ACÓRDÃO Nº 558/2016
Processo
n.º 1155/15
2ª
Secção
Relator:
Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal
Constitucional
I
Relatório
1.
A.,
S.A. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul
(TCA-Sul) da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de
Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a
liquidação emitida pela B., S.A., nos termos do art. 15.º, n.º 1, al. l) do Decreto-lei n.º 13/71, de 23 de
janeiro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º 13/71, de 23 de
janeiro, de taxa no montante de 2.724,69 Euros, referente ao aumento de duas
mangueiras abastecedoras de combustível do posto de abastecimento de
combustível identificado nos autos.
Por Acórdão de 19/11/2015, o TCA-Sul
negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Fundamentou-se, inter alia, no entendimento segundo o qual “a base de incidência de tributação da taxa
prevista na alínea l) do artigo 15.º do DL n.º 13/71 é aferida por cada
mangueira licenciada a instalar e não como pugna a Recorrente por cada bomba
abastecedora”. Mais acrescentou que tal entendimento não importava “a violação dos princípios constitucionais da
proporcionalidade e da justiça, nem a inconstitucionalidade orgânica porquanto
estamos perante uma verdadeira taxa e não imposto, nem a violação do direito
fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, porquanto como ficou
explicitado não se verificada qualquer desproporcionalidade, nem qualquer
cercear de modo excessivo a atividade empresarial».
2. Inconformada, a A.,
S.A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em requerimento do seguinte teor:
«(...)
3. O presente recurso para o
Tribunal Constitucional tem por objeto a questão da inconstitucionalidade
material e orgânica do art. 15º, nº 1, al. l) do
decreto-lei 13/71, de 23 de janeiro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º
25/2004, de 24/01, na parte em que o mesmo é interpretado e aplicado no sentido
de as taxas ali previstas incidirem sobre o número de mangueiras e não sobre as
bombas abastecedoras dos postos de abastecimento, por:
(i) violação do direito
fundamental à liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no art. 61º CRP;
(ii)
violação direta dos princípios da proporcionalidade e da justiça consagrados no
art. 226.º/2 da CRP;
(iii)
violação dos art. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i)
CRP que gera a inconstitucionalidade orgânica, por se tratar de um imposto e
não de uma taxa.»
3. Notificado para o efeito, a
recorrente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:
« A) A ora
Recorrente veio interpor o presente recurso de constitucionalidade do douto
Acórdão proferido pelo TCA Sul em 19/11/2015, que julgou improcedentes os
vícios de inconstitucionalidade invocados pela Recorrente ao longo deste
processo, referentes à norma contida no art. 15º, n.º
1, al. l) do Decreto-Lei n.º 13/71, como interpretada no sentido de se entender
“bomba de combustível como mangueira abastecedora”, como tem sido o
entendimento da Recorrida, B., S.A.
B) Sem prejuízo de esta norma
ter sido revogada muito recentemente pelo Decreto-Lei n.º 87/2014, de 29/05, a
verdade é que a ora Recorrente tem sido alvo de inúmeras e sucessivas
liquidações deste tipo de taxas sobre mangueiras abastecedoras de combustível,
por parte das B., referentes aos vários postos de abastecimento que detém por
todo o território nacional, que considera não só ilegais, como
inconstitucionais, razão pela qual pretende submeter à apreciação de V. Exas.
esta questão que se afigura de grande relevância jurídica e social.
C) É
inequívoco que a letra do preceito em causa determina a incidência objetiva da
taxa sobre as bombas abastecedoras, não havendo quaisquer razões
lógico-jurídicas que levem a que a norma em causa possa ser objeto de uma
interpretação corretiva.
D) Com efeito, esta norma de
incidência objetiva manteve-se inalterada, continuando a base da tributação a
ser as bombas de abastecimento e não as mangueiras dessas bombas, que são
apenas “elementos” dessas bombas, sendo que a bomba de abastecimento é o
dispositivo mecânico que permite, designadamente, mover ou elevar materiais
líquidos, no caso, combustíveis, desde o depósito que está enterrado no posto,
até ao depósito do veículo a abastecer.
E) Se o
legislador tivesse pretendido alterar a base da incidência objetiva desta taxa,
passando a assentar no número de mangueiras e não nas bombas, seguramente que o
teria escrito expressamente e não teria mantido o mesmo texto, quando em 2004,
através do Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24/01, alterou a norma, mas mantendo
inalterada a base de incidência objetiva de tributação – quando em 2004 já
proliferavam as bombas multiproduto.
F) Deste modo, e de acordo com
as regras e princípios da interpretação e aplicação da lei consagrados no
artigo 9.°, n.º 3 do Código Civil, em que o intérprete
deve sempre presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento corretamente e
em termos adequados, conclui-se que a taxação desta norma deve incidir sobre a
bomba de combustível enquanto possibilidade de extração do mesmo do depósito
onde está armazenado para o recetáculo do veículo automóvel.
G) Além disto, diga-se que por
uma questão prática e por impossibilidade física, o abastecimento apenas pode
ser feito em simultâneo por dois veículos, um de cada lado da bomba, no máximo!
H) O que se tributa não deve ser
a disponibilização de um produto, mas o benefício retirado da possibilidade de,
em determinado momento, um veículo automóvel ser abastecido no posto de
abastecimento, pelo que as possibilidades de abastecimento não são
proporcionais ao número de mangueiras.
I) Já vários Acórdãos do TC se
pronunciaram sobre esta questão, referindo que o critério de fixação do quantum
de uma taxa é relevante, em termos de se aferir da utilidade que o sujeito
passivo dela extrai, não podendo ser completamente alheio aos custos da
entidade pública e dessa utilidade.
J) Perante
esta jurisprudência, decorre que o critério encontrado pela B. para fixar o
montante das taxas a pagar, nos termos do referido art.
15º, n.º 1, al. l) do DL 13/71, baseando-se no número de mangueiras e não no
número de bombas constitui uma total desproporção, que compromete a
correspondência que deverá existir entre o serviço prestado (o licenciamento) e
a utilidade que a entidade que explora os postos retira.
K) Note-se inclusivamente que a
douta Declaração de Voto do Exmo. Juiz-Conselheiro, Dr. João Caupers, que, pronunciando-se sobre esta questão em
concreto, no recente Acórdão n.º 846/2014 proferido pela 1ª Secção do Tribunal
Constitucional no proc. n.º 1018/13, não pôde acompanhar o sentido de decisão
aí tomado e conclui no sentido de afirmar que a norma constante do art. 15º/1/al. l) do DL 13/71 é inconstitucional se se
interpretar “bomba abastecedora de
combustível como significando mangueira abastecedora de combustível (…) por
violação do princípio da proporcionalidade, inscrito no artigo 266.º, n.º 2 da
CRP.”
L) Se é verdade que uma
mangueira é o equipamento da bomba de abastecimento que representa uma
possibilidade de saída do carburante do depósito onde este se encontra
armazenado para o depósito do veículo, o facto é que cada cliente apenas poderá
optar por um produto de cada vez, não obstante ter várias ofertas de produtos
(geralmente, são quatro os produtos disponibilizados: gasóleo, gasolina s/ chumbo
95 e 98, e gasolina “Gforce”).
M) Nem poderá a B. dizer que o
licenciamento rodoviário que é feito nestes moldes tem como finalidade
“garantir a efetiva existência de condições de segurança e comodidade adequadas
à circulação rodoviária e aos seus utentes”, ou ainda que um maior número de
mangueiras determina uma “maior procura de combustíveis e de outros produtos”,
da mesma forma como “a clientela do posto é aferida e propiciada por aquele
número de mangueiras”.
N) Porque
todos estes argumentos, para além de não terem ficado provados nos autos, são
totalmente falaciosos e não têm o mínimo de correspondência com a realidade.
O) Em
primeiro lugar, porque hoje em dia, como é do conhecimento geral e facto
notório, quase todas as operadoras de postos de abastecimento dispõem dos
mesmos carburantes, não sendo pelo fator produto que um cliente vai escolher
determinado posto para abastecer o seu veículo (mas sim pelo fator preço ou
eventuais descontos efetuados).
P) E em segundo lugar, o tráfego
automóvel não é proporcional ao aumento das mangueiras de um posto, nem implica
um maior número de entradas ou saídas do mesmo, isto porque os automobilistas
utilizam determinada estrada (nacional, regional ou autoestrada) em função do
respetivo destino e não em função de existir determinado posto de abastecimento
ou área de serviço nessa via.
Q) Ora,
a cobrança de uma taxa pelo número de mangueiras e não pelo número de bombas de
abastecimento, pelo respetivo licenciamento, não é a adequada para assegurar o
fim de interesse público que supostamente se visa atingir; não é indispensável
e excede o que seria razoável em relação aos objetivos a prosseguir.
R) Taxar assim uma bomba não
pelo número de utilizadores potenciais, mas pelo número de mangueiras
existentes, significa apenas uma “caça” desproporcional e ilegítima à taxa.
S) A ratio legis desta norma não poderá
dispensar esta análise em que chegaremos à conclusão que é manifestamente
desproporcional, completamente alheio e excessivo, até desta perspetiva da
utilidade para o operador do posto, ter que pagar uma taxa pelo licenciamento
das bombas, entendidas como mangueiras abastecedoras.
T) É
esta proibição do excesso, a falta de razoabilidade resultante da liquidação
das taxas pelo número de mangueiras que se verifica no caso e que impõe a
conclusão de qua há violação do princípio constitucional da proporcionalidade e
da justiça.
U) Ainda
assim e sem prejuízo de quanto foi exposto, poderá entender-se adicionalmente
que a interpretação supra referida feita pela B., está a impor à Recorrente que
se organize economicamente de uma única forma: que cada bomba não pode ter mais
de uma mangueira (voltando ao sistema das bombas monoproduto),
com graves prejuízos para a própria eficiência económica assim como com
prejuízos iguais para os consumidores, que verão menor disponibilidade de
combustíveis e mais tempo de espera.
V) Aí,
sim, o resultado poderá ser maior insegurança no tráfego, pelo acumular de
demasiadas viaturas à espera de abastecer em cada posto de combustíveis...
W) Logo,
a taxação por mangueira implica também uma restrição abusiva à iniciativa
económica privada da A. proibida pela Constituição, enquanto restrição à
liberdade de organização e de atividade da empresa privada.
X) Ainda quanto a este ponto e
sem prescindir de todos os argumentos apresentados no sentido da
inconstitucionalidade desta interpretação do art.
15º, n.º 1, al. l) do referido DL, diga-se que o recentíssimo Decreto-Lei n.º
87/2014, de 29/05, veio revogar o referido art.
15º/1/al. l) do DL 13/71, com efeitos a partir de 30/05/2014, substituindo a
taxação de bombas de combustível, pelo “número de litros de combustíveis
vendidos em cada ano”.
Y) O que nos leva a reafirmar o
caráter mais funcional e prático desta norma, em que a taxa deverá incidir pela
utilidade económica que é retirada da própria atividade do posto de abastecimento
de combustíveis e não pela quantidade de equipamento, v.g
mangueiras/pistolas.»
4. A recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
«1º O conceito de bomba
abastecedora de combustível previsto no DL 13/71 coincide com o que a B.
designa por mangueira, enquanto parte exterior de um artefacto mecânico através
do qual a gasolina, ou outro combustível, é transferido de um recipiente
(depósito da bomba) para outro (depósito do veiculo a abastecer).
2º Tal
interpretação é corroborada pela própria redação da norma, na medida em que,
uma bomba abastecedora de combustível configura, necessariamente, uma
bomba/equipamento que abastece o veículo.
3º O termo por cada bomba
abastecedora traduz a aplicação da taxa por cada um (em termos individuais) dos
equipamentos/mangueiras existentes no posto de combustíveis.
4º Uma
bomba abastecedora corresponde a cada possibilidade de saída de combustível.
5º Para além do significado
natural (e comum) da expressão utilizada, importa, igualmente, verificar qual a
razão de ser da lei, qual o fim visado pelo legislador ao elaborar tal norma.
6º Pelo
que, não deve ser descurado o facto do conceito de bomba abastecedora se manter
inalterado na legislação rodoviária desde a publicação do Decreto-Lei n.º
13/71, de 23 de janeiro.
7º Data em que os postos de
abastecimento de combustíveis eram constituídos por bombas monoproduto
(simples), ou seja, por bombas através das quais se abastecia apenas um
carburante.
8º Com
efeito, por cada bomba abastecedora de combustível (que bombeia um só
carburante), existente no posto de abastecimento era aplicada a taxa fixada por
lei.
9º Para efeitos de licenciamento
“rodoviário”, porque é do que se trata, o legislador impôs a cobrança das taxas
por cada possibilidade de saída de combustível.
10º A existência de bombas
duplas e bombas multiproduto não alterou a solução consagrada e o pensamento do
legislador.
11º O aparecimento de tais
bombas teve como objetivo a obtenção pelos concessionários de um dado volume de
vendas equivalente a tantos números de bombas simples quantas as saídas
permitidas por aquelas, mas com redução de custos em contadores e área
disponível.
12º Na
verdade, a cada mangueira (ou bomba abastecedora de combustível) podem estar
associados subterraneamente vários depósitos que permitirão a comercialização
distinta de vários produtos, independentemente de ser possível ou não a sua
comercialização em simultâneo.
13º Assim,
numa bomba simples, a taxa será aplicada uma única vez.
14º Se
estiver em causa uma bomba dupla e/ou multiproduto, a taxa será aplicada tantas
vezes quantas o respetivo número de mangueiras de escoamento.
15º Estamos
perante o licenciamento rodoviário, cuja finalidade é garantir a prevenção das
condições de segurança e circulação na estrada e dos seus utentes.
16º O licenciamento dos postos
de abastecimento visa garantir a prevenção das condições de segurança e
circulação na estrada e dos que a utilizam.
17º
Verificando-se, no licenciamento dos PAC, entre outros aspetos por lei
determinados, a organização espacial do posto que pode interferir naquela
segurança e circulação.
18º Um
maior número de bombas abastecedoras/mangueiras resulta numa maior procura,
atenta a capacidade máxima de abastecimento que é aferida por aquele número de
mangueiras.
19º Que
por sua vez implica o necessário aumento de número de entradas e saídas da
estrada e o aumento do respetivo tráfego médio diário da via que procuram.
20º Sendo
esta uma vertente a ponderar aquando da atribuição do licenciamento para o
estabelecimento ou ampliação do posto de combustíveis.
21º Aliás, a Jurisprudência
nesta matéria é unânime e pacífica, pois considera que: “o licenciamento pela B. dos postos de abastecimento, bem como das obras
a realizar neles, visa garantir a proteção das vias e dos que as utilizam em
todos os seus aspetos, em que é preponderante a segurança do trânsito e da
segurança em geral face à perigosidade própria do armazenamento e manipulação
dos combustíveis para os veículos automóveis. (cfr.:
entre outros, Acórdão proferido pelo STA, no processo n.º 0250/04, in
www.dgsi.pt).
22º Porque de segurança se
trata, e para efeitos de aplicação das taxas fixadas no Decreto-Lei n.º 13/71,
de 23 de janeiro, o conceito de bomba abastecedora de combustível corresponde
ao conceito de mangueira.
23º Na verdade, o Decreto-Lei
n.º 25/2004 mantém em vigor o conceito de bomba abastecedora de combustível
para efeitos de cobrança de taxas pelo licenciamento a conferir pela B..
24º Ao
manter, explicitamente, o conceito de bomba abastecedora de combustível, o
legislador pretendeu taxar individualmente cada possibilidade de saída de
combustível.
25º Por
se considerar verificada uma relação sinalagmática entre o nº de mangueiras e a
fluência de tráfego e, por usa vez, entre esta última e a segurança.
26º Assim, o legislador ao
recorrer à expressão “por cada bomba abastecedora de combustível” quis tributar
individualizadamente cada um dos equipamentos que permitem o abastecimento de
combustíveis, equipamentos esses quantificáveis através do número de
mangueiras. (in, www.dgsi.pt).
27º O fator económico da
tributação emerge da verificação e prevenção das condições de segurança e
circulação na estrada e dos seus utentes, que não pode deixar de ter em conta o
número de saídas de combustível num posto existentes, pelo que a taxa deve ser
aplicada por cada mangueira abastecedora.
28º Em
consonância, aliás, com o entendimento do STA, que nos processos já citados
decidiu que “(...) a base da incidência da taxa em causa se afere por cada
possibilidade de saída de combustível, a qual se encontra indissociavelmente
ligada à componente visível, por exterior, da bomba abastecedora de combustível
(a mangueira)”.
29º Tributar
individualmente cada possibilidade de combustível, isto é, por cada mangueira
abastecedora, tem subjacente ao processo de licenciamento a verificação e
prevenção das condições de segurança e circulação na estrada e dos seus
utentes.
30º Que,
e como atrás ficou dito, um maior número de bombas abastecedoras/mangueiras
resulta numa maior procura, atenta a capacidade máxima de abastecimento que é
aferida pelo número de mangueiras, implicando o necessário aumento de número de
entradas e saídas da estrada e o aumento do respetivo tráfego médio diário da
via que procuram.
31º Não violando, assim,
qualquer princípio constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
5.
A norma objeto do presente recurso é a constante do disposto no do artigo
15.º, n.º 1, al. l) do Decreto-lei 13/71, de 23 de janeiro, com a redação dada
pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24/01, na parte em que o mesmo é interpretado
e aplicado no sentido de as taxas ali previstas incidirem sobre o número de
mangueiras e não sobre as bombas abastecedoras dos postos de abastecimento.
Invoca a recorrente violação do direito fundamental à liberdade de iniciativa
económica privada, consagrada no art. 61º CRP, dos
princípios da proporcionalidade e da justiça consagrados no art.
266.º/2 da CRP e ainda inconstitucionalidade orgânica, por violação dos art. 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, al. i) CRP.
6.
O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de proferir vários Acórdãos
com objeto e alegações semelhantes aos apresentados neste processo, tendo
concluído pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa em
presença.
No Acórdãos n.º 846/2014, n.º
28/2015 e n.º 121/2015 decidiu que a norma aqui em causa, na mesma
interpretação, não violava o princípio da proporcionalidade nem padecia de
inconstitucionalidade orgânica. É do seguinte teor o Acórdão n.º 846/2014:
«Da eventual violação do
princípio da proporcionalidade
(...)
6. Como se assinalou, a
recorrente configura o juízo de inconstitucionalidade por si alegado na
violação dos princípios consagrados no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.
Contudo, não será seguramente
este o «parâmetro» aplicável à questão sob juízo.
O n.º 2 do artigo 266.º da CRP
consagra os limites à atuação das autoridades administrativas no exercício dos
seus poderes discricionários. É no contexto do uso destes poderes que a
Administração está obrigada a agir no respeito pelos princípios da
proporcionalidade e da justiça. Ora, as taxas em causa, em si mesmas
consideradas, não resultam da prática de ato discricionário, pois que se
encontram diretamente previstas no ato normativo que as suporta. Por outro
lado, o objeto do presente recurso é constituído, não por uma atuação
administrativa, mas sim pela interpretação (jurisdicional) de uma certa norma –
como, aliás, não podia deixar de ser –, norma essa incluída, de resto, em ato
formalmente legislativo. Quer isto dizer que não está em causa a questão de
saber se a autoridade administrativa agiu em (des)conformidade
com a Constituição. O que está em causa é a questão de saber se determinada
norma, constante de ato legislativo e aplicada pelo juiz da causa com certa
interpretação, se conforma com as exigências constitucionais pertinentes,
mormente as que decorrem os princípios da proporcionalidade e da justiça. O
facto de estes últimos receberem (também) apoio textual no n.º 2 do artigo
266.º da CRP não implica portanto, só por si, que seja
este o parâmetro a aplicar ao caso sub judicio.
7. Excluída que está a aplicação
ao caso do disposto no n.º 2 do artigo 266.º, resta saber se a norma sob juízo,
contida em ato legislativo, se pode configurar como norma restritiva de um
direito, liberdade e garantia, de forma a que se lhe aplique o previsto na
parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP.
A doutrina e a jurisprudência
constitucional têm sido firmes no sentido de concluir que o exercício, por
parte do Estado, do poder de tributar não pode ser concebido como uma afetação
ou restrição de direitos fundamentais, face à qual seja legítimo invocar o
regime dos requisitos ou exigências que valem, constitucionalmente, para as
leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. Isto mesmo decorre, desde
logo, da existência da (impropriamente) chamada «constituição fiscal», na qual
se definem as garantias dos contribuintes, os princípios formais e materiais
que conformam o conceito constitucional de imposto, e a configuração deste
último não como afetação de um direito mas antes como
obrigação pública de todos os cidadãos, quando constituída nos termos do artigo
103.º da CRP. E se isto assim é relativamente à imposição unilateral que forma
o imposto, também o é em relação a esses outros tributos que são as taxas
[artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP]
É abundante a jurisprudência
constitucional sobre esta última figura.
De acordo com esta
jurisprudência, existe uma conceção constitucional de taxa que resulta da união
entre as seguintes premissas: (i) a necessidade da existência de uma relação
sinalagmática entre o tributo que se presta e a utilidade privada que dele se retira;
(ii) contudo, a desnecessidade de uma exata
equivalência económica entre uma coisa e outra; (iii)
a aferição do seu montante em função não só do custo mas também do grau de
utilidade prestada; e (iv) a exigência de uma não
manifesta desproporcionalidade na sua fixação (Acórdão n.º 115/2002: itálico
nosso).
Quer isto dizer que, se a
«conceção constitucional de tributo» – a qual inclui impostos e taxas – é
inimiga de qualquer construção que veja similitudes entre estas imposições e as
vulgares restrições a direitos, liberdades e garantias, tal como estas últimas
são reguladas pelo artigo 18.º da CRP, nem por isso se dispensa, quanto a elas,
o requisito ou crivo da proporcionalidade, enquanto expressão de um princípio
que, como já se disse, vale em Estado de direito (artigo 2.º) para todo o agir
estadual. Esta afirmação, no que às taxas diz respeito, adquire especial
sentido na exata medida em que, aí, a imposição pressupõe um vínculo de sinalagmaticidade entre o que se presta (e o quanto se
presta) e a utilidade privada que da prestação se retira.
Contudo, neste domínio, o que o
Tribunal sempre disse foi que da Constituição apenas se retiraria a exigência
de uma não manifesta desproporcionalidade na fixação do montante devido, dada a
impossibilidade de entender o elemento estrutural da taxa (a «correspetividade» ou «sinalagmaticidade»,
vistas essencialmente como categorias jurídicas), como algo equivalente a uma
correspondência económica estrita entre o montante a prestar e o valor da
respetiva contraprestação. (entre muitos outros, Acórdãos n.os 115/02; 1108/96; 640/95; 461/87; 205/87).
8. Não havendo razões para
dissentir desta firme e já antiga jurisprudência, também se não vê como, in casu, concluir pela inconstitucionalidade da interpretação
da norma adotada pela decisão recorrida, com fundamento em violação do
princípio da proporcionalidade.
Face aos elementos disponíveis,
é impossível afirmar que existe uma manifesta desproporcionalidade entre o
montante devido pelo recorrente e a contraprestação por ele obtida,
contraprestação essa que – como já se disse – se traduziu no licenciamento do
posto de combustível que o mesmo recorrente economicamente explora. Não estando
estes dois elementos, que compõem o «sinalagma» próprio da taxa, relacionados
entre si através dos critérios da equivalência económica, e não sendo possível
determinar que o primeiro – devido ao sentido atribuído pela decisão recorrida
à norma aplicada in casu – atingiu um montante tal
que onera de forma excessiva a exploração económica do bem, impossível também
se torna concluir que houve, por efeito da interpretação adotada pela
instância, uma manifesta desproporcionalidade na fixação do montante da taxa.
Tanto basta para que se não julgue inconstitucional tal interpretação, por
violação do princípio da proporcionalidade
Da eventual violação do
princípio da justiça
9. As considerações acabadas de
tecer (inclusive, no que toca à inaplicabilidade, ao caso, do disposto no
artigo 266.º da CRP), valem na íntegra para a invocada violação do princípio da
justiça, decorrente também da «ideia» de Estado de direito consagrada no artigo
2.º da CRP. A total ausência de elementos fácticos suficientes torna impossível
suportar um juízo sobre a matéria. Por outro lado, acresce ser ainda discutível
que o princípio da justiça, em si mesmo considerado, assuma relevância autónoma
para efeito de controlo de constitucionalidade [a doutrina tende a minimizar o
alcance prescritivo deste princípio, considerando-o «um princípio aglutinador
de subprincípios que encontram tradução autónoma noutros preceitos
constitucionais e legais – como é o caso da igualdade, da proporcionalidade e
da boa fé» e «residualmente, um princípio como uma “capacidade irradiante”
própria» (leia-se, entre outros, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito
Administrativo, Volume II, Coimbra, 2.ª edição, 2011, p. 151; em sentido
aparentemente idêntico, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da
República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, p. 925)]. Tal
discussão, porém, é inútil para os presentes autos, posto que o decisivo é que
não existe qualquer evidência de excesso ou injustiça resultante da
interpretação normativa que foi acolhida na decisão recorrida.»
7. Invoca ainda a Recorrente que a interpretação normativa em questão
configura uma inconstitucionalidade orgânica e uma violação da liberdade de
iniciativa privada. Sobre esse ponto o Tribunal Constitucional pronunciou-se no
Acórdão n.º 222/16 nos termos seguintes:
«(...)
7. A recorrente invoca ainda que
sendo desproporcionada a taxa em causa, a mesma resulta num verdadeiro imposto,
pelo que se verifica uma inconstitucionalidade orgânica, por violação da
reserva de lei da Assembleia da República em matéria fiscal (artigo 165.º, n.º
1, alínea i), da Constituição).
No entanto, a apreciação desta
questão encontra-se prejudicada pela apreciação da alegação de
inconstitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da
justiça analisada no ponto anterior. Uma vez que se considera que não existe
uma manifesta desproporcionalidade entre o montante devido a título de taxa e a
contraprestação obtida, está afastada a possibilidade de se considerar que nos
encontrarmos perante um imposto».
8. A recorrente alega, por fim,
que a interpretação impugnada impõe «à recorrente que se organize
economicamente de uma única forma: que cada bomba não pode ter mais que uma
mangueira» o que consubstanciaria uma restrição abusiva da liberdade de
iniciativa económica privada, violadora da Constituição (cfr.
alíneas v) a x) das conclusões das alegações de recurso, fls. 362-363).
Trata-se de uma leitura da norma
impugnada que não corresponde ao seu verdadeiro alcance. A interpretação do
artigo 15.º, n.º 1, alínea l), do Decreto-Lei n.º 13/71 em causa apenas incide
sobre a forma como a taxa ali prevista deve ser aplicada – sobre o número de
mangueiras ou sobre o número de bombas abastecedoras dos postos de
abastecimento. Daqui não se retira uma qualquer proibição ou imposição de
adoção de um determinado modelo de postos de abastecimento, mas apenas as
regras de cobrança da taxa, não se encontrando uma verdadeira restrição da
liberdade de organização dos agentes económicos.
Assim sendo, não se pode
concluir que existe uma restrição inadmissível da liberdade de organização
económica através desta norma».
8. É a fundamentação adotada nos
Acórdãos mencionados que aqui seguimos, uma vez que a Recorrente nada alega que
permita invalidar o que aí foi decidido.
Tendo em consideração o exposto, é
de concluir pela inexistência de uma situação de inconstitucionalidade da norma
impugnada e, consequentemente negar provimento ao recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a
interpretação do artigo 15.º, n.º 1, alínea l), do Decreto-Lei n.º 13/71, de 23
de janeiro, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 25/2004, de 24 de janeiro,
no sentido de a taxa fixada, a pagar pelo estabelecimento ou ampliação de
postos de combustível, ser devida por cada mangueira abastecedora de
combustível instalada;
b) Consequentemente,
julgar improcedente o presente recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a
taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, ponderados os
critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de
outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 19 de outubro de 2016 - Lino Rodrigues
Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Fernando Vaz Ventura -
Pedro Machete - Costa Andrade