O titular de título profissional de instrutor revogado pode requerer a emissão de novo título profissional, decorridos cinco anos após a decisão definitiva de revogação, mediante a aprovação no exame a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º ou através de novo processo de reconhecimento de qualificações nos termos do artigo 48.º.
Para compreender o sentido da aplicação destas normas, importa recordar os seguintes momentos essenciais na sucessão dinâmica dos factos relevantes e do processo, já mencionados no relatório:
(i) o ora Recorrido foi condenado, pela prática, no ano 2006, em coautoria material, de um crime de corrupção ativa, previsto e punido pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal (na redação anterior à que foi introduzida pela Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, crime este que foi praticado no exercício da profissão de instrutor de condução;
(ii) ao Recorrido não foi aplicada, pelo tribunal que proferiu a condenação penal, a pena acessória de proibição do exercício da função prevista no artigo 66.º do Código Penal, ao contrário do que sucedeu no caso de outro arguido do mesmo processo, mas o tribunal penal remeteu certidão da decisão ao IMT;
(iii) o IMT verificou que o ora Recorrido fora sócio-gerente de uma escola de condução e, também, instrutor de condução, concluindo que as citadas normas do artigo 15.º do RJEC o impediam de continuar a exercer a atividade e as normas do artigo 50.º do RJEC conduziam à revogação do título profissional de instrutor – nesta decisão, o IMT considerou que não lhe cabia fazer qualquer ponderação, pois, conforme se lê na decisão administrativa, “[…] não podem estes serviços deixar de dar cumprimento à revogação da licença de instrutor cominada nesta disposição legal, pois a mesma tem natureza imperativa e impõe a revogação do título como exercício de um poder vinculado decorrente do facto de o crime pelo qual o requerido foi condenado ter sido praticado no exercício da profissão” e “[…] a Administração não tem de pesar as circunstâncias nem a conveniência em praticar ou não a revogação da licença, uma vez que essa revogação decorre diretamente da condenação e é imposta por imperativo legal ao IMT,IP atenta a qualidade de órgão da administração pública responsável pela emissão das licenças de instrutor”; e
(iv) na decisão recorrida, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, aquela interpretação normativa – ou seja, a interpretação segundo a qual a lei afasta qualquer tipo ponderação na decisão do IMT, tanto sobre a interdição da atividade de empresa exploradora de escola de condução como relativamente à revogação da licença de instrutor, impugnada pelo ora Recorrido – foi retomada: “[…] tais normas são aplicáveis automaticamente e não permitem qualquer ponderação no que ao exercício dos direitos profissionais respeita e determinam por si só e diretamente a limitação desses direitos, por cinco anos, devido, in casu, ao facto do Autor ter sido condenado, por acórdão transitado em julgado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, em coautoria material, pelo crime de corrupção ativa […] no exercício da profissão” e “[…] relevando, neste contexto, a argumentação do Autor, quando refere que a decisão deve ser declarada nula, por ter sido proferida sem que se fizesse uma correta interpretação dos elementos de facto constantes do processo, bem como não efetuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto. O que efetivamente não foi feito porque a lei não prevê qualquer ponderação”. Ou seja, na decisão recorrida, as normas dos artigos 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do RJEC não foram aplicadas com o sentido de preverem uma ponderação das circunstâncias do caso concreto na decisão administrativa sobre a interdição da atividade de empresa exploradora de escola de condução e a revogação da licença de instrutor, mas sim – e assumidamente – com o sentido de preverem um efeito automático de uma condenação penal.
2.2. Dispõe o artigo 30.º, n.º 4, da CRP que “[n]enhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Pode ler-se, sobre este preceito, no Acórdão n.º 311/2012, o seguinte:
“[…]
Como já se escreveu no Acórdão n.º 368/08, esta norma constitucional «visa salvaguardar que qualquer sanção penalizadora da conduta punida, independentemente da sua natureza e medida, resulte da concreta apreciação, pela instância decisória, do desvalor dessa conduta, por confronto com os padrões normativos aplicáveis. O que se proíbe é a automática imposição de uma sanção, como efeito mecanicisticamente associado à pena ou por esta produzido, sem a mediação de qualquer juízo, em concreto, de ponderação e valoração da sua justificação e adequação, tendo em conta o contexto do caso. E a proibição é necessária para garantia de efetivação de princípios fundamentais de política criminal (…)».
