ACÓRDÃO Nº 372/2015
Processo n.º 608/15
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Nos presentes autos, A., acusado pela prática de seis crimes de corrupção ativa, previstos e punidos pelo artigo 9.º, n.º 1, da Lei nº 50/2007, de 31 de agosto, veio requerer a abertura da instrução.
A Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Coimbra, por decisão de 23 de janeiro de 2015, pronunciou, para julgamento em processo comum coletivo, o arguido A., imputando-lhe a prática, em concurso real, de cinco crimes de corrupção ativa, previstos e punidos pelo artigo 9.º, n.º 1, da Lei nº 50/07, de 31 de agosto.
O Arguido invocou a nulidade desta decisão, por considerar que tinha havido omissão de pronúncia sobre diversas questões por si suscitadas nos autos, arguição que foi indeferida por novo despacho proferido em 17 de março de 2015.
O arguido veio, então, interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, deste último despacho, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, nos seguintes termos:
“Entende o recorrente que o despacho em crise com a interpretação dada ao artigo 187º, nºs 1 e 7 do Código de Processo Penal é violadora dos artigos 32º, nº 8 e 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, questão essa suscitada nomeadamente no Requerimento de abertura de Instrução e nas alegações e conclusões do recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.”
O recurso interposto não foi admitido por despacho, datado de 14 de abril de 2015, com a seguinte fundamentação:
“O arguido veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, do despacho constante de fls. 2890, que decidiu que não existe qualquer omissão de pronúncia no despacho de pronúncia proferido nos autos.
Nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional «cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
(…) b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
Ora, o despacho que aplicou a norma cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada pelo A. foi o despacho de pronúncia e não o despacho constante de fls. 2890. Neste apenas se decidiu que o despacho de pronúncia tinha analisado todas as questões suscitadas em sede de RAI, nomeadamente as inconstitucionalidades invocadas em sede de RAI.
Assim, o despacho recorrido não aplicou qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, o que significa que é inadmissível o recurso interposto.
Neste conspecto, por inadmissibilidade legal, não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.”
O arguido reclamou desta decisão para o Tribunal Constitucional, invocando o seguinte:
“O Tribunal da Instância Central de Coimbra - Secção de Instrução Criminal - J3, em despacho datado de 14/04/2015, rejeitou o recurso interposto pelo reclamante para o Tribunal Constitucional, com fundamento que "o despacho que aplicou a norma cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada pelo A. foi o despacho de pronúncia e não o despacho constante de fls.2890. Neste apenas decidiu que o despacho de pronúncia tinha analisado todas as questões suscitadas em sede de RAI, nomeadamente as inconstitucionalidades invocadas em sede de RAI".
Contudo, tal fundamentação está, e salvo o devido respeito por opinião diversa, manifestamente errada.
Senão vejamos,
O ora reclamante, nos artigos 18.º, 19.º e 93.º do Requerimento de Abertura de Instrução, invocou a inconstitucionalidade da prova obtida com base em escutas telefónicas e, consequentemente, a proibição de valoração da mesma por violação do artigo 187.º do C.P.P.
Contudo, no despacho de pronúncia, datado de 23-01-2015, o Tribunal a quo, entendeu que a prova obtida não era proibida, tendo a mesma sido obtida conforme o artigo 187.º do C.P.P.
No seguimento de tal pronúncia, o recorrente e ora reclamante por requerimento apresentado a 29-01-2015, suscitou a questão da omissão de pronúncia no referido despacho.
Dito isto, é verdade que o despacho de pronúncia aplicou a norma cuja inconstitucionalidade havia sido invocada pelo reclamante, mas também é verdade que tal despacho não havia ainda transitado, podendo essa orientação ser invertida no despacho que decidisse a questão da omissão ou não de pronúncia.
Ora, tendo o Tribunal decidido por despacho, datado de 18-03-2015, que não se estava perante qualquer omissão de pronúncia, entende o reclamante que é apenas e só a partir desta data que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional começa a correr, uma vez que, foi este despacho que decidiu definitivamente sobre o conteúdo do despacho de pronúncia, reportando-se por isso a essa data o início da contagem do prazo de recurso para este Tribunal.
Logo, o recurso ora rejeitado é tempestivo e cumpre os demais pressupostos de admissibilidade exigidos pelo artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que só a partir do despacho que considerou não existir qualquer omissão de pronúncia é que foram esgotadas todas as formas de impugnação do referido despacho de pronúncia, conforme obriga a alínea b), do n.º 1 e o nº 2 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Ao não se entender deste modo e seguindo-se a interpretação do Tribunal a quo, estaríamos perante uma situação que a própria lei quis evitar, ou seja, a admissibilidade de Recurso para o Tribunal Constitucional de questões que ainda não se tomaram definitivas e das quais exista ainda possibilidade de serem alteradas, como poderia ter acontecido no despacho do qual se interpôs recurso para este Tribunal, sendo que se tal alteração tivesse ocorrido, não haveria necessidade alguma de recorrer para este Douto Tribunal.
Pelo que, o Requerente e ora reclamante, cumpriu todos os pressupostos de admissibilidade do Recurso ora rejeitado pelo Tribunal a quo, nomeadamente o prazo de interposição do mesmo.
Termos em que, deve proceder a presente reclamação e, consequentemente, ser revogado o despacho que indeferiu o recurso para este Venerando Tribunal, admitindo-se o mesmo.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
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Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Na verdade, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.
Conforme realça o Ministério Público na sua pronúncia o motivo da recusa do recurso para o Tribunal Constitucional não foi a intempestividade do requerimento de interposição, mas sim o facto da interpretação cuja constitucionalidade foi questionada nesse requerimento não integrar a ratio decidendi do despacho recorrido.
Este foi o proferido em 17 de março de 2015, no qual apenas se decidiu que o despacho de pronúncia tinha analisado todas as questões suscitadas em sede de requerimento de abertura de instrução, nomeadamente as inconstitucionalidades aí invocadas. A interpretação questionada não consta desta decisão, mas sim do despacho de pronúncia, pelo que uma eventual inconstitucionalidade da interpretação impugnada nunca determinaria uma alteração da decisão recorrida.
Por este motivo, revela-se correta a não admissão do recurso, pelo que deve ser indeferida a reclamação deduzida pelo Arguido.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
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Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 14 de julho de 2015 - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Joaquim de Sousa Ribeiro