ACÓRDÃO Nº 313/2015
Processo n.º 384/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a Fazenda Pública, o primeiro vem interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de abril de 2013 (cfr. fls. 191-199), que não admitiu, por falta dos pressupostos legais, a revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul requerida pela Fazenda Pública.
2. O presente recurso tem por objeto, nos termos do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (a fls. 204), «(…) - a norma constante do art.150° n°1 Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, com fundamento em violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165° n°1 al. p) CRP numeração RC/97); - de forma implícita, a norma constante do art.24° n°2 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n° 15/2002, 22 fevereiro), na interpretação e com o fundamento supra enunciados».
3. É este o teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 204):
«O Ministério Público vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão STA-SCT proferido em 3.abril 2013,por nele se terem aplicado normas cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada no processo (parecer emitido em 30 janeiro 2013, fls.188/189):
- a norma constante do art.150° n°1 Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, com fundamento em violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165° n°1 al. p) CRP numeração RC/97);
- de forma implícita, a norma constante do art.24° n°2 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n° 15/2002, 22 fevereiro), na interpretação e com o fundamento supra enunciados
Bloco normativo regulador da legitimidade e requisitos do requerimento para a interposição do recurso:arts.70° n°s 1 al. b), e 2, 72° n°s 1 al. a),75°-A n°s 1 e 2 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n° 28/82,15 novembro
O recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos (art.78° n°4 Lei n° 28/82,15 Novembro)
As alegações são produzidas no Tribunal Constitucional (art.79° n° 1 Lei n° 28/82,15 Novembro)».
4. Tendo o recurso de constitucionalidade sido admitido pelo Tribunal a quo (cfr. fls. 214) e prosseguido neste Tribunal (cfr. fls. 219), foram as partes notificadas para produzir alegações (fls. 219-verso e 224).
5. O recorrente Ministério Público apresentou alegações (fls. 220-223), concluindo:
«(…)
II
(Conclusões)
1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, nos termos dos “arts. 70º nºs 1 al. b), e 2, 72º nºs 1 al. a), 75º-A nºs 1 e 2” da LOFPTC, “do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo – secção de contencioso tributário, proferido em 3 de abril de 2013”, na parte em que perfilha a “interpretação normativa”, extraída das disposições conjugadas dos artigos 24.º (Competência da secção de contenciosa administrativo), n.º 2, do ETAF e do artigo 150.º (Recurso de revista) do CPTA, segundo a qual o recurso de revista excecional, que tal norma jurídica consagra, também abrange, além das “questões jurídicas administrativas”, as “questões jurídicas tributárias”, no sentido do n.º 1 daquela disposição legal.
2.ª) Considerando que a “interpretação normativa” em apreço, na medida em que fosse insuscetível de ser reconduzida à letra e ao espírito da lei, mediante as adequadas técnicas hermenêuticas, redundaria na criação jurisprudencial de uma nova via de recurso, será de concluir que a mesma infringirá a reserva de lei (reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo) em matéria da “competência dos tribunais”, consubstanciando, assim, inconstitucionalidade orgânica (Constituição, arts. 165.º, n.º 1, al. p), e 277.º, n.º 1).
Nestes termos, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, é de conceder provimento ao presente recurso, proferindo decisão que revogue a decisão recorrida, baixando então os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, nos termos e para os legais efeitos (LOFPTC, art. 80.º, n.º 2).»
6. A recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações (fls. 225-231), com o seguinte teor:
«Notificada, nos termos do art. 79º da LTC, para, querendo, apresentar alegações, nos autos em cima identificados, nos quais é recorrente o Ministério Público, vem a Fazenda Pública apresentá-las, nos termos e com os seguintes fundamentos:
I) Foi o presente recurso interposto, pelo MP, do Acórdão do STA de 3/04/13, proferido nos autos de recurso nº 62/13-30, o qual veio a não admitir o recurso de revista interposto pela Fazenda Pública de Acórdão do TCA Sul, de 20/03/12, proferido no proc. nº 3131/09, proferido em 2º grau de jurisdição.
II) Pretende o recorrente, MP, face ao deliberado pelo STA, que seja apreciada a “interpretação normativa” extraída das disposições conjugadas dos artigos 24º nº 2 do ETAF e do art. 150º do CPTA, segundo a qual o recurso de revista, que tal norma consagra, além das “questões jurídicas administrativas”, também abrange as “ questões jurídicas tributárias”, no sentido do nº 1 do art. 24º do referido ETAF.
QUESTÃO PRÉVIA – DA FALTA DE EFEITO ÚTIL DO PRESENTE RECURSO:
III) Ora, antes de mais, atento o facto do recurso para o Tribunal Constitucional ter uma função instrumental e, sendo certo que o efeito útil na causa em que o recurso emerge é um dos pressupostos do recurso para esse Alto Tribunal, tendo em conta o conteúdo decisório do Acórdão do STA de 3/04/13, sempre se revelaria inútil um hipotético julgamento sobre as questões de inconstitucionalidade levantadas no presente recurso.
IV) Na verdade, o Acórdão do STA de 3/04/13, do qual vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, deliberou não admitir o recurso de revista interposto pela FP por entender que não se verificavam os necessários e legais pressupostos de admissão da revista excepcional e, neste sentido, nem sequer apreciou a questão jurídica relevante que havia sido equacionada para apreciação, em sede do referido recurso de revista.
V) Assim, não se esquecendo que o presente recurso de constitucionalidade sempre visaria, a final, a não apreciação do recurso de revista interposto de Acórdão do TCA Sul pela FP, é certo que qualquer juízo de constitucionalidade das normas constantes do ETAF (art. 24º), e do CPTA, (art. 150º), não teria qualquer incidência na decisão da situação em concreto, dado que, fosse qual fosse esse juízo, sempre acabaria por subsistir e ficar incólume o fundamento pelo qual decidiu o Acórdão recorrido não admitindo o recurso de revista interposto pela FP. Aliás, a decidir-se pela hipotética, sem conceder, inconstitucionalidade dessas normas, obter-se-ia o mesmo efeito, em termos de solução do caso em concreto, do já produzido pelo Acórdão do STA.