[…]” (sublinhado acrescentado).
E prosseguiu este aresto, analisando uma norma do Estatuto da Ordem dos Advogados que estabelecia não poderem inscrever-se como advogados “[o]s que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso”:
“[…]
A proibição dos efeitos necessários das ‘penas’ estende-se, por identidade de razão, aos efeitos automáticos ligados à ‘condenação’ pela prática de certos crimes (v., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 2007, 505).
No caso em apreço não nos encontramos no âmbito desta proibição consagrada no artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Na verdade, a norma questionada no presente recurso não prevê uma sanção acessória ou um ‘efeito necessário’ associado à condenação anterior pela prática de um crime.
Do que se trata neste artigo 156.º, n.º 1, alínea a), do EOA/84, é de definir as condições essenciais subjetivas de acesso a uma associação pública (Ordem dos Advogados), de inscrição obrigatória para o exercício da respetiva atividade profissional de advogado.
De entre essas ‘condições essenciais’ para a inscrição, incluiu-se a ‘idoneidade moral para o exercício da profissão’, prevendo-se que não poderá ser inscrito quem não possua idoneidade moral, nomeadamente, por ter sido condenado por qualquer crime gravemente desonroso. O conceito indeterminado de ‘falta de idoneidade moral’ é concretizado na própria norma, a título exemplificativo, com os casos em que tenha havido prévia condenação em ‘crime gravemente desonroso’. A expressão ‘crime gravemente desonroso’ é, em si mesma, outro conceito indeterminado, que caberá ao aplicador preencher, no caso concreto, em função da idoneidade moral exigida para o exercício da profissão.
O que significa que a condenação prévia num crime não tem como efeito automático nem necessário a impossibilidade de inscrição na Ordem dos Advogados. Simplesmente, será avaliado in casu se essa condenação foi aplicada pela prática de um crime ‘gravemente desonroso’ e como tal demonstrativo de que o candidato não possui ‘idoneidade moral’ para o exercício da profissão de advogado.
Do exposto resulta que a norma questionada é insuscetível de contender com a proibição constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP.
Resta dizer que a condenação anterior em ‘crime gravemente desonroso’ não se mostra um critério desproporcionado, infundado ou desadequado à avaliação da idoneidade moral para o exercício da profissão de advogado.
[…]” (sublinhado acrescentado).
A norma do artigo 30.º, n.º 4, da CRP encerra, pois, um sentido particular, nos termos traçados no Acórdão n.º 154/2004:
“[…]
O n.º 4 do artigo 30.º da Constituição foi introduzido na revisão constitucional de 1982, pretendendo-se com este novo número acolher o entendimento de política criminal constante do então recente Código Penal de 1982 (artigo 65.º), que impõe que se retire às penas o seu efeito estigmatizante, para isso determinando que ‘nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos’.
Acolhe-se, assim, como princípio jurídico-constitucional, o princípio político‑criminal de luta contra o efeito estigmatizante, dessocializador e criminógeno das penas (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Lisboa, 1993, pág. 159). Este princípio encontrava-se já vertido no artigo 76º (77º após a revisão ministerial) do ‘Projeto de Código Penal de 1963’ de que fora autor Eduardo Correia (separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 157). Sobre as disposições aprovadas em 1982 escreveria depois o autor (Eduardo Correia, ‘O novo Código Penal Português e Legislação Complementar’, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, Centro de Estudos Judiciários, pág. 29):
‘O Código, aliás em consonância com a Constituição, fez desaparecer o efeito infamante das penas, não considerando seu efeito automático a perda de direitos civis, políticos e profissionais (artigo 65.º). Temos, assim, que todo o labéu, todo o estigma jurídico, se dilui, ficando apenas a possibilidade autónoma ou paralela de cominar penas acessórias.’
