ACÓRDÃO Nº 91/2018
Processo n.º 574/16
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I - Relatório
1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, o Ministério Público interpôs o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. Na sequência de impugnação do indeferimento de reclamação graciosa de ato de liquidação de IRS, apresentada pelos aqui recorridos, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou tal impugnação improcedente. Interposto recurso, a decisão da 1.ª Instância foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tendo sido desta última decisão interposto recurso de revista.
Por acórdão de 27 de abril de 2016, a formação, a que se refere o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, decidiu admitir a revista excecional apenas quanto ao segmento decisório atinente à alegada violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes, não a admitindo na parte restante.
É este acórdão que constitui a decisão recorrida, no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.
3. No requerimento de interposição de recurso, o Ministério Público delimita o objeto respetivo, nos seguintes termos:
“- a norma constante do art. 26.º al. h) ETAF 2004 (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), na interpretação segundo a qual a competência para o conhecimento do recurso de revista é deferida pela norma constante do artigo 150.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (aplicável exclusivamente na jurisdição administrativa), por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97);
- a norma constante do art. 150.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, com fundamento em violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97)”.
4. Notificado para apresentar alegações, o recorrente conclui, nos termos seguintes:
“1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, “do acórdão de admissão de recurso de revista proferido em 27 de abril 2016” [nos autos de proc. n.º 1522/15-30 (1.ª espécie / Recursos jurisdicionais – Apreciação preliminar, do Supremo Tribunal Administrativo – 2.ª Secção do Contencioso Tributário], em virtude de “nele se terem aplicado normas cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada no processo (parecer emitido em 7 dezembro 2015, fls. 811/812)”, a saber: “- a norma constante do art. 150º nº1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (…) – a norma constante do art. 26º al. h) ETAF2004 (aprovado pela Lei n.º 13/2002, 19 fevereiro) na interpretação segundo a qual a competência para o conhecimento do recurso de revista é deferida pela norma constante do art.150º nº 1”, em qualquer dos casos “por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165º nº1 al. p) CRP numeração RC/97)”.
2.ª) Do teor literal do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, e do artigo 26.º, alínea h), do ETAF, tomados singela ou conjugadamente, mesmo considerando o artigo 2.º, alíneas c) e e), do CPPT, não se extrai, à luz do sentido comum das palavras expressas nesses enunciados, uma norma atributiva, genericamente, de competência ao Supremo Tribunal Administrativo para julgar, em sede de recurso de revista excecional, “questões jurídicas” emergentes das relações jurídicas fiscais.
3.ª) Assim sendo, o caso em apreço não é de “lacuna” da lei, mas antes de “silêncio eloquente” da lei, ao qual é de imputar o sentido de que o legislador não quis contemplar, como competência do Supremo Tribunal Administrativo, este meio processual do recurso de revista excecional, para conhecer e julgar “questões jurídicas” emergentes das relações jurídicas fiscais.
4.ª) Por conseguinte, só por via de um raciocínio de analogia ou de extensão teleológica, uma tal interpretação normativa judicial poderia formular uma norma atributiva, genericamente, de competência ao Supremo Tribunal Administrativo para conhecer e julgar, em sede deste recurso de revista excecional, “questões jurídicas” emergentes das relações jurídicas fiscais.
5.ª) Porém, a ser assim, tal “desenvolvimento judicial do Direito”, por raciocínios de analogia ou de extensão teleológica, redundaria em interpretação normativa criando, por via judicial, um novo meio processual (recurso de revista excecional, para conhecer e julgar “questões jurídicas” emergentes das relações jurídicas fiscais).
6.ª) Tal matéria, caracteristicamente atinente à “organização e competência dos tribunais”, está todavia integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (Constituição, art. 165.º, n.º 1, al. p), 1.ª parte) e, como tal, sujeita aos ditames de um estrito “princípio da legalidade”, enquanto “reserva de lei” em sede da identificação das autoridades normativas constitucionalmente investidas de legitimidade para o efeito (Assembleia da República ou, mediante autorização legislativa, o Governo), em termos tais que apenas por ato legislativo tal competência inovatória do sistema de garantias jurisdicionais poderá ser exercida.
7.ª) Sendo certo, finalmente, que de acordo com o seu estatuto constitucional, os tribunais não são autoridades normativas, com competência para editar normas inovatórias, ainda que de cariz judiciário, antes lhes compete “administrar a justiça em nome do povo”, em expressa “sujeição à lei” promanada dos competentes órgãos de soberania com poderes normativos (Constituição, art. 202.º, n.º 1, e 203.º, parte final).
8.ª) Assim sendo, tal interpretação normativa, resultante dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e do artigo 26.º, alínea h), do ETAF, tomados singela ou conjuntamente, mesmo considerando o artigo 2.º, alíneas c) e e), do CPPT, consubstanciaria a criação de uma norma atributiva, genericamente, de competência ao Supremo Tribunal Administrativo para, em sede deste recurso de revista excecional, conhecer e julgar “questões jurídicas” emergentes das relações jurídicas fiscais.
9.ª) Infringindo, assim, o “princípio da legalidade”, enquanto reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, em sede da “organização e competência dos tribunais”, consagrado no artigo 165.º, n.º 1, alínea p), 1.ª parte, da Constituição.
10.ª) E infringindo também o princípio da separação de poderes, pois a criação de normas jurídicas, ainda que de competência judiciária, tal como consubstanciada na interpretação normativa judicial em apreço, é matéria da competência reservada dos órgãos legiferantes (Constituição, art. 111.º n.º 1).”
5. Os recorridos igualmente apresentam alegações, concluindo nos termos seguintes:
“A. Os Recorridos aderem à jurisprudência sólida, uniforme e reiterada que sobre o tema do recurso se encontra construída em sede de Supremo Tribunal Administrativo, constante, designadamente mas não só, dos acórdãos proferidos em 29/11/2006, no rec. Nº 729/06; em 12/12/2006, no rec. nº 584/06; em 30/5/2007, no rec. nº 257/07; em 30/5/2007, no rec. nº 285/07; em 2/7/2008, no rec. nº 173/08; em 14/7/2008, no rec. nº 0410/08; em 16/11/2011, no rec. nº 0740/11; em 14/12/2011, no rec. nº 01075/11; em 12/1/2012, no rec. nº 0899/11; em 12/1/2012, no rec. nº 01139/11; em 7/3/2012, no rec. nº 1108/11; em 14/3/2012, no rec. nº 1110/11; em 21/3/2012, no rec. nº 84/12; em 26/4/2012, nos recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12; em 16/5/2012, nos recs. nºs. 0357/12 e 083/12; em 23/5/2012, no rec. nº 0434/12; em 30/5/2012, no rec. nº 0415/12; em 15/5/2013, no rec. nº 01368/12, em 7/1/2015, no rec. nº 0285/14, em 14/1/2015, no rec. nº 01192/14, em 8/07/2015, no rec. nº 0365/13, e em 21/10/2015, no rec. 0432/14.
B. O recurso excecional de revista é admissível no contencioso tributário por força da aplicação da norma contida no artigo 26º, alínea h), do ETAF, segundo a qual cumpre à secção de contencioso tributário do STA conhecer «De outras matérias que lhe sejam deferidas por lei», e da consequente aplicação do artigo 2º, alínea c), do CPPT.
C. Por outro lado, não ocorre violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais na interpretação e aplicação dos artigos 150º nº 1 do CPTA e 26º, alínea h), do ETAF, porquanto tal competência encontra fundamento legal na remissão, operada pela referida alínea c) do artigo 2º do CPPT, para as normas do CPTA e, bem assim, na remissão operada pela alínea e) do mesmo preceito legal para as normas do CPC, diploma este que desde as alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de agosto, passou também a prever recurso excecional de revista para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos de tribunais da Relação, não havendo, assim, razão para que este tipo de recurso excecional encontrasse exclusão apenas no contencioso tributário (solução que, essa sim, suscitaria dúvidas quanto à sua conformidade à lei constitucional, por atentatória do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da igualdade).
D. O Tribunal recorrido não realizou qualquer "desenvolvimento judicial do Direito", nas palavras do Recorrente.
E. Não ocorre, pois, qualquer inconstitucionalidade orgânica nem outro obstáculo de ordem constitucional à admissibilidade do presente recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. O objeto do presente recurso coincide, substancialmente, com questão já tratada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no âmbito dos acórdãos com os n.os 610/16, 380/17, 381/17 e 35/18 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
À semelhança do que se verificava na situação tratada no âmbito do Acórdão n.º 610/16, também nos presentes autos poderemos concluir que, não obstante o Ministério Público ter optado por enunciar duas questões de constitucionalidade, constata-se que o respetivo conteúdo é reconduzível a uma questão unitária. A este propósito pode ler-se, no referido aresto, o seguinte:
“Com efeito, a norma constante da alínea h) do artigo 26.º do ETAF, que atribui ao contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo competência para conhecer de outras matérias que lhe sejam deferidas por lei, é referida apenas como suporte legal da interpretação que, tendo por fonte direta o artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, aplicável por força daquele primeiro preceito legal, comete ao Supremo Tribunal Administrativo competência em razão da matéria para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela secção de contencioso tributário dos tribunais centrais administrativos.
Ora, a referência ao meio legal usado no processo hermenêutico que conduziu um tal resultado interpretativo, consubstanciado na norma remissiva do artigo 26.º, alínea h), do CPTA, não configura, só por si, questão de inconstitucionalidade diferente daquela que tem por objeto o sentido normativo a que se chegou, fazendo atuar ambos os preceitos legais.
Assim sendo, apenas cumpre apreciar a inconstitucionalidade das normas conjugadas dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e 26.º, alínea h), do ETAF, interpretadas no sentido de que a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo.”
7. Delimitada a questão de constitucionalidade, nos termos expostos, transponíveis para os presentes autos, verifica-se que igualmente são aplicáveis as considerações aduzidas naquele primeiro aresto, relativamente ao conhecimento do mérito do recurso.
Pelo exposto, transcrevem-se, de seguida, os excertos mais relevantes:
“(…) Configurando a questão como um problema de inconstitucionalidade orgânica, sustenta o Ministério Público que uma tal interpretação, que não tem na lei um mínimo de correspondência, viola a norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição, na parte em que confere à Assembleia da República competência exclusiva para legislar, salvo autorização ao Governo, sobre «organização e competência dos tribunais». Na sua perspetiva, a criação, «por raciocínios de analogia ou de extensão teleológica», de uma norma atributiva de competência ao Supremo Tribunal Administrativo para julgar, em recurso de revista excecional, matérias atinentes a questões jurídico-fiscais, consubstancia a previsão, por via jurisprudencial, de um novo meio processual de recurso que apenas a Assembleia da República, ou o Governo, com a sua autorização prévia, poderiam introduzir no sistema da organização e competência dos tribunais.
O invocado artigo 165.º da Constituição enuncia, no seu n.º 1, as matérias que integram a reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, atribuindo ao órgão parlamentar competência exclusiva para sobre elas legislar, salvo autorização ao Governo; inclui-se nesse âmbito a matéria referente à organização e competência dos tribunais [(alínea p)], pelo que só a Assembleia da República pode estabelecer o respetivo regime jurídico, ficando a intervenção legislativa do Governo, neste domínio, dependente de prévia autorização da Assembleia da República, a conceder nos termos e com os efeitos previstos nos nºs. 3 a 5 do citado artigo 165.º da Constituição (artigo 198.º, n.ºs. 1, alínea b), e 3, da mesma Lei Fundamental).
Trata-se, assim, de uma norma constitucional de competência que atua exclusivamente como critério de delimitação ou repartição das competências legislativas da Assembleia da República e do Governo, que são, como é sabido, os únicos órgãos de soberania com competência para legislar (artigos 161.º, alínea c), 164.º, 165.º e 198.º da Constituição).
Sendo este o seu (restrito) âmbito de incidência, só ocorre violação do artigo 165.º da Constituição quando o Governo invade a competência legislativa do órgão parlamentar, aprovando decretos-leis em matérias que àquele estão reservadas sem prévia autorização legislativa ou em abuso desta.
(…) Não é manifestamente o que sucede no caso (…).
Com efeito, admitindo-se que o vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.º da Constituição, possa afetar, não apenas as normas legais, no seu conteúdo dispositivo imediato, mas as próprias interpretações que conduzam a resultados demonstrativos dessa invasão de competências, afigura-se indispensável, em qualquer dos casos, que a norma em crise, regulando matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, conste de um decreto-lei do Governo ou tenha por fonte hermenêutica preceitos legais nele consagrados.
Ora, analisando o objeto do recurso, verifica-se que as normas dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e 26.º, alínea h), do ETAF, de que o Tribunal recorrido alegadamente extraiu a interpretação sindicada, integram leis aprovadas pela Assembleia da República (Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, e Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, respetivamente), no uso da competência legislativa que lhe é precisamente deferida pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea p), da Constituição.
A competência material que o Supremo Tribunal Administrativo entende estar-lhe atribuída, em aplicação dos referidos preceitos legais, encontra-se, assim, estabelecida por lei da Assembleia da República. E assim sendo, não há qualquer fundamento constitucional para julgar verificado o vício de inconstitucionalidade orgânica que o recorrente, abstraindo disso, imputa a uma tal interpretação da lei (neste sentido, cfr. Decisão Sumária n.º 743/2014, proferida em recurso interposto pelo Ministério Público com objeto idêntico ao dos presentes autos).
(…) Tanto basta para se concluir pela improcedência do recurso, sendo certo que também se não descortina, na argumentação do recorrente, que substancialmente mais parece configurar uma arguição de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade (artigo 203.º da Constituição), quaisquer razões que permitam sequer a formulação (…) de um juízo de mérito com base nesse parâmetro constitucional.
Alega o Ministério Público que, perante o «silêncio eloquente da lei», a atribuição ao Supremo Tribunal Administrativo de competência material para conhecer de recursos de revista interpostos no âmbito do contencioso tributário, por via de «um raciocínio de analogia ou de extensão teleológica dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e do artigo 26.º, alínea h), do ETAF», representa a criação, pelos tribunais, de um novo meio processual (‘recurso de revista excecional, em matéria de questões jurídico-fiscais’) que o legislador não previu, nem quis. Nesta perspetiva, o Tribunal recorrido, atribuindo à lei um sentido que ela não comporta, terá violado o princípio da legalidade, a que está constitucionalmente sujeita a atividade dos tribunais, e invadido, desse modo, a esfera de competências do poder legislativo (artigos 111.º e 203.º da Constitucional).
(…) No caso (…), o recorrente censura a interpretação que, tendo por fonte as normas conjugadas dos artigos 150.º, n.º 1, do CPTA, e 26.º, alínea h), do ETAF, atribui à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo competência material para conhecer dos recursos de revista interpostos das decisões da secção tributária dos Tribunais Centrais Administrativos. Apesar da qualificação que lhe é dada pelo recorrente, afigura-se não estar em causa, verdadeiramente, uma norma atributiva de competência; na verdade, o que se discute é a própria existência do recurso de revista, no domínio do contencioso tributário, enquanto acrescido meio de sindicância das decisões proferidas pelos tribunais centrais administrativos em segundo grau de recurso. Naturalmente que, admitindo-se a possibilidade de interposição de recurso de revista, sempre será competente para dele decidir o Supremo Tribunal Administrativo, e não qualquer outro tribunal superior, assumindo a questão da competência, neste contexto, relevo claramente secundário e acessório, desprovido de qualquer caráter controvertido.
Ora, não decorrem da Constituição, nesse específico domínio normativo, específicas limitações em matéria de interpretação ou integração, pelo que, em abstrato, é lícito ao julgador aplicar os critérios legalmente previstos em ordem a determinar o sentido decisivo da lei ou, na ausência de previsão legal, a norma que deve usar como critério de julgamento (artigos 9.º e 10.º do Código Civil), não cabendo ao Tribunal Constitucional – sublinhe-se de novo – controlar o uso que as instâncias fazem dos instrumentos que a lei lhes concede para o efeito, considerando, desde logo, o irreprimível espaço de autonomia que a própria Constituição, em regra, reconhece aos tribunais na interpretação do direito ordinário que são chamados a aplicar (artigo 203.º da Constituição).
Acresce que, decorrendo da interpretação sindicada a ampliação dos meios de sindicância das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos, por via do recurso de revista, no domínio do contencioso tributário, e não a sua restrição, também não se vê qualquer outro motivo de censura constitucional que pudesse advir da consideração da natureza jurídico-tributária das matérias a que se reportam as normas processuais desse modo interpretadas.
Impõe-se, por isso, sem necessidade de mais considerações, concluir pela improcedência do recurso.”
8. Pelo exposto, conclui-se pela não inconstitucionalidade da interpretação, extraída da conjugação dos artigos 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de que a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente, em razão da matéria, para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a interpretação, extraída da conjugação dos artigos 150.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de que a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente, em razão da matéria, para o conhecimento do recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo;
b) e, em consequência, julgar improcedente o presente recurso.
Sem custas.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2018 - Catarina Sarmento e Castro - Maria Clara Sottomayor - Pedro Machete - Fernando Vaz Ventura - Manuel da Costa Andrade