ACÓRDÃO N.º 400/2012
Processo n.º 583/12
Plenário
Relator:
Conselheiro Fernando Ventura
Acordam,
em Plenário, no Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. O
Presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia de Meia Via, em exercício na reunião ocorrida em
17 de agosto de 2012, submeteu ao
Tribunal Constitucional a deliberação então tomada, que aprovou a realização de
referendo, mediante a colocação da pergunta Concorda com a integração
da freguesia de Meia Via no concelho do Entroncamento, para efeitos
de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos
do artigo 25.º da Lei Orgânica do Referendo Local (aprovada pela Lei Orgânica
n.º4/2000, de 24 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis Orgânicas
n.º 4/2005, de 8 de setembro, n.º3/2010, de 15 de dezembro e n.º1/2011, de 30 de novembro,
doravante designada por LORL).
2. O
pedido contém o texto da deliberação de realização de referendo e foi instruído
com a ata – em minuta - da reunião de 17 de agosto de 2012, em que foi
apresentada e aprovada a iniciativa referendária, nos termos do artigo 28.º,
n.º1, da LORL.
3.
Recebido e admitido o pedido pelo Presidente do Tribunal Constitucional, em 23
de agosto de 2012, foi ordenada e realizada, na mesma data, a distribuição do
processo.
4.
Elaborado o memorando a que se refere o artigo 29.º, n.º 2, da LORL, e tendo
este sido submetido a debate, cumpre agora decidir de acordo com a orientação fixada pelo Tribunal.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A. Factos pertinentes
5. Da análise da ata junta com o pedido, consideram-se
assentes, para efeitos da presente decisão, os seguintes factos:
5.1. Em
17 de agosto de 2012 reuniu, em sessão extraordinária, a Assembleia de
Freguesia de Meia Via, convocada pelo Presidente da Junta de Freguesia de Meia
Via, nos termos do artigo 14.º, n.º1, alínea a),
2 e 3 da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro (com as
alterações introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro),
tendo como ponto único da ordem de trabalhos: «Apresentação, discussão e
votação de proposta para a realização de Referendo Local sobre a Reforma da
Administração Territorial Autárquica».
5.2.
Estiveram presentes na reunião cinco dos nove membros da Assembleia de
Freguesia de Meia Via: quatro eleitos pela Lista de Independentes «Meia Via no
Coração» e um eleito pelo Bloco de Esquerda. Os membros ausentes – dois eleitos
pelo Partido Social Democrata e dois eleitos pelo Partido Socialista – apresentaram
justificação para a falta, com exceção de um dos
eleitos pelo Partido Social Democrata.
5.3.
Entre os membros ausentes, encontrou-se o Presidente da Assembleia de Freguesia
e o 1º Secretário da Mesa da Assembleia. Foi, então, no início da reunião,
constituída nova Mesa da Assembleia, exercendo a Presidência o membro
anteriormente eleito como 2º Secretário e instituído outro membro presente nas
funções de 1º Secretário.
5.4. No decurso da
discussão do ponto único da ordem de trabalhos, os quatro membros eleitos pela
Lista “Meia Via no Coração – MVC” apresentaram iniciativa referendária, com o
seguinte teor:
«Com a publicação em Diário da
Assembleia da República da Lei 22/2012 de 30 de Maio, que confere competência
às Assembleias de Freguesia para apresentarem pareceres sobre a reforma
administrativa territorial autárquica, os quais, quando concordantes com os
princípios e os parâmetros definidos na presente Lei, devem ser ponderados pela
Assembleia Municipal no quadro da preparação da sua pronúncia (artigo 11º, n.º
4), os membros do Grupo de Independentes “Meia Via no Coração - MVC” apresentam
este parecer para realização de um referendo local acerca da integração da
Freguesia de Meia Via no concelho do Entroncamento. A proposta do Grupo de
Independentes “Meia Via no Coração - MVC” é que esta Assembleia delibere, nos
termos do artigo 23º da Lei Orgânica n.º 4/2000 de 24 de Agosto, que diz que a
deliberação sobre a realização de referendo local compete, consoante o seu
âmbito, à Assembleia Municipal ou à Assembleia de Freguesia, com as alterações
introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro e Lei Orgânica n.º
1/2011 de 30 de Novembro, aprovar a realização de um referendo local,
submetendo ao Tribunal Constitucional a sua fiscalização preventiva, aos termos
do artigo 28º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto. com
as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro. e Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro, com a seguinte
pergunta:
“CONCORDA COM A INTEGRAÇÃO DA FREGUESIA
DE MEIA VIA NO CONCELHO DO ENTRONCAMENTO?”.