Inspirando-se no anteprojeto de Eduardo Correia, Jorge Miranda propusera a consagração deste princípio no projeto de Constituição que apresentara em 1975, e insistiu nele, com sucesso, a propósito de Um Projeto de Revisão Constitucional (Coimbra, 1980, pág. 35). Aí escreveu:
‘O novo n.º 4 tem por fonte o artigo 76º do anteprojeto de parte geral do Código penal, de autoria de Eduardo Correia. Já constava do meu projeto de Constituição de 1975.’
Figueiredo Dias explica que a consagração desta medida no Código Penal de 1982 revelou ‘o apego do legislador penal à convicção básica de que importa retirar às penas todo e qualquer efeito infamante ou estigmatizante que acresça ao (inevitável) mal da pena’. E que ‘assim se dá expressão legal ao indeclinável dever do Estado de não prejudicar, mas pelo contrário favorecer, a socialização do condenado’ (p. 158). Com a sua consagração constitucional na revisão de 1982 ‘se patenteia o alto grau em que o nosso legislador constitucional prezou princípios político-criminais fundamentais, elevando-os, qua tale, à categoria de princípios integrantes da «Constituição político-criminal»’ (p. 160; na mesma linha, o autor refere a questão em ‘Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro’, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 43, 1983, pág. 36).
No Diário da Assembleia da República (1.ª série, de 11 de junho 1982, págs. 4176 e segs.) encontram-se refletidas as considerações que foram tecidas a propósito da introdução deste n.º 4 pela 1.ª revisão constitucional. Disse então a este propósito o Deputado A.:
‘A aprovação do n.º 4 vem obviar (a) algumas disposições ainda hoje vigentes na nossa lei penal, de extraordinária violência, como eram as que envolviam, como efeito necessário de certas penas, a perca de alguns direitos. Designadamente, lembro o caso de certas infrações criminais cometidas por funcionários públicos (...) que envolviam necessariamente e como efeito acessório a demissão.’
7.Este Tribunal pronunciou-se já, em várias ocasiões, sobre o sentido e alcance do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
Assim, merece destaque, desde logo, o Acórdão n.º 16/84 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], vol. 2º, pág. 367), no qual se afirmou:
‘[A Constituição] partindo da dignidade da pessoa humana, princípio estrutural da República Portuguesa (artigo 1.º), intentou, através do n.º 4 do seu artigo 30.º, retirar às penas todo o carácter infamante e evitar que a atribuição de efeitos automáticos estigmatizantes perturbe a readaptação social do delinquente).
No fundo, o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição deriva, em linha reta, dos primordiais princípios definidores da atuação do Estado de Direito democrático que estruturam a nossa Lei Fundamental, ou sejam: os princípios do respeito pela dignidade humana (artigo 1.º) e os de respeito e garantia dos direitos fundamentais (artigo 2.º).
Daí decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade.
Ora, se da aplicação da pena resultasse, como efeito necessário, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, far-se-ia tábua rasa daqueles princípios.’
No Acórdão n.º 127/84 (publicado em ATC, vol. 4.º, págs. 403 e segs.), por sua vez, escreveu-se o seguinte:
‘Compreende-se tal solução constitucional. Ela não é mais do que um corolário do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º) nas suas implicações no âmbito da «constituição penal». Com efeito, a perda de direitos civis, profissionais e políticos traduz-se materialmente numa verdadeira pena, que não pode deixar de estar sujeita, na sua aplicação, às regras próprias do Estado de direito democrático, designadamente: reserva judicial, princípio da culpa, princípio da necessidade e proporcionalidade das penas, etc.’
E, na mesma linha, no Acórdão n.º 284/89 (publicado em ATC, vol. 13.º, tomo II, págs. 859 e segs.), este Tribunal entendeu que o n.º 4 do artigo 30.º da Constituição proibia ‘que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana’.
