ACÓRDÃO Nº 84/2017
Processo n.º 500/15
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante A., S.A. e expropriado B., referente à parcela com o n.º .. da planta cadastral relativa ao projeto de execução da “VL 2- Ligação para Sul da Marginal entre Afurada e Vale de S. Paio”, a expropriante recorreu da decisão arbitral que fixou em €144.963,00 o valor da indemnização a pagar ao expropriado, em aplicação do critério fixado no n.º 4, 2.ª parte, do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 314/2000, de 2 de dezembro.
Por sentença proferida pela 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi fixado em €18.179,00 o valor da indemnização devida pela expropriação da parcela em causa, a atualizar a partir da data de declaração de utilidade pública até à data da decisão. O tribunal entendeu que, encontrando-se a parcela expropriada totalmente inserida em zona RAN/REN, não obstante preencher os requisitos previstos no artigo 25.º, n.º 2, alíneas a) e b), o cálculo do valor da indemnização devia ser feito de acordo com o disposto no artigo 27.º, não sendo aplicável o n.º 12 do artigo 26.º, todos do Código das Expropriações de 1999 (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, alterado e republicado pela última vez pela Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro, doravante referido abreviadamente por CE).
Inconformado, o expropriado interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 16 de setembro de 2014, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
O expropriado interpôs então recurso de revista, invocando contradição de julgados, o qual foi admitido nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por acórdão proferido em 26 de março de 2015, negou provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 6. Cumpre, assim, determinar se o n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, literalmente aplicável ao cálculo da indemnização pela expropriação de “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”, deve ou não aplicar-se a solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (Decreto-Lei n.º 198/89, de 14 de Julho, na versão vigente à data da declaração de utilidade pública; atualmente, Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março) ou na Reserva Ecológica Nacional (então, o Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março; hoje, Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de Agosto), ou simultaneamente em ambas, para além do que a respetiva letra dispõe.
O n.º 12 do artigo 26.º corresponde, com alterações, ao n.º 2 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1991: “2. Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada”; e carece ainda de ser confrontado com a eliminação do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 (“Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”). Como se recorda no acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Novembro de 2012 (www.dsgi.pt, proc. n.º 11214/05.7TBMTS.P1.S1), ainda não transitado em julgado, este preceito foi objeto de repetida análise pelo Tribunal Constitucional em sucessivos acórdãos, sumariada no seu acórdão n.º 275/2004 [...].
O Código das Expropriações de 1999 não contém, pois, uma norma expressa e genericamente aplicável à classificação ou à determinação das regras de cálculo da indemnização em caso de expropriação de solos que, como é o caso presente, preenchem naturalisticamente os requisitos necessários para a qualificação de solos aptos para construção mas que, por se encontrarem incluídos na RAN ou na REN – ou seja, em virtude de “lei ou regulamento”, como se previa no citado n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações de 1991 – não podem ser utilizados para construção; diversamente, prevê expressamente o caso dos solos a que, por regulamento – legalmente habilitado, naturalmente – foi impossibilitada a utilização para construção, por terem sido assim classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.
No entanto, pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2011, do de Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Abril de 2011, http://www.dgsi.pt, proc. n.º 1839/06.9TBMTS.P1.S1, foi fixada a orientação de que “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do art.º 25.º, n.º 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo art.º 1.º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele n.º 2”, jurisprudência que se segue e que, portanto, exclui a possibilidade de qualificação do solo dos autos como sendo apto para construção, com o efeito de ser aplicável ao cálculo da indemnização, em caso de expropriação, o regime dos n.ºs 1 a 11 do artigo 26.º do Código das Expropriações – hipótese que o recorrente, aliás, não coloca no seu recurso.
O que o recorrente sustenta, diferentemente, é que se deve aplicar o n.º 12 do artigo 26.º, seja por interpretação extensiva, seja por interpretação analógica. Para o efeito, louva-se no acórdão n.º 469/2007 do Tribunal Constitucional, no sentido de que ali se prevê um tertium genus, que possibilita a atribuição de uma indemnização inferior à que resultaria da qualificação como solo apto para construção – porque se refere a terrenos onde está vedado essa aproveitamento – mas (eventualmente, como se recorda no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 345/2013, www.tribunalconstitucional.pt) superior à que decorreria da aplicação do método de cálculo previsto para os solos aptos para outros fins. Na sua perspetiva, este regime deve abranger os terrenos integrados na RAN ou na REN que, apesar disso, preencham os requisitos de qualificação de solo apto para construção, sendo aliás esta a única forma de respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização (artigos 13.º e 62.º, n.º. 2, da Constituição e 23.º do Código das Expropriações de 1999).
No entanto, e como todos sabemos, interpretar extensivamente um texto legal significa atribuir-lhe um sentido mais amplo do que aquele que resultaria da mera interpretação literal; aplicá-lo analogicamente implica detetar uma lacuna de regulamentação e preenchê-la mediante as regras aplicáveis aos casos análogos – ou seja, àqueles em que se encontram a mesma razão de ser que determinou a solução regulada. Não sendo possível nenhuma das vias, no plano estrito do direito ordinário, só através de um juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade se poderia chegar a um resultado interpretativo que permitisse a necessária extensão de regime proposta pelo recorrente, posto que assim se não infrinjam os limites desta interpretação e da admissibilidade de julgamentos de inconstitucionalidade com este resultado ampliativo.
Ora, o confronto entre os textos relevantes do Código das Expropriações de 1991, maxime do n.º 5 do seu artigo 24,º e do Código das Expropriações de 1999, entendido no contexto da jurisprudência e da doutrina que se debruçaram sobre esta específica questão da determinação do regime aplicável ao cálculo da indemnização por expropriação de solos que, apesar de estarem integrados em zonas RAN ou REN, reúnem naturalisticamente condições de edificabilidade (ver, por todos, as indicações fornecidas por Alves Correia, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133.º, n.ºs 3904 a 3014, e, nomeadamente, a apreciação ali feita sobre a proposta de lei n.º 252/VII, relativa ao Código das Expropriações que veio a ser aprovado), impede que, do ponto de vista do direito ordinário, se conclua, quer num sentido, quer no outro.
Não é possível sustentar que o legislador disse menos do que queria dizer; ou que, dentro do espírito do sistema definido pelo Código de 1999 para o cálculo das indemnizações, a omissão da inclusão dessa hipótese, no n.º 12 do artigo 26.º, não tenha sido deliberada.
Não se pode concluir pela existência de uma lacuna que cumpra preencher, nem por uma interpretação extensiva como a que o recorrente sustenta. Neste sentido, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Maio de 2012, www.dgsipt, proc. 10.600/05.7TBMTS.S1.»
Afirmado este entendimento, o tribunal a quo pronunciou-se negativamente quanto à desconformidade constitucional do critério normativo acolhido, suscitado pelo recorrente em alegações, dizendo o que segue:
«7. Resta a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, que afirma que o afastamento do regime previsto no n.º 12 do artigo 26.º viola os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização (artigos 13.º. e 62.º., n.º 2, da Constituição).
(...)
8. Não procede a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente.
Com efeito, e ainda que se não conclua no sentido de ser inconstitucional “o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor determinado em função do valor médio do solo edificável da área envolvente, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa)”, como se julgou no acórdão 118/07, www.tribunalconstitucional.pt, sempre se deverá considerar que não se verificam, entre os casos expressamente previstos no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 e o dos autos, uma identidade material que torne constitucionalmente censurável um tratamento diferenciado, por parte do legislador ordinário.
E mais uma vez se apela à jurisprudência constitucional para fundamentar esta afirmação, justamente porque é de uma questão de constitucionalidade que se trata; e novamente ao acórdão 118/2007:
[...]
(…) A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no acórdão n.º 347/2003 já citado:
“[…] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL. N.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DL N.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da atividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstrato, dentro da mesma situação jurídica. […]”
Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de desafetação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a proteção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional, respetivamente, no artigo 93.º da Constituição, que consagra como objetivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e gestão racionais dos solos”, e no artigo 66.º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para “garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.”»
Afastam-se, por estes motivos, os obstáculos apontados pelo recorrente – violação do princípio da igualdade e do princípio da justa indemnização.
9. A terminar, acrescentam-se as seguintes notas:
– A ratio da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 é generalizadamente apontada como sendo a de evitar manipulações; saber se esse é ou não o seu único objetivo não tem consequências no desfecho deste recurso. Sempre se diz, aliás, que se poderá deslocar a comparação que o recorrente apresenta para o confronto entre expropriados e vizinhos não expropriados para a comparação entre a situação de expropriados e vizinhos não expropriados, proprietários de solos também integrados na RAN ou na REN, concluindo em sentido diferente do que o recorrente advoga;
– O sentido útil que se retira do confronto entre resultar da lei ou de PDM a restrição à construção não é apenas o de chamar a atenção para a diferença de grau na hierarquia das normas, ou de esquecer que a concreta inclusão de um solo na REN ou na RAN não decorre imediatamente da lei abstrata, mas sim o de encontrar o fundamento último desta inclusão, com o sentido atrás exposto;
– Tratando-se de um recurso de revista que apenas é admitido com fundamento em oposição de julgados, no qual, portanto, está em causa saber se a indemnização se alcança ou não em aplicação do critério fixado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, fica excluído que o Supremo Tribunal de Justiça possa controlar a devida ou indevida correção da concreta aplicação do regime previsto no artigo 27.º, que o recorrente sustenta ter conduzido a uma indemnização irrisória.»
2. É deste acórdão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, peticionando o recorrente B. que seja apreciada “a inconstitucionalidade do artigo 26.º, n.º 12 do CE, quando interpretado no sentido de que a classificação de um terreno de RAN ou REN impede a aplicação por analogia ou interpretação extensiva do critério de cálculo de indemnização fixado nesse mesmo art. 26.º, n.º 12 do CE, ainda que se verifiquem (como no caso se verificam) todos os requisitos previstos nessa disposição legal: capacidade edificativa, expropriação para o fim aí indicado e aquisição anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, previstos respetivamente nos arts. 13.º e 62.º, n.º 2 do CE.”
3. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, veio o recorrente veio apresentar alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
«A. O Tribunal a quo ao interpretar o n.º 12 do art. 26.º da CRP como não sendo aplicável aos casos de expropriação de parcelas de terrenos inseridos em RAN, independentemente das suas características, fez tábua raza dos princípios da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, acolhendo uma interpretação inconstitucional dessa mesma norma por violação desses mesmos princípios, como se demonstrará.
B. A norma do artigo 26, n.º 12 do atual CE tem como razão de ser, por um lado, obstar a que as modificações do plano urbanístico depreciem o anterior valor do terreno e, por outro lado, salvaguardar o princípio da igualdade, conferindo um direito indemnizatório especial a quem tenha adquirido o terreno em momento anterior ao da restrição legal (do plano) de edificação - cfr. Acórdão da Relação do Porto de 18.06.2012, disponível em http://www.dgsi.pt/
C. Ou, de outra sorte, a ratio do artigo 26.º, n.º 12 do CE tem em vista a salvaguarda dos princípios constitucionais [...] da Justa Indemnização através da observância do Princípio da Igualdade, entre expropriados e vizinhos não expropriados; salvaguarda essa que se alcança através da criação de um terceiro critério, um critério alternativo à dicotomia dos critérios de cálculo de indemnização segundo a classificação dos solos: apto para construção ou apto para outros fins.
D. A referida norma, como decidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2007, institui um tertium genus a que corresponderá uma indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de um terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com atual capacidade edificativa que, alargada às situações de superveniente integração em RAN de prédios à partida aptos para construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade.
E. O Tribunal a quo ao julgar pela improcedência da violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, considerou que ainda que não se considere inconstitucional a aplicação do critério ao n.º 12 do art. 26.º do CE a terrenos inseridos em RAN, também não se poderá julgar inconstitucional a interpretação que exclua esse critério indemnizatório no cálculo da indemnização pela expropriação desses terrenos, até porque nesse caso não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnizarão a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriarão.
F. Perante a tese supra transcrita, importa, em primeiro lugar, esclarecer que a impossibilidade de construção nos terrenos inseridos em RAN é o fundamento para se afastar a classificação destas parcelas como solo apto para construção, não fazendo, assim, sentido usar o mesmo argumento para a recusa da aplicação analógica/extensiva do art. 26.º, n.º 12 que não é um critério de cálculo de indemnização de solos aptos para construção, nem um critério de cálculo de indemnização de solos aptos para outros fins, mas sim um critério alternativo, terceiro à dicotomia existente.
