ACÓRDÃO N.º 387/12
Processo
n.º 500/2012
Plenário
Relator:
Conselheiro Vítor Gomes
.
Acordam, em Plenário, no Tribunal
Constitucional
I. Relatório
1.
O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requereu, ao abrigo
do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 278.º da Constituição, a fiscalização
preventiva da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do
“decreto que determina a suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos
artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de
Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira”, aprovado pela Assembleia
Legislativa em sessão plenária de 20 de junho e
recebido, para os efeitos do artigo 233.º da Constituição, no dia 26 de junho de 2012.
O pedido tem os fundamentos seguintes:
«(
.... )
I – O Direito a constituir e respetivo
enquadramento normativo
1.º
O
decreto remetido para assinatura e publicação como decreto legislativo regional
determina, no seu artigo 1.º, a
suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da
Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º
17/2002/M, de 29 de agosto.
2.º
O
artigo 1.º do decreto que se
submete à sindicância do Tribunal Constitucional dispõe o seguinte:
“Artigo 1.º
1 – É suspensa a parte final do n.º 1 do artigo 1.º das
normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira,
que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto
Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril,
no que se refere ao limite máximo de alojamento turístico na ilha de Porto
Santo.
2 – São igualmente suspensos o n.º 2 do artigo 1.º e os
artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º, e 14.º das normas de execução do Plano de
Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I
do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo
Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril.”
3.º
Por
seu turno, o artigo 2.º do decreto em apreciação estabelece a vigência da
suspensão por ele determinada, nos seguintes termos:
“Artigo 2.º
A suspensão determinada pelo presente diploma vigora até à
revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónomo da Madeira”.
4.º
Por
último, determina-se, no artigo 3.º do diploma, que a entrada em vigor ocorre
no dia seguinte ao da sua publicação.
5.º
O
Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira é um instrumento
de planeamento territorial que se integra na categoria dos planos
setoriais, de acordo com a classificação constante
da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU),
aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de agosto e do Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º
380/99, de 22 de setembro e adaptado à Região
Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2001/M, de 20 de abril.
6.º
Com
efeito, os planos setoriais são instrumentos de
planeamento que programam ou concretizam as políticas de desenvolvimento
económico e social com incidência espacial, determinando o respetivo
impato territorial, na definição dada pela alínea
c) do art. 8.º da LBPOTU (e retomada com formulação
ligeiramente diversa no n.º 1 do art. 35.º do
RJIGT). São instrumentos de política setorial,
designadamente, os planos, programas e estratégias de desenvolvimento com
incidência territorial da responsabilidade dos diversos setores
da administração central (e regional), nomeadamente nos domínios dos
transportes, das comunicações, da energia e recursos geológicos, da educação e
da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do turismo, da
agricultura, do comércio e indústria, das florestas e do ambiente.
7.º
Não
se podem ignorar a importância e a função desempenhadas pelos planos setoriais do turismo, que, enquanto instrumentos que
prosseguem as diretrizes previstas no Plano Estratégico
Nacional do Turismo (PENT), estabelecem a expressão territorial do turismo nas
suas várias modalidades, além de articularem o turismo, enquanto atividade económica protetora do
ambiente e da cultura, com os demais instrumentos de gestão territorial.
8.º
Essa
importância assume um relevo especial na Região Autónoma da Madeira, território
especialmente vocacionado para a oferta turística, beneficiando de particulares
condições paisagísticas, climatéricas, patrimoniais, naturais e culturais, todas
favoráveis ao exercício da atividade.
9.º
O
reconhecimento da importância do turismo na Região Autónoma da Madeira
baseia-se não apenas na evidência dos fatos, mas também na consagração que
merece em relevantes instrumentos nacionais de planeamento e de estratégia territorial,
seja de âmbito geral, como o Plano
Nacional de Ordenamento do
Território (PNPOT), ou de
âmbito setorial, como o Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT).
10.º
O
Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT), constante da Resolução do
Conselho de Ministros n.º 53/2007, de 4 de abril,
desenvolve as vantagens do turismo num quadro de desenvolvimento sustentável
(assente na trilogia ambiental, económica e social), que afirma como sector
estratégico prioritário, no seu contributo para o aumento das receitas
externas, o crescimento do PIB, o combate ao desemprego e a criação de emprego
qualificado, o reforço da imagem externa de Portugal, a valorização do
património cultural e natural, a promoção da qualidade de vida dos portugueses,
a coesão territorial e a identidade nacional, para além do efeito de
dinamização das atividades económicas e culturais que
com ele se relacionam.
11.º
Da
sua consulta resulta que as ilhas da Madeira e de Porto Santo são associadas à
maioria dos dez produtos turísticos estratégicos eleitos pelo PENT,
destacando-se o turismo
de sol e mar, os circuitos turísticos (touring
cultural e paisagístico), o turismo de negócios,
o turismo de natureza, o turismo náutico (que
inclui os cruzeiros), a saúde e bem-estar, o golfe,
os conjuntos turísticos (resorts) integrados e turismo residencial.
12.º
Por
seu turno, o Plano Nacional de Ordenamento do Território PNPOT, aprovado
pela Lei n.º 58/2007, de 4 de setembro, é um instrumento de
desenvolvimento territorial de natureza estratégica que estabelece as grandes
opções com relevância para a organização do território, consubstancia o quadro
de referência para os demais instrumentos de gestão territorial, sobre eles
prevalecendo, e constitui um instrumento de cooperação com os demais Estados
Membros da União Europeia (como decorre do seu artigo 1.º, n.º 2). Tem âmbito
nacional, abrangendo, naturalmente, os arquipélagos dos Açores e da Madeira e
aqui constituindo o quadro normativo de referência dos instrumentos de gestão territorial
(artigo 2.º, números 1 e 2, da mesma Lei).
13.º
O
capítulo 2 do Programa de Ação do PNPOT dedica
especial atenção aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, acentuando, em
várias passagens, a necessária relação entre o desenvolvimento (sustentável) do
turismo, a preservação do ambiente e da paisagem e o ordenamento do território.
14.º
Assim,
no respetivo plano de ação,
o PNPOT reconhece que as “Regiões Autónomas
dos Açores e da Madeira constituem fatores fundamentais
de identidade e afirmação do território nacional, ocupando uma posição
privilegiada no Oceano Atlântico. (...) Em particular, a especificidade, diversidade e riqueza do seu
património e condições naturais e das
suas paisagens conferem aos seus territórios uma atratividade
única no contexto dos circuitos turísticos internacionais, que importa
valorizar de modo sustentável, preservando a perenidade e especificidade dos
valores paisagísticos e naturais”
15.º
Mais
adiante, na formulação do objetivo de implementar uma
estratégia que promova o aproveitamento sustentável do potencial turístico de
Portugal às escalas nacional, regional e local, estabelece-se que “Portugal deve dispor de uma estratégia de
desenvolvimento do setor do Turismo e implementá-la
com eficácia. Para além da relevância do setor para o
desenvolvimento socioeconómico das regiões, a implementação de uma estratégia
de desenvolvimento turístico numa ótica de
sustentabilidade constitui também uma via para o necessário ordenamento e
reabilitação dos territórios.
Assim, serão elaborados instrumentos de gestão territorial,
ou alterados os existentes, de forma a estimular uma oferta estruturada de
produtos de turismo rural, cultural e de natureza, num contexto de
desenvolvimento sustentável. (...).
Será avaliado o potencial da costa portuguesa e da ZEE de
forma a aferir a viabilidade e as condições de desenvolvimento dos produtos de
turismo oceânico. Serão também avaliadas as necessidades de requalificação dos
destinos de sol e praia já consolidados e ainda analisadas as melhores formas
de aproveitamento sustentável das áreas costeiras.
Promover-se-ão modelos de desenvolvimento turístico para
cada um dos destinos turísticos e definir-se-ão mecanismos de articulação entre
o desenvolvimento das regiões com elevado potencial turístico e as políticas do
ambiente e do ordenamento do território. (...)”. De seguida, e em
coerência, como medida prioritária: “elaborar
e implementar ou concretizar as estratégias definidas nos Planos Setoriais e de Ordenamento do Território no território
continental e nas Regiões Autónomas que definam as linhas orientadoras dos
modelos de desenvolvimento pretendidos para as áreas com maiores
potencialidades de desenvolvimento turístico”.
16.º
São,
aliás, matérias de interesse específico regional, nos termos do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (aprovado pela Lei n.º
13/91, de 5 de junho. com as alterações introduzidas
pela Lei n.º 130/99, de 21 de agosto e pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho), o turismo e a hotelaria (artigo 40.º, alínea t], do
Estatuto).
17.º
Releva,
deste modo, a vigência do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos
Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 38/2008/A, de 11 de
agosto, e do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira,
aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, o
primeiro plano do género em Portugal.
18.º
Tendo
sido já efetivada a suspensão das disposições
contidas nos artigos 5.º e 6.º das normas de execução do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira por via da entrada em vigor do Decreto
Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril,
prevê-se agora suspender o artigo 1.º (parcialmente) e os artigos 2.º, 8.º,
9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do mesmo Plano, que constituem o anexo
I do citado Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto.
19.º
Identificam-se
as referidas disposições, por via da respetiva
transcrição:
[ Omitido ]
II – A suspensão das normas de execução do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira e as suas implicações face ao quadro
constitucional vigente
20.º
A
pretendida suspensão destas relevantes disposições do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira não pode, assim, deixar de ser
analisada à luz dos valores e direitos constitucionalmente protegidos do
ambiente, do ordenamento do território, da participação dos cidadãos e de
outras importantes garantias de tutela de que dispõem para a devida ponderação
dos interesses em presença, valores e direitos necessariamente implicados na
opção feita pelo legislador regional.
21º
Desde
logo, a Constituição da República Portuguesa (CRP) dedica ao ambiente, como
valor em si, como direito fundamental e como dever, um importante
reconhecimento no plano normativo, dedicando-lhe o artigo 66.º do seu
articulado.
22.º
O
fundamental direito ao ambiente, na sua dupla dimensão de direito negativo, impondo a abstenção por
parte do Estado e de terceiros de ações
ambientalmente nocivas, e de direito
positivo, reclamando uma ação dos poderes
públicos com vista à sua defesa e preservação (nesse sentido, J.J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume
I, Coimbra Editora, Coimbra, anotação ao artigo 66.º, pp. 845-846), está na
base das várias incumbências elencadas no n.º 2 do citado artigo 66.º CRP.