Por sua vez, no Acórdão n.º 461/00 (publicado em ATC, vol. 48º, págs. 327 e segs.) concluiu-se sobre a proibição de penas automáticas:
‘A sua justificação é simultaneamente a de obviar a um efeito estigmatizante das sanções penais e a de impedir a violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade das penas, que impõem uma ponderação, em concreto, da adequação da gravidade do ilícito à da culpa, afastando-se a possibilidade de penas fixas ou ex lege.’
Ora, como resulta da análise das normas em questão, é esta ponderação que não existe no caso vertente.
Efetivamente, da conjugação do teor do artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 263/98 com o seu n.º 1 resulta que o certificado de aptidão profissional de motorista de táxi, cuja posse, nos termos do artigo 2.º, é obrigatória para o exercício da profissão, não poderá ser emitido a quem não preencha o requisito de idoneidade. Considerando-se não idóneas, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98, durante um período de 3 anos após o cumprimento da pena, as pessoas que tenham sido condenadas em pena de prisão efetiva igual ou superior a três anos, salvo reabilitação, sempre resultará que todas as pessoas que tenham sofrido tal condenação, sem haverem sido entretanto reabilitadas, não poderão exercer, durante aquele período, a profissão de motorista de táxi, por não lhes ser emitido o necessário certificado.
Importa, porém, analisar ainda, com mais detalhe, a proibição constitucional dos efeitos automáticos das penas, na dimensão específica da perda de direitos profissionais, uma vez que a norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98 suscita esta exata problemática.
8. Efetivamente, o Tribunal Constitucional teve também já ocasião de apreciar a inconstitucionalidade de normas por violação do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, na dimensão acima referida, relativa à perda de direitos profissionais.
Desde logo, no Acórdão n.º 16/84 o Tribunal julgou inconstitucional o n.º 1 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar, que impunha a pena de demissão dos militares como efeito da condenação por certos crimes, efeito que foi considerado automático pelo Tribunal. Por seu turno, o Acórdão n.º 310/85 (publicado em ATC, vol. 6º, págs. 555 e segs.) também julgou inconstitucional esta norma, afirmando:
‘Do contexto sistemático do Código de Justiça Militar resulta claro que a demissão de que se fala no artigo 37.º (...) não é uma pena a que o réu seja condenado, mas uma consequência, produzida ope legis pela condenação a uma pena propriamente dita.’
Na sequência destes dois arestos, bem como dos Acórdãos n.º 127/84 (in Diário da República [DR], II série, de 12 de Março de 1985) e n.º 94/86 (in DR, II série, n.º 137, de 18 de Junho de 1986), o Tribunal Constitucional veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 37.º, n.º 1, do Código de Justiça Militar, que impunha a demissão do oficial ou sargento dos quadros permanentes, ou de praças em situação equivalente, como efeito da respetiva condenação pelos crimes aí referidos, privando o militar, automaticamente e independentemente de condenação específica, do seu lugar no respetivo quadro, do seu título profissional e, bem assim, do direito a quaisquer recompensas e pensões (Acórdão n.º 165/86, publicado em ATC, vol. 7.º, tomo I, págs. 231 e segs.).
Contudo, não foi a demissão a única figura a preencher, até ao momento, o conceito de perda de direitos profissionais, na jurisprudência constitucional portuguesa.
Assim, o Acórdão n.º 91/84 (ATC, 4º vol., págs. 7 e segs.), entre o mais, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, da norma do artigo 8º do decreto da assembleia regional n.º 18/84, na parte em que previa as medidas de encerramento de estabelecimentos e de proibição do exercício da atividade industrial de bordados, como efeito necessário da condenação pelo descaminho de direitos nele previstos.
Por sua vez, no Acórdão n.º 282/86 (publicado em ATC, vol. 8º, págs. 207 e segs.) o Tribunal declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 160.º, § único, e 130.º, § único, do Código da Contribuição Industrial, que estabeleciam, como efeito automático da aplicação de certas sanções disciplinares, o cancelamento da inscrição dos técnicos de contas, o que os impedia de desenvolverem a sua atividade profissional, entendendo que previam a perda de um direito.
O Acórdão n.º 255/87 (in ATC, vol. 9º, págs. 805 e segs.) veio julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 37.º do Código de Justiça Militar, que estatuía que a condenação pelos crimes mencionados no n.º 1 do mesmo artigo acarretava a baixa de posto.
E, muito recentemente, o Acórdão n.º 562/03 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), estando em causa uma norma do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana que estabelece como condição especial de promoção ao posto de cabo, por diuturnidade, não ter o militar sido punido na Guarda com o somatório de penas superiores a vinte dias de detenção ou equivalente, acrescentou:
‘(...) onde esteja previsto um direito à promoção – progressão na carreira – ele se há-de configurar como um direito profissional.
Ora, no caso dos autos, estamos perante uma promoção, por diuturnidade, que, consistindo no acesso ao posto imediato, independentemente da existência de vaga e desde que satisfeitas as condições de promoção, não só se pode considerar estruturada como um direito (profissional), mas também, e sobretudo, que não pode configurar-se como um eventual prémio ou recompensa.’
[…]”.
É este o sentido em que deve ser lido o artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Ou seja, e em síntese, ele “[…] não proíbe a consagração de penas que se traduzam na perda de direitos civis, mas sim que da simples condenação anterior o legislador retire automaticamente esse efeito, sem mediação do julgador” (Acórdão n.º 53/2011; v. ainda o Acórdão n.º 239/2008), “[…] com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos e pretendeu-se que assim fosse porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo inafastáveis de uma lei fundamental como a Constituição da República Portuguesa que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana” (Acórdão n.º 284/89).
2.3. No caso dos autos, importa referir que está em causa a ablação de direitos que anteriormente existiam na esfera jurídica do Recorrido – que previamente lhe tinham sido adjudicados ou reconhecidos – e não apenas uma limitação do leque de direitos a que poderia aceder.
Ora, com o preciso sentido em que foram aplicadas na decisão recorrida (que coincidiu com o sentido com que foram aplicadas na decisão administrativa impugnada – cfr. item 2.1., supra), isto é, com o sentido de que a lei afasta qualquer tipo ponderação na decisão do IMT sobre a interdição da atividade de empresa exploradora de escola de condução e a revogação da licença de instrutor, quando nenhuma decisão inibitória foi tomada pelo tribunal da condenação penal, as normas em causa no presente recurso não se mostram conformes ao preceituado no artigo 30.º, n.º 4, da CRP, com o sentido já assinalado no item 2.2., supra.
Na verdade, na referida interpretação, tratar-se-ia de um efeito de perda de direitos atinentes ao exercício da atividade profissional do ora Recorrido que, não tendo sido contemplado no quadro das consequências penais, se revestiria de caráter automático perante a condenação pela prática de um crime, subtraído a qualquer juízo tendente a compaginar o referido efeito com os princípios da culpa e da necessidade.
Resta saber se, perante tal constatação, o juízo de inconstitucionalidade se impõe inelutavelmente ou se – como propõe o Ministério Público, nas suas alegações – o Tribunal deve fixar uma interpretação normativa conforme à lei fundamental, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, da LTC.
2.4. Prevê-se no artigo 80.º, n.º 3, da LTC: “[n]o caso de o juízo de constitucionalidade ou de legalidade sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado, ou a que tiver recusado aplicação, se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa”.
Não é frequente o uso, pelo Tribunal Constitucional, da faculdade de fixação da interpretação normativa conforme à Constituição, ciente de que tal interpretação compete, por regra, unicamente ao tribunal recorrido. Não obstante, hipóteses há em que tal fixação se revela particularmente útil para (re)conduzir o processo (e a decisão final a proferir no mesmo, pelo tribunal recorrido) ao melhor resultado. Assim, pode ler-se no Acórdão n.º 401/2017 (ponto 16) que “[…] uma decisão interpretativa a emitir ao abrigo do artigo 80.º, n.º 3, da LTC [é] justificada nas situações em que, não obstante se conclua pela inconstitucionalidade do sentido normativo relevante para a decisão da situação sub judicie, se verifique que o preceito legal em causa comporta ainda uma outra interpretação (conforme à Constituição), em razão do elemento teleológico da norma em causa e que encontre na sua formulação um mínimo de correspondência verbal (sendo, assim, verdadeira interpretação e não a criação de uma norma para o caso)”. Ou, como se refere no Acórdão n.º 267/2017 (ponto 9.):
“[…]
No domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade, a interpretação do direito infraconstitucional feita pelo tribunal recorrido é, em princípio, vinculativa para o Tribunal Constitucional, já que a este, conforme mencionado anteriormente, compete «julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação» (artigo 79.º-C da LTC). No entanto, tal não impede o Tribunal Constitucional, se assim o entender justificadamente, de se afastar da interpretação acolhida pela decisão recorrida, e de a substituir por outra, desde que conforme à Constituição (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC). Com efeito, tal possibilidade é inerente à natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e assegura que a função depuradora própria da fiscalização concreta da constitucionalidade a seu cargo se exerça sobre normas de direito infraconstitucional resultantes de interpretações não unilaterais e, tanto quanto possível, partilhadas pela generalidade dos tribunais.
[…]” (sublinhado acrescentado).
Admitindo que se trata de uma solução excecional, “[…] uma vez que, em certo sentido, implica que o Tribunal Constitucional se substitua aos tribunais comuns na interpretação das normas jurídicas por aqueles aplicadas nas decisões concretas […]”, o Tribunal, no Acórdão n.º 331/2016, salientou que um dos casos em que é possível o recurso ao mecanismo previsto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC é aquele em que se trata “[…] de uma interpretação que claramente a letra da lei não comporta” (ponto 3.).
Há, pois, que indagar da viabilidade de uma decisão interpretativa nos presentes autos, nos termos do artigo 80.º, n.º 3, como sucedeu, v.g., nos Acórdãos n.ºs 106/2016. 545/2014 e 544/2014, para citar alguns exemplos recentes. Para tanto, deve o Tribunal debruçar-se separadamente sobre cada uma das normas em causa no presente recurso, ou seja, por um lado, o artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e, por outro, o artigo 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, ambos do RJEC.
2.4.1. Relativamente ao artigo 15.º do RJEC, uma primeira conclusão sobressai da simples leitura do preceito: a interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida (já assinalada) não encontra correspondência – diremos mesmo, a mínima correspondência – com a letra da lei.
Na verdade, o preceito legal estabelece que se consideram inidóneas para o exercício da atividade de exploração de escolas de condução as pessoas que “estejam inabilitad[a]s, interdit[a]s ou suspens[a]s do exercício da atividade do ensino da condução […] por sentença condenatória transitada em julgado” (desconsiderando o segmento respeitante à decisão administrativa, que não estava em causa no caso presente).
A simples interpretação literal do preceito remete-nos para uma decisão condenatória que – ela própria – determine a proibição ou suspensão do exercício daquela atividade. Tratando-se de uma decisão condenatória penal, só poderá estar em causa a pena acessória prevista no artigo 66.º ou a pena acessória prevista no artigo 67.º do Código Penal. Por outro lado, nenhum outro elemento de interpretação permite considerar o preceito de outro modo, designadamente abrangendo uma sentença condenatória que não aplique a sanção acessória.
Dito de outro modo, a norma em causa diz respeito às consequências administrativas de ter sido proferida uma decisão condenatória penal que, para além de uma pena principal, também tenha aplicado uma pena acessória que suspenda ou proíba o exercício da atividade do ensino da condução, o que, de resto, é confirmado pelo n.º 2 do mesmo artigo, ao ressalvar o prazo menor do que cinco anos fixado na sentença.
Vista a norma com tal sentido, falha de sentido a censura à luz do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da CRP, já que, não estando em causa a admissibilidade da figura da pena acessória em geral, a ponderação relativa à sua necessidade e proporcionalidade foi já realizada na sentença penal, não implicando a atuação do IMT qualquer novo efeito, carecido de também nova e autónoma ponderação.
De todo o modo, é esta a única interpretação que se mostra conforme ao quadro constitucional, sendo certo que a iniciativa económica privada se exerce “nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (artigo 61.º, n.º 1, da CRP), o que, como justamente salienta o Ministério Público nas suas alegações, faz com que seja constitucionalmente legítimo fixar um requisito de idoneidade “[…] como pressuposto subjetivo do acesso a esta atividade económica, na medida em que assim se promove a tutela do interesse geral na integridade da atividade exploração de escolas de condução, através de empresa singular ou coletiva, e da confiança do público nesta atividade privada de interesse e relevância pública”. Neste contexto, a condenação penal com sanção acessória de proibição ou suspensão do exercício da atividade (condenação na qual, recorde-se, já operaram juízos de necessidade, adequação e proporcionalidade em função da situação concreta) apresenta-se como um pressuposto adequado, em abstrato, a suportar o afastamento do requisito da idoneidade.
Perante as considerações que antecedem, resulta evidente que o sentido do artigo 15.º do RJEC afirmado na decisão recorrida resulta “de uma interpretação que claramente a letra da lei não comporta”, o que permite ao Tribunal fixar uma (diferente) interpretação conforme à Constituição (Acórdão n.º 331/2016). Ou seja, as normas contidas no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do RJEC devem ser interpretadas, no contexto aqui relevante, no sentido de a falta de idoneidade ali prevista como consequência de uma sentença condenatória penal se restringir aos casos em que essa sentença aplique uma pena acessória de inabilitação, interdição ou suspensão do exercício da atividade do ensino da condução.
É o que restará afirmar, no segmento decisório, com as consequências previstas no artigo 80.º, n.º 3, da LTC.
2.4.2. O artigo 50.º, n.º 1, alínea b), do RJEC prevê que o IMT, “revoga o título profissional” ao instrutor que “tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão”; o n.º 2 do mesmo artigo estabelece as condições em que o titular do título revogado pode requerer a emissão de novo título profissional, decorridos cinco anos após a decisão definitiva de revogação.
Ao contrário do se concluiu em 2.4.1. a propósito do artigo 15.º do RJEC, a letra do artigo 50.º do RJEC parece abarcar unicamente a interpretação afirmada na decisão recorrida – no sentido de uma projecção automática da condenação penal. A consideração dos restantes elementos de interpretação indicados nas alegações do Ministério Público não logra vencer a barreira erguida pelo elemento literal – a formulação imperativa (“revoga”), desacompanhada de qualquer outra menção ou critério de ponderação não consente que se extraia daquele preceito um sentido minimamente aberto à consideração, pelo IMT, dos elementos necessários à apreciação da afetação, pela decisão condenatória, da idoneidade do instrutor.
Ou seja, a interpretação do artigo 50.º do RJEC na decisão recorrida, respeitou os cânones hermenêuticos, dos quais nos teríamos de desviar significativamente para alcançar o resultado conforme aos valores constitucionais – neste caso, “[…] não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado” (Acórdão n.º 267/2017), assim preservando o caráter excecional do mecanismo previsto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, atrás assinalado. Com efeito, a limitação da operação interpretativa pela letra da lei – rectius, pela evidenciação da existência de “[…] um mínimo de correspondência […]” do resultado interpretativo à expressão linguística (artigo 9,º, n.º 2 do Código Civil) – responde a uma relevante questão de natureza constitucional, no sentido em que a caracteriza Aharon Barak: “[a] afirmação de que a linguagem estabelece o limite inultrapassável da interpretação traduz uma asserção constitucionalmente relevante […]. De acordo com o princípio da separação de poderes, o papel constitucional do juiz como intérprete é o de «interpretar» um texto criado por quem (o legislador) dispõe desse poder. Na sua qualidade de interpretes os juízes não dispõem de poder ou de autoridade para «criar» novos textos legais” (Purposive Interpretation in Law, Princeton University Press, Princeton e Oxford, 2005, p. 19).
Ora, sendo aqui inviável a interpretação conforme à Constituição, resta, neste caso, concluir pela inconstitucionalidade da norma do artigo 50.º do RJEC, em resultado das considerações supra expendidas, em 2.2. e 2.3., sendo a decisão recorrida confirmada, nessa parte.
III – Decisão
3. Em face do exposto, decide-se:
a) interpretar as normas contidas no artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Regime Jurídico do Ensino da Condução, aprovado pela Lei n.º 14/2014, de 18 de março, no sentido de a falta de idoneidade ali prevista como consequência de uma sentença condenatória penal se restringir aos casos em que essa sentença aplique uma pena acessória de inabilitação, interdição ou suspensão do exercício da atividade do ensino da condução;
b) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Regime Jurídico do Ensino da Condução, aprovado pela Lei n.º 14/2014, de 18 de março, interpretados no sentido de a revogação do título profissional ao instrutor de condução condenado por crime praticado no exercício da profissão por sentença que não lhe aplique uma pena acessória de proibição ou suspensão do exercício dessa atividade operar automaticamente, sem ponderação, pelo IMT, dos elementos necessários à apreciação da afetação, por aquela decisão condenatória, da idoneidade do instrutor; e, consequentemente,
c) conceder parcial provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida de modo a aplicar as referidas normas (artigo 15.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do RJEC) com o sentido interpretativo fixado em a).
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa,13 de março de 2018 –José António Teles Pereira –Claudio Monteiro – João Pedro Caupers – Maria de Fátima Mata – Mouros – (Vencida parcialmente de acordo com declaração junta) Manuel da Costa Andrade
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida no que respeita à alínea b) da decisão do acórdão.
Entendo que a norma contida no artigo 50.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Regime Jurídico do Ensino da Condução, aprovado pela Lei n.º 14/2014, de 18 de março, ao estabelecer a revogação do título profissional ao instrutor que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício da profissão, não viola a norma constitucional consagrada no artigo 30.º, n.º 4 da Constituição porque, neste caso, o efeito automático da condenação assenta na exigência de verificação de uma conexão relevante entre o crime praticado e a atividade profissional sujeita a licenciamento.
Tal como o Tribunal já referiu no Acórdão n.º 748/2014, a falta de poder de valoração casuística da existência de conexão entre a condenação na prática de um determinado crime e a perda do direito profissional em causa, «não é condição suficiente para apurar inequivocamente da inconstitucionalidade do preceito. Determinante é, ainda, que não seja possível antecipar uma ligação abstratamente forte entre o crime praticado e a atividade sob licenciamento, isto é, uma conexão apta a justificar a proporcionalidade do caráter automático ou rígido do efeito».
Ora, a norma em presença estabelece expressamente a ligação entre o crime praticado e a atividade licenciada como pressuposto da revogação do título ao identificar na sua previsão a prática de crime no exercício da profissão.
Trata-se, assim, de uma exigência objetiva, adequada e necessária a assegurar a idoneidade indispensável à tutela do interesse geral na integridade da profissão de instrutor de condução e à confiança do público no seu desempenho, encontrando-se estes profissionais oficialmente habilitados a ministrar as competências técnicas que permitem exercer a condução rodoviária, atividade que o legislador identificou como sendo especialmente exposta a riscos de natureza criminal.
Acresce que a restrição não perdura indefinidamente. Como resulta do n.º 2 do artigo 50.º da referida Lei n.º 14/2014, «O titular de título profissional de instrutor revogado pode requerer a emissão de novo título profissional, decorridos cinco anos após a decisão definitiva de revogação, mediante a aprovação no exame (…) ou através de novo processo de reconhecimento de qualificações (…)».
Concluo, assim, que a exigência de conexão entre o crime praticado no exercício da profissão de instrutor e o exercício dessa mesma profissão afasta a existência de desproporção manifesta entre a via escolhida pelo legislador para a realização do interesse público e a realização desse mesmo interesse.
Maria de Fátima Mata-Mouros