ACÓRDÃO Nº 516/2014
Processo n.º 8/2014
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e B., ora reclamantes, recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de verem apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade: a) «norma extraída por interpretação dos artigos 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, segundo a qual, em caso de agregado familiar, o acréscimo patrimonial não justificado se afere em relação ao agregado familiar e se imputa directa e imediatamente, a cada um dos cônjuges, ou a quem tiver a direcção conjunta do agregado familiar, o rendimento bruto indistinto apurado em relação ao agregado familiar, advindo destes acréscimos patrimoniais não justificados», por violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e de protecção da família, consagrados nos artigos 2.º, 13.º, 67.º, n.º 2, alínea f), 104.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição; e b) «norma do artigo 627.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual não cabe ao Tribunal de recurso conhecer de uma questão de constitucionalidade que não tenha sido conhecida pelo tribunal de 1.ª instância e que se considere não ser de conhecimento oficioso», por violação do disposto no artigo 204.º da Constituição.
O relator no Tribunal Constitucional proferiu decisão sumária de não conhecimento (decisão sumária n.º 101/14), em relação a ambas as questões de inconstitucionalidade, por considerar, no essencial, ser inútil a sua apreciação de mérito. No que respeita à primeira das enunciadas questões de inconstitucionalidade, considerou-se que, tendo o Tribunal recorrido sustentado, em apreciação dos concretos factos em discussão, que a aplicação do invocado critério de determinação individual do acréscimo patrimonial não justificado não importaria, no caso, qualquer alteração da responsabilidade tributária individual dos cônjuges, uma eventual pronúncia no sentido da inconstitucionalidade do critério normativo sindicado (que, ao invés, afere tal acréscimo em função do rendimento conjunto do agregado familiar) não importaria modificação de julgado. Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, considerou-se, por seu lado, que versava norma que o Tribunal recorrido não aplicou como ratio decidendi, pelo que o recurso, também neste particular, seria, ainda que procedente, inoperativo.
Os recorrentes, inconformados, reclamam do assim decidido, invocando, no essencial, que se justifica, por útil, o conhecimento do mérito do recurso, pois que incide sobre normas efetivamente aplicadas pela decisão recorrida.
A recorrida não apresentou resposta.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Os ora reclamantes, nas alegações do recurso apreciado pela decisão recorrida, insurgiram-se, por razões de inconstitucionalidade, contra o tratamento em conjunto dos rendimentos do agregado familiar, para efeitos de aferição dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos de determinação do rendimento tributável, em sede de IRS, reclamando para si que essa aferição se faça individualmente em relação a cada um dos sujeitos passivos que constituem esse agregado.
Em apreciação de tal questão, afirma-se na decisão sob recurso:
«(…) ainda que os «rendimentos declarados» referidos na alínea f) do artigo 87.º e no n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT tenham sido por referência ao rendimento global declarado pelo agregado familiar, o acréscimo de património foi imputado a ambos os cônjuges e, consequentemente, o rendimento (presumido) também imputado (em termos iguais) a ambos os cônjuges, como aliás resulta das notas de fixação de IRS juntas a fls. 317 a 322, não tendo sido feitas quaisquer deduções a tais rendimentos (cf. artigo 42.º do CIRS)».
E, mais adiante:
«Por outro lado, da circunstância de a matéria tributável não ser determinada por referência (individual) a cada um dos recorrentes não resultou, para qualquer deles, uma maior sobrecarga fiscal, já que sempre seriam ambos responsáveis pelo imposto devido e ainda que o acréscimo de património fosse evidenciado por um dos sujeitos passivos (o que não é o caso dos autos)».
Conclui-se, pois, que «no caso dos autos, o conjunto de rendimentos do agregado familiar - na sequência da determinação do rendimento tributável (presumido) efectuada pela administração tributária decorrente dos acréscimos patrimoniais revelados – não ficou sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das pessoas que o constituem
Em face dessa argumentação, que a decisão sumária ora impugnada parcialmente transcreve, parece não haver qualquer dúvida que, na perspectiva do Tribunal recorrido, «a aplicação ao caso vertente de um critério individual de determinação do rendimento tributável (presumido), tendo por referência cada um dos cônjuges recorrentes e não o agregado familiar, para efeitos do disposto nos artigos 87.º, alínea f), e 89.º-A, n.º 5, da LGT, não implicaria qualquer alteração da responsabilidade tributária de cada um dos cônjuges recorrentes», tal como considerou o relator.
Sustentam os recorrentes que assim não é. Porém, decorrendo tal conclusão da análise dos concretos factos em discussão nos autos, valendo, por isso, apenas para a específica ação intentada pelos ora reclamantes, não pode o Tribunal Constitucional sindicar a bondade de tal asserção, sob pena de ultrapassar os seus poderes de fiscalização estritamente normativos. É que não se trata de um resultado interpretativo a que se chega por análise do pertinente regime jurídico e seja aplicável a todos os que reivindiquem para si, em matéria de determinação do rendimento presumido, a aplicação de um critério individual de aferição e tributação. Estão em causa, como acima se disse, os concretos factos em discussão nos autos e a apreciação que dele faz o Tribunal recorrido, no uso dos poderes estritamente jurisdicionais que lhe estão cometidos, e isso justifica, por falta de critério normativo, que se não conheça do recurso cuja procedência não implicará, em face dessa apreciação, qualquer modificação do julgado.
Também quanto à «norma do artigo 627.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual não cabe ao Tribunal de recurso conhecer de uma questão de constitucionalidade que não tenha sido conhecida pelo tribunal de 1.ª instância e que se considere não ser de conhecimento oficioso», não se vê qualquer utilidade no recurso.
Com efeito, e como sustentado pelo relator, o Tribunal recorrido, em nenhum momento, sufragou um tal entendimento da lei, não decorrendo da circunstância de o tribunal não ter conhecido da matéria constante das alíneas p), q) e r) qualquer tomada de posição interpretativa sobre o dever de conhecimento de questões de inconstitucionalidade. De facto, nas referidas alíneas não é suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade que esteja positivamente delimitada no seu conteúdo normativo, por referência a determinada norma legal ou interpretação normativa claramente enunciadas (cf., em particular, alínea q) das conclusões), como é processualmente exigível. Ora, não estando em causa uma verdadeira questão de inconstitucionalidade geradora de dever de pronúncia, é inútil aferir da constitucionalidade de interpretação que, pressupondo-o, defende o seu não conhecimento.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de junho de 2014 - Carlos Fernandes Cadilha - Maria José Rangel de Mesquita - Maria Lúcia Amaral