23.º
A relação dessas incumbências com um correto
ordenamento do território é evidente na sua enunciação,
merecendo destaque a formulação, em concreto, das disposições que dedicam
referência expressa ao dever de
promoção do ordenamento do
território, tendo em vista a correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e
a valorização da paisagem (alínea b]) e, bem assim, à necessária integração de objetivos ambientais nas várias políticas de âmbito setorial (alínea f], ambas do n.º 2 do artigo 66.º).
24.º
Igualmente
relevante surge-nos a tarefa cometida ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais de definição das regras
de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, no quadro das leis
respeitantes ao ordenamento do território e do urbanismo, desta feita pelo n.º
4 do artigo 65.º CRP, o que
aponta para a harmonia e coerência do sistema de planeamento territorial.
25.º
A
montante, entre as tarefas fundamentais do Estado elencadas no artigo 9.º, são de ter em conta as exigentes
tarefas contidas na alínea e) - as mais das vezes ligadas entre si - de
proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a
natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto
ordenamento do território.
26.º
Da
Constituição deriva assim um verdadeiro dever de ordenar o território,
traduzido na imposição de o Estado, as Regiões Autónomas
e as autarquias locais promoverem, de forma articulada, politicas ativas de ordenamento do território e de urbanismo, de
acordo com o interesse público e no respeito pelos direitos dos cidadãos como
consagrado no artigo 4.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do
Território e de Urbanismo (LBPOTU).
27.º
Acresce
a garantia de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos
de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento
físico do território, ainda no citado artigo 65.º, CRP, mas no seu quinto
género, a qual decorre do princípio constitucional da democracia participativa
concretizando esta importante vertente do princípio do Estado de direito
democrático (artigo 2.º, idem) no
âmbito do planeamento territorial.
28.º
Gomes
Canotilho e Vital Moreira falam, a este respeito, numa «cidadania territorial»,
considerando que a Constituição procurou “estimular uma cidadania territorial
indispensável à prossecução de tarefas do Estado referentes ao correto
ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso (arts.
9º/e
e g e 82º/d, i, l
e m) e à efetivação
de direitos fundamentais (direito ao ambiente e à qualidade de vida, direito ao
património cultural, direito à paisagem, direito ao desenvolvimento
sustentável, direito das futuras gerações, direito à fruição cultural, direito
à igualdade real entre portugueses). A cidadania territorial impõe-se ainda num
domínio como o do planeamento urbanístico e territorial, onde o clientelismo,
os «lobbies», os grupos de interesse, a corrupção,
tendem a converter o território e a cidade num esquema de perequações
económicas, não raro veiculado por redes informais de influência (Constituição
da República Portuguesa Anotada, Volume I, cit., anotação ao artigo 65.º, p.
840).
III - Fundamentação
29.º
Ora,
de que forma o presente decreto se mostra desconforme com os valores e direitos fundamentais enunciados?
30.º
Vejamos,
primeiramente, o enquadramento conferido pelo ordenamento jurídico português
aos instrumentos de gestão territorial e respetivas
vicissitudes, de modo a situar o decreto que determina suspender várias normas
do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira.
31.º
Não
obstante a caracterização a priori do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira como
plano setorial, entende-se, a partir da análise das
disposições do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, revestir-se
o mesmo de uma natureza híbrida, em face do quadro legal dos instrumentos de gestão territorial e da função
cometida pelo ordenamento jurídico a cada uma das figuras de planeamento territorial.
32.º
Com
efeito, os planos setoriais com incidência
territorial não têm eficácia plurissubjectiva,
vinculando apenas as entidades públicas, diferentemente dos planos municipais e
especiais de ordenamento do território que também vinculam direta
e imediatamente os particulares (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de
setembro).
33.º
Nessa
sequência, o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro,
estabelece uma complexa relação entre os planos setoriais
e os planos com eficácia plurissubjectiva (municipais
e especiais), determinando que a programação e execução das políticas de
desenvolvimento económico e social (estabelecidas nos planos setoriais) devem ser acauteladas pelos planos municipais de
ordenamento do território e que os planos setoriais
estabelecem as regras orientadoras a definir nos novos planos especiais de
ordenamento do território, cabendo ainda aos planos setoriais
indicar as formas de adaptação dos planos especiais e municipais preexistentes
(artigos 23.º, n.º 2, 24.º, n.º 3 e
25.º, n.º 1. daquele diploma
legal).
34.º
Isto,
sem ignorar os mecanismos de «contracorrente» previstos no mesmo diploma nos
seus artigos 25.º, n.º 2, 79.º, n.º 2 e 80, n.º 1, que
habilitam, em determinadas circunstâncias e com especiais exigências procedimentais, a derrogação de normas de planos setoriais por planos municipais ou especiais de ordenamento
do território.
35.º
Contudo,
o artigo 19.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da
Região Autónoma da Madeira, depois de estabelecer que este instrumento vincula
as entidades públicas competentes para a elaboração e aprovação dos planos
municipais de ordenamento do território, cabendo-lhes alterar (atualizar) os planos que não acautelem as opções
consagradas no plano setorial em causa, vem dispor,
no n.º 3, que “até à conclusão nos demais instrumentos de gestão territorial das normas de execução do
presente Plano, estas aplicam-se diretamente na área setorial a que se reportam.
36.º
Deste
modo, mesmo que a título transitório, é conferida direta
aplicação (aos particulares) às normas de execução do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira, cominando-se com a sanção da nulidade
“os atos de
licenciamento ou autorização de projetos ou atividades que venham em desconformidade com o disposto no
presente diploma (artigo 20.º)”.
37.º
Em
face do que antecede, e sendo conferida aplicabilidade direta
às normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico sempre referido com
interferência normativa na esfera jurídica de particulares, mais cautelas devem
acompanhar os procedimentos de alteração, revisão e suspensão do instrumento em
causa.
38.º
Dispõe
o decreto agora submetido à sindicância do Tribunal Constitucional tratar-se da
suspensão de algumas das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico
da Região Autónoma da Madeira (do anexo I do Decreto Legislativo Regional n.º
l7/2002/M, de 29 de agosto).
39.º
Cumpre
ter presente que a dinâmica dos instrumentos de gestão territorial tem por base
a mutação das realidades bem como das opções que determinam a melhor
prossecução dos interesses públicos, definidas as prioridades num quadro
democrático, acautelados os valores a preservar e no respeito pelos direitos
dos cidadãos. A discricionariedade de planeamento e de execução das políticas
territoriais é inerente à respetiva natureza, cabendo
essas escolhas e a inerente responsabilidade às entidades competentes nos
termos da Constituição e da lei, sendo que até o próprio Plano de Ordenamento
Turístico da Madeira contém cláusulas de flexibilidade na sua aplicação, como a
constante do artigo 2.º das respetivas normas de
execução.
40.º
O
Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Decreto-Lei n.º 380/99, de
22 de setembro, na sua redação
atual) estabelece os requisitos a que devem obedecer
as suspensões dos instrumentos de política setorial
determinando, no seu artigo 99.º, que: “1 – A suspensão, total e parcial, de
instrumentos de desenvolvimento territorial e de instrumentos de política setorial ocorre quando se verificam circunstâncias excecionais resultantes de alteração significativa das perspetivas de desenvolvimento económico-social
incompatíveis com as concretizações estabelecidas no plano ouvidas as
câmara municipais, a comissão de coordenação e desenvolvimento regional e a
entidade pública responsável pela elaboração do plano setorial.
2 – A suspensão dos instrumentos de
desenvolvimento territorial e de instrumentos de política setorial
é determinado pelo mesmo tipo de ato que os haja aprovado. 3 – O ato que determina a suspensão, deve conter a fundamentação,
o prazo e a incidência territorial da suspensão, bem como indicar
expressamente as disposições suspensas.”,
41.º
A
aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro,
à Região Autónoma da Madeira
resulta inequivocamente do próprio ato legislativo
regional que procede à respetiva adaptação (artigo
1.º, do Decreto Legislativo Regional n.º 8-A/2001/M, de 20 de abril).
42.º
No
confronto do decreto remetido para assinatura com o regime agora citado,
verifica-se que a pretendida suspensão não cumpre os requisitos legalmente
estabelecidos, por duas razões: 1) Por não se mostrar devidamente fundamentada
e justificada e 2) Por não ter um prazo certo estabelecido para sua vigência.
43.º
Com
efeito, a leitura do preâmbulo, precioso elemento auxiliar de interpretação das
normas jurídicas, não esclarece as razões determinantes da suspensão,
revelando-se manifestamente insuficiente para o conhecimento de quais sejam as
verificadas e concretas circunstâncias excecionais
resultantes de alteração significativa das perspetivas
de desenvolvimento económico-social incompatíveis com a concretização das
opções estabelecidas no plano (artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 380/99), ficando também por
esclarecer de que forma a suspensão das normas identificadas permite fazer face a essa alteração excecional das
circunstâncias e à consequente desadequação das opções tomadas em 2002.
44.º
A
insuficiência da fundamentação exarada, ao limitar-se a reproduzir (textualmente
ou com algum desenvolvimento) a formulação legal transcrita no ponto anterior,
não permite sequer dar por verificados os pressupostos estabelecidos para a
própria suspensão, em termos de justificação.
45.º
Ora, tratando-se da adoção de uma medida excecional,
necessariamente contida e utilizada
em situações devidamente
justificadas, considera-se que a
insuficiência e falta de clareza
da justificação apresentada determinam o
desrespeito quer pelo
princípio da determinabilidade
da lei, exigindo-se um conteúdo jurídico claro e determinável quanto,
nomeadamente, aos pressupostos de fato, quer pelo princípio constitucional da
proporcionalidade ou de proibição do excesso, ambos derivados do estruturante
princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º), CRP, informando o
regime material dos direitos fundamentais na Constituição).
46.º
Em
especial, o princípio da proporcionalidade, nas vertentes da adequação e
necessidade, deixa de cumprir o seu papel de contenção do excesso na atuação dos poderes públicos. É que as assinaladas falhas e
insuficiências de fundamentação não permitem avaliar as opções em causa através
do crivo daquele princípio fundamental, mostrando-se, por um lado,
impossibilitada a ponderação da idoneidade do meio usado para a prossecução dos
objetivos a que se propõe e, por outro lado,
prejudicada a formulação de qualquer juízo de eficiência quanto à opção pela
suspensão das normas planificatórias atrás
identificadas em detrimento de outras alternativas.