G. Critério que existe por vontade do legislador ordinário que, no cumprimento do seu mandato constitucional de concretização do critério da justa indemnização, entendeu estabelecer uma fórmula de cálculo intermédia que visa colmatar as insuficiências do critério dicotómico existente (apto para construção/apto para outros fins) aproximando o valor indemnizatório do valor de mercado e dos fatores de valorização fundiária: «conferindo um direito indemnizatório especial a quem tenha adquirido o terreno em momento anterior ao da restrição legal (do plano) de edificação».
H. A aplicação do critério do n.º 12 por analogia ou por interpretação extensiva aos terrenos inseridos em RAN /REN garante o cumprimento do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos: atribuindo uma indemnização não tão elevada como a resultaria da aplicação do art. 26, n.ºs 1 a 11 do CE, nem tão baixa como resultaria da aplicação do art. 27.º do CE – cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência 6/2011 publicado em Diário da República, 1.ª Série, n.º 95, de 17 de Maio de 2011, acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 641/2013, Processo n.º 345/13, e n.º 315/2013, Processo n.º 870/12.
I. Diferentemente do decidido pelo tribunal a quo, aplicar os critérios do art. 27.º sem atender às concretas características do terreno, aos fatores da valorização fundiária, afastando o critério intermédio de cálculo da indemnização (n.º 12 do art. 26.º do CE) pensado precisamente para estes casos - em que a atribuição da indemnização não segue os critérios do solo apto para construção por restrição legal à construção no terreno em apreço - é defender uma tese violadora do princípio da justa indemnização e da igualdade, aplicando-se um critério cego decorrente da inserção da parcela expropriada em RAN/REN apesar de esta possuir características de valorização fundiária que se traduzem num aumento do preço de mercado.
J. No fundo, é aplicar um critério que fará alcançar um valor indemnizatório (cerca de 18 mil euros) irrisório, quando considerarmos a zona onde está inserido o terreno e as suas características concretas, alcançando um valor indemnizatório manifestamente injusto do ponto de vista do princípio da igualdade dos cidadãos e, por essa razão, violador desse mesmo princípio.
K. A aplicação analógica ou extensiva do n.º 12 do art. 26 do CE garante o respeito e a estrita observância do princípio da igualdade, sendo de aplicar no caso concreto, nos termos decididos no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 469/2007 que considera de forma inequívoca que nas expropriações de parcelas de terrenos efetuadas em situações análogas às dos presentes autos, nomeadamente nos casos em que as mesmas se destinam à construção de vias de comunicação, se deve recorrer ao critério contemplado no art. 26-12 do CE para efeito do cálculo de valor de tais solos.
L. A aplicação do n.º 12 aos terrenos inseridos em RAN, adquiridos em momento prévio a esta classificação e que reúnam as características que permitiam a sua classificação como solo apto para construção (art. 25.º, n.º 2 do CE), ao garantir o integral respeito pelo princípio da igualdade, assegura a atribuição de uma indemnização mais justa, mais próxima dos valores de mercado.
M. Garantindo-se, por esta via, o respeito pelo princípio da justa indemnização, estabelecido no n.º 2 do artigo 62.º da CRP e concretizado no 23.º e seguintes do Código das Expropriações.
N. Em rigor, a defesa dos princípios constitucionais da justa indemnização através da observância do princípio da igualdade entre expropriados e vizinhos não expropriados que está na ratio do art. 26-12 do CE, impõe uma apreciação casuística, afastando, assim, a enunciação da regra segundo a qual a classificação de um terreno como RAN ou REN, pela sua vinculação situacional, impede a aplicação analógica ou extensiva do art. 26-12 do CE.
O. Pelo que e atendendo a todo o exposto, o acórdão recorrido ao decidir como decidiu (afastar o critério constante do n.º 12 do art. 26.º do CE por entender não existir uma lacuna que justifique uma interpretação analógica ou extensiva), acolheu uma interpretação inconstitucional dessa mesma norma por violação dos princípios da justa indemnização e da igualdade, consagrados nos arts. 62.º e 13.º da CRP.
Dito isto,
P. O cálculo do valor dos terrenos inseridos em RAN/REN deve ser feito por aplicação analógica do n.º 12 do art. 26.º, desde que se verifiquem integralmente os requisitos previstos nessa disposição legal: capacidade edificativa, expropriação para o fim aí indicado e aquisição anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território - cfr. (pela clareza da exposição quanto a esta parte) o Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2012.
Q. No caso concreto verifica-se o preenchimento de todos os requisitos: i) expropriação para o fim indicado: a parcela foi expropriada tendo em vista a execução da VL 2, ligação para sul da marginal entre Afurada e Vale de São Paio, prevista no Plano Estratégico de Vila Nova de Gaia, aprovado em 27 de Janeiro de 2001; ii) capacidade edificativa: a parcela expropriada preenche todos os requisitos previstos no art. 25.º, n.º 2 a) e b) do CE - confina, numa extensão de 28 metros, com a Rua Lago de Linho, pavimentada a betuminoso e dispunha, à data da DUP, de rede de distribuição pública de água, rede de distribuição pública de energia elétrica, rede de distribuição de saneamento, servindo de acesso rodoviário à parcela; iii) aquisição anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território: a parcela expropriada foi adquirida pelo expropriado no ano de 1963 e apenas foi inserida em RAN/REN no ano de 1994.
R. Ao decidir diferentemente, o acórdão recorrido faz uma interpretação incipiente e cega do art. 26.º, n.º 12 do CE, adotando uma conceção radicalista e que ofende abertamente os princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnizarão e o direito à propriedade privada, consagrados nos arts. 13.º a 62.º da CRP, na medida em que absolutiza as contrições à edificabilidade decorrentes do regime jurídico da RAN, em termos tais que redundam na rejeição da ponderação de elementos situacionais e de diferenciação a que o próprio legislador atribui relevância em sede de expropriação de utilidade pública: capacidade edificativa (elementos do art. 25.º, n.º 2 do CE), expropriação para o fim aí indicado e aquisição anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do território.
S. Mais: o acórdão recorrido faz uma interpretação do art. 26.º, n.º 12 do CE valorando duplamente a situação vinculacional do terreno inserido em RAN, interpretando de forma incorreta e abusivamente o regime da RAN, tratando igual o que é manifestamente desigual: ou seja, não é pelo facto de um terreno estar inserido em RAN que faz com que o critério do cálculo de indemnização deva ser o mesmo, desconsiderando - sem explicação possível - a situação do terreno à data de aquisição e os elementos que o diferenciam de outros terrenos inseridos em RAN, que lhe concederiam capacidade edificativa não fora a referida restrição urbanística.
T. Tal interpretação, absolutista e alheia ao caso concreto - um terreno inserido em RAN nunca pode ser indemnizado segundo o critério do art. 26.º, n.º 12 apenas e tão-somente por estar inserido em RAN - tem como consequência direta o apuramento de um valor de indemnização que nunca se aproximará do valor real de mercado, que ignora e não valoriza as expectativas fundiárias reais, próximas e futuras do expropriado, violando o princípio da justa indemnização e da igualdade, tratando de forma igual casos expropriativos desiguais (vertente interna) e potenciando a desigualdade perante os encargos públicos entre expropriados e não expropriados (vertente externa),
U. Com efeito, à luz do princípio da igualdade jamais poderá ser visto como aceitável que se considere que a integração em área de RAN faça com que seja irrelevante que a parcela expropriada se situe ou não em aglomerado urbano, possua ou não características indicadoras de potencialidade de urbanização/construção e seja servida da maioria das infra-estruturas urbanas ou com que seja irrelevante saber o valor que o mercado, os agentes de mercado darão pelas parcelas contíguas, não expropriadas, com as mesmas características.
V. Por conseguinte, conclui-se forçosamente que se não fosse a inserção em RAN dos terrenos com as características dos presentes autos, em momento posterior à data da sua aquisição pelo Recorrente, estes manteriam intocada a sua potencialidade edificativa, o que fundamenta - contrariamente ao decidido - a aplicação direta (extensiva) ou analógica do n.º 12 do art. 26.º do CE, plenamente justificada pela equivalência ou semelhança das características vinculacionais dos terrenos expressamente previstos nessa norma.»
4. Notificada, a recorrida não apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O presente recurso tem como objeto critério normativo operativo do cálculo da indemnização devida pela expropriação de parcela de terreno que, embora reúna um conjunto de índices objetivos de potencialidade edificativa – a acrescer à aptidão construtiva que, em abstrato, todo o solo comporta naturalisticamente -, se encontrem incluídos na Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou na Reserva Ecológica Nacional (REN), ou em ambas.
A decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso de revista por contradição de julgados entre Acórdãos da Relação, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, afastou a leitura do direito ordinário defendida pelo também aqui recorrente, no sentido da aplicação, por via de interpretação extensiva ou analógica, dos critérios de avaliação do valor dos solos fixados no n.º 12 do artigo 26.º do CE. Para tanto, o tribunal a quo, confrontou o disposto no n.º 5 do artigo 24.º do Código de Expropriações de 1991 e o artigo 26.º do Código de Expropriações de 1999, concluindo pela inexistência de fundamento para considerar que o legislador disse menos do que queria dizer ou que, teleologicamente entendido, o regime de cálculo da indemnização devida pela expropriação de terreno integrado na RAN e/ou REN, que preencha os índices de aptidão edificativa estipulados no n.º 2 do artigo 25.º, do CE, comporte lacuna a preencher; ao invés, concluiu, mobilizando apoio jurisprudencial e doutrinal, que não se podia sustentar que a omissão da inclusão da apontada hipótese no n.º 12 do artigo 26.º do CE, não era deliberada. E, por ser assim, concluiu que o valor dos terrenos em questão nos presentes autos deveria ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º do CE, com exclusão de quaisquer outros.
Importa recordar que, nesta sede, não incumbe ao Tribunal Constitucional sindicar o cabimento, face ao direito infraconstitucional, do resultado interpretativo aplicado como determinante do julgado, que se impõe como pressuposto da fiscalização da constitucionalidade peticionada. Face a esse dado, são irrelevantes as criticas que o recorrente inscreve nas alegações quanto ao acerto hermenêutico do acórdão recorrido – e da orientação jurisprudencial em que se inscreve – ou à vontade do legislador ordinário positivada no n.º 12 do artigo 26.º do CE.
Então, a questão jurídico-constitucional, suscitada perante o tribunal a quo e formulada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, delimitando o objeto normativo a conhecer, reside na ilegitimidade constitucional, face aos parâmetros invocados pelo recorrente – os princípios da igualdade e da justa indemnização -, da norma contida nos artigos 25.º, n.º 2, 26.º, n.º 12 e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro (alterado e republicado pela última vez pela Lei n.º 56/2008) segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação de terreno integrado na RAN e/ou REN, com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º, e não de acordo com o citério estipulado no n.º 12 do artigo 26, todos do mesmo Código.
6. A Constituição, no n.º 2 do artigo 62.º, determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização. Embora o legislador constitucional não tenha estipulado um concreto critério indemnizatório, delegando essa tarefa no legislador ordinário, a exigência de que obedeça a um princípio de justiça impõe que os critérios definidos por lei respeitem, na sua formulação e concretização, os princípios materiais do Estado de direito democrático, designadamente, os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Assim o tem sublinhado este Tribunal, na vasta jurisprudência produzida sobre o conceito, consolidando orientação de que a justa indemnização deve atingir valor adequado a ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. Na expressão do Acórdão n.º 52/90:
«Em termos gerais, deve entender-se que a “justa indemnização” há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação»
Importa referir, face à convocação autónoma pelo recorrente do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, que o Tribunal vem reiteradamente entendendo que este parâmetro se encontra ínsito no princípio da justa indemnização, estabelecido pelo n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, cuja violação sempre decorrerá da fixação pelo legislador de critérios indemnizatórios em caso de expropriação que desrespeitem o imperativo de igualdade, seja no âmbito interno, seja no âmbito externo. Na síntese do Acórdão n.º 641/2013 (proferido pelo Plenário):
«Em matéria de indemnização por expropriação, o Tribunal Constitucional tem, com efeito, associado o princípio da igualdade ao princípio da justa indemnização, na linha propugnada por Fernando Alves Correia (cfr. “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, Almedina, 1989, p. 534), ao sublinhar que “no conceito de justa indemnização vai implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade, na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Uma indemnização justa – na perspetiva do expropriado – será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos”.
(...)
Enquanto elemento normativo que deve presidir à definição dos critérios do valor da indemnização por expropriação, o teste do princípio da igualdade a empreender desdobra-se por dois espaços diferentes: no âmbito interno e no âmbito externo. No primeiro confrontam-se as regras aplicáveis às diferentes expropriações (os expropriados que se encontrem em situações idênticas não podem receber indemnizações quantitativamente diferentes); no segundo, comparam-se os expropriados com os não expropriados (a indemnização por expropriação não deve conduzir a um tratamento desigual entre os dois grupos).»
7. Na ausência de indicação no texto fundamental de um qualquer critério ou método de avaliação, tem sido reconhecido ao referencial valor venal do bem, enquanto critério geral de valorização de bens expropriados, idoneidade a “fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada uma expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor” (JOAQUIM SOUSA RIBEIRO, O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional, Relatório apresentado na Conferência Trilateral, Outubro 2009, p. 39, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), sem postergar, porém, uma ampla margem de determinação do legislador na eleição e composição dos relevantes critérios avaliativos dos prédios expropriados, de modo a aproximá-lo do que seria o jogo de fatores que influenciam a cada momento a formação do preço em mercado fundiário - realidade social, e não normativa, dotada de uma irremovível margem de aleatoriedade. Como afirmado no Acórdão n.º 315/2013:
«(...) [O] critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é, em regra, o do seu valor corrente, ou seja, o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu Alves Correia “... a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto (em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Mas a exigência da atribuição de uma indemnização “justa”, também obriga que este valor de mercado não atenda a situações especulativas e deva sofrer algumas correções impostas nas alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artigo 23.º, do Código das Expropriações), donde resultará um “valor normativo”. É a obtenção deste valor referencial que deve orientar a escolha dos critérios determinantes da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelos expropriados.
Isto não significa que o legislador não disponha de uma significativa margem de liberdade para definir esses concretos critérios, cabendo ao Tribunal Constitucional apenas a missão de censurar aqueles que se revelem não serem adequados à obtenção de valores que se enquadrem no parâmetro da “justa indemnização”.»
8. O legislador ordinário, no Código das Expropriações de 1999, em que se inscreve o sentido normativo sindicado, elegeu como critério geral de valoração dos bens expropriados o do seu valor real e corrente, como resulta expresso no artigo 23.º do diploma. Diz o n.º 1 do preceito, sob a epígrafe justa indemnização, que a indemnização a conceder ao expropriado visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo e possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”. E, estipula o n.º 5 do mesmo artigo, que “o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quanto tal se não verifique requer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”.
No que respeita aos critérios referenciais de valorização relativos aos solos – o objeto da expropriação em discussão nos presentes autos – o regime legal assenta na dicotomia, estabelecida no n.º 1 do artigo 25.º do CE, entre “solo apto para construção” e “solo para outros fins”, sendo a classificação do solo como integrado numa ou noutra destas categorias fundiárias decorrente do preenchimento dos requisitos objetivos enunciados no n.º 2 do mesmo artigo. Os critérios referenciais do cálculo do valor do solo apto para construção encontram-se definidos no artigo 26.º, enquanto o cálculo do valor do solo para outros fins decorre do disposto o artigo 27.º, ambos do CE.
9. No caso vertente, o tribunal a quo, em função do impedimento legal à construção imobiliária na parcela expropriada, porque totalmente inserida em zona RAN/REN, (decorrente, à data da declaração de utilidade pública da parcela aqui em causa, respetivamente, dos Decretos-Lei n.º 198/89, de 14 de julho, e 93/90, de 19 de março; hoje, dos Decretos-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, e 166/2008, de 22 de agosto), entendeu que a indemnização deveria obedecer aos critérios de avaliação dos solos para outros fins, pese embora a parcela expropriada preencha os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 25.º do CE, e que, não fora a apontada inclusão em RAN/REN, conduziriam à qualificação do solo como apto para construção (e à fixação de indemnização substancialmente mais elevada). Para o efeito, afastou-se a aplicação à hipótese em presença do preceituado no n.º 12 do artigo 26.º do CE, onde se acolhem os critérios que regem o cálculo da indemnização pela expropriação de “solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor”. E, com abundante recurso à jurisprudência constitucional, entendeu-se que tal solução normativa não defronta obstáculos de constitucionalidade. Diferentemente, e também com invocação de anteriores pronúncias do Tribunal, em particular do Acórdão n.º 469/2007, o recorrente considera que o parâmetro da justa indemnização apenas será respeitado se for aplicado o critério de valorização contemplado no n.º 12 do artigo 26.º do CE.
10. Efetivamente, o âmbito e a ratio das normas alojadas no n.º 12 do artigo 26.º do CE, suscitou, logo após a sua publicação, ampla atenção da jurisprudência constitucional, que lhe reconhece uma linha de continuidade com o regime precedente, enquanto instrumento votado a contrariar classificações dolosas e manipulação das regras urbanísticas. É a leitura de ALVES CORREIA (“A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, separata, 2000, pp. 145-146):
«(...) As modificações introduzidas neste preceito, em comparação com o artigo 26.º, n.º 2, do Código de 1991, traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de aplicação da norma, que passou a abranger, para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território, também os solos por este reservados para a instalação de infraestruturas e para a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que os solos classificados como zona verde, de lazer por um plano municipal de ordenamento do território tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor deste instrumento de planeamento municipal.
Como já tivemos ocasião de escrever noutra altura em relação à norma do n.º 2 do artigo 26.º do Código de 1991 – e, agora, repetimos perante a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código de 1999 –, tem a mesma como objetivo evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objetivo da norma, está bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como «zona verde ou de lazer» (e, agora, também a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser considerados como solos «aptos para a construção», atendendo a um conjunto de elementos certos e objetivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objetiva para a edificabilidade».
A vasta produção jurisprudencial do Tribunal sobre a especial condição dos solos que, possuindo potencialidade edificativa, se encontram afetos a outras finalidades, mormente pela sua integração em RAN e/ou REN, encontra-se resenhada no Acórdão n.º 315/2013, em termos que cabe aqui recordar:
«Desde há muito que o nosso sistema legal tem demonstrado a preocupação de fixar critérios diferentes para o cálculo das indemnizações devidas pela expropriação de solos aptos para neles serem erguidos edifícios e pela expropriação de solos que não tem essa aptidão.
Neste sentido, já o Decreto-lei n.º 576/70, de 24 de novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 57/70, de 13 de fevereiro, fazia uma distinção entre terrenos para construção de terrenos para outros fins (artigo 6.º).
Por sua vez, o Código das Expropriações de 1976, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro, ao estabelecer os termos da distinção entre terrenos situados em aglomerado urbano e terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, ou em zona diferenciada do aglomerado urbano (artigo 30.º e seg.), viu a jurisprudência constitucional censurar-lhe esta opção, por não ponderar devidamente o fator da edificabilidade dos solos (v.g. acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90).
Por este motivo o Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, voltou a diferenciar os solos aptos para a construção dos solos aptos para outros fins (artigo 24.º, n.º 1).
E foi precisamente no domínio deste Código que surgiram questões de constitucionalidade semelhantes à colocada neste recurso, a propósito da aplicação do disposto no n.º 5, do seu artigo 24.º, aos solos integrados em zonas reservadas a finalidades diversas da construção, onde se lia que “é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.
O Acórdão n.º 267/97, deste Tribunal, considerou que era inconstitucional a norma do n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de "solo apto para a construção" os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
Mas o Acórdão 20/2000 veio retificar esta posição, considerando que não era inconstitucional o mesmo preceito, interpretado de modo a excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação (note-se, contudo, que no Acórdão n.º 267/97, a expropriação visava a construção de um quartel de bombeiros).
No mesmo sentido decidiram os Acórdãos n.º 247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002/, 172/2002, 346/2003, 347/2003, 425/2003 e 642/2004.
Nestes acórdãos teve-se em consideração que não havia elementos que permitissem concluir que existiam perspetivas razoáveis desses terrenos serem desafetados da RAN e destinados à construção ou edificação, e que a finalidade da expropriação não confirmava a existência de uma potencialidade edificativa que fosse excluída pela qualificação como «solo para outros fins».
Contudo, outros acórdãos vieram estender este juízo de não inconstitucionalidade a situações em que as expropriações visavam a construção duma central de resíduos urbanos (Acórdão n.º 155/2002) ou de escolas (Acórdãos n.º 333/2003 e 557/2003).
Entretanto, entrou em vigor o Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, atualmente em vigor, que manteve a distinção entre solos aptos para construção e solos aptos para outros fins.
[…]
Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adotado um preceito idêntico ao n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu que nos tribunais se continuasse a entender que os solos integrados na RAN deviam ser catalogados como “solos aptos para outro fim”, mesmo que reunissem as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo Código.
E neste novo quadro normativo, o Acórdão n.º 398/2005 reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os Acórdãos n.º 337/2007 e 416/2007.
E o acórdão n.º 275/2004 chegou mesmo a julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição, as normas contidas no n.° 1, do artigo 23.°, e no n.° 1, do artigo 26°, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
Mas, entretanto, apesar do conteúdo do n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações de 1999, se ter limitado a introduzir algumas alterações ao que já anteriormente constava do artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, perante a ausência duma norma como aquela que constava do n.º 5, do artigo 24.º, deste último diploma, os tribunais começaram a aplicar, num raciocínio analógico, o disposto naquele preceito às demais situações em que um terreno, possuindo aptidões edificativas, se encontrava afeto a outras finalidades por instrumentos públicos, designadamente a sua integração na RAN.
E esta aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, não deixou de também suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional.
Assim, os Acórdãos n.º 417/2006, 118/2007 e o aqui acórdão-fundamento n.º 196/2011 consideraram que era inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
Em sentido oposto, o Acórdão n.º 114/2005 não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a), do n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.º 234/2007 e 239/2007.
Também o Acórdão n.º 276/07 considerou que não eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de “solo apto para a construção”, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Diretor Municipal que os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de “áreas de serviço” de autoestradas.
E, indo um pouco mais longe, nesta mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 469/2007 julgou mesmo inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2, do artigo 25.º, para a qualificação como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, devia ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12, do artigo 26.º, todos do referido Código.
Refira-se que nestes dois últimos arestos foi valorizado como fundamento autónomo o facto do ato expropriativo visar a construção de edifícios nos terrenos expropriados, o que revelava a sua efetiva aptidão edificativa.»
Também o Acórdão n.º 315/2013 não julgou inconstitucional “a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código”. Posteriormente, em Plenário, o Tribunal Constitucional, através dos Acórdãos n.º 641/2013 e 93/2014, proferidos, respetivamente, ao abrigo do disposto nos artigos 82.º e 79.º-D, ambos da LTC, pronunciou-se sobre a questão de aplicação dos critérios de avaliação previstos no n.º 12 do artigo 26.º do CE a solos que, possuindo aptidão edificativa, estão inseridos em RAN e/ou REN. Estes arestos, sedimentando a orientação jurisprudencial anterior, culminam por juízo de não inconstitucionalidade do mesmo sentido normativo, extraído interpretativamente do referido n.º 12 do artigo 26.º do CE.
Cabe salientar que a questão jurídico-constitucional dirimida nos arestos que se vem de referir é distinta daquela aqui em análise, embora com ela tenha proximidade evidente. Com efeito, em muitos arestos, em especial nos mais recentes (Acórdãos n.º 315/2013, 641/2013 e 93/2014), esteve em análise a aplicação do critério normativo por que o recorrente pugnou nos presentes autos e viu negado pelo tribunal a quo. A discussão centrou-se então, no plano da igualdade externa, não, como aqui acontece, na queixa de insuficiência da indemnização atribuída pela expropriação de parcela de terreno integrado em REN e/ou RAN dotado de índices objetivos de potencialidade edificativa, mas sim na eventualidade de um excesso da mesma, por desproporcionada em relação ao efetivo sacrifício causado pela expropriação numa estrita ótica de mercado, questionando-se fundamentalmente se assim se induzia uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados em área classificada que não tivessem sido contemplados com a expropriação, incapazes contemporaneamente de transacionar os seus prédios por montantes equivalentes. O juízo do Tribunal sobre tal questão foi negativo, entendendo não merecer censura constitucional, à luz de exigências de igualdade, que o legislador democrático afaste, em tais circunstâncias, o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Por seu turno, o Acórdão n.º 469/2007 - a que amiúde apela o recorrente - julgou questão normativa que não assume identidade com a questão aqui em apreço. Nele, o Tribunal julgou inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, “a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12 e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, segundo o qual o valor da indemnização devida para expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como “solo apto para construção”, mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código”. Ao invés do que pretende o recorrente, o juízo de desconformidade constitucional não versa todos casos em que a parcela expropriada foi inserida em zona classificada em momento posterior ao da sua aquisição, independentemente da finalidade direta da expropriação, nomeadamente quando se trata de expropriação para construção de vias de comunicação. Avulta da própria fórmula decisória que o juízo radicou especificamente na destinação do terreno expropriado a uma finalidade edificativa, como acontece com a construção de um terminal ferroviário para apoio a um parque industrial, que se entendeu configurar situação estruturalmente idêntica àquelas diretamente referidas no enunciado textual do n.º 12 do artigo 26.º do CE, merecedora de tratamento similar ao dos proprietários de terrenos cujo valor edificativo foi afetado por superveniente classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos. Aliás, essa especificidade diferenciadora do objeto normativo apreciado no Acórdão n.º 469/2007, foi logo salientada em declaração de voto nele aposta e é reconhecida nos arestos posteriores, como é o caso dos Acórdãos n.º 315/2013 e 599/2015. Esse não é o caso dos presentes auto, que não postula na interpretação normativa enunciada pelo recorrente uma precípua finalidade edificativa.
Apenas com o Acórdão n.º 599/2015, da 3.ª secção, teve o Tribunal oportunidade de se pronunciar sobre questão normativa idêntica à aqui em análise, concluindo por julgamento de não inconstitucionalidade de “interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu art. 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E”. Em apertada síntese, estribou-se esse juízo, por um lado, na inverificação de um corolário inverso que, a partir do julgamento de não inconstitucionalidade emitido nos Acórdãos n.º 315/2013, 641/2013 e 93/2014, formado sobre a opção normativa simétrica da aplicada, imponha logica e inexoravelmente a prolação de juízo de inconstitucionalidade, por não decorrer da Constituição “um único critério justo de avaliação dos solos inseridos em RAN em momento posterior ao da sua aquisição pelos expropriados que apresentem algumas das características previstas no artigo 25.º, n.º 2, do CE para efeitos de atribuição de uma indemnização (justa, devida), pela perda do bem expropriado”. E, por outro, entendeu-se que não se podia ter como imperiosa, indispensável para atingir uma indemnização que garanta o respeite pelo princípio da justa indemnização, nas suas vertentes essenciais – igualdade, equivalência, efetivo ressarcimento do prejuízo sofrido -, a aplicação do critério contidos no artigo 26.º, n.º 12, do CE, a situações de solos classificados, não se evidenciando a verificação de um défice na compensação atribuída com recurso aos critérios referenciais contidos no artigo 27.º do CE.
Acompanhamos, adiante-se, esse entendimento e fundamentação.
11. Entende o recorrente que a norma sindicada viola os princípios da igualdade e da justa indemnização, sustentando, em síntese, que decorre da inaplicabilidade dos critérios de avaliação fixados no n.º 12 do artigo 26.º do CE a terrenos inseridos na RAN e/ou REN, reunidos que estejam os requisitos definidos no n.º 2 do artigo 25.º, com a consequente fixação de indemnização inferior, por via dos critérios contidos no artigo 27.º. Na sua ótica, tal interpretação normativa comporta “o apuramento de um valor de indemnização que nunca se aproximará do valor real de mercado, que ignora e não valoriza as expectativas fundiárias reais, próximas e futuras do expropriado, (...) tratando de forma igual casos expropriativos desiguais (vertente interna) e potenciando a desigualdade perante os encargos públicos entre expropriados e não expropriados”, por tornar “irrelevante que a parcela expropriada se situe ou não em aglomerado urbano, possua ou não características indicadores de potencialidade de urbanização/construção e seja servida da maioria das infra-estruturas urbanas ou (...) irrelevante saber o valor que o mercado, os agentes de mercado darão pelas parcelas contíguas, não expropriadas, com as mesmas características”.
Esta conclusão não pode ser aceite.
Na verdade, o apelo ao valor de mercado comporta a ficção da transação imediata do bem expropriado, procurando determinar um equivalente pecuniário que atenda às utilidades que ele proporciona ou está apto a proporcionar no momento da expropriação, com primazia, tratando-se de parcela de terreno, para a potencialidade edificativa. Ora, a integração em REN e/ou RAN, não pode ser configurada como um mero obstáculo conjuntural e contingente, indiferente como fator de determinação do que seria o valor de uma transação no mercado fundiário: conforme se referiu o Acórdão n.º 641/2013, “a limitação de construção, decorrente da integração do terreno na RAN, influi necessária e decisivamente no valor venal dos terrenos afetados, retirando-lhe mesmo o principal fator de valorização”. Desse modo, não pode ser dada como certa a inidoneidade do critério normativo em questão para assegurar a justa indemnização devida, do mesmo jeito que, como se diz no Acórdão n.º 599/2015, não é possível afirmar, sem mais, que cálculo do valor do terreno inserido em RAN através dos critérios referenciais contidos no artigo 27.º do CE fique aquém do valor de mercado, dando lugar a um défice indemnizatório lesivo do princípio constitucional da justa indemnização, tanto mais que, como se verá de seguida, o regime indemnizatório pela expropriação comporta mecanismos corretores.
12. Na verdade, sempre que não se verificar uma correspondência entre o valor dos bens calculado de acordo com o critério normativo sindicado e o “valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”, nomeadamente por o valor indemnizatório apurado se apresentar, à evidência, como desajustado face às características da parcela, é viável, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º do CE, atender a “outros critérios para alcançar aquele valor” – é o que ALVES CORREIA qualifica como “válvula de escape” ou “cláusula de segurança” (ob. cit., p. 128). Não é desrazoável admitir que o valor real e corrente de um terreno inserido na RAN e/ou REN, com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do CE, seja relativamente superior ao de um terreno também integrado na RAN e/ou REN, desprovido das mesmas características. Contudo, a possibilidade de adoção de critérios que permitem atender a essa aptidão física, nomeadamente à localização do terreno, à sua acessibilidade e ao desenvolvimento urbanístico da zona, como fatores de potenciação valorativa, assegura a idoneidade da norma em questão para garantir um montante indemnizatório correspondente ou o mais aproximado possível do valor real ou corrente do solo, assim respeitando a igualdade entre os expropriados, no cotejo entre terrenos inseridos em RAN e/ou REN, com ou sem tais condições objetivas.
Ainda no plano da igualdade interna, agora considerando os expropriados nas situações contempladas no sentido literal do enunciado textual contido no n.º 12 do artigo 26 .º do CE, o Tribunal já afirmou as diferenças que afastam as duas situações. Como se assinalou, novamente, no Acórdão n.º 315/2013, entendimento inteiramente transponível para a situação dos presentes autos:
«As disposições dos planos municipais de ordenamento do território que reservam terrenos particulares para a instalação de infraestruturas (v.g. arruamentos) ou equipamentos públicos (v.g. hospitais, instalações desportivas, escolas), atendendo ao seu destino público, têm necessariamente implícita uma intenção de aquisição futura desses terrenos pela Administração, sendo tais disposições até apelidadas de “reservas de expropriação” ou de “expropriações a prazo incerto” (vide ALVES CORREIA, em “Manual de direito do urbanismo”, vol. I, pág. 774, da 4.ª ed., da Almedina).
Quanto às prescrições dos planos que destinam certos terrenos situados em áreas edificáveis a espaços verdes ou de lazer, verifica-se que a destinação imposta àqueles terrenos pela Administração é também de tal modo dominada pela satisfação de puros interesses públicos urbanísticos que o seu aproveitamento privado é quase impraticável. Por isso se considera que as mesmas esvaziam tão severamente o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade, por motivos de utilidade pública, que são encaradas como verdadeiras “expropriações de plano” (vide ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 777-778).
As situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, como acima se disse, correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduzem em atos que se aproximam de uma verdadeira expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação efetiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações impostas, resultava objetivamente numa inadmissível manipulação das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma intenção dolosa.
O legislador terá, aliás, tido em atenção que a doutrina já defendia que estes atos pré ou quase expropriativos poderiam gerar, só por si, uma obrigação de indemnização autónoma (vide ALVES CORREIA, em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 521-528, da ed. de 1989, da Almedina), a qual atualmente tem cobertura legal no artigo 143.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro.
Ora, a inclusão de um terreno na RAN ou na REN não é rigorosamente equiparável a estas situações, uma vez que as limitações inerentes ao estatuto destas reservas não tem a severidade dos casos anteriormente referidos (apesar de, relativamente à REN poderem, em determinados casos, ocorrer restrições de utilização de igual grau de severidade) e têm em atenção a especial localização factual desse terreno e as suas características intrínsecas.
Recorde-se que as limitações resultantes da integração de um terreno em zona RAN ou REN, em regra, não atingem o núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que o destino permitido é suscetível duma utilização privada e tem em consideração as características morfológicas, climatéricas e sociais do terreno em causa.
As proibições, designadamente a proibição de construção, restrições ou condicionamentos à utilização dos terrenos integrados em área RAN ou REN, são uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre eles, pelo que são encaradas como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, não se considerando que possam gerar, por isso, qualquer direito de indemnização autónomo.»
13. Por último, a jurisprudência deste Tribunal tem sustentado que, na definição dos critérios do valor da indemnização por expropriação na hipótese normativa em análise, o apelo a uma exigência de igualdade, na sua relação externa, nos termos pretendidos pelo recorrente, não encontra propriedade. Assim o disse o Plenário do Tribunal, no Acórdão n.º 641/2013, acolhendo a fundamentação do Acórdão n.º 315/2013:
«[N]ão é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Não é possível impor ao legislador, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos sujeitos a limitações legais à construção expropriados e não-expropriados, que valore de modo idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos, sujeitos às mesmas limitações, conseguem obter com a sua alienação voluntária.»
Nos termos afirmados por Maria Lúcia Amaral, em declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 196/2011, é impossível assegurar «uma correspondência em todos os casos absoluta entre o valor da indemnização e o valor de mercado do bem expropriado», o que «decorre do simples facto de não poder o legislador fazer mais do que ordenar um sistema de critérios referenciais atinentes ao cálculo do quantum indemnizatur, sistema esse que, devidamente aplicado, tenderá a proporcionar uma indemnização efetivamente correspondente ao “valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo numa utilização económica normal”.»
14. E assim, não se revelando que a norma fiscalizada viole o princípio da justa indemnização pela expropriação, designadamente na vertente da igualdade perante os encargos públicos, nem qualquer outro parâmetro constitucional, deve o recurso ser julgado improcedente.
III. Decisão
15. Nos termos e pelos fundamentos exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 25.º, n.º 2, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação de terreno integrado na RAN e/ou na REN, com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º, e não de acordo com o critério previsto no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código;
b) julgar improcedente o recurso; e
c) condenar o recorrente nas custas, que se fixam, de acordo com a complexidade do recurso e a graduação seguida em casos idênticos, em 25 (vinte e cinco) Ucs.
Notifique.
Lisboa, 16 de fevereiro de 2017 - Fernando Vaz Ventura - Catarina Sarmento e Castro - Pedro Machete (com declaração) - Lino Rodrigues Ribeiro (vencido, de acordo com o voto de vencido ao acórdão n.º 599/15.) – Manuel da Costa Andrade
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão, sem prejuízo de continuar a entender, na linha dos Acórdãos n.ºs 417/2006, 118/2007 e 196/2011 e das minhas declarações juntas aos Acórdãos n.ºs 315/2013, 624/2013, 641/2013 e 93/2014: (i) que a integração de um terreno na RAN ou na REN – a qual se justifica pelas suas caraterísticas intrínsecas – implica, «não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expetativa razoável de desafetação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção imobiliária» (Acórdão n.º 275/2004, ponto 9.4); e (ii) que, sendo inerente à racionalidade e justificação da justa indemnização por expropriação «fazer entrar esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada uma expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor» (v. SOUSA RIBEIRO, citado no presente acórdão), é claro que o proprietário expropriado não pode ser nem prejudicado nem beneficiado face aos proprietários de prédios em idêntica situação que não tenham sido objeto de expropriação. Esta é uma exigência da vertente externa da igualdade em matéria expropriatória.
Nesta perspetiva, entendo que a não inconstitucionalidade da norma sindicada no presente processo resulta apenas da circunstância de, como referido no excerto de ALVES CORREIA transcrito no Acórdão n.º 315/2013 e assumido no ponto 12 do acórdão agora votado, a situação jurídica dos terrenos integrados na RAN ou na REN não ser comparável à dos solos a que se reporta o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, e, por isso, também não ser constitucionalmente exigível, em caso de expropriação, a aplicação de um idêntico regime indemnizatório. Ou seja, a igualdade interna não é posta em causa pela não aplicação às expropriações de terrenos integrados na RAN ou na REN do critério indemnizatório previsto nesse preceito.
Pedro Machete