VI) Donde, uma vez que o presente juízo de inconstitucionalidade não tem qualquer efeito útil e, sendo certo que esse efeito útil não pode deixar de ser considerado um dos pressupostos do recurso para o TC, não deve o mesmo prosseguir.
Ainda que assim não se entenda, sem conceder:
VII) Quanto à invocada inconstitucionalidade orgânica suscitada pelo MP, segue-se aqui aquela que é a actual jurisprudência do STA sobre a matéria. Assim, nos termos do que foi deliberado no Acórdão do STA, de 31/5/12, no processo nº 415/12, que aqui nos permitimos transcrever: “ Apesar de a questão poder ser objeto de discussão jurídica, o STA tem vindo a admitir tais recursos de revista, embora nos primeiros casos os tivesse rejeitado porque, de acordo com o artº 5º, nº 1 da Lei nº 15/2002 de 22/2, as disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor e também não são aplicáveis aos processos pendentes as disposições que introduzem novos recursos que não eram admitidos na vigência da legislação anterior. (V. neste sentido os acórdãos de 18-04-2007 – Processo nº 097/07 e de 16-01-2008 – Processo nº 0564/07).
Porém, em acórdãos mais recentes a questão da admissibilidade de tais recursos foi já expressamente tratada, reiterada e uniformemente, em sentido positivo.( o realce é nosso).
VIII) E continua: “ quanto ao facto de no artº. 26.º do ETAF, em que se fixa a competência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, não existir norma semelhante à do artº 24º, nº 2, nem existir qualquer remissão para o regime daquele artº. 150.º, não nos parece significativo.
Isto porque o artº nº 26º, alínea h) estabelece que à Secção de Contencioso Tributário cabe conhecer “De outras matérias que lhe sejam deferidas por lei”. Ora, sendo aplicáveis por remissão do artº 2º, alínea c) do CPPT as normas do CPTA, onde se inclui o artº 150º citado, tratando-se de matéria tributária, fica estabelecida por lei a competência da referida Secção.
Também não nos parece colher qualquer apoio o argumento de que “o acesso ao STA, para os processos tribunais tributários, está muito mais aberto do que o está no contencioso administrativo, em face da possibilidade de recurso per saltum de decisões dos tribunais tributários sem as limitações que, para o contencioso administrativo, se preveem no art. 151.º, abertura cuja amplitude se estende até possibilidade de acesso ao Supremo Tribunal Administrativo em processos de valor não à alçada dos tribunais tributários (artº. 280.º, n.º 5, do CPPT).”Com efeito, o recurso excecional de revista tem fundamentos específicos que em nada se assemelham ao recurso “per saltum” para a 2ª Secção do STA que é um recurso ordinário.
De qualquer forma, o que está em causa no recurso excecional de revista são decisões dos tribunais centrais administrativos e não dos tribunais de 1ª instância.
E que dizer do argumento de que “mantém-se a admissibilidade generalizada de recurso de decisões dos tribunais centrais administrativos proferidas em processos instaurados antes de 15-9-1997, assegurada pelo artº. 120.º do ETAF de 1984”.
Trata-se de uma garantia do passado. Mas para o futuro? Por que razão há de ser negado aos administrados contribuintes um direito de que gozam os outros cidadãos (administrados)?
Por outro lado, e conforme se refere no acórdão transcrito, o recurso excecional de revista, não visa a uniformização de jurisprudência, não existindo, por isso, qualquer incompatibilidade ou sobreposição com o regime de recurso previsto no artº 284º do CPPT.
De qualquer forma, se dúvidas pudessem ainda existir quanto à aplicação do recurso excecional de revista, previsto no artº 150º do CPTA, ao processo judicial tributário, após as alterações ao CPC operadas pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, o referido recurso teria sempre de ser admitido por aplicação subsidiária do artº 2º, alínea e) do CPPT.
É que, se a existência de tal recurso, anteriormente, apenas em contencioso administrativo, poderia gerar questões de inconstitucionalidade, por discriminação dos cidadãos, como salientava Lebre de Freitas, (Código de Processo Civil Anotado, pág. 116) sendo agora tal recurso admitido no processo civil, não faria sentido excluí-lo do processo judicial tributário. Tal traduziria, nitidamente violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da igualdade constantes dos artºs 13º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP.” (o realce é nosso).
IX) Donde, sendo este último argumento, o relativo ao facto de, sendo tal recurso admitido no processo civil não fazer sentido excluí-lo do processo judicial tributário, o que acarretaria, nitidamente, violação do direito à tutela jurisdicional efectiva e ao princípio da igualdade, em nosso entender, o argumento determinante para o recurso de revista também abranger as “questões jurídicas tributárias”, não colhe a posição defendida pelo ilustre Magistrado do MP nas suas alegações, devendo manter-se aquela que é actualmente a jurisprudência uniforme do STA sobre a matéria.
CONCLUSÕES:
A) Foi o presente recurso interposto, pelo MP, do Acórdão do STA de 3/04/13, proferido nos autos de recurso nº 62/13-30, o qual veio a não admitir o recurso de revista interposto pela Fazenda Pública de Acórdão do TCA Sul proferido em 2º grau de jurisdição.
B) Pretende o recorrente, MP, face ao deliberado pelo STA que seja apreciada a “interpretação normativa” extraída das disposições conjugadas dos artigos 24º nº 2 do ETAF e do art. 150º do CPTA, segundo a qual o recurso de revista, que tal norma consagra, além das “questões jurídicas administrativas”, também abrange as “ questões jurídicas tributárias”, no sentido do nº 1 do art. 24º do referido ETAF.
C) Ora, antes de mais, não se esquecendo que o presente recurso de constitucionalidade sempre visaria, a final, a não admissão do recurso de revista interposto pela FP, é certo que qualquer juízo de constitucionalidade das normas constantes do ETAF (art. 24º), e do CPTA, (art. 150º), não teria qualquer incidência na decisão da situação em concreto, dado que, fosse qual fosse esse juízo, sempre acabaria por subsistir e ficar incólume o fundamento pelo qual decidiu o Acórdão recorrido, que não admitiu, por falta dos necessários e legais pressupostos de admissão do referido recurso, o recurso de revista interposto pela FP.
D) Donde, uma vez que o presente juízo de inconstitucionalidade não tem qualquer efeito útil e, sendo certo que esse efeito útil não pode deixar de ser considerado um dos pressupostos do recurso para o TC, não deve o mesmo prosseguir.
E) Ainda que assim não se entenda, sem conceder, quanto aos argumentos invocados pelo recorrente, MP, deve subsistir aquela que é a interpretação e aplicação uniforme do STA sobre a matéria, até porque, como se deliberou no Acórdão do STA de 31/5/12, no processo nº 415/12 se dúvidas pudessem ainda existir quanto à aplicação do recurso excecional de revista, previsto no artº 150º do CPTA, ao processo judicial tributário, após as alterações ao CPC operadas pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, o referido recurso teria sempre de ser admitido por aplicação subsidiária do artº 2º, alínea e) do CPPT.
É que, se a existência de tal recurso, anteriormente, apenas em contencioso administrativo, poderia gerar questões de inconstitucionalidade, por discriminação dos cidadãos, como salientava Lebre de Freitas, (Código de Processo Civil Anotado, pág. 116) sendo agora tal recurso admitido no processo civil, não faria sentido excluí-lo do processo judicial tributário. Tal traduziria, nitidamente violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da igualdade constantes dos artºs 13º, nº 1 e 268º, nº 4 da CRP.”
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado findo, por carecer de qualquer efeito útil ou, caso assim não se entenda, devem as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo recorrente, MP, serem julgadas improcedentes, devendo, em consequência, ser julgada conforme à Constituição a interpretação feita, pelo Acórdão recorrido, dos artigos 24º nº 2 do ETAF e 150º do CPTA.»
7. Notificado o recorrente Ministério Público para, querendo, se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pela recorrida em sede de alegações (cfr. fls. 233-234), foi prestada a seguinte resposta (cfr. 242-244):
«(…)
O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada pela recorrida, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nas suas alegações, vem dizer o seguinte:
1º
A questão de constitucionalidade que o recorrente, o Ministério Público, identifica no requerimento de interposição do recurso que apresentou ao abrigo da alínea b) do nº 1 do Artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC) é a seguinte:
“- a norma constante do art.º 150.º n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, com fundamento em violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art.º 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97);
- de forma implícita, a norma constante do art.º 24.º, n.º 2 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 15/2002, 22 fevereiro), na interpretação e com o fundamento supra enunciados”.
2º
O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão recorrido, entendeu que, em sede de contencioso tributário, era admissível o recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, ou seja, em linhas gerais, aplicou a interpretação reputada de inconstitucional pelo Ministério Público.
3.º
Porém, analisando as circunstâncias do caso, acabou por concluir que não se verificam os necessários e legais pressupostos de admissão da revista excepcional e, consequentemente, não a admitiu.
4.º
Desta forma, independentemente do que viesse a ser decidido quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, sempre a decisão de não admissão da revista excepcional se manteria, ainda que pelo outro fundamento, sendo certo que o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental.
6.º
Em situações semelhantes - oriundas do mesmo Tribunal, com a mesma questão de inconstitucionalidade, em que as decisões recorridas são de conteúdo idêntico e em que o recorrente é o Ministério Público -, tem sido esse o entendimento do Tribunal Constitucional (vd. vg. Decisões Sumárias n.ºs 245/2013, 339/2013 e 627/2013).»
8. Foram ainda as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do presente recurso, por não se encontrar preenchido o pressuposto relativo à suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa e, no que respeita à invocada norma do artigo 24.º, n.º 2, do ETAF, o pressuposto relativo à ratio decidendi (cfr. despacho a fls. 247), sendo que apenas o recorrente Ministério Público respondeu, considerando verificados aqueles pressupostos (cfr. resposta do Ministério Público, fls. 251-252).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
9. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
9.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária) que lhe negou provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença do TAF de Loulé e manteve a decretada procedência da impugnação judicial que havia sido deduzida por A. e a consequente anulação das liquidações emitidas e a restituição dos montantes liquidados, no valor de € 769,41, acrescidos dos devidos juros compensatórios e indemnizatórios, veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do TCAS de 20/03/2012 (a fls. 120-138) para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (cfr. fls. 146-165).
9.2. Pronunciou-se o Ministério Público, suscitando perante o Tribunal a quo a seguinte questão de constitucionalidade (fls. 188-189):
«O Ministério Público suscita expressamente questão de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
1. O recurso de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos é característico da jurisdição administrativa, como claramente resulta de:
a) inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do art.24° n.º 2 ETAF 2002 (cf.art.26° ETAF 2002);
b) impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma citada, recusada pelos princípios hermenêuticos;
c) composição da formação incumbida da apreciação preliminar sumária dos pressupostos substantivos do recurso: três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (art.l50° n.º5 CPTA);
d) inexistência no Contencioso Tributário de espécie paralela à 7.ª espécie da Secção de Contencioso Administrativo (recursos de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos; cfr. deliberação n.º 1313/2004, 26.01.2004 do CSTAF)
No sentido da inaplicabilidade do recurso de revista no contencioso tributário pronuncia-se doutrina qualificada (José Casalta Nabais Considerações sobre o Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário Cadernos de Justiça Administrativa n.º 6l Janeiro /Fevereiro 2007 p.13;Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume IV anotação 37 ao art.279° CPPT p.390)
2. Neste contexto deve ser recusado o conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na inconstitucionalidade das normas constantes do art.24.º n.º 2 ETAF 2004 aprovado pela Lei n.º 13/2002, 19 fevereiro e do art.150° nº 1 CPTA, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97)
3. Sem prescindir
A intervenção processual do Ministério Público, circunscrevendo-se à apreciação do mérito do recurso, é posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso, por formação constituída pelos três juízes mais antigos da secção (arts.146.º n.º 1 e 150.º n.º 5 CPTA)».
9.3 Assim se decidiu no acórdão do STA de 3/04/2013, ora recorrido, que procedeu, nos termos do artigo 150.º do CPTA, à apreciação preliminar sumária de admissibilidade do supra referido recurso excecional de revista interposto pela Fazenda Pública de acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária):
«Em conferência, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada agora com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção Tributária) que lhe negou provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença do TAF de Loulé e, assim, manteve a decretada procedência da impugnação judicial e a consequente anulação das liquidações emitidas e a restituição dos montantes liquidados, no valor de € 769,41, acrescidos dos devidos juros compensatórios e indemnizatórios, requereu revista excecional nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA.
Sustenta em síntese e fundamentalmente que se verificam os requisitos legais de admissibilidade do presente recurso de revista para eventual reapreciação da questão “ … de determinar se, tendo sido anulada uma anterior liquidação efetuada ao anterior proprietário e tendo sido efetuada nova liquidação ao novo proprietário de um imóvel, se está ou não, perante duplicação de coleta.
Pois, em casos, como o presente, em que tendo sido alienada uma fração autónoma de prédio urbano em 11/09/2000, o IMI foi liquidado e exigido ao anterior proprietário do imóvel, anos de 2000 a 2005 e, posteriormente, ao novo proprietário do imóvel, relativamente aos anos de 2002 a 2005, sendo certo que as liquidações efectuadas ao anterior proprietário foram anuladas em 24 de Agosto de 2006, para os anos de 2003 a 2005.”
Para intentar demonstrar a admissibilidade do presente recurso de revista, alega
Que aquela questão “ … assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e noutros casos futuros que têm uma forte probabilidade de virem a acontecer, sendo certo, por outro lado, que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados.”
“Isto tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada no conceito de duplicação de coleta, mas também, na pertinência da questão de o Tribunal “a quo” ter imputado à AT o facto, contra si valorado, de as duas liquidações do mesmo imposto se deverem ao não averbamento oficioso na matriz do nome do novo adquirente do imóvel, com base na escritura pública enviada ao notário, “pois era o proprietário do imóvel em 31 de Dezembro do ano, ou anos, a que respeita o imposto”, como sendo questões suscetíveis de requerer uma apreciação por parte de STA, tendo em vista a necessidade de uma melhor aplicação do direito, neste e em outros casos concretos.”
O Impugnante e ora Requerido contra-alegou oportunamente (…).
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo teve depois vista nos autos emitindo pronúncia apenas quanto à questão da competência desta Secção de Contencioso Tributário, opinando antes, com apoio doutrinário que convoca, a saber, Casalta Nabais e Jorge Lopes de Sousa, respetivamente em Considerações sobre o Anteprojeto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário e Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, pela exclusividade deste meio processual – recurso excecional de revista previsto pelo artigo 150º do CPTA – para a jurisdição administrativa e pela sua não aplicabilidade ao contencioso tributário,
Sustentando, a final, que “... deve ser recusado o conhecimento do objeto do recurso, com fundamento em inconstitucionalidade das normas constantes do art.º 24º n.º 2 do ETAF 2004 aprovado pela Lei n.º 13/2002, 19 de Fevereiro e do art.º 150º do CPTA, ... , por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre a organização e competência dos tribunais (art.º 165º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97 ).” (…)
Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.
Em primeiro lugar e prejudicialmente da questão prévia suscitada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, isto é, da questão da competência desta Secção para, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 150º do CPTA, admitir, apreciar e decidir recurso excecional de revista consagrado no referido preceito da citada lei adjetiva.
Embora não isenta de dúvidas e de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a suscitada questão prévia vem conhecendo decisão reiterada, uniforme e pacífica no sentido da admissibilidade deste recurso extraordinário também em sede de contencioso tributário, sem qualquer mácula de inconstitucionalidade, designadamente da indicada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público arguente, – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012,
Em termos de se poder afirmar que este entendimento vem logrando consolidação jurisprudencial que, à luz do disposto no art.º 8º n.º 3 do CCivil, não pode deixar de merecer aqui também consagração decisória, em termos de, assim, se obter interpretação e aplicação uniformes do direito.
Porque assim, acorda-se em indeferir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e, em consequência, julgar competente para o recurso excecional de revista (artigo 150º do CPTA) também a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. (…)
Vejamos agora, por fim e como cumpre - cfr. art.º 150º n.º 5 do CPTA -, se, in casu, se verificam ou não os pressupostos de admissibilidade.
A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o carácter estritamente excecional deste recurso jurisdicional de revista,
Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,
Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.
Já no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há-de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável,
Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios… .
(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).
Mais se vem doutrinando que, tal como emerge de forma clara, objetiva e inequívoca do disposto nos números 2, 3 e 4 do referido art.º 150º do CPTA, esta especial revista só pode ter como fundamento a violação da lei substantiva ou processual, o que aliás é sempre apanágio do recurso de revista, e que, nela, o tribunal aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, uma vez que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
Ora, a questão suscitada e que a Requerente intenta ver reapreciada nesta sede, a “… de determinar se, tendo sido anulada uma anterior liquidação efetuada ao anterior proprietário e tendo sido efetuada nova liquidação ao novo proprietário de um imóvel, se está ou não, perante duplicação de coleta,
Uma vez que, mais alega, em casos, como o presente, em que tendo sido alienada uma fracção autónoma de prédio urbano em 11/09/2000, o IMI foi liquidado e exigido ao anterior proprietário do imóvel, anos de 2000 a 2005 e, posteriormente, ao novo proprietário do imóvel, relativamente aos anos de 2002 a 2005, sendo certo que as liquidações efetuadas ao anterior proprietário foram anuladas em 24 de Agosto de 2006, para os anos de 2003 a 2005,
Conheceu decisão conforme das instâncias, o TT de 1ª Instância e o TCASul, já em sede de recurso jurisdicional ordinário, aqui embora com um voto de vencido.
As decisões proferidas ativeram-se bem criteriosamente à particular factualidade subjacente, agora incontestada e definitivamente assente, tal como bem detalhadamente se evidenciou no sindicado aresto.
Particular factualidade que, por si só e ao contrário do alegado, obsta a que se verifique ocorrer a invocada capacidade de expansão da controvérsia subjacente para além dos limites da situação particular em que se verificou e, consequentemente, inviabiliza a sua qualificação, para o efeito que cumpre e por esta via, como de elevada relevância jurídica ou social.
Acresce que as ditas decisões não se configuraram aos julgadores, na apreciação e julgamentos proferidos, como de elevada complexidade, complexidade capaz de suscitar dúvidas sérias na jurisprudência e doutrina,
Nem se revelam agora as operações exegéticas a que houve de proceder, também e por isso mesmo, como suscetíveis de ser qualificadas de complexidade superior, tanto mais que não requereram ou envolveram necessidade de compatibilização de diferentes regimes legais potencialmente aplicáveis.
Ao contrário, a questão colocada e a solução encontrada pelas instâncias, já sindicada em sede de recurso ordinário, foi antes abordada e dirimida no âmbito do quadro legal vigente, estável e aplicável, mediante prévia, esclarecida e esclarecedora definição dos particulares contornos decorrentes da sua particularidade factual.
Com efeito, tal como emerge do decidido,
“Mostrando-se o imposto pago, à data da atualização da matriz, ..., pagamento que a administração tributária não podia desconhecer face à posição jurídica de ente público credor na relação jurídica tributária em causa, ...”
“ Cabia à AT averbar oficiosamente o nome do novo adquirente na matriz, ..., pois era ela que devia averiguar quem era o proprietário do imóvel em 31 de Dezembro do ano, ou anos, a que respeita o imposto, …”
Pois, “ Mesmo que recaísse sobre os ora recorridos a obrigação do pedido de atualização da matriz, não devia a AT efetuar segundas liquidações em nome dos recorridos, sob pena de conduta ilegal determinada por uma duplicação de coleta, como veio a ocorrer, uma vez que como já se disse supra, mostrando-se o imposto pago, à data da atualização da matriz, ..., podia e devia a administração tributária verificar que o imposto já se encontrava pago, não devendo efetuar as liquidações oficiosas impugnadas.”
A controvérsia proposta não se revela, assim, suscetível de expansão para além dos estreitos limites da situação singular em que se verificou.
E esta decisão jurisdicional, para o efeito jurídico-processual que cumpre – apreciação preliminar sumária de admissibilidade do presente recurso de revista excecional – não é ostensivamente errada nem juridicamente insustentável, e não pode qualificar-se ou ser vista como suscetível de integrar “erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …” , e daí que, também por isso, não seja caso de lançar mão da “válvula de segurança do sistema” que o legislador consagrou – cfr. Exposição dos Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII -.
Não se verificam pois os necessários e legais pressupostos de admissão da requerida revista excecional – cfr. art.º 150º do CPTA-.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a requerida revista.»
9.4 É deste acórdão que se recorre nos autos, pretendendo o recorrente Ministério Público sindicar a constitucionalidade de uma norma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que estabelece os requisitos de admissibilidade do recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões proferidas em segunda instância pelos tribunais centrais administrativos – o artigo 150.º, n.º 1 (CPTA) e, bem assim, da norma (que considera implicitamente aplicada) constante do artigo 24.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), interpretadas no sentido segundo o qual «(…) a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo», com fundamento «(…) em violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art.º 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97)» (cfr. requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, fls. 204).
10. Cumprindo apreciar a questão prévia suscitada pela recorrida quanto à utilidade do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade deve, desde já, sublinhar-se que o recurso de constitucionalidade tem um caráter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, “é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e ss., p. 958).
Este entendimento tem sido reiteradamente seguido na jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. os recentes Acórdãos n.ºs 681/14, 741/14, 750/14, 776/14, 867/14, 886/14, disponíveis, bem como os demais citados, em www.tribconstitucional.pt). Assim, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 741/2014, transcrevendo a Decisão Sumária n.º 580/2014 (que mantém):
«Ora, neste ponto importa sublinhar a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, adotada pelo sistema jurídico português. Conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado, o recurso de inconstitucionalidade tem uma função instrumental. O Tribunal Constitucional português (e diferentemente do que sucede noutros ordenamentos constitucionais da Europa) julga em recurso, que é interposto de decisão proferida por um tribunal comum. Embora o recurso seja restrito à questão da invalidade da norma (artigo 280.º, n.º 6, da CRP), a decisão que nele se profere não pode deixar de ter efeitos sobre a decisão recorrida (artigo 80.º da LTC). Isso significa, como se afirmou no Acórdão n.º 498/96, “que o interesse no conhecimento de tal recurso há de depender da repercussão da respetiva decisão na decisão final a proferir na causa. Não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso”. Carece, por isso, de utilidade o julgamento do recurso quando a solução a dar pelo Tribunal Constitucional à questão de inconstitucionalidade é insuscetível de se projetar na solução dada ao caso concreto, que se manterá inalterada qualquer que venha a ser o julgamento da questão jurídico-constitucional.»
11. Verifica-se que caso viesse a conceder-se provimento ao presente recurso de constitucionalidade, o STA ficaria impedido de admitir o recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul interposto nos presentes autos pela ora recorrida.
Contudo, e embora por razões diferentes, é essa precisamente a decisão contida no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/04/2013, ora recorrido: a não admissão do citado recurso de revista, por considerar não verificados os respectivos pressupostos. Ou seja, a eventual decisão de provimento do presente recurso é insuscetível de determinar a reforma da decisão recorrida.
A decisão ora recorrida formulou um juízo de inadmissibilidade do recurso então interposto por razões que não cumpre agora sindicar, pois resultantes tão só da subsunção da situação dos autos às normas aplicáveis – cujos pressupostos tem por não verificados.
Neste contexto, a pretendida revisão do juízo de constitucionalidade que pusesse derivar da decisão recorrida não teria, in casu, repercussão nos autos.
Ora, sendo o presente recurso interposto em sede de fiscalização concreta, a prolação de decisão favorável ao recorrente só se justificaria se o juízo a proferir pelo Tribunal Constitucional for apto a produzir efeitos sobre a decisão recorrida. De outro modo, a decisão a proferir revelar-se-ia plenamente desprovida de utilidade processual.
Deve ainda considerar-se que, em situações semelhantes à colocada nos presentes autos, assim tem sido decidido pelo Tribunal Constitucional. (nesse sentido, cfr. Decisões Sumárias n.ºs 245/2013, 339/2013, 627/2013 e 737/2013), como resulta da seguinte passagem da citada Decisão Sumária n.º 737/2013, proferida no Processo n.º 1066/13):
«(…)
7. Verifica-se, no entanto, que existe um obstáculo ao conhecimento do presente recurso: a falta de utilidade do conhecimento da questão de constitucionalidade.
De facto, «o Tribunal Constitucional vem reiteradamente afirmando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta: só há interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for susceptível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto (…)» (Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010. p. 52)
A utilidade da apreciação da questão de inconstitucionalidade tem estritamente a ver com a virtualidade do juízo do Tribunal Constitucional se repercutir na decisão recorrida. Com efeito, na fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280.º da CRP e 69.º e ss. da LTC) – diferentemente do que sucede na fiscalização abstrata (artigos 281.º da CRP e 62.º da LTC) – “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (CARDOSO DA COSTA, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66).
8. Sucede, porém, que a apreciação da(s) questão(ões) de constitucionalidade enunciada(s) pelo recorrente não apresenta utilidade para o desfecho dos autos, designadamente a decisão de mérito da causa. Na verdade, fosse qual fosse a decisão que este Tribunal viesse a tomar sobre a conformidade constitucional daquelas normas, subsistiria sempre uma decisão de não conhecimento do recurso de revista excecional interposto, mantendo-se, por conseguinte, a decisão já proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, manteve a decretada procedência da impugnação judicial com a consequente anulação dos atos de retenção na fonte efetuados nos anos de 2005 a 2007, com direito a juros indemnizatórios a favor da impugnante B., SL.
Esta circunstância torna “inútil” ou “irrelevante” o conhecimento da argumentação do recorrente uma vez que o seu conhecimento acabaria por não impedir que o recurso de revista extraordinária continuasse a não ser apreciado.
Ora, «(…) não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, de acordo com esta orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional seria de concluir prima facie pelo não conhecimento do presente recurso.
12. Não obstante, pode ponderar-se se, ainda assim, subsiste utilidade no conhecimento da questão de constitucionalidade colocada no presente recurso, desde logo, por a mesma ter sido objeto de apreciação, ainda que perfunctória, na decisão judicial recorrida, como decorre da seguinte passagem do acórdão do STA de 3/04/2013 (cfr. 193-194):
«(…) Embora não isenta de dúvidas e de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a suscitada questão prévia vem conhecendo decisão reiterada, uniforme e pacífica no sentido da admissibilidade deste recurso extraordinário também em sede de contencioso tributário, sem qualquer mácula de inconstitucionalidade, designadamente da indicada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público arguente, – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012»
Acrescidamente, verifica-se que a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, em certa medida, é reportada a questão prévia – pois relativa à competência do Tribunal a quo – à da própria decisão sobre a verificação no caso dos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário de revista previstos no artigo 150.º do CPTA.
Atente-se ainda na natureza do recorrente – o Ministério Público – e do seu papel no domínio da iniciativa de fiscalização concreta da constitucionalidade e, em especial, da defesa da legalidade democrática (cfr. artigo 219.º, n.º 1, da Constituição e artigos 1.º e 3.º, alínea f), da Lei n.º 47/86, de 15 de outubro).
13. Contudo, ainda que se pudesse admitir existir utilidade no conhecimento da questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal não dispensa a apreciação prévia do preenchimento dos pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
A admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.
14. No presente caso, verifica-se faltar o preenchimento de um dos pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito do mesmo, na medida em que se considera não ter o recorrente suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa de modo adequado, durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
A competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, reconduz-se à faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, pelo que se compreende que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo em termos de o vincular à sua apreciação, de acordo com as normas que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.
A questão foi assim formulada junto do Tribunal a quo pelo recorrente (cfr. fls. 188-189):
«O Ministério Público suscita expressamente questão de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
1. O recurso de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos é característico da jurisdição administrativa, como claramente resulta de:
a) inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do art.24° n.º 2 ETAF 2002 (cf.art.26° ETAF 2002);
b) impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma citada, recusada pelos princípios hermenêuticos;
c) composição da formação incumbida da apreciação preliminar sumária dos pressupostos substantivos do recurso: três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo (art.l50° n.º5 CPTA);
d) inexistência no Contencioso Tributário de espécie paralela à 7.ª espécie da Secção de Contencioso Administrativo (recursos de revista de acórdãos dos tribunais centrais administrativos; cfr. deliberação n.º 1313/2004, 26.01.2004 do CSTAF)
No sentido da inaplicabilidade do recurso de revista no contencioso tributário pronuncia-se doutrina qualificada (José Casalta Nabais Considerações sobre o Anteprojecto de revisão da Lei Geral Tributária e do Código de Procedimento e de Processo Tributário Cadernos de Justiça Administrativa n.º 6l Janeiro /Fevereiro 2007 p.13;Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume IV anotação 37 ao art.279° CPPT p.390)
2. Neste contexto deve ser recusado o conhecimento do objecto do recurso, com fundamento na inconstitucionalidade das normas constantes do art.24.º n.º 2 ETAF 2004 aprovado pela Lei n.º 13/2002, 19 fevereiro e do art.150° n" 1 CPTA, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (art. 165.º n.º 1 al. p) CRP numeração RC/97)
3. Sem prescindir
A intervenção processual do Ministério Público, circunscrevendo-se à apreciação do mérito do recurso, é posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso, por formação constituída pelos três juízes mais antigos da secção (arts.146.º n.º 1 e 150.º n.º 5 CPTA)».
Desde logo, não se verifica existir inteira coincidência entre a suscitação da questão perante o tribunal que proferiu a decisão ora recorrida e no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. Com efeito, e especialmente quanto à suscitação na parte em que o recorrente se refere a uma alegada interpretação inconstitucional do artigo 24.º, n.º 2, do ETAF (conjugado com o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA), verifica-se que no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – e que delimita o objeto do recurso - a questão de constitucionalidade colocada reporta-se tão só ao artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, isoladamente considerado, autonomizando-se a questão da aplicação, pelo tribunal a quo, «de forma implícita» da norma constante do artigo 24.º, n.º 2, do ETAF.
Acresce que, no confronto com o teor da decisão recorrida, decorre que o tribunal a quo não aplicou – nem implicitamente (como pretende o recorrente no seu requerimento de interposição de recurso) – a norma do artigo 24.º, n.º 2, do ETAF. Tal decorre do teor do acórdão recorrido na parte em que aprecia a questão prévia suscitada pelo Ministério Público (cfr. fls. 193-194):
«(…) Em primeiro lugar e prejudicialmente da questão prévia suscitada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, isto é, da questão da competência desta Secção para, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 150º do CPTA, admitir, apreciar e decidir recurso excecional de revista consagrado no referido preceito da citada lei adjetiva.
Embora não isenta de dúvidas e de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, a suscitada questão prévia vem conhecendo decisão reiterada, uniforme e pacífica no sentido da admissibilidade deste recurso extraordinário também em sede de contencioso tributário, sem qualquer mácula de inconstitucionalidade, designadamente da indicada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público arguente, – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos processos n.º 1075/11 e n.º 899/11, em 12.01.2012, e processos n.º 1140/11, 237/12 e 284/12, em 26.04 de 2012,
Em termos de se poder afirmar que este entendimento vem logrando consolidação jurisprudencial que, à luz do disposto no art.º 8º n.º 3 do CCivil, não pode deixar de merecer aqui também consagração decisória, em termos de, assim, se obter interpretação e aplicação uniformes do direito.
Porque assim, acorda-se em indeferir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e, em consequência, julgar competente para o recurso excecional de revista (artigo 150º do CPTA) também a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. (…)».
Ainda que se pudesse admitir que a questão da inconstitucionalidade, da norma do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, tal como formulada no requerimento de interposição de recurso, se pudesse conter na suscitação prévia efectuada pelo recorrente junto do Tribunal a quo, não estaria preenchido, em qualquer caso, o requisito da suscitação de modo adequado de uma questão de inconstitucionalidade normativa passível de ser conhecida por este Tribunal.
É que, tal como foi formulada na peça de fls 188-189 (intervenção processual prévia à prolação de decisão ora recorrida – cfr. n.º 3), a questão colocada afigura-se dirigida ao juízo hermenêutico a proferir pelo Tribunal a quo em sede da interpretação dos artigos 24.º, n.º 2 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e 150.º, n.º 1 do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos), resultando a pretensa inconstitucionalidade de uma interpretação das normas legais em causa diversa da proposta pelo ora recorrente. Como fundamento, o recorrente invoca um conjunto de argumentos, incluindo sistémicos – em especial «a) inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do art.24° n.º 2 ETAF 2002 (cf.art.26° ETAF 2002);» e «b) impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma citada, recusada pelos princípios hermenêuticos» - de forma a concluir que a formação em causa do STA (Secção de Contencioso Tributário) não dispõe de competência para o recurso então interposto (recurso de revista excepcional).
A discordância do recorrente incide sobre uma eventual interpretação do regime dos recursos que não se conformasse com a tese interpretativa por si sustentada.
O tribunal recorrido, na sua apreciação da questão prévia suscitada, aplicou o artigo 150.º do CPTA à situação dos autos (apreciação de recurso de revista de decisão proferida por secção do contencioso tributário do TCAS pela Secção de Contencioso Tributário do STA), não invocando a utilização de qualquer dos meios hermenêuticos postos em causa pelo recorrente em relação ao artigo 24.º, n.º 2, do ETAF (que aliás não constituiu a ratio da decisão ora recorrida).
O presente recurso só poderia ter objeto normativo passível de sindicância por este Tribunal caso se retirasse da decisão recorrida a intenção de encontrar uma norma para além do que consente o sentido da norma legal efetivamente aplicada, o que não decorre de modo evidente do teor da decisão recorrida nesta parte. Ora tratando-se de recurso em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, não compete a este Tribunal aferir da justeza da interpretação do artigo 150.º do CPTA efectuada pelo Tribunal a quo.
Deste modo, não pode considerar-se cumprido o ónus de suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa que pudesse vir a ser sindicada no âmbito do presente recurso (artigo 72.º, n.º 2 da LTC), pelo que dele não se deve conhecer.
III – Decisão
15. Pelo exposto, acordam em não conhecer do objeto do presente recurso.
Sem custas por não serem legalmente devidas (artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, e artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais).
Lisboa, 3 de junho de 2015 - Maria José Rangel de Mesquita - Lino Rodrigues Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Carlos Fernandes Cadilha (vencido, de acordo com a declaração em anexo) - Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pelas seguintes ordens de considerações.
1. Em primeiro lugar, tratando-se de recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público no quadro das funções próprias que lhe são constitucionalmente conferidas (artigo 224.º, n.º 1), nunca poderia invocar-se a ausência de interesse processual por parte do recorrente nem discutir-se a utilidade da decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional em função do carácter instrumental do recurso.
O interesse processual traduz-se no exercício de uma competência própria em defesa da legalidade, que integra uma forma de contencioso objetivo (artigo 202.º, n.º 2 da Constituição), e que não se confunde com as posições substantivas que constituem objeto do litígio e as partes pretendem dirimir no processo. A utilidade concreta do recurso é realizada, por sua vez, pelo reconhecimento, através de um juízo de inconstitucionalidade, da incompetência da Secção do Contencioso Tributário do STA para apreciar o recurso excecional de revista a que se refere o artigo 150.º do CPTA.
É irrelevante que o tribunal recorrido, no caso concreto, não tenha admitido a revista por inverificação dos respectivos pressupostos processuais, porquanto o efeito jurídico que se pretende obter através do recurso de constitucionalidade é de diferente natureza e destina-se a impedir a própria intervenção da Secção do Contencioso Tributário do STA na apreciação do recurso de revista.
E essa decisão, para além de corresponder ao interesse processual do recorrente, tem uma efetiva ressonância no processo na medida em que a decisão recorrida teria de ser reformada por forma a que o tribunal a quo se declarasse incompetente, por falta de suporte legal, para conhecer da revista.
Não tem qualquer cabimento afirmar que, mesmo que fosse formulado um juízo de inconstitucionalidade, o resultado processual seria sempre idêntico, culminando com o não conhecimento do objeto do recurso de revista e a imodificabilidade da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul. Essa consequência processual, no ponto em que não se reflete na decisão de mérito, seria determinante para impedir o prosseguimento do recurso de constitucionalidade quando este fosse interposto por qualquer dos sujeitos que intervêm no processo na qualidade de demandante ou de demandado, caso em que o recurso não teria uma utilidade efetiva.
Mas não é essa seguramente a hipótese dos autos. O recurso de constitucionalidade tem utilidade, não porque possa interferir na solução jurídica do caso concreto – questão que apenas interessa às partes – mas porque visa verificar o critério legal de competência judiciária do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
2. Em segundo lugar, não existe nenhum motivo para considerar verificado o incumprimento do ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade.
O Ministério Público suscitou a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido nos seguintes termos:
Neste contexto deve ser recusado o conhecimento do objeto do recurso, com fundamento na inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 24.º, n.º 2, ETAF 2004 aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e do artigo 150°, n.º 1, do CPTA, na interpretação segundo a qual a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da matéria para o conhecimento de recurso de revista interposto de acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, por violação da reserva de competência relativa da Assembleia da República sobre organização e competência dos tribunais (artigo 165.º, n.º 1, alínea p), CRP numeração RC/97).
O recorrente identificou, deste modo, uma interpretação normativa que é extraída dos artigos 24.º, n.º 2, do ETAF e 150°, n.º 1, do CPTA, e que é susceptível de ser generalizada a todas as outras situações em que a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo intervenha na apreciação de um recurso de revista.
Tendo sido identificada a interpretação normativa, é inteiramente irrelevante que, num outro excerto, o recorrente tenha avançado com alguns argumentos que, em seu entender, apontam no sentido de que o recurso de revista é apenas aplicável no contencioso administrativo (inexistência no contencioso tributário de norma de competência paralela à constante do artigo 24°, n.º 2, do ETAF 2002; impossibilidade de integração da lacuna por via de interpretação analógica ou extensiva da norma; inexistência na secção de contencioso tributário da formação de apreciação preliminar pressupostos da revista; inexistência no contencioso tributário de espécie paralela à 7.ª espécie do contencioso administrativo).
Estes considerandos poderiam ou não ser tomados em linha de conta na apreciação do mérito do recurso de constitucionalidade, mas a sua simples invocação pelo recorrente na peça processual em que se suscita a questão de constitucionalidade não transmuda a questão de constitucionalidade normativa, que tinha sido suscitada de modo processualmente adequado, nem significa que o recorrente tenha pretendido discutir o processo interpretativo ou a subsunção jurídica que foi efetuada pelo tribunal recorrido.
Por outro lado, o tribunal recorrido não deixou de aplicar, ao menos implicitamente a norma de competência que está em causa no recurso, como se depreende do seguinte síntese conclusiva:
Porque assim, acorda-se em indeferir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal e, em consequência, julgar competente para o recurso excecional de revista (artigo 150º do CPTA) também a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. (…)».
Porque o tribunal indeferiu a questão prévia, que colocava a questão da constitucionalidade da norma do artigo 24.º, n.º 2, do ETAF, como norma de competência para a secção de Contencioso Tributário intervir na apreciação do recurso de revista, e se julgou competente para apreciar o recurso, não poderia ter deixado aplicar a norma do ETAF de que se extrai a interpretação normativa que é objeto do recurso de constitucionalidade.
O recurso interposto pelo Ministério Público tinha evidentemente conteúdo normativo e as normas de que se extraiu a interpretação normativa que se pretendia ver sindicada foram aplicadas pelo tribunal recorrido, pelo que não havia nenhum motivo para deixar de conhecer do seu objeto, que, além do mais, até pela qualidade do recorrente, tinha plena utilidade processual.
Carlos Alberto Fernandes Cadilha