47.º
Determinante
parece ainda ser a consequência trazida pela falta de fundamentação da
suspensão relativamente ao exercício de direitos fundamentais pelos
particulares. É que, daquela forma, são inviabilizados os direitos de
informação e, logo, de participação esclarecida dos cidadãos e estruturas
representativas nos procedimentos e no controlo (prévio ou sucessivo) das
escolhas feitas pelos poderes públicos competentes no âmbito do planeamento com
incidência territorial. Não são pois acautelados os direitos de participação dos
interessados nos termos requeridos pelos artigos 65.º, n.º 5, 66.º, n.º
48.º
A ofensa de direitos associados ao estatuto de cidadania territorial, retomando-se a
terminologia de Gomes Canotilho e Vital Moreira, tanto mais gravosa quanto, ao
invés do comum nos planos setoriais, se assinalaram efeitos diretos da
aplicação da disciplina contida no Plano de Ordenamento Turístico da Região
Autónoma da Madeira na esfera jurídica dos particulares, não sendo, por isso,
despicienda qualquer alteração àquela disciplina.
49.º
Já quanto ao prazo,
este parece ser um elemento central da figura da suspensão, caracterizando a figura e distinguindo-a de outras vicissitudes
que possam ocorrer com instrumentos de gestão territorial. Assim, a sua
presença na definição de João Miranda: “A suspensão consiste numa paralisação, por um
período de tempo certo, dos efeitos de todo o plano ou de parte dele” (A Dinâmica Jurídica do Planeamento Territorial [A
Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos, Coimbra Editora, Coimbra, 2002,
p. 231).
50.º
E
por que não basta a menção, contida no artigo 2.º do decreto em apreciação, de
a vigência da suspensão ser determinada pelo termo do processo de revisão do
plano?
51.º
Várias
ordens de razões. Desde logo, por não estar legalmente ou de fato estabelecida
qualquer previsão quanto ao início e ao termo do suposto procedimento de
alteração ou revisão do plano turístico em causa. Depois, o precedente criado
pela anterior suspensão do plano, a que já nos referirmos, sendo também aí
previsto que vigoraria até à revisão do plano, o que, cinco anos volvidos, não
se verificou (Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril).
52.º
A
este propósito sublinhe-se que o legislador regional já considera que a suspensão operada pelo citado Decreto
Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril
corresponde a uma verdadeira e própria alteração do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira, e assim a designa neste diploma.
53.º
O
artigo 1.º (números 1 e 2) do decreto submetido a esse Tribunal refere-se ao
Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto como alterado pelo
decreto legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril.
54.º
Mas
considerar definitiva uma alteração que se propunha provisória, como é da
natureza dos atos jurídicos suspensivos, determina, neste caso, manifesto prejuízo para um correto ordenamento
do território e para os direitos dos
cidadãos, afastada a aplicação do regime legal a que a própria
Constituição se refere e para o qua1 remete (artigo 65.º, números 4 e 5), sendo
as garantias de participação associadas não apenas aos procedimentos de
elaboração e aprovação, como também de alteração dos instrumentos de gestão
territorial.
55.º
Permitir-se
novamente a suspensão sem prazo certo é
propiciar um verdadeiro desvio na escolha de procedimento, suspendendo
quando se pretende alterar, o que, não apenas implica um vazio na ordem jurídica,
propiciando a desregulação da atuação da
Administração Pública regional e
local num domínio sensível dos direitos
dos particulares, com implicações económicas e patrimoniais não
despiciendas, como subtrai o procedimento de alteração do plano das garantias
de participação dos cidadãos, consentimento das populações e justa e adequada
ponderação dos interesses em presença, especialmente os ambientais, cuja tutela
constitucional é evidenciada no artigo 66.º
CRP a que já nos referimos.
56.º
Nem
se diga, quanto ao primeiro aspeto focado no ponto
anterior, que o vazio de regulação resultará do próprio prazo de dez anos de
vigência estabelecido nas normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico
(artigo 21.º), já que em primeiro lugar, a
disposição em causa não deixa de associar a esse fato a possibilidade de
reavaliação e revisão do Plano, o que indicia, por parte da Assembleia
Legislativa, as mesmas preocupações que determinam a manutenção da vigência de
planos municipais até à sua efetiva revisão, mesmo
quando sujeitos a um prazo de caducidade (artigo 83.º, do Decreto-Lei n.º 380/99,de 22 de setembro);
em segundo lugar, se tem por regra e por preferência a vigência temporalmente
indeterminada dos instrumentos de gestão territorial; e em terceiro lugar, a
ocorrer a 30 de agosto de
57.º
Este
resultado ablativo de direitos dos cidadãos
ao ambiente e a um correto ordenamento do território não é
constitucionalmente adequado, desvirtuando o próprio sistema de planeamento
territorial e os direitos e garantias que lhe estão associados e lhes são
inerentes nos termos da própria Constituição.
58.º
Em
especial, os direitos de participação são consagrados em preceito a que Jorge
Miranda e Rui Medeiros reconhecem aplicação direta,
sem necessidade de mediação do legislador. Trata-se do sempre citado n.º 5 do artigo 65.º,
CRP. Na respetiva anotação ao artigo 65.º da Constituição,
os autores defendem ainda tratar-se de um direito de participação em sentido amplo, defendendo
que a teleologia do preceito abrange qualquer modificação substancial de
instrumentos de planeamento urbanístico (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo
I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 678) e não apenas a fase da elaboração (o
que não deixa de merecer concretização no artigo 96.º, n.º 1 do RJIGT).
59.º
Os
instrumentos de gestão territorial e, bem assim, o próprio sistema legal que os
enquadra, correspondem à concretização das normas
constitucionais pertinentes, pelo que, naquilo em que aquele sistema legal se
aproxima dos valores, direitos e garantias fundamentais, o desrespeito da lei
acaba por consubstanciar o desrespeito da própria Constituição, como se
considera caso vertente.
60.º
As
desconformidades com a Lei Fundamental assinaladas determinam e justificam a
iniciativa encetada junto do Tribunal Constitucional, de acordo com o princípio
da constitucionalidade das leis e demais atos do Estado,
das Regiões Autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas,
consagrado no artigo 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
IV - Síntese conclusiva
Do
que se vem a expor, poderá concluir-se que as normas constantes dos artigos 1.º
e 2.º do decreto em apreço por ofensa das normas e princípios contidos nos
artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 9.º, alínea e), 65.º, números 4 e 5 e 66.º, números 1
e 2, todos da Constituição, se encontram feridas do vício de
inconstitucionalidade material.»
2. Notificado
para se pronunciar, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), o Presidente da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira respondeu nos termos seguintes:
«Na
sequência do pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade
apresentado por Sua Excelência o Representante da República, referente ao
Decreto Legislativo Regional que suspende parcialmente o artigo 1.º e determina
a suspensão dos artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º e 14.º do Anexo I do Decreto
Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, que estabelece o Plano de
Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira (POT), permita-nos referir
o seguinte:
- Razões Invocadas -
A
fundamentação do RRRAM, juiz conselheiro Ireneu Cabral Barreto, para requerer a
apreciação preventiva da inconstitucionalidade do referido diploma regional, em
nosso entender, assenta em 3 questões essenciais,
nomeadamente:
1)
Deficiente fundamentação, no preâmbulo, dos motivos que sustentam a suspensão
parcial do plano sectorial do Turismo;
2)
Não estabelecimento de um prazo certo para a vigência do diploma;
3)
Não ter a administração pública desencadeado os mecanismos de consulta a
entidades externas legalmente exigíveis.
1- Deficiente fundamentação, no preâmbulo, dos
motivos que sustentam a suspensão parcial do plano sectorial do Turismo:
a)
Linhas gerais em que assentou a redação do preâmbulo
•
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2011, de 11 de julho,
estabelece no seu anexo II, do artigo 3.º, do capítulo II, as regras de
exposição de motivos dos atos normativos, do XVIII
Governo Constitucional, ou seja, o n.º 2 do referido artigo prevê que “o preâmbulo deve ser redigido de modo a dar a conhecer aos destinatários
das normas, de forma simples e concisa, as linhas orientadoras do diploma e a
sua motivação, (...).“
•
Por conseguinte e seguindo esta regra, tentou-se que o preâmbulo expusesse em
poucas palavras, mas, precisas e exatas os motivos
que justificavam a aprovação do diploma em causa.
•
Todavia para o cabal esclarecimento das razões que sustentaram a decisão de
suspender parcialmente o POT, necessariamente, teria o referido preâmbulo de
ultrapassar a concisão que se pretendia no mesmo.
•
Sem prejuízo de, já que nesta sede não estamos sujeitos à exigência de
concisão, virmos esclarecer, um pouco melhor as motivações que justificam a
suspensão parcial do POT.
•
O DLR que estipula a suspensão parcial do POT, estabelece que:
[ Omitido
]
•
Sobre o n.º 1 do artigo 1.º, acima descrito, importa reforçar que a suspensão
só faz referência à capacidade de alojamento da ilha de Porto Santo (4.000),
mantendo-se assim a bolsa de camas disponíveis para a Madeira (35.000);
•
De facto, de uns anos a esta parte, tem sido política do Governo Regional da
Madeira, apostar no desenvolvimento do Porto Santo como um destino “resort” de qualidade.
•
Para um destino turístico desta natureza, e tendo em atenção a sazonalidade do
mesmo, que, desde logo, constitui um entrave à apetência dos operadores
turísticos, face à reduzida oferta de camas turísticas, torna-se premente que o
Porto Santo ganhe massa crítica para efeitos de comercialização da ilha por
operadores internacionais.
•
A construção de novos empreendimentos, do tipo “resort”
de qualidade (4 e 5 estrelas), com equipamentos diferenciados que permitam aos
hóspedes um lazer baseado em experiências diversificadas, é essencial para
combater a sazonalidade, pois, para um destino em que a sua principal atração (sol e mar), depende de um fator
exógeno ao próprio, neste caso - o clima, é premente a criação desta
complementaridade.
•
No âmbito do projeto de Plano de Urbanização da
Frente Mar Campo de Baixo/Ponta da Calheta (PUPC), foram desenvolvidos estudos
detalhados, que fundamentam e sustentam, a imperiosidade do Porto Santo ganhar
massa crítica, constituindo-se como uma “ilha resort”,
com as condições necessárias para se afirmar positivamente na oferta
concorrencial.
•
A proposta de divisão espacial da região por unidades operativas, com base em
valores quantitativos de alojamento, mostrou-se ineficiente, uma vez que a
procura por espaço territorial, não se tem coadunado com a oferta disponível. A
titulo de exemplo, constata-se que a capacidade máxima de alojamento para os
concelhos de Santa Cruz e Machico já foi, há muito, atingida, enquanto que na costa norte (concelhos de Santana, São
Vicente e Porto Moniz) continua, quase no final de vigência do POT, a possuir
grande parte das camas estipuladas sem projetos de
investimento.
•
Finalmente, e no que respeita à referência ao Decreto Legislativo Regional n.º
12/2007/M, de 16 de abril, como diploma que altera o
DLR 17/2002/M, constante no n.º 1 do artigo 1.º do DLR proposto, clarifica-se que se tratou de um lapso de escrita.
b)
No que concerne ao n.º 2 do artigo 1.º, temos que:
•
Da experiência de quase 10 anos de vigência do POT, que resultaram na
elaboração de relatórios de acompanhamento sobre a aplicação e desenvolvimento
das medidas constantes do mesmo, temos constatado que este plano sectorial não
estava a responder cabalmente à sua génese, face a diversos fatores,
como sejam, as alterações substanciais quer de legislação turística, quer de
instrumentos de gestão territorial, e por último, mas não menos importante, a
evolução/alteração “radical”, das condições económicas e sociais, que estiveram
subjacentes à elaboração do POT e que fundamentaram as opções definidas no
mesmo.
•
O quadro legislativo que presidiu à elaboração do POT, nomeadamente a
classificação das tipologias de alojamento foi alterado completamente, deixando
de existir tipologias como por exemplo a de estalagem, o que condicionou
inequivocamente a implantação de empreendimentos turísticos de raiz, em espaços
agroflorestais. Daí que foi proposta a suspensão do
artigo 9.º, a saber:
[ Omitido ]
•
Ainda neste contexto, e no que respeita à suspensão do artigo 8.º do anexo I do
POT
–
“Artigo 8.º Nos espaços urbanos são admitidos estabelecimentos hoteleiros e
aldeamentos turísticos com uma capacidade máxima, por unidade de exploração, de
80 camas e apartamentos/moradias turísticas com uma capacidade máxima de 60
camas”, a mesma resultou do facto de existirem projetos
de pequenas unidades de turismo em espaço rural, que por natureza da própria
definição (TER), resultam do aproveitamento e recuperação de imóveis antigos e
que não têm sido viabilizados, resultando na deterioração dos mesmos.
•
De facto, o artigo 4.º a Portaria 937/2008, de 20 de agosto, veio dar uma nova
leitura à “definição” de espaço rural, que permitirá a integração desses
pequenos projetos em espaço urbanos, a saber:
“Artigo
4.º
Espaço
rural
1
– Para o efeito do disposto no presente diploma consideram-se como espaço rural
as áreas com ligação tradicional e significativa à agricultura ou ambiente e
paisagem de caráter vincadamente rural.
2
– A classificação como empreendimento de turismo no espaço rural atenderá ao
enquadramento paisagístico, às amenidades rurais envolventes, à qualidade
ambiental e à valorização de produtos e serviços produzidos na zona onde o
empreendimento se localize.”
•
Relativamente à suspensão do artigo 2.º, é referido pelo representante da
República para a RAM que a existência do mesmo já é por si só, uma norma
especial para propostas de investimento não conformes com o POT, a saber:
“Artigo
2.º
1–
Os empreendimentos, obras ou ações neste âmbito
sectorial, não totalmente conformes com o regime previsto no presente diploma e
que pelas suas características ou dimensão sejam suscetíveis
de induzir um significativo impacte social e económico, podem, fundamentada e excecionalmente, ser admitidos, assegurada a prossecução
dos respetivos objetivos,
através dos mecanismos de concertação de conflitos de interesse públicos
representados pelos sujeitos da Administração Pública previstos na legislação
aplicável.
2
– Para efeitos da concertação a que se refere o número anterior, deve a
pretensão ser devidamente fundamentada e acompanhada dos inerentes estudos
socioeconómicos e de avaliação de impacte ambiental, bem como das garantias do respetivo financiamento.”
•
Na realidade, este mecanismo não é aplicável a pequenos projetos,
que são neste momento os mais propostos aos serviços, que não conseguem ser
abrangidos por esta norma de exceção.
•
Relativamente à suspensão dos artigos 11.º e 14.º, a mesma resulta diretamente da suspensão dos artigos anteriormente
referidos.
2 - Não estabelecimento de um prazo certo para a
vigência do diploma:
•
O sentido da norma constante no artigo 2.º do diploma em causa foi o de
garantir um limite temporal aplicável à suspensão do mesmo, pois o POT vigorará
até 29 de agosto de 2012, mantendo-se todavia os seus efeitos para além daquele
prazo.
•
Isto é, os procedimentos relativos à revisão do plano, forçosamente demorariam
algum tempo, estimando-se, cerca de um a dois anos, pelo que os motivos que
fundamentam a sua suspensão parcial, necessariamente se mantêm nesse período,
ficando esvaziado de sentido, a partir do momento da sua revisão.
•
Assim, necessariamente, a vigência do diploma em causa é limitado no tempo,
independentemente de um prazo concreto.
3 - Não ter a administração pública desencadeado
os mecanismos de consulta a entidades externas legalmente exigíveis:
•
Relativamente a esta matéria há que referir que a consulta limitou-se a cumprir
o estabelecido no n.º 1, do artigo 83.º, do Decreto Legislativo Regional n.º
43/2008/M, de 23 de dezembro, que aprova o Sistema
Regional de Gestão Territorial da RAM.
•
Todavia há que referir que a previsão do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, quando refere que as consultas externas, num
quadro de suspensão das disposições dos instrumentos de gestão territorial,
serão efetuadas às Câmaras Municipais, à comissão de
coordenação regional e à entidade pública responsável pela elaboração do plano
sectorial, está destituída de sentido prático, na medida em que essa consulta, foi efetuada, embora nos termos
do artigo 83.º do DLR/43/2008/M, de 23 de dezembro.
Conclusões:
•
O teor preâmbulo derivou da necessidade de expor em poucas palavras, precisas e
exatas os motivos que justificavam a aprovação do
diploma em causa, facto que poderá ter limitado o seu alcance.
•
A suspensão parcial do POT vigora até a sua revisão, cujo processo se prevê
seja concluído no prazo máximo de dois anos.
•
Relativamente a esta matéria há que referir que a consulta limitou-se a cumprir
o estabelecido no n.º 1, do artigo 83.º, do Decreto Legislativo Regional n.º
43/2008/M, de 23 de dezembro, que aprova o Sistema
Regional de Gestão Territorial da RAM.”
3. Discutido o memorando apresentado,
cumpre formular a decisão em conformidade com o que fez vencimento.
II. Fundamentos
4. O
Decreto cujas normas são objeto do presente pedido de fiscalização preventiva de
constitucionalidade, tem o seguinte conteúdo:
«A estratégia de
desenvolvimento do turismo na Região Autónoma da Madeira e o seu modelo
territorial foi definida pelo Governo Regional, com vista a orientar os
investimentos, garantindo o equilíbrio na distribuição territorial dos
alojamentos e equipamentos turísticos, bem como um melhor aproveitamento e
valorização dos recursos humanos, culturais e naturais.
O Plano
de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira, abreviadamente
designado por POT, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de
29 de agosto, foi o instrumento que consagrou essa visão.
Corporizado
num conjunto de documentos que o integram, o POT, para além de prosseguir o
propósito acima enunciado, estabeleceu limites e ritmos de crescimento do
alojamento, bem como valores para a sua distribuição territorial, em ordem a
orientar o crescimento no horizonte temporal e físico que abrange.
Daí
a inclusão no POT de normas que, relativamente à Região Autónoma da Madeira,
consubstanciassem um mecanismo de contenção, de modo a gerir eficientemente o número de camas da
Região.
Sucede,
porém, que as condições de referência que conduziram à incorporação desse
mecanismo de contenção estão alteradas.
Nos
últimos anos ocorreu uma mudança substancial dos paradigmas de ordem económica,
social e financeira, definidos como base no cenário expectável para o
desenvolvimento do setor turístico e que colocam
entraves ao cumprimento das opções estabelecidas no plano.
As
alterações legislativas referentes à instalação, exploração e funcionamento dos
empreendimentos turísticos, nomeadamente no que respeita à supressão de tipologias de
alojamento, existentes à data da entrada em vigor deste plano sectorial,
originaram constrangimentos inequívocos na compatibilização de propostas de
investimento para com as tipologias definidas no POT.
A
captação de investimento no setor turístico, que
contribuirá para a inequívoca dinamização económica da Região Autónoma da
Madeira e, de um modo muito especial, para a criação de emprego, tem sido
condicionada pela manifesta desadequação de algumas disposições do POT, para
com a atual realidade económica e legislativa.
Acresce
que se verificam atualmente circunstâncias excecionais resultantes de alterações significativas das perspetivas que determinaram em
Foi
ouvida a Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira - AMRAM - em
representação de todas as Câmaras Municipais.
Assim,
A Assembleia Legislativa
da Região Autónoma da Madeira
decreta, ao abrigo do disposto
na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa,
da alínea c) do n.º 1 do artigo 37.º e das alíneas i) e t) do artigo 40.º do Estatuto Político-administrativo da Região
Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho,
revisto e alterado pelas Leis n.ºs 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, o seguinte:
Artigo
1.º
1 –
É suspensa a parte final do n.º 1 do artigo 1.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da
Região Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo
Regional nº 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo
Regional nº 12/2007/M, de 16 de abril, no que se
refere ao limite máximo de alojamento turístico na ilha de Porto Santo.
2 -
São igualmente suspensos o n.º 2 do artigo 1.º e os artigos 2.º, 8.º, 9.º, 11.º
e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da Região
Autónoma da Madeira, que constituem o anexo I do Decreto Legislativo Regional
n.º 17/2002/M, de 29 de agosto, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º
12/2007/M, de 16 de abril.
Artigo
2.º
A
suspensão determinada pelo presente diploma vigora até à revisão do Plano de
Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira.
Artigo
3.º
O
presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.”
Por
seu turno, as normas de execução do POT que a iniciativa legislativa posta sob
exame de constitucionalidade pretende suspender são do seguinte teor:
“Artigo
1º
1 –
Até ao ano de 2012, o limite máximo de alojamento turístico para a Região
Autónoma da Madeira é fixado em 35 000 camas na ilha da Madeira e 4000 camas na
ilha de Porto Santo.
2 –
Estes limites distribuem-se da seguinte forma na ilha da Madeira:
a) Concelho
do Funchal – 23 000 camas;
b) Área
dos concelhos de Santa Cruz e de Machico – 5500 camas;
c) Área
de concelhos de Câmara de Lobos, da Ribeira Brava, de Ponta do Sol e da Calheta
– 4000 camas;
d) Área
dos concelhos de Santana, de São Vicente e de Porto Moniz – 2500 camas.
Artigo
2.º
1 –
Os empreendimentos, obras ou ações neste âmbito
sectorial, não totalmente conformes com o regime previsto no presente diploma e
que pelas suas características ou dimensão sejam suscetíveis
de induzir um significativo impacte social e económico, podem, fundamentada e excecionalmente, ser admitidos, assegurada a prossecução dos
respetivos objetivos,
através dos mecanismos de concertação de conflitos de interesse públicos
representados pelos sujeitos da Administração Pública previstos na legislação
aplicável.
2 –
Para efeitos da concertação a que se refere o número anterior, deve a pretensão
ser devidamente fundamentada e acompanhada dos inerentes estudos
socioeconómicos e de avaliação de impacte ambiental, bem como das garantias do respetivo financiamento.
(…)
Artigo
8.º
Nos
espaços urbanos são admitidos estabelecimentos hoteleiros e aldeamentos
turísticos com uma capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas e
apartamentos/moradias turísticas com uma capacidade máxima de 60 camas.
Artigo
9.º
Nos
espaços agroflorestais são admitidas as seguintes
tipologias, com capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas:
a) Estalagens;
b) Pousadas;
c) Unidades
de turismo em espaço rural;
d) Quintas
madeirenses;
e) Moradias
turísticas.
(…)
Artigo
11.º
Podem
ser admitidos empreendimentos turísticos com capacidade superior às
estabelecidas no presente Plano, nas seguintes condições:
a) Quando
associados a equipamentos ou infraestruturas de
interesse regional e de utilização coletiva ou
pública, nomeadamente campos de golfe, portos de recreio, complexos
desportivos, cujo investimento caiba aos promotores privados;
b) Quando
se trate de empreendimentos turísticos de tipo resort que, pelas suas características funcionais,
oferta complementar de equipamentos, disponibilização de espaços verdes envolventes
e integração no local, constituam empreendimentos que qualifiquem e
diversifiquem a oferta turística nas zonas onde se implantem.
(…)
Artigo
14.º
1 –
Para efeitos do previsto no artigo 11.º, consideram-se estabelecimentos
hoteleiros de tipo resort
os constituídos por diversos edifícios que disponham entre eles espaços livres
e espaços verdes para utilização dos utentes, bem como de equipamentos e
serviços de recreio e lazer de uso comum, sujeitos a uma mesma exploração
hoteleira.
2 –
Na apreciação e licenciamento dos projetos de
empreendimentos turísticos referidos no n.º 1, no âmbito da gestão da
distribuição territorial, deverá ser dada preferência aos estabelecimentos
hoteleiros de tipo resort
que apresentem as seguintes condições:
a) Localização
especialmente valorizada junto do mar ou dos centros urbanos e centralidades
turísticas definidas no POT;
b) Maior
área de espaço livre de uso comum em relação à superfície edificada, não
podendo ser inferior a
c) Maior
capacidade de estacionamento privativo, não podendo ser inferior a um lugar de
estacionamento por cada oito camas;
d) Maior
superfície de piscinas, não podendo esta ser inferior a
e) Disponibilização
de equipamentos de recreio e lazer especialmente adaptados às zonas em que se
localizam os empreendimentos, proporcionando uma oferta complementar
diversificada e diferenciada da existente;
f) Solução
arquitetónica e paisagística adaptada à zona em que
se localiza, baseada, preferencialmente, em edificações de baixa altura
(dois/três pisos no alçado de maior dimensão e com altura média de
(…).”
Em
síntese, foram objecto de suspensão quatro tipos de normas. Normas que
estabeleciam limites globais (ilha do Porto Santo) ou de distribuição pelo
território (ilha da Madeira) da capacidade de alojamento turístico, expresso em número de camas. Normas que estabeleciam a
capacidade máxima por unidade de exploração. Normas que fixavam as tipologias
das unidades de empreendimento turístico em espaço agro-florestal. E,
finalmente, normas que disciplinam excepções e que a remoção dos referidos limites ou condicionamentos tornou inoperantes.
Importa,
ainda, notar que o Decreto Legislativo Regional n.º 12/2007/M, de 16 de abril, que o diploma em apreciação diz ter “alterado” o POT
não introduziu, em sentido próprio, uma alteração ao referido Plano.
Literalmente, apenas suspendeu, tal como o presente, algumas das suas normas. E
suspendeu-as também “até à revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região
Autónoma da Madeira”. Revisão esta
que, aliás, ainda não ocorreu nem, como se retira da resposta, está em curso.
5. Convém fazer preceder a análise das
questões de constitucionalidade colocadas pelo Requerente de uma breve
exposição do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, na estrita
medida que possa contribuir para a compreensão do efeito jurídico pretendido
pelas normas submetidas a apreciação.
5.1. Na sequência da Lei n.º 48/98, de 11 de
agosto, que estabeleceu as bases da política de ordenamento do território e de
urbanismo (LBPOTU – alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto), o
Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, veio
disciplinar o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT; o
diploma sofreu as seguintes alterações: Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de abril, Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de fevereiro, Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro,
Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto, Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, Retificação n.º
104/2007, de 6 de novembro, Decreto-Lei n.º 46/2009,
de 20 de fevereiro, Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de
agosto e Decreto-Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro).
O
sistema de gestão territorial pode ser percebido pelo seguinte quadro sinóptico
(adaptado do apresentado por Fernanda Paula Oliveira, Instrumentos
de Participação Pública em Gestão Urbanística, pág. 14):
QUADRO DOS
INSTRUMENTOS TIPIFICADOS NA LEI DE BASES |
|
Instrumentos de
desenvolvimento territorial |
– Programa Nacional
de Política de Ordenamento do Território – Plano Regional de
Ordenamento do Território – Plano
Intermunicipal de Ordenamento do Território |
Instrumento de
planeamento sectorial |
– Planos sectoriais |
Instrumento de
planeamento especial |
– Planos de
Ordenamento de Áreas Protegidas – Planos de
Albufeiras de Águas Públicas – Planos de
Ordenamento da Orla Costeira – Planos de
Ordenamento dos Estuários |
Instrumentos de
planeamento territorial |
– Plano Director
Municipal – Plano de
Urbanização – Plano de Pormenor |
Este
regime foi adaptado à Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo
Regional n.º 8‑A/2001/M, de 20 de abril, que
introduziu os ajustamentos, predominantemente de natureza orgânica e formal,
considerados imprescindíveis à disciplina dos instrumentos de gestão
territorial da Região. Após as alterações ao RJIGT aprovadas pelo Decreto-Lei
n.º 316/2007, de 19 de setembro, o legislador
regional editou o Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, que estabeleceu o novo sistema regional de gestão
territorial. Neste diploma, em que passa a centrar-se a atenção por ser o
direito regional de referência da iniciativa legislativa sob censura de
constitucionalidade, o legislador regional invocou, para o maior fôlego de
regulamentação própria que ele apresenta relativamente ao Decreto Legislativo
Regional n.º 8-A/2011/M, a inadequação das soluções operadas pelo Decreto-Lei
n.º 316/2007 às especificidades regionais, nomeadamente, a necessidade de uma
maior simplificação procedimental que atenda, por
comparação com a realidade continental, ao menor número de centros de decisão,
à estrutura administrativa menos complexa e à reduzida circunscrição
territorial. Por outro lado, para criar um regime que enquadre o sistema
regional de gestão territorial e regule as matérias substantivas e procedimentais com relevância específica na Região, o
legislador regional escudou-se na possibilidade de desenvolvimento da Lei de
Bases decorrente do alargamento dos poderes legislativos regionais pela revisão
constitucional de 2004 [cfr. artigo 227.º, n.º 1,
alínea c), da CRP].
Adoptando
um modelo que, em larga medida, replica o RJIGT – o que, aliás, decorre do princípio
da tipicidade dos instrumentos de planeamento do ordenamento do território e
urbanismo (cfr. artigos 9.º e 34.º da LBPOTU) –, o
sistema regional de gestão territorial organiza-se em dois âmbitos. O âmbito
regional, integrado pelo plano regional de ordenamento do território e pelos
planos sectoriais com incidência territorial. O âmbito municipal, concretizado
pelos planos intermunicipais de ordenamento e os planos municipais de
ordenamento do território, que compreendem os planos diretores
municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor.
Como
é sabido, não são lineares as relações entre os diversos instrumentos de gestão
territorial e os modos de resolver conflitos, colisões ou antinomias entre as
respectivas normas, desarmonia esta
gerada pela sobreposição territorial de diversos tipos de planos, elaborados em
contextos políticos, sociais e económicos diversos e da competência de
distintas entidades planificadoras, tudo potenciado pela inexistência de uma
relação de precedência necessária entre eles (cfr.
Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo,
Vol. I, 4.ª ed., págs. 496 e segs.). Limitando o
horizonte problemático à matéria do objeto do
presente processo, apenas importa reter que, conforme dispõe o artigo 11.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, os planos municipais de ordenamento
do território definem a política municipal de gestão territorial de acordo com
as diretrizes estabelecidas pelo plano regional de
ordenamento do território, concretizando as políticas de desenvolvimento
económico e social e de ambiente, com incidência espacial, promovidas pela
Região Autónoma através de planos sectoriais com incidência territorial e de
planos especiais de ordenamento do território. E que, quando contrariem o plano
regional de ordenamento do território ou planos sectoriais com incidência
territorial preexistentes, os planos diretores
municipais indicam expressamente quais as normas e as peças gráficas daqueles
que revogam ou alteram.
Interessa
ainda notar, quanto ao âmbito de vinculatividade
jurídica, de acordo com o regime regra (no direito regional, artigo 3.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, na legislação de âmbito nacional,
artigo 10.º da LBPOT e artigo 3.º do RJIGT), que os planos sectoriais com
incidência territorial (à semelhança do plano regional de ordenamento do
território e dos planos intermunicipais) vinculam as entidades públicas; os
planos especiais de ordenamento do território e os planos municipais de
ordenamento do território vinculam as entidades públicas e, ainda, direta e imediatamente os particulares (eficácia plurisubjectiva, cfr. artigo 11.º da LBPOT).
5.2. O instrumento regional de gestão
territorial que é objecto da iniciativa legislativa em análise é, na tipologia
legal, um plano sectorial: o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma
da Madeira (POT), aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 17/2002/M, de
29 de agosto. Os planos sectoriais são instrumentos que programam ou
concretizam políticas públicas de desenvolvimento económico e social com
incidência espacial, determinando o respetivo impacte
territorial [cfr. artigo 8.º, alínea c), da LBPOTU e artigo 35.º do RJIGT]. Para efeito do
sistema regional de gestão territorial, são considerados planos sectoriais (n.º
2 do artigo 22.º do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M; cfr. n.º 2 do artigo 35.º do RJIGT):
“Artigo 22.º
Noção
1 – (…)
2 – Para efeitos do presente diploma, são considerados
planos sectoriais:
a) Os planos,
programas e estratégias de desenvolvimento respeitantes aos diversos setores da administração regional, nomeadamente nos
domínios dos transportes, das comunicações, da energia e dos recursos
geológicos, da educação e da formação, da cultura, da saúde, da habitação, do
turismo, da agricultura, do comércio, da indústria, das florestas e do
ambiente;
b) Os planos de ordenamento sectoriais e
os regimes territoriais regionais definidos ao abrigo de lei especial;
c) As decisões do Governo Regional sobre
a localização e a realização de empreendimentos públicos estruturantes.
3 – (…).”
O
POT, além do mais, estabeleceu limites e ritmos de crescimento do alojamento
turístico (quantificado em número de camas) e tipologias de empreendimentos,
bem como valores para a sua distribuição territorial, em ordem a orientar o
crescimento da ocupação turística no arquipélago (rectius nas ilhas da
Madeira e Porto Santo) no horizonte temporal e físico que abrange. Foi seu
objectivo, afirma-o o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M,
definir a estratégia de desenvolvimento do turismo na Região e o modelo
territorial a adotar, com vista a orientar os
investimentos tanto públicos como privados, garantindo o equilíbrio na
distribuição territorial dos alojamentos e equipamentos turísticos, bem como um
melhor aproveitamento e valorização dos recursos humanos, culturais e naturais.
E constitui, ainda, objectivo do Plano que a distribuição e as características
dos empreendimentos turísticos se adequem às
realidades paisagísticas e históricas das diversas zonas da Região e que se
insiram no meio social e cultural, contribuindo para o desenvolvimento local
integral. É, indiscutivelmente, um plano sectorial que, a par dos programas e
estratégias de desenvolvimento da oferta turística na Região e das suas
vertentes económica e social, assume incidência no ordenamento territorial
condicionando as opções de planeamento físico do território.
A
regra é a de que, enquanto instrumentos de gestão do território, os planos
sectoriais vinculem as entidades públicas, não tendo eficácia plurisubjectiva. Todavia
– e o pedido salienta este aspeto, do qual, aliás
retira consequências em termos de exigência acrescida de participação dos
interessados – o POT não se destina a vincular, somente, as entidades públicas
como, na pureza do modelo, corresponderia à sua categoria. O artigo 16.º, n.º
2, coloca as normas do POT em primeiro lugar na ordem de prioridade da
apreciação com vista ao licenciamento dos empreendimentos turísticos pelas
câmaras municipais. E, de acordo com o artigo 19.º, n.º 1, das normas de
execução, o POT vincula as entidades públicas competentes para a elaboração e
aprovação dos planos municipais de ordenamento do território, como é de regra
segundo a sua natureza de plano sectorial com incidências territoriais. Mas,
até à inclusão nos demais instrumentos de gestão territorial das normas de
execução do Plano, estas aplicam-se diretamente na
área sectorial a que se reportam. E, por força do disposto no artigo 20.º, são
nulos os atos de licenciamento ou autorização de projetos ou atividades que venham
em desconformidade com o disposto no diploma. Deve, contudo, notar-se que se
trata de um desvio que terá actualmente menor alcance do que aquele que o
pedido lhe atribui. Isto porque a aplicação direta
das normas do Plano na área sectorial a que se reportam é de vigência
transitória, até à compatibilização dos instrumentos de planeamento de eficácia
plurisubjectiva com as normas do POT. Ora, não se
dispõe de elementos para saber se todos os instrumentos de gestão territorial,
designadamente os de âmbito municipal, foram compatibilizados com as normas de
execução do Plano. Nem se justifica qualquer indagação com este objectivo, uma
vez que não é essencial para a resposta às questões de constitucionalidade
colocadas.
Posta esta breve síntese, entremos no confronto das normas em
causa com os parâmetros constitucionais invocados pelo Requerente.
6. Embora
com alguma dispersão argumentativa, é possível surpreender a razão determinante
do pedido de fiscalização preventiva apresentado. Reside ela no facto de, na
avaliação do Requerente, as normas em causa conduzirem a “um resultado ablativo
dos direitos dos cidadãos ao ambiente e a um correto ordenamento do território
[que] não é constitucionalmente adequado, desvirtuando o próprio sistema de
planeamento territorial e os direitos e garantias que lhe estão inerentes nos
termos da própria Constituição”. É perfeitamente compreensível que aí resida o
núcleo da causa de pedir porque o Decreto enviado
para assinatura versa sobre um instrumento de planeamento sectorial com
incidência no ordenamento do território. Assim, é em conexão com este “bloco de
constitucionalidade” constituído pelos artigos 65.º e 66.º da Constituição, que
devem considerar-se convocados os demais parâmetros constitucionais a que o
pedido faz referência, designadamente, o princípio da determinabilidade das
leis e o princípio da proibição do excesso. A insuficiente explicitação dos
motivos do legislador e o caracter desproporcionado das medidas quanto à sua
duração, contrariando o que deve considerar-se inerente à ideia de suspensão
dos instrumentos de gestão do território, implicaria o incumprimento das
imposições constitucionais relativas ao correcto ordenamento do território e ao
direito ao ambiente e qualidade de vida, designadamente o direito de
participação dos cidadãos.
Efectivamente, ambiente, ordenamento do território e urbanismo,
não sendo categorias constitucionais sobreponíveis, surgem, na Constituição, profundamente
imbricadas, revelando a transversalidade da temática ambiental e a
plurifuncionalidade (económica, social, ambiental) do ordenamento do
território. Desde logo, a tutela constitucional do ambiente surge no elenco das
tarefas fundamentais do Estado, em que se institui a obrigação de o Estado
“defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar
um correcto ordenamento do território” [alínea e)
do artigo 9.º da CRP]. Na concretização dessas incumbências “para assegurar o direito
ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável” impõe-se ao Estado,
por meio de organismos próprios e “com o envolvimento e participação dos
cidadãos” a
tarefa de “[o]rdenar e promover o ordenamento do
território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um
equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a
valorização da paisagem” [artigo 66.º, n.º 2, alínea b)
da CRP] e “[p]romover a integração de objectivos
ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial”. Trata-se de tarefa
comunitária desempenhada aos vários níveis da organização politico-administrativa
[estadual, regional e local; cfr. no Estatuto
Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira artigo 40.º, alíneas. i), jj), oo) e pp].
A Constituição da República Portuguesa, diversamente do que sucede
com a maior parte das congéneres, tutela o ambiente por duas formas (cfr. Gomes Canotilho, O Direito ao Ambiente como
Direito Subjetivo, in A
Tutela Jurídica do Meio Ambiente: Presente e Futuro, Studia Iurídica,
81, págs. 47 e segs.). Por um lado,
consagra no capítulo dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais, o
direito de todos a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender (artigo 66.º, n.º 1, da CRP). Por outro, a
tutela do ambiente é incluída no elenco das tarefas fundamentais ou
dos fins do Estado [cfr. artigos 9.º, alínea e),
66.º, n.º 2 e 81.º, m) da CRP].
Acompanhando a síntese de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I,
Coimbra, 2007, pág. 846):
“
O n° 2 [ do art.º 66.º ], articulado com outros
preceitos constitucionais (cfr. arts.
9º/e, 81º/a,
j e 1, 90º e 93º-1/d), sugere os princípios fundamentais de uma política de
ambiente, que são fundamentalmente os seguintes: (a) princípio da
prevenção, segundo o qual os responsáveis por comportamentos
(activos ou omissivos) susceptíveis de originar incidências ambientais devem
evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas
combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação
ambiental do que remediá-la a posteriori
(cfr. nº 2/a, c e d); (b) princípio da participação
colectiva, isto é, o direito de os indivíduos e diferentes grupos
sociais intervirem na formulação e execução da política do ambiente (cfr. corpo do n° 2: «com o envolvimento e a participação
dos cidadãos»); (c) princípio da cooperação,
que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e
organizações internacionais (cfr. art.
81º/l); (d) princípio do equilíbrio, que se traduz
na criação de meios do ambiente adequados para
assegurar a integração das políticas de desenvolvimento económico, social e
cultural e de protecção da natureza (cfr. nº 2/b e d e arts. 81º/l e 90º:
desenvolvimento harmónico, integrado e auto-sustentado); (e) princípio da informação como princípio geral assegurador da
publicidade crítica em tomo das questões ambientais e possibilitador do
exercício do direito e dever de participação de forma ciente e consciente.”
A leitura global destes preceitos permite afirmar não apenas a
consagração de imposições constitucionais de uma política do ambiente, mas
também a existência de um dever jurídico constitucional
dos poderes públicos de protecção do ambiente. Porém, apesar de referir como
violado o n.º 1 do artigo 66.º, o pedido não censura as opções do legislador
por serem directamente lesivas de posições jurídicas subjectivas que possam
traduzir-se em pretensões individuais, seja de prestações fácticas ou
normativas, seja de defesa contra agressões do Estado ou de terceiros. O que,
em último termo, o pedido aponta às normas em causa é a violação de garantias procedimentais no domínio do ordenamento do território (a
participação informada na elaboração do planeamento), embora por virtude do
incumprimento das exigências que à normação são impostas pelo princípio do
Estado de direito (princípio da determinabilidade das leis e proibição do
excesso).
Vejamos.
7.
Sustenta o Requerente que as normas em causa – em verdade, o Decreto, uma vez que só não é questionada a norma
respeitante à entrada em vigor – infringem o princípio da determinabilidade das
leis por duas ordens de razões. Na medida em que o diploma não cumpre a
exigência de fundamentação da suspensão das normas do POT sobre que visa agir –
à semelhança da imposta pelo n.º 4 do artigo 83.º do Decreto Legislativo
Regional n.º 43/2008/M; o Requerente refere o artigo 99.º do RJIGT, mas há
norma regional de aplicação preferencial (cfr.,
artigo 228.º, n.º 2, da CRP), aliás de conteúdo idêntico ao do regime nacional
–, não indicando com suficiente concretização as razões da opção legislativa,
limitando-se o diploma a considerações genéricas que são mera reprodução das
fórmulas legais. E também por não se indicar um prazo certo de vigência da
suspensão, gerando uma situação de duração indeterminada, contrária à própria
ideia de suspensão dos instrumentos de gestão do ordenamento do território e
urbanismo.
Apesar de se reconhecer que o relevo dado, na argumentação do
Requerente, a estes aspetos do regime jurídico
infraconstitucional da dinâmica dos instrumentos de gestão territorial se
subordina ao entendimento de que tal regime concretiza princípios
constitucionais e não ao propósito de erigi-los em parâmetro de validade das
normas em causa, afigura-se oportuno recordar que tais considerações somente
interessam para contextualização das questões de constitucionalidade
suscitadas. Não compete ao Tribunal Constitucional verificar a conformidade do
ato sujeito a fiscalização preventiva a normas infraconstitucionais da “dinâmica dos Planos”,
designadamente por falta de explicitação das concretas circunstâncias que
constituem a alteração significativa das perspetivas
de desenvolvimento económico-social incompatíveis com a concretização das opções
de política do turismo na Região, com reflexos no planeamento físico do
território, que haviam sido tomadas em 2002, como se de um ato administrativo
se tratasse. Cabe-lhe, e só isso lhe cabe, dizer se, por ser o diploma
deficitário nesse ponto – admitindo, num primeiro momento, que essa imputação
proceda –, as normas em causa violam princípios
constitucionais, designadamente o princípio da precisão ou determinabilidade
das leis e o princípio da proporcionalidade.
Sobre o princípio da precisão ou determinabilidade das leis em
geral (i.e., abstraindo de particulares exigências constitucionais em domínios
normativos específicos, designadamente em matéria penal e tributária), vem o
Tribunal entendendo que o mesmo, sob o ponto de vista intrínseco, se reconduz
às seguintes ideias essenciais (Acórdão n.º 285/92, disponível, como os demais
citados sem outra referência, in www.tribunalconstitucional.pt):
1) exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou
contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido
inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto;
2) exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, pois um
ato legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta (densa,
determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de:
– alicerçar posições juridicamente
protegidas dos cidadãos;
– constituir uma norma de atuação para a administração;
– possibilitar, como norma de
controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e
interesses dos cidadãos.
O Tribunal tem entendido que, embora não sendo constitucionalmente
explícita, esta exigência de clareza razoável do conteúdo dos atos normativos se retira do artigo 2.º da Constituição,
integrando o princípio constitucional estruturante que é o princípio do Estado
de direito. Com efeito, as decisões estaduais que tiverem um conteúdo de tal
ordem obscuro, impreciso ou contraditório que chegue a ser indeterminável para
os seus destinatários não podem ser conformes à exigência de segurança que vai
incluída na dimensão material do princípio do Estado de direito (cfr. Maria Lúcia Amaral, A Forma da
República, Coimbra, 2005, págs. 179-180; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra,
Almedina, 2003, pág. 258).
Sucede que o ato do parlamento regional em que se inserem as
normas em causa, diversamente da generalidade dos instrumentos que integram o
sistema de gestão do ordenamento do território e urbanismo, tem natureza de ato
legislativo (cfr. n.º 1, do artigo 112.º da CRP).
Ora, a falta ou insuficiência de enunciação contextual dos pressupostos de
facto considerados para a emissão de determinada providência legislativa, ou
das prognoses que, com base nessa realidade, o legislador tenha efetuado, não afeta a clareza ou a densidade da
norma em tais bases construída. De modo geral, relativamente a atos de natureza normativa, só o que possa redundar, no fim
de um persistente esforço hermenêutico, numa situação de perplexidade inultrapassável
quanto ao sentido da prescrição legislativa pode considerar-se como insuscetível de qualificar-se como ato válido do poder
normativo público num Estado de direito. Numa perspetiva
estrutural, tratar-se-á de vícios localizados na hipótese
ou na estatuição da norma ou de colisão
irremovível de sentido de várias normas. De modo geral, afigura-se dificilmente
concebível que possa violar as exigências de determinabilidade das leis a falta
ou insuficiente revelação das razões que tenham levado à adoção
de determinada providência. Ao abrigo do referido princípio tem sentido
exigir-se aos atos normativos do poder público que o
texto seja inteligível quanto à conduta que permite, proíbe ou impõe ou ao
efeito que visa produzir porque só assim a norma pode determinar condutas,
alicerçar expectativas e ser objeto de aplicação
pelos próprios órgãos administrativos ou judiciais. Não que o texto (o
dispositivo e o preâmbulo) revele a razão dessa prescrição.
E, efetivamente, os n.ºs 1 e 2 do artigo
1.º do diploma em análise são, quer na respetiva
hipótese normativa (as normas do POT sobre que visam agir), quer na sua
estatuição (a suspensão dessas normas até à revisão do Plano), de sentido claro
e inequívoco mesmo para um intérprete menos esforçado. Ainda que se entenda que
a Administração, os particulares e os tribunais, perante o teor normativo dos
preceitos em causa, possam não ficar a saber com exatidão
que concretas representações da realidade económica, social e ambiental ou que
instantes necessidades e que previsão de evolução levaram o legislador a optar
pela suspensão parcial do Plano, o que eles não podem razoavelmente ignorar é
quais as normas que se pretende que deixem “pro tempore”
de vigorar, em termos de, consoante a sua posição, interesse ou poderes funcionais,
poderem atuar na prossecução do interesse público (a
Administração), determinar as suas opções de vida ou conduzir os seus negócios
(particulares e empresas) ou dirimir os conflitos de interesses públicos e
privados (o juiz) de acordo com a modificação que por esta via se pretende
introduzir no ordenamento.
Do mesmo modo, a adoção de um termo
incerto para a suspensão – até à revisão do Plano – não gera
indeterminabilidade de sentido normativo. Poderá ser funcionalmente desconforme
à figura da suspensão dos instrumentos de gestão
territorial, mas tal regime não constitui parâmetro de constitucionalidade de atos formalmente legislativos.
Na verdade – e isto é uma conclusão que pode desde já adiantar-se
e terá reflexos no exame de outras questões – a suspensão parcial de um plano
até à sua revisão equivale, nos seus efeitos substantivos, à alteração desse
instrumento de gestão do território nesse mesmo âmbito. Na prática, mantendo-se
a suspensão até à revisão, tudo se passa como se o Plano deixasse já de vigorar
na parte afetada. Mas isso, podendo contrariar regras
da dinâmica dos instrumentos de ordenamento do território, não cria qualquer
incerteza jurídica ou, pelo menos, uma incerteza constitucionalmente
censurável. Perante tal norma não se justifica uma situação de dúvida razoável
quanto à conclusão de que o Plano deixa de produzir efeitos, na parte objeto de suspensão, até ao evento que no artigo 2.º se
refere, ou seja, até que o mesmo Plano seja revisto.
8. Acresce que
a censura que o Requerente faz à justificação que o preâmbulo do diploma
apresenta para a suspensão se afigura infundada, por pressupor um grau de
exigência excessivo quanto à explicitação dos motivos de uma providência desta
natureza para habilitar à participação informada dos interessados, pelo menos
quando tomada sob forma legislativa como a regra de paralelismo de competência
e forma no caso exigia (cfr. n.º 2, do artigo 99.º do
RJIGT).
Na verdade, uma leitura conjugada do preâmbulo do diploma com as
normas que são objeto de suspensão revela com
suficiente concretização as razões determinantes da providência adotada. Está expresso com suficiente clareza que a
Assembleia Legislativa, secundando proposta do Governo regional, entendeu que
os limites
estabelecidos no Plano, expressos em número de camas, quanto ao crescimento do
alojamento turístico na Região para a ilha do Porto Santo (4.000 camas), bem
como, a sua distribuição pelo território dos diversos municípios na ilha da
Madeira (mantendo aí todavia, a mesma quantificação global: 35.000 camas) se
revelaram inadequados ao cumprimento dos objetivos do
POT e não se ajustam à mudança substancial das condições de ordem económica,
social e financeira ocorridas nos últimos anos. E que,
por outro lado, a tipificação legal do alojamento turístico que o POT tomara
por referência havia sofrido modificação de modo que a sua utilização no POT
vem constituindo entrave ao acolhimento de potenciais investimentos no setor do Turismo. Tal motivação, relativamente a um ato
normativo de natureza legislativa como é o caso, é suficiente para que a opção
pela suspensão das normas em causa possa ser criticada, aceite ou repudiada,
pelos potenciais interessados ou pelos participantes no processo político, de
acordo com as avaliações que eles próprios façam sobre as políticas públicas
regionais relativas ao setor do turismo e as suas
incidências espaciais. Podendo, obviamente, as premissas desse juízo ser mais
concretizadas – o que, aliás, se ensaia na resposta ao pedido – quanto ao
desvio de execução do plano e à inviabilidade de, com estas normas, o mesmo
cumprir os seus objectivos no novo contexto económico e financeiro, não parece
que, para uma participação informada, seja essencial a explicitação das
condições macro-económicas que, podendo ser objecto
de leitura divergente nas suas causas, extensão, consequências e remédios, em
si mesmas, podem considerar-se do conhecimento comum do cidadão medianamente
interessado nos assuntos da república. Coisa diversa é a exatidão
dessa fundamentação ou a concordância com as opções de desenvolvimento do setor do turismo e de ordenamento do território que lhe
presidem ou com as consequências que, nesse domínio, se prevejam como
decorrendo do novo regime.
9.
Ancorado, sempre, na insuficiente concretização das razões da medida adoptada, o pedido argumenta
que o princípio constitucional da proporcionalidade deixa de cumprir o seu
papel de contenção do excesso na atuação dos poderes
públicos. As assinaladas falhas e insuficiências de fundamentação não
permitiriam avaliar as opções em causa através do crivo daquele princípio
fundamental, mostrando-se, por um lado, impossibilitada a ponderação da
idoneidade do meio usado para a prossecução dos objetivos
a que se propõe e, por outro lado, prejudicada a formulação de qualquer juízo
de eficiência quanto à opção pela suspensão das normas planificatórias
atrás identificadas em detrimento de outras alternativas.
Também por este ângulo não tem razão.
9.1. Sem
prejuízo do que se dirá quando se apreciar a violação da garantia procedimental do n.º 5 do artigo 65.º da Constituição, não
parece poder afirmar-se que procedam as imputações de inconstitucionalidade a
este propósito deduzidas pelo Requerente, desde logo porque o pedido assenta
num juízo sobre a insuficiência de explicitação do “pressuposto de facto” da
opção tomada que, pelas razões já referidas, não se acompanha.
É certo que as decisões que
o Estado (lato sensu)
toma têm de ter uma certa finalidade ou uma certa razão de ser, não podendo ser
ilimitadas nem arbitrárias e que esta finalidade deve ser algo de detetável e compreensível para os seus destinatários. O
princípio da proibição de excesso postula que entre o conteúdo da decisão do
poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma
ponderação e uma “justa medida” e encontra sede no artigo 2.º da Constituição.
O Estado de direito não pode deixar de ser um “Estado proporcional”.
Sucede que as finalidades prosseguidas pelo diploma em apreço são
cognoscíveis para os destinatários e para a comunidade jurídica, proporcionando
elementos suficientes para o controlo judicial da necessidade, adequação e
justa medida, nos limites em que ele seria concebível relativamente a opções de
planos sectoriais, como o plano de ordenamento regional do turismo. Trata-se de
instrumento de políticas públicas, de conteúdo não determinável a nível da
Constituição, cuja incidência espacial há de ser
mediada por outros instrumentos de gestão territorial, designadamente por
planos especiais e pelos planos municipais de ordenamento do território e
urbanismo, pelo que só de modo indirecto as opções desse Plano, ou dos atos que lhe modifiquem (temporária ou definitivamente) o
conteúdo, podem contender com posições subjetivas dos
cidadãos.
Assim, quanto à norma do artigo 1.º do Decreto
sujeito a fiscalização preventiva não procede a imputação de violação das
normas constitucionais de tutela constitucional do ambiente e ordenamento do
território e da proibição do excesso.
9.2. Embora
no mesmo quadro de fundo, o confronto do artigo 2.º do Decreto
com os referidos parâmetros pode exigir algum afinamento.
Está em destaque a circunstância de a dita suspensão ser
estabelecida até à revisão do Plano através, segundo o Requerente, “de um
verdadeiro desvio na escolha de procedimento, suspendendo quando se pretende
alterar, o que, não apenas implica um vazio na ordem jurídica, propiciando a
desregulação da atuação da Administração Pública regional e local num domínio
sensível dos direitos dos particulares,
com implicações económicas e patrimoniais não despiciendas, como subtrai o
procedimento de alteração do plano das garantias de participação dos cidadãos,
consentimento das populações e justa e adequada ponderação dos interesses em
presença, especialmente os ambientais”.
Num aspecto tem o Requerente razão. A suspensão parcial do Plano
por um período indeterminado afigura-se contrária à ideia de suspensão dos
instrumentos de gestão territorial que “consiste na paralisação por um período
de tempo certo dos efeitos de todo o plano ou de parte dele, quer em termos
espaciais, quer materiais” (João Miranda, A Dinâmica Jurídica do
Planeamento Territorial, pág. 267).
É certo que, se for entendido que o Plano caducaria pelo decurso
do prazo máximo de vigência estipulado no artigo 21.º das Normas de Execução
(10 anos a partir da sua entrada em vigor, ou seja, no próximo dia 30 de agosto
de 2012) poderia sustentar-se que o limite temporal da suspensão fica
automaticamente estabelecido. Não parece, manifestamente, esta a representação
do legislador regional, ao actuar por este modo relativamente a normas que
iriam cessar vigência a tão breve prazo e com as razões invocadas, que de modo
algum correspondem a uma situação de urgência ou de alteração súbita da
realidade a que o Plano se aplica ou pretende orientar. Pressuposto que, aliás,
é assumido na resposta. De todo o modo, ainda que o POT não beneficie do regime
de sobrevigência que é próprio dos planos de
elaboração obrigatória (cfr. artigo 83.º do RJIGT), é
sustentável a interpretação de que a suspensão até à revisão teria implícita a
vontade de que, no mais, as regras de execução do Plano continuem a aplicar-se
até à revisão e, por essa via, a prorrogação de vigência do Plano até esse
mesmo evento.
Não pode, todavia, dizer-se que, por virtude da paralisação
praticamente definitiva de eficácia das normas identificadas no artigo 1.º do Decreto, relativamente a um plano desta natureza, fique
criado, por todo o tempo que durar a suspensão, um vazio jurídico suscetível de atentar contra o direito fundamental
estabelecido no n.º 1 do artigo 66.º ou de constituir incumprimento das tarefas
que à Região incumbem, para o território regional, nos termos do n.º 2 do mesmo
artigo 66.º da Constituição.
Em primeiro lugar, não é exato que se
crie uma situação de vazio jurídico. O que passa a existir é uma disciplina
jurídica diversa, porque o Plano subsiste no mais, apenas sem as vinculações
decorrentes das normas suspensas e a Administração e os particulares continuam
sujeitos aos demais instrumentos de gestão do território.
É certo que a suspensão incide sobre aspectos relevantes da
planificação territorial do turismo, como são os que respeitam à ocupação
global permitida, à sua distribuição no território, à capacidade máxima das
unidades turísticas, à tipologia dos empreendimentos. Mas não pode extrair-se
dos referidos preceitos constitucionais, em especial da alínea b) e f) do n.º 2 do
artigo 66.º, um dever de conservar as opções, o grau de vinculação ou a
pormenorização de regulação anteriormente atingida.
E avulta a circunstância de não estarmos perante um instrumento de
gestão do território cuja elaboração possa considerar-se imposta pelo n.º 4 do
artigo 65.º da Constituição – não tem por objectivo imediato a definição das
regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos – e que constitua a
última barreira na cascata do planeamento urbanístico e ordenamento do
território, mas perante um instrumento de promoção de políticas públicas em
matéria de turismo cuja elaboração não pode considerar-se que a Constituição
imponha à Região como forma necessária de promover o ordenamento do território.
Importa notar que a protecção do ambiente e o correcto ordenamento do
território e do urbanismo se obtém, em primeira linha e de modo directo, através
de outros instrumentos, designadamente os planos municipais e os planos
especiais de ordenamento do território, bem como por outros instrumentos
vinculativos de utilização do solo ou de protecção a bens ou valores ambientais
específicos, designadamente, os regimes jurídicos da reserva ecológica e da
reserva agrícola nacional e das áreas florestais, a disciplina jurídica da rede
nacional de áreas protegidas, o regime jurídico da “Rede Natura 2000”, o regime
jurídico de ocupação, uso e transformação do solo na faixa costeira e regimes
vinculativos de semelhante natureza.
9.3. Resta
encarar uma última questão sugerida pela afirmação do pedido de que a actuação
legislativa em causa consubstancia “um verdadeiro desvio na escolha de
procedimento, suspendendo quando se pretende alterar”.
Como já se reconheceu, dificilmente pode contestar-se que, ficando
o POT parcialmente suspenso com a extensão pretendida e sem prazo certo, o Decreto introduz no ordenamento regional, na prática,
efeitos semelhantes aos que resultariam da imediata alteração do Plano. Nem se
objecte que a suspensão vigorará pelo prazo máximo de “cerca de um a dois
anos”, tempo que se estima necessário para a revisão do Plano. Tal afirmação
não tem base fáctica ou normativa, nem sequer podendo inferir-se de qualquer
procedimento de revisão em curso.
É certo que as normas se mantêm formalmente num estado de vigência
latente. Mas, segundo o programa legislativo, sem expectativa de retomarem
eficácia. Sendo este o seu efeito substancial, não é desrazoável afirmar que a
previdência legislativa tem a finalidade objectiva de alcançar uma alteração do
regime sob a forma de suspensão parcial.
Porém, a disfunção que se descortina é entre a solução adotada e o regime infraconstitucional de dinâmica dos
instrumentos de planeamento. Não uma profunda incongruência da lei consigo mesma ou entre o uso do poder legislativo e os fins
ou escopos especialmente fixados pela Constituição, o que arreda qualquer perspetiva de consideração da questão pelo ângulo, de muita
duvidosa aceitação no controlo de constitucionalidade, do “desvio de poder
legislativo”. Deste modo, podendo o legislador regional proceder à alteração do
Plano de Ordenamento Turístico, não se afigura que a adoção
de uma providência que alcança o mesmo resultado material, embora pela via da
suspensão parcial, deva ser qualificada, só por essa desarmonia, como excessiva
ou arbitrária.
Forçoso é, porém, que o seu confronto com as exigências da
Constituição, designadamente quanto à observância das garantias procedimentais, se analise em conformidade com o alcance efetivo da medida e não com a sua aparência. É ao que
seguidamente se procede.
10. No n.º 5
do artigo 65.º, introduzido pela revisão constitucional de
Trata-se de uma
concretização, em sede de ordenamento do território, do princípio da democracia
participativa proclamado no artigo 2.º da Constituição. Como diz Alves Correia
(Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I,
4ª ed., 2008), em considerações referidas aos atos de
planeamento urbanístico, mas igualmente pertinentes quanto à justificação da
exigência de participação noutros instrumentