ACÓRDÃO Nº 737/2017
Processo n.º 527/17
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Na Secção Criminal da Instância Central do Funchal, Comarca da Madeira, foram A. B. e C. condenados, como coautores de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. nos artigos 372.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão cada um. Não se conformando com a referida condenação, da mesma interpuseram recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, os quais foram julgados parcialmente procedentes, por acórdão de 15/12/2016, o qual suspendeu a execução das respetivas penas mediante o cumprimento das seguintes condições: a) os arguidos depositarem nos autos, enquanto devedores solidários, em trinta dias, a importância de €12.000 (doze mil euros), acrescida de juros legais, vencidos desde abril de 2003, e b) não se ausentarem do país sem autorização do tribunal durante o período de suspensão da execução da pena.
2. Os arguidos A. e B. vieram arguir várias nulidades do acórdão prolatado pela Relação de Lisboa a 15/12/2016, as quais foram desatendidas por acórdão proferido pelo mesmo tribunal a 26/01/2017.
3. O arguido A. veio, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em requerimento do seguinte teor:
“(...) deve ser julgada inconstitucional:
a. A norma constante do artigo 51.º n.º 1 do Código Penal na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido à não deslocação para o estrangeiros sem prévia autorização do Tribunal, por esta violar o disposto nos artigos 51.º, n.º 2 do C.P., 27.º, n.º 1, 44.º, n.º1 e 205.º n.º 1 da CRP, 13.º, n.º 2 da DUDH (ex vi artigo 16.º da CRP), artigo 2.º do Protocolo Adicional n.º 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigos 6.º, 15.º, 20.º e 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 2.º, 6.º e 9.º, do Tratado da União Europeia, Diretiva de 2004 sobre Liberdade de Circulação e Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.
b. As normas dos artigos 355.º e 356.º do CPP interpretadas como permitindo valorar como prova a transcrição de escutas telefónicas não autorizadas previamente pelo Tribunal e valendo em substituição de declarações que o arguido não quis validamente prestar, violam os princípios constitucionais e o direito à não autoincriminação, presente nos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 2 e 8, da Constituição da República Portuguesa”.
4. Por seu turno, B. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido por decisão de 02/02/2017, prolatada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Veio, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento em que invoca que “decidindo como decidiram, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa violaram normas expressas da Constituição da República, nomeadamente: Artigo 18.º e artigo 20.º 1 e 4, e ainda o artigo 29.º, n.º 5 e por último, o artigo 32.º, este, na medida em que não foi fornecido ao arguido quaisquer provas, em que se fundamentou o Acórdão da 1ª instância, nem sequer foram exibidos ou lidos, ou escutados os documentos que servem de substrato àquele Acórdão”. Mais conclui no sentido de, com o presente recurso, pretender que o Tribunal Constitucional “aprecie a omissão do Tribunal da Relação no que toca à desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais”, pelo mesmo enumerados (entre outros, 20.º, 32.º, 18.º, 26.º, 280.º e 283.º da Constituição).
5. Também o arguido C. reclamou do acórdão da Relação, imputando-lhe várias nulidades, as quais foram desatendidas por acórdão de 09/03/2017. Interpôs ainda recurso para o STJ, o qual não foi aceite por decisão, prolatada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 20/02/2017.
Mais veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento em que invoca que “decidindo como decidiram, os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa violaram normas expressas da Constituição da República, nomeadamente: Artigo 18.º e artigo 20.º 1 e 4, e ainda o artigo 29.º, n.º 5 e por último, o artigo 32.º, este, na medida em que não foram apresentadas ao arguido quaisquer provas, em que se fundamentou o Acórdão da 1ª instância, nem sequer foram exibidos ou lidos, ou escutados os documentos que servem de substrato àquele Acórdão”. Mais conclui no sentido de, com o presente recurso, pretender que o Tribunal Constitucional “aprecie a omissão do Tribunal da Relação no que toca à desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais”, pelo mesmo enumerados (entre outros, dos artigos 20.º, 32.º, 16.º, n.º 1 e 2º da Constituição, do “princípio de que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”, e dos artigos 18.º, 26.º e 280.º da Constituição).
3. No Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária, que decidiu não conhecer do recurso, com os seguintes fundamentos:
"(...)
7. Recurso interposto por A.
São duas as questões de constitucionalidade que constituem o objeto do recurso interposto pelo presente recorrente. Em primeiro lugar, a norma constante do artigo 51.º n.º 1 do Código Penal “na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido à não deslocação para o estrangeiros sem prévia autorização do Tribunal” e, em segundo lugar, as normas dos artigos 355.º e 356.º do CPP “interpretadas como permitindo valorar como prova a transcrição de escutas telefónicas não autorizadas previamente pelo Tribunal e valendo em substituição de declarações que o arguido não quis validamente prestar”.
Desde logo, importa analisar se o recorrente logrou suscitar, durante o processo e de forma adequada, as questões de constitucionalidade perante o tribunal recorrido. Ora, o recorrente alega ter arguido, perante o Tribunal da Relação, “a inconstitucionalidade desta decisão por considerar que a decisão não estava devidamente fundamentada e alegando que a sujeição da suspensão da execução da pena à condição de não se ausentar do país sem prévia autorização do tribunal viola o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal e a liberdade de circulação do recorrente”.
Analisados os autos, verifica-se que, na suscitação de nulidades do acórdão do Tribunal da Relação, o recorrente apenas suscitou inconstitucionalidades imputadas à própria decisão: assim, no ponto 15. das alegações, onde invoca que “deve ser considerado nulo o Acórdão em análise por falta da fundamentação nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 425.º, n.º 4 do mesmo diploma e 205.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa”. No mais, invocou no ponto 32. que “no caso dos autos o Tribunal ao proibir a deslocação para o estrangeiro dos arguidos, sem prévia autorização, violou claramente o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal e a liberdade de circulação do Requerente”, acrescentando, no ponto 47., “o Tribunal da Relação de Lisboa ao aplicar esta regra de conduta violou os artigos 51.º, n.º 2 do C.P., 27.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da CRP”.
Ora, não se pode considerar que, dessa forma, o recorrente tenha suscitado uma questão de constitucionalidade normativa assim entendida, perante o tribunal recorrido, a fim de este poder tomar conhecimento da mesma. De facto, o pressuposto processual de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade pressupõe que essa questão seja formulada de forma a incidir sobre normas jurídicas, como atrás se referiu. De facto, fazendo-se o acesso ao Tribunal Constitucional por via de recurso é necessário que o tribunal que proferiu a decisão recorrida tenha sido confrontado, por iniciativa do sujeito processual interessado, com a questão de dever recusar a aplicação de um sentido normativo precisamente determinado. Assim, o Tribunal Constitucional tem sufragado o entendimento de que, para que uma questão de constitucionalidade se considere suscitada em termos adequados perante o tribunal a quo, não é suficiente referir que a decisão viola a Constituição. É necessário que seja discernível a autonomização da questão de constitucionalidade da norma relativamente ao conteúdo da própria decisão em causa, de modo a colocar o juiz ad quem perante a questão da possibilidade de desaplicação de determinada norma por inconstitucionalidade. Ora, é isso que o recorrente não fez, limitando-se a contestar a própria bondade da decisão recorrida.
Tanto basta para que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do presente recurso, já que o referido pressuposto processual não se encontra cumprido em relação às questões de constitucionalidade enunciadas.
8. Recurso interposto por B.
O recorrente B. invoca pretender, com o presente recurso “que o Tribunal Constitucional aprecie a omissão do Tribunal da Relação no que toca à desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais”, pelo mesmo enumerados (entre outros, os decorrentes dos artigos 20.º, 32.º, 18.º, 26.º, 280.º e 283.º da Constituição).
Ora, da simples leitura do requerimento de interposição de recurso (do qual, aliás, apenas se transcreveu parte, consistindo o restante em descrição das circunstâncias concretas e do processado), decorre que o recorrente pretende recorrer da própria decisão proferida, em si considerada, e não de qualquer norma ou interpretação normativa suscetível de aplicação a um número geral e indeterminado de casos. Assim, o que está em causa, em boa verdade, não é um recurso de constitucionalidade normativa, mas sim do mérito da decisão recorrida.
Mas, se assim é, há que relembrar neste contexto a inexistência, no nosso ordenamento jurídico, da figura do “recurso de amparo” ou da ação constitucional para defesa de direitos fundamentais, na apreciação de alegadas inconstitucionalidades, diretamente imputadas pelos recorrentes às decisões judiciais proferidas. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da LTC, e assim tem sido afirmado por este Tribunal em inúmeras ocasiões.
Assim, resta concluir que não é possível ao Tribunal Constitucional conhecer do presente recurso, por falta de um dos pressupostos legais de admissibilidade: a natureza normativa do objeto do recurso.
9. Recurso interposto por C.
O recurso interposto por C. possui teor idêntico ao interposto por B.. Também o objeto é definido como consistindo na apreciação da “omissão do Tribunal da Relação no que toca à desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais”, tendo, no mais, o requerimento de interposição de recurso teor em tudo idêntico ao anterior.
Assim, valem aqui todas as considerações tecidas no ponto anterior, pelo que, pelos mesmos motivos, não pode também este recurso ser conhecido pelo Tribunal Constitucional".
4. Os recorrentes vieram reclamar desta decisão para a conferência, ao abrigo do artigo 78º- A nº 2 da LTC.
4.1. É do seguinte teor a reclamação de A.:
“(...)
3.º Em parte alguma, a norma de admissibilidade do recurso para esse Tribunal exige ou adjetiva a forma como a inconstitucionalidade tenha sido suscitada.
4.º O Recorrente não se conforma com o entendimento, mormente o respeito que nutre pelo Venerando Juiz Conselheiro signatário de tal decisão.
5.º A inconstitucionalidade da aplicação feita pelo Tribunal da norma foi efetivamente suscitada pelo Recorrente durante o processo, conforme melhor se demonstrará infra.
6.º O Recorrente fundamentou o seu recurso em duas questões essenciais:
a) a aplicação feita pelo Tribunal dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal na parte em que condicionou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido à não deslocação para o estrangeiro;
b) a aplicação feita pelo Tribunal dos artigos 355.º e 356.º do Código de Processo Penal interpretadas como permitindo valorar como prova a transcrição de escutas telefónicas não autorizadas previamente e em substituição de declarações que o arguido não quis validamente prestar.
7.º Relativamente à primeira questão, a norma em causa corresponde ao enunciado normativo dos artigos 50.º e 51.º do Código Penal, que rezam assim:
(...)
8.º A decisão de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão foi tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido a 15/12/2016.
9.º Mal foi notificado deste acórdão, o Recorrente arguiu a sua nulidade, alegando que “Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa ao aplicar esta regra de conduta violou os artigos 51.º, n.º 2 do C.P., 27.º, n.º 1 e 44.º, n.º 1 da CRP, artigo 2º do Protocolo Adicional nº 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigos 6º, 15º, 20º e 21º, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 2º, 6º e 9º, do Tratado da União Europeia, artigos 18º, 20º e 45º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia, Diretiva de 2004 sobre a Liberdade de Circulação e Convenção sobre a Aplicação do Acordo de Schengen”.
10.º Desde logo alertando que a aplicação da norma feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa era inconstitucional porque violava princípios fundamentais (pontos 26 a 47 do requerimento de arguição de nulidades).
11.º Mais concretamente que a liberdade atribuída ao julgador pelos artigos 50.º e 51.º do Código Penal de sujeitar a suspensão da execução da pena a determinadas condições não pode ser interpretada de forma totalmente discricionária, nem podem ser aplicadas condições que violem princípios e direitos fundamentais consagrados na Constituição.
12.º Designadamente, não pode a suspensão ser sujeita a condições sem que o julgador fundamente essas mesmas condições com o caso concreto, sob pena desta interpretação ser inconstitucional por violar o dever de fundamentação das decisões.
13.º Igualmente não pode ser limitada, gratuita e arbitrariamente, a liberdade de circulação do recorrente ou qualquer outra liberdade fundamental.
14.º Isto seria aceitar que o tribunal poderia livremente fixar as condições de suspensão da execução da pena de prisão, sem quaisquer limites e à custa de direitos e liberdades fundamentais.
15.º A liberdade de circulação é um direito constitucional de todos os cidadãos não podendo ser limitado sem qualquer fundamento e de forma desadequada e desproporcional.
16.º O Recorrente teve o cuidado de explicar toda esta questão de constitucionalidade que se levantava no caso em apreço, quer quando arguiu a nulidade do acórdão perante o Tribunal da Relação de Lisboa, quer posteriormente no recurso a este tribunal.
17.º Só não o fez antes, porque relembre-se que esta decisão só foi proferida em instâncias de recurso.
18.º Não sendo verdade que o Recorrente se limita a contestar a bondade da decisão recorrida.
19.º O Recorrente inclusivamente especifica qual a liberdade fundamental que está aqui em causa, transcrevendo os artigos de Legislação Internacional e Nacional que a preveem.
20.º E o mesmo se diga relativamente à segunda questão sobre a valoração de escutas telefónicas como prova mesmo quando não autorizadas e mesmo em substituição das declarações do arguido que validamente não quis prestar (Ponto V das alegações).
21.º Na verdade, logo no recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Recorrente afirma: “A valoração destas escutas como meio de prova viola o direito à não autoincriminação, presente nos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 2 e 8, da Constituição da Republica Portuguesa”.
22.º Invocando ainda o facto das mesmas não estarem autorizadas relativamente ao aqui Recorrente.
23.º Uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre estas questões, o Recorrente volta a invocá-las quando apresenta a arguição de nulidades a esse Tribunal de 2.ª instância.
24.º Também no recurso apresentado a este Tribunal, o Recorrente explica, mais uma vez, o porquê da aplicação da norma feita pelo Tribunal ter violado direitos constitucionais.
25.º No fundo, quanto a esta segunda questão, o Recorrente já a tinha invocado por duas vezes perante o Tribunal da Relação de Lisboa.
26. Quer no que diz respeito a valorar prova não autorizada, quer no que diz respeito a não poder valer em vez do silêncio válido do arguido.
27.º O pressuposto de admissibilidade do recurso que está aqui em causa tem de ser considerado preenchido.
28.º Na verdade basta que o recorrente identifique a norma que reputa de inconstitucional, mencione a norma ou principio que considerada infringido e justifica, ainda que de forma sumária, mas de modo claro e preciso, as razões que invalidam a norma e impõem a sua “não aplicação” pelo tribunal da causa, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da Constituição.
29.º Ora, o recorrente identificou as normas: artigos 50.º e 51.º do CP e artigos 355.º e 356.º do CPP, mencionou a norma ou principio violados: liberdade de circulação, direito à vida privada e princípio da não autoincriminação e explicou as razões que imponham a não aplicação da norma, no sentido aplicado pelo Tribunal.
30.º Qualquer das questões devidamente fundamentadas antes da questão ter subido a este Tribunal, são essenciais e pertinentes no quadro do regime de direitos liberdades e garantias que a Constituição e as Convenções Internacionais a que Portugal aderiu e servem de inspiração e medida a esses preceitos constitucionais”.
4.2. A reclamação de B. tem os seguintes fundamentos:
“(...)
3º Salvo o devido respeito, o recorrente entende que o pressuposto alegadamente em falta, está presente no seu recurso.
4º Nomeadamente, no seu artigo 7º onde se escreve: “….o artigo 32º, este, na medida em que não foi fornecido ao arguido quaisquer provas, em que se fundamentou o Acórdão da 1ª instância, nem sequer foram exibidos ou lidos, ou escutados os documentos que servem de substrato àquele Acórdão.”
5º Com efeito, pese embora no Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, na suas conclusões XLV, o recorrente ter afirmado: “Neste processo coartou-se o direito de defesa ao arguido, ao não ser fornecido cópia das gravações das escutas, por facto a que o arguido ora recorrente é alheio, violando-se assim, também o artigo 32º da CRP”;
6º Ou seja, há uma clara violação normativa quer do artigo 32º da CRP, quer do artigo 358º do Código Processo Penal, aplicada em primeira instância e que fundamentou a condenação do arguido.
7º A dimensão normativa considerada pelo recorrente como inconstitucional, é dada pela aplicação em primeira instância do artigo 358º do CPP, e configura o caso de aplicabilidade de norma que contende com a norma contida no artigo 32º da CRP.
8º Sendo certo, que a inconstitucionalidade desta norma foi invocada, no primeiro recurso da primeira instância, exatamente por ser violadora de norma constitucional.
9º Para além de outras normas do CPP que o recorrente considerou que, aplicadas no sentido e extensão em que o foram, contendiam diretamente com os seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.
10º Está assim preenchido, o pressuposto legal de que dependia a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.
11º Para além de outras alegadas e levadas a conclusões, nomeadamente a aplicação de normas do CPP que, na sua interpretação e aplicação contendem diretamente com os princípios e as normas constitucionais, tal como é o caso de Violação do caso julgado, decisão proferida contra norma uniformizadora de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
12º Mas, admitindo sem conceder, que o recurso interposto, pudesse estar ferido de falta de arguição da natureza normativa do seu objeto, a verdade é que caberia ao Relator, agir de acordo com o disposto no artigo 75º - A da LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
13º Poderia o recorrente ter indicado o alegado pressuposto legal em falta, se tivesse sido notificado para o efeito.
14º Nestes termos, reclama-se para a Conferência, requerendo-se que o recurso seja admitido e o recorrente notificado para apresentar alegações”.
4.3. A reclamação de C. possui teor idêntico à anterior:
“(...)
3º Salvo devido respeito, o recorrente entende que o pressuposto alegadamente em falta esta presente no seu recurso
4º Nomeadamente, no seu artigo 7º onde se escreve: “ …. o artigo 32º, este, na medida em que não foi apresentadas ao arguido quaisquer provas, em que se fundamentou o Acórdão da 1ª instância, nem sequer foram exibidos ou lidos, ou escutados os documentos que servem de substrato àquele Acórdão.”
5º Com efeito, pese embora no Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, nas suas conclusões XLV, o recorrente ter afirmado: “ Neste processo coartou-se o direito de defesa ao arguido, ao não ser fornecido cópia das gravações das escutas, por facto a que o arguido recorrente é alheio, violando-se assim, também o artigo 32º da CRP”
6º Ou seja, há uma clara violação normativa do artigo 32 da CRP, quer do artigo 358º do Código Processo Penal, aplicada em primeira instância e que fundamentou a condenação do arguido
7º A dimensão normativa considerada pelo recorrente como inconstitucional, é dada pela aplicação em primeira instância do artigo 358º do CPP, e configura o caso de aplicabilidade de norma que contende com a norma contida no artigo 32º da CRP.
8º Sendo certo, que a inconstitucionalidade desta norma foi invocada, no primeiro recurso da primeira instância, exatamente por ser violadora de norma constitucional.
9º Para além de outras normas do CPP que o recorrente considerou que, aplicadas no sentido e extensão em que o forma, contendiam diretamente com os seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos
10º Estás assim preenchido, o pressuposto legal de que dependia a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional
11º Para além de outras alegadas e levadas a conclusões, nomeadamente a aplicação de normas do CPP que na sua interpretação e aplicação contendem diretamente com os princípios e as normas constitucionais, tal como é o caso de Violação do caso julgado, decisão proferida contra norma uniformizada de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
12º Mas, admitindo sem conceder, que o recurso interposto, pudesse estar ferido de falta de arguição da natureza normativa do seu objeto, a verdade é que caberia ao Relator, agir de acordo com o disposto no artigo 75º da LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
13º Poderia o recorrente ter indicado o alegado pressuposto legal em falta, se tivesse sido notificado para o efeito.
14º Nestes termos, reclama-se para a Conferência, requerendo-se que o recurso seja admitido e o recorrente notificado para apresentar alegações”.
5. Notificado para o efeito, o Ministério Público respondeu, pugnando pelo indeferimento das reclamações, nos seguintes termos:
“(...)
2º Em relação ao recorrente A., tendo ele suscitado duas questões de inconstitucionalidade, demonstrou-se na douta Decisão Sumária que o recorrente não havia adequadamente cumprido o ónus da suscitação prévia.
3º Para além do afirmado na reclamação, poderíamos ainda acrescentar que, no respeitante à segunda questão de inconstitucionalidade (“normas do artigos 355.º e 356.º do CPP…”), é particularmente evidente a não suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade, como se pode ver pelas conclusões XLIV a LIII da motivação do recurso para a Relação de Lisboa, sendo certo que esse seria o momento processual privilegiado para essa suscitação.
4.º Quanto aos recorrentes B. e C., considerou-se na douta Decisão Sumária que no requerimento de interposição do recurso não vinha identificada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
5.º Parece-nos, na verdade, evidente a inidoneidade do objeto do recurso e nas reclamações nada de relevante é afirmado”.
Cumpre decidir.
II – Fundamentação
6. Reclamação de A.
Vem o ora reclamante reclamar da decisão sumária que decidiu não conhecer do recurso por si interposto com fundamento em falta de suscitação prévia, de forma processualmente adequada, da questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido. Considerou a decisão reclamada que o recorrente apenas havia suscitado inconstitucionalidades imputadas à própria decisão, e não a uma norma ou interpretação normativa. O reclamante alega, porém, que não decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC qualquer exigência respeitante à específica forma de suscitação prévia da inconstitucionalidade.
Ora, esquece o reclamante que a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC refere expressamente que cabe recurso das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. No presente recurso o ora reclamante não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma, mas apenas de decisões. Assim, quando afirmou que “A valoração destas escutas como meio de prova viola o direito à não autoincriminação, presente nos artigos 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 2 e 8, da Constituição da Republica Portuguesa”, ou quando invoca que “no caso dos autos o Tribunal ao proibir a deslocação para o estrangeiro dos arguidos, sem prévia autorização, violou claramente o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal e a liberdade de circulação do Requerente”, acrescentando, no ponto 47., “o Tribunal da Relação de Lisboa ao aplicar esta regra de conduta violou os artigos 51.º, n.º 2 do C.P., 27.º, n.º1 e 44.º, n.º1 da CRP”. Em todos os pontos assinalados, o ora reclamante não logrou confrontar o tribunal a quo com a inconstitucionalidade de uma norma ou de uma interpretação normativa com vocação de aplicação geral, imputando sempre as inconstitucionalidades às próprias decisões tomadas.
Assim sendo, bem andou a decisão reclamada em considerar não cumprido o mencionado pressuposto processual, pelo que resta confirmá-la e remeter para a fundamentação aí expendida.
8. Reclamações de B. e de C.
Possuindo idêntico teor, entende-se ser de apreciar conjuntamente as reclamações de B. e de C.. Entendeu-se na decisão reclamada que os recursos por estes reclamantes interpostos – também de idêntico teor - não eram admissíveis por falta de idoneidade do objeto.
Os ora reclamantes nada alegam que permita invalidar o que se decidiu na decisão reclamada. Desde logo, perdem-se em considerações respeitantes ao cumprimento do pressuposto referente à suscitação prévia da inconstitucionalidade objeto do recurso, não logrando demonstrar que o objeto do mesmo – tal como foi delineado no requerimento de interposição do recurso – possui natureza normativa. Com efeito, alegam que “outras normas do CPP que o recorrente considerou que, aplicadas no sentido e extensão em que o foram, contendiam diretamente com os seus direitos fundamentais constitucionalmente garantidos”, mas não chegam a especificar ou delimitar que normas são essas. No mais, limitam-se a invocar a inconstitucionalidade de decisões, como da “decisão proferida contra norma uniformizadora de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”, assim demonstrando, pois, a natureza não normativa do recurso.
Assim, os reclamantes não demonstram ter logrado delimitar, no requerimento de interposição de recurso, de forma precisa, uma norma ou interpretação normativa que pudesse constituir um objeto idóneo de fiscalização da constitucionalidade. Invocam, porém, que impendia sobre o relator o dever de convidar os recorrentes a aperfeiçoarem o objeto do recurso, nos termos do artigo 75.º-A da LTC. No entanto, tal convite serve apenas para suprir a falta de algum elemento que devesse constar do requerimento do recurso ou para esclarecer dúvida sobre o objeto do mesmo. Não tem o relator qualquer dever de convidar as partes a corrigir o requerimento quando do mesmo decorre, de forma clara, que o objeto do recurso não é idóneo. Era esse o caso dos presentes recursos.
Nestes termos, resta concluir pela manutenção do decidido na decisão reclamada, também no que aos presentes reclamantes respeita.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, para cada um.
Lisboa, 15 de novembro de 2017 - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Manuel da Costa Andrade