De seguida enumeram-se os
argumentos que sustentam a realização do Referendo:
1 - Das 17 Freguesias do Concelho
de Torres Novas, a Freguesia de Santiago, talvez por possuir condições
geoestratégicas invulgarmente vantajosas, foi sujeita a várias mutilações
produzidas ao longo dos últimos cem anos o que lhe fez perder toda a sua
histórica importância e grandeza, sendo hoje uma autarquia meramente residual.
2 - Primeiro dela se separou a
freguesia de Riachos para de seguida o mesmo acontecer com a do Entroncamento e
mais tarde este processo de desanexações finalizou-se com a criação da
Freguesia de Meia Via.
3 - Riachos transformou-se em vila
e o Entroncamento engrandeceu-se, tornou-se concelho e cidade de muito vigor e
juventude.
4 - A Freguesia de Meia Via
geográfica e socialmente nunca esteve desligada do
Entroncamento, cidade que cresceu sobre os terrenos cedidos e vendidos pelos
proprietários meiavienses que, entretanto, se foram
transformando em trabalhadores ferroviários, dos serviços e da administração
pública entroncamentense e paralelamente muitos deles também passaram a residir
naquela localidade.
5 - Chegados a 2012, quando a Meia
Via também atravessa um importante surto do desenvolvimento, os meiavienses foram postos perante uma Reforma da
Administração Local que pode, por inércia dos Órgãos Autárquicos de Torres
Novas, trazer graves prejuízos e malefícios, para o futuro da Meia Via, dos meiavineses e da nossa Freguesia.
6 - Aos meiavienses
neste momento cabe tomar a posição certa. A que a lei nos permite e até aponta.
Passar para o concelho do Entroncamento o que representará para os meiavienses, não um regresso às raízes, mas a restauração
do antigo sistema radicular que nos manterá firmes na nossa vida social
cultural e política, mas também e sobretudo autárquica, porque assim se manterá
a Freguesia de Meia Via, viva, forte, progressiva e feliz na sua autonomia. Não
podemos nem devemos esquecer que não foram poucas as vezes em que, no passado,
a população meiaviense fez abaixo-assinados e
manifestou vontade de passar para o concelho do Entroncamento, quando Torres Novas sistematicamente impedia a elevação de Meia Via
a Freguesia.”.
5.5.
Essa iniciativa referendária foi admitida e colocada à votação, sob a
designação de “proposta B” (outras duas propostas foram igualmente
apresentadas), e mereceu aprovação da maioria dos membros presentes, com quatro
votos a favor dos eleitos pela Lista de Independentes “Meia Via no Coração” e
um voto contra da eleita pelo Bloco de Esquerda.
B. Apreciação
6.
Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória,
verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo local (artigo
223.º, n.º1, alínea f), da Constituição
da República Portuguesa – doravante referida por CRP; artigos 11.º e 105.º da
Lei do Tribunal Constitucional; e artigos 25.º e seguintes da LORL).
7. De
acordo com o disposto no artigo 25.º da LORL, no prazo de oito dias a contar da
deliberação de realização do referendo, o presidente do órgão deliberativo
submete-a ao Tribunal Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva
da constitucionalidade e da legalidade.
Numa
apreciação meramente liminar, assiste ao requerente legitimidade para o pedido
de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente da
Mesa da Assembleia de Freguesia de Meia Via que deliberou a sua realização.
Essa legitimidade pertence-lhe por força da substituição temporária e pontual
do órgão Mesa da Assembleia de Freguesia,
prevista no artigo 10.º, n.º4, da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro
(com as alterações introduzidas pela Lei n.º5-A/2002, de 11 de janeiro e pela Lei n.º67/2007, de 31 de dezembro),
em virtude da ausência da maioria dos titulares eleitos para o período do
mandato, incluindo do Presidente. Incumbe, então, ao Presidente do órgão
substituto o exercício exclusivo das competências do órgão substituído (cfr. Paulo Otero, O Poder de Substituição em
Direito Administrativo, II, Lisboa, 1995, p. 410 a 414), nas quais
tem inscrição o cumprimento da injunção normativa constante do artigo 25.º da
LORL.
O
pedido contém o texto da deliberação, através da transcrição da iniciativa
referendária e menção da respectiva aprovação, com expressa e clara indicação
da pergunta a colocar, e encontra-se suficientemente instruído, ainda que com
cópia da minuta da ata da sessão em que foi tomada a deliberação, aprovada por
unanimidade e assinada pelo Presidente e pelo 1º Secretário da Mesa da
Assembleia de Freguesia, nos termos permitidos pelo artigo 92.º, n.º3, da Lei
n.º 169/99, de 18 de Setembro, e pelo artigo 27.º, n.º3, do Código do
Procedimento Administrativo. Como este Tribunal tem entendido (Acórdãos do TC
n.º 100/2009, 394/10 e 391/12, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, como os demais citados), apesar de não
corresponder, em pleno, à exigência decorrente do artigo 28.º, n.º1, da LORL, que impõe o
acompanhamento do pedido de «cópia da acta da sessão em que tiver sido tomada»,
a elaboração e aprovação de minuta da ata no final da sessão em que foi tomada
a deliberação referendária atinge valor certificativo equivalente ao da ata
aprovada em sessão posterior, e confere, nos mesmos termos, imediata eficácia
externa à deliberação (n.º4 do artigo 92.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro). Deve, então, também no caso em apreço,
interpretar-se extensivamente o segmento normativo ata da
sessão, de forma a contemplar a minuta da ata elaborada e aprovada
nos termos das referidas disposições legais.
Acresce
que a iniciativa referendária foi exercida pelos membros da Assembleia de
Freguesia eleitos pela Lista de Independentes “Meia Via no Coração-MVC”, em
conformidade com o disposto nos artigos 10.º, n.º1 da LORL, e foi aprovada pelo
órgão competente, no prazo e com a maioria prevista por lei, de acordo com o
disposto nos artigos 23.º e 24.º, n.ºs 1 e 5 da LORL.
Observa-se
que essa iniciativa referendária, porque iniciativa representativa, não assumiu a forma
de projeto de deliberação, como determina o art.º 11.º da LORL, sendo
antes denominada no seu primeiro parágrafo como parecer
e admitida como proposta. Porém, tais
divergências relativamente à denominação legalmente devida não afastam a sua natureza,
de projeto de referendo local, e não colidem com a
apreciação do pedido.
Face ao
exposto, cumpre concluir pela inexistência de irregularidades formais ou de
procedimento de que cumpra conhecer.
8. No
plano da fiscalização da constitucionalidade do pedido em apreço, verifica-se
que a possibilidade de realizar referendos locais encontra-se acolhida no
artigo 240.º, n.º1, da CRP, de acordo com o qual «As autarquias locais podem
submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas na
competência dos seus órgãos, nos casos, termos e com a eficácia que a lei
estabelecer». Cabe, pois, determinar se a pergunta referendária tem inscrição
em matéria da competência da Assembleia de Freguesia.
A
deliberação referendária visa colocar aos fregueses de Meia Via a seguinte
pergunta: Concorda com a integração da freguesia de Meia Via
no concelho do Entroncamento.
Numa
primeira aproximação, dos termos dessa interrogação decorre que o referendo
local em apreço pretende inscrever-se na participação da referida Assembleia de
Freguesia não apenas no quadro da reorganização administrativa do território
das freguesias, mas, principalmente, no quadro, mais vasto, da reorganização
administrativa do território dos municípios, na medida em que a pergunta
referendária coloca em questão a reconfiguração territorial de dois municípios:
do município de Torres Novas, no qual se insere presentemente a freguesia de
Meia Via, que sofreria a consequente redução territorial (e de munícipes); e do
município do Entroncamento, para onde se projeta a
passagem da mesma freguesia e que seria correspondentemente ampliado.
Não
sofre dúvidas a possibilidade de participação consultiva dos órgãos
autárquicos, quando prevista em processo legislativo conducente à reorganização
do território autárquico (cfr. Acórdãos do TC n.º
390/98 e 384/2012).
A
iniciativa referendária assume expressamente esse propósito, com referência ao
processo deliberativo complexo estabelecido na Lei n.º 22/2012, de 30 de maio,
no âmbito do qual é
concedido às assembleias de freguesia o poder de apresentar «pareceres sobre a
reorganização territorial autárquica», os quais, de acordo com o estabelecido
no artigo 11.º, n.º4, do mesmo diploma, devem ser ponderados pela Assembleia
Municipal no quadro da preparação da sua «pronúncia», de acordo com o n.º1 do
mesmo artigo.
É certo
que a faculdade concedida às assembleias de freguesia de emitir parecer não
vinculativo para ponderação pela assembleia municipal na pronúncia, também ela
não vinculativa, a endereçar por esse órgão à Assembleia da República,
encontra-se dirigida, em primeira linha, para a reorganização administrativa do
território de freguesias, propondo-se o processo legislativo em questão atingir
a obrigatória redução global do número das freguesias, fundamentalmente através
de movimentos de agregação de freguesias no seio do município em que se
inserem. Porém, e como decorre do artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2012, de 30
de maio, paralelamente à reorganização administrativa do território das freguesias,
o mesmo processo legislativo tem igualmente como objecto a reorganização
administrativa do território dos municípios, já não estabelecida como
obrigatória, mas, ainda assim, regulada e incentivada. E, em concretização
desse propósito de regulação e estímulo, o artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º
22/2012, de 30 de maio, prevê que os municípios, em caso de acordo, proponham a
alteração dos seus limites territoriais, mormente através da «transferência
entre si da totalidade ou de parte do território de uma ou mais freguesias», a
incluir na mesma «pronúncia» prevista no artigo 11.º daquela Lei.
Assim,
e como se decidiu no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2012,
perante deliberação referendária similar, habilitando a lei a Assembleia
Municipal a pronunciar-se sobre a transferência intermunicipal de freguesias,
justifica-se plenamente que as assembleias de freguesia interessadas possam
emitir parecer com esse objecto. Mais: uma vez que se encontra em questão uma
alteração da área de municípios, por efeito de transferência da totalidade do
território de uma freguesia, a consulta prévia dos órgãos das autarquias
abrangidas - não apenas os dos municípios, mas também os da freguesia afetada – corresponde a um imperativo
constitucional, nos termos do disposto no artigo 249.º da CRP (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4.ª ed.,
Coimbra, 2010, pp. 759 e 760).
Em
consequência, por força da remissão para a lei ordinária constante do n.º1 do
artigo 240.º da CRP, conclui-se que a deliberação de realização de referendo
local tomada pela Assembleia de Freguesia de Meia Via não contraria a
Constituição, na medida em que a questão a colocar tem como objeto
matéria sobre a qual a assembleia de freguesia dispõe de competência legalmente
atribuída pela Lei 22/2012, de 30 de maio, ainda que, como adiante se
explicitará, em termos limitados.
Também
não se vislumbra que qualquer dos sentidos possíveis da consulta popular
determine a prática de atos ou a adoção
de medidas desconformes com a Constituição.
9.
Importa, agora, passar à apreciação da legalidade da pretendida convocação do
referendo local.
9.1. A
questão formulada reveste «objetividade, clareza e
precisão», como exige o artigo 7.º, n.º1, da LORL., sem ambiguidade ou
obscuridade, e com respeito pelo princípio da bipolaridade ou dilematicidade da pergunta referendária, com referência a
resposta de “sim” ou de “não”. Qualquer dessas respostas permite configurar,
sem margem para dúvida, ou carência interpretativa, o sentido da vontade
popular, no caso, vincular, ou afastar, a inscrição no parecer a formular pela
Assembleia de Freguesia de Meia Via da concretização, no âmbito da
reorganização autárquica em curso, da transferência total do seu território da área do município de
Torres Novas para a do município do Entroncamento. Nos mesmos termos sufragados
no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2012, a compreensão da pergunta, e o
parâmetro legal de precisão, não se mostram postergados pela ausência de
indicação, no próprio teor da pergunta, de todos os dados legais relevantes e
dos efeitos associados a um ou outro sentido de voto.
9.2. O
que se afirmou quanto à competência da Assembleia de Freguesia sobre a emissão
de parecer, para efeitos de ponderação pela Assembleia Municipal, torna patente
a verificação de «relevante interesse local» e permite considerar satisfeita a
exigência constante do artigo 3.º, n.º1, da LORL. Paralelamente, a natureza
consultiva tanto do parecer da Assembleia de Freguesia, como da pronúncia das
Assembleia Municipais dos municípios afectados no processo de transferência,
conduz a que nenhuma das matérias previstas no artigo 4.º, n.º1, da LORL,
mormente na sua alínea a), como
excluídas do âmbito do referendo local, esteja compreendida no âmbito da
pretendida consulta popular aos fregueses de Meia Via.
9.3.
Aqui chegados, importa ponderar os limites temporais incidentes sobre o
referendo local, seja os limites temporais que decorrem da LORL, seja a
necessária conexão dos trâmites e prazos desse diploma com os pressupostos e
condições do processo legislativo complexo em que se pretende inserir (Lei n.º
22/2012, de 30 de maio), e que, nos termos supra referidos, condiciona a sua
admissibilidade.
9.3.1.
Nos termos do artigo 8.º da LORL: «Não pode ser praticado nenhum acto relativo
à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e de
realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo
próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento
Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».
Acontece
que, no momento em que foi tomada a deliberação referendária, havia já sido
publicado o Decreto do Presidente da República n.º107/2012, de 30 de julho (DR, 1ª série, n.º146, de 30 de julho
de 2012), nos termos do qual foi fixado o dia 14 de Outubro de 2012 para a
eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
Então, em aplicação do limite temporal estabelecido no referido artigo 8.º da
LORL, nem os atos relativos à convocação, nem aqueles
relativos à realização de referendo local, poderão ser praticados até essa
data.
Ora, de
acordo com o disposto no artigo 26.º da LORL, o Tribunal Constitucional procede
à verificação da constitucionalidade e da legalidade do referendo no prazo
máximo de 25 dias a contar da data da apresentação do pedido.
Proferida a decisão, o Presidente do Tribunal Constitucional manda notificar
imediatamente o presidente do órgão autor da deliberação de referendo (artigo
31.º da LORL). E, se não houver obstáculo à sua realização, o presidente da
assembleia de freguesia que o tiver deliberado notificará, no prazo de dois
dias, o presidente do órgão executivo da respectiva autarquia para, nos cinco
dias subsequentes, marcar a data do referendo (artigo 32.º da LORL).
Feito o
cômputo da totalidade dos prazos aplicáveis, correspondentes a cada uma das
fases do procedimento, mesmo na hipótese de todas as entidades envolvidas
esgotarem os prazos legalmente previstos para a prática dos atos
que se lhes encontram atribuídos, a convocação do referendo nunca poderia vir a
ter lugar para além do dia 14 de outubro de 2012,
pelo que qualquer dos atos não pode ser praticado sem
colidir com o referido limite temporal, de acordo com a sua interpretação
literal.
Porém,
a este propósito, no acórdão n.º 435/2011 e, muito recentemente, no acórdão n.º
391/2012, este Tribunal tem afirmado a necessidade de operar redução teleológica do referido preceito, quando, in casu, não exista coincidência
entre as esferas territoriais e o colégio eleitoral envolvidos no referendo
local e na eleição convocada. Os fundamentos para esse entendimento
encontram-se no seguinte trecho do acórdão n.º 435/2011:
«O artigo 8.º da LORL vem
estabelecer para os referendos locais uma limitação temporal semelhante à
constante do artigo 8.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (com as alterações
introduzidas pela Lei Orgânica n.º 4/2005, de 8 de Setembro, e pela Lei
Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro), relativamente à realização de
referendo de âmbito nacional de acordo com o estabelecido no artigo 115.º, n.º
7, da CRP.
Confrontando os respectivos
regimes, pode concluir-se que, quanto a essa matéria, ambos partilham a mesma
teleologia fundamentante, devendo reconhecer-se que,
em qualquer dos casos, a previsão de tais limites temporais tem como finalidade
evitar eventuais “confusões” entre actos eleitorais e consultas populares ou
destas entre si, como poderia suceder nos casos em que se solicitasse, num
momento temporal coincidente ou bastante aproximado, a intervenção do mesmo colégio eleitoral, ou de parte deste. Como refere Benedita Urbano, ainda que a propósito
dos limites temporais do referendo de âmbito nacional (“O referendo– Perfil Historico-evolutivo do Instituto –
Configuração Jurídica do Referendo em Portugal”, in Boletim da
Faculdade de Direito – Studia Juridica
30, p. 213), “o legislador constituinte terá sem dúvida
sido fortemente sensibilizado pelo argumento da confusão – a repercutir-se numa eventual distorsão
dos resultados – que resultaria da realização simultânea (ou temporalmente
bastante próxima) de um referendo e de eleições para cargos políticos –
confusão e distorsão que se manifestariam em ambos os
actos eleitorais, naturalmente em consequência das recíprocas interferências
que cada um operaria em relação ao outro (no fundo e genericamente falando,
ter-se-á pretendido evitar fricções entre o referendo e o regime
representativo)”.
Nessa mesma linha, Gomes
Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República
Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, nota X ao artigo 115.º,
Coimbra, p. 106), referem que a previsão dos referidos limites temporais do
referendo “visa garantir a sua autonomia face aos sufrágios
eleitorais, procurando evitar que eles sejam contaminados pelos resultados
destes (e vice-versa) e a promover a independência face às escolhas partidárias
dos eleitores”.
Ora, considerando o alcance
da limitação temporal em apreço, constata-se que o interesse que nela vai
acautelado não é posto em causa ou afectado na situação emergente dos presentes
autos em que se pondera a convocação de um referendo local num município não
pertencente à Região Autónoma onde vai ocorrer a eleição dos deputados à
respectiva Assembleia Legislativa, por não existir coincidência entre as
esferas territoriais envolvidas, e, consequentemente, por ser diferente o
colégio eleitoral que intervirá em ambos os actos.
Nessa medida, se, por um
lado, os interesses perseguidos pela limitação temporal constante do artigo 8.º
da LORL não se encontram minimamente afectados nos presentes autos, e se, por
outro lado, a própria intencionalidade prático-normativa do preceito impõe uma
diferenciação das hipóteses gramaticalmente previstas à luz do problema
normativo regulado, justifica-se, perante tais pressupostos, uma redução teleológica do artigo 8.º da LORL, perante a qual se
pode concluir pela inexistência de violação dos limites temporais aí
previstos.».
A mesma
ordem de razões verifica-se no caso em apreço, pois também aqui o referendo
local que se deliberou convocar diz respeito a freguesia que não pertence à
Região Autónoma dos Açores, onde irá ocorrer a eleição dos deputados à
respectiva Assembleia Legislativa, sem que se denotem circunstâncias
particulares ou conjunturais que justifiquem a alteração desse entendimento.
Afasta-se,
assim a violação dos limites temporais previstos no artigo 8.º da LORL
9.3.2. Mas
não se ficam por aí as condicionantes temporais incidentes sobre o referendo
local que se pretende realizar. Na medida em que a consulta referendária se
destina ao exercício de competências conferidas ao órgão autárquico
deliberativo do referendo, no âmbito do processo legislativo complexo
estabelecido pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, os seus requisitos materiais
envolvem a verificação dos pressupostos e condições, mormente condições de
tempestividade, estabelecidas pelo legislador nesse diploma, sem o que não pode
ser exercida a referida competência legal da Assembleia de Freguesia para a
emissão de parecer e, inerentemente, falece o
requisito de admissibilidade do referendo local ratione materiae .
No quadro
do processo de reorganização administrativa territorial autárquica estabelecido
pela Lei n.º 22/2012, de 30 de maio, o parecer da Assembleia de Freguesia destina-se,
como se disse, a ser tido em consideração na pronúncia da Assembleia Municipal,
e esta carece de ser apresentada à Assembleia da República no prazo máximo de
90 dias, a contar da entrada em vigor daquele diploma (art.º 12.º da Lei n.º
22/2012, de 30 de maio). Uma vez que a entrada em vigor aconteceu no dia
seguinte ao da publicação (artigo 22.º da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio) e que
a regra de contagem dos prazo segue o regime do Código de Processo Civil
(artigo 20.º da Lei 22/2012, de 30 de maio), o que foi entendido como
acarretando a suspensão durante as férias judiciais (n.º1 do art.º 144.º do
Código de Processo Civil), conclui-se que o último dia para a remessa da
respectiva pronúncia por parte das Assembleias Municipais à Assembleia da República,
acompanhada dos pareceres das Assembleias de Freguesia, quando produzidos,
corresponde ao dia 15 de Outubro de 2012.
Pese
embora o legislador não tenha estabelecido qualquer prazo para a apresentação
do parecer da Assembleia de Freguesia, a sua natureza preliminar relativamente
à pronúncia da Assembleia Municipal, que deve acompanhar na remessa à
Assembleia da República, determina que a sua aprovação não poderá nunca
ultrapassar o mesmo prazo de 90 dias. Ultrapassado esse momento, qualquer
tomada de posição da Assembleia de Freguesia de Meia Via será extemporânea, no
quadro procedimental estabelecido pela Lei n.º
22/2012, de 30 maio.
Impõe-se,
então, questionar se o referendo pode ainda, de acordo com o respectivo regime
legal, ter lugar antes daquela data, interrogação que encontra resposta
negativa.
Com
efeito, para além dos prazos estabelecidos na LORL a que se fez referência – 25
dias para a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade; 2 dias para a
notificação do Presidente da Junta de Freguesia; 5 dias para a marcação da data
do referendo local – importa ter em atenção o disposto no n.º1 do artigo 33.º
da LORL, onde
se estabelece que o referendo deve realizar-se no prazo mínimo de 40 dias e no
prazo máximo de 60 dias a contar da sua fixação. Haverá ainda que considerar
que o referendo local só pode ter lugar num domingo ou em dia de feriado
nacional, autonómico ou autárquico (art.º 155.º, n.º2, da LORL), que a
assembleia de apuramento geral inicia os seus trabalhos no 2.º dia posterior ao
da realização do referendo (artigo 142.º, n.º3, da LORL) e que a proclamação dos resultados tem
lugar até ao quarto dia posterior ao da
votação (artigo 145.º, n.º1, da LORL).
Mesmo na
hipótese de máxima compressão dos prazos subsequentes à apreciação da constitucionalidade
e legalidade por parte deste Tribunal – em si mesma substancialmente antecipada
relativamente ao prazo de 25 dias estabelecido no artigo 26.º da LORL – com a
marcação da data do referendo local no próprio dia da notificação da decisão do
Tribunal Constitucional e, a jusante da votação, a concertação de todos os
órgãos autárquicos envolvidos no sentido da formulação, aprovação e remessa do
parecer da Assembleia de Freguesia e das pronúncias das Assembleias Municipais
no mesmo dia, logo após a proclamação dos resultados do referendo, ainda assim
haverá, sempre, que respeitar o período mínimo de 40 dias para a realização do
referendo local e um segundo prazo, igualmente não comprimível, correspondente
à reunião da assembleia de apuramento geral do referendo, que tem o seu início
fixado para o segundo dia posterior ao da votação, pelas nove horas (artigos
33.º, n.º1, e 142.º, n.º3, da LORL). Significa isso que os resultados do
referendo nunca poderão ser proclamados antes do dia 16 de outubro
de 2012, data em que o prazo para a remessa da pronúncia das Assembleias
Municipais à Assembleia da República já se encontra expirado e,
correspondentemente, o resultado do referendo e o parecer subsequente da
Assembleia de Freguesia de Meia Via não podem ser tidos em conta, no quadro dos
artigos 11.º, n.ºs 1 e 4, e 17.º, n.º1, da Lei n.º 22/2012, de 30 de maio.
Assim
sendo, o pedido em apreço consubstancia a realização de referendo local incapaz
de corresponder à sua finalidade originária, sem conexão com fato estranho ao
regular desenvolvimento do processo referendário, pois o seu resultado não se
poderá precipitar em ato de órgão autárquico permitido pela Lei n.º22/2012, de
30 de maio. Então, não tendo a Assembleia de Freguesia de Meia Via, nessas
circunstâncias de tempo, competência para se
pronunciar sobre reorganização territorial dos municípios, o referendo – e a
vinculação dele decorrente - não se mostra admissível.
Face ao
exposto, não pode deixar de concluir-se que o referendo local em apreço, que a
assembleia de freguesia da Meia Via deliberou convocar, é ilegal.
III – DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal
Constitucional decide pronunciar-se pela ilegalidade do referendo local que, na
sua reunião extraordinária de 17/08/2012, a Assembleia de Freguesia de Meia Via
deliberou realizar.
Lisboa, 4 de setembro de 2012.- Fernando Vaz Ventura – J.
Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Joaquim de
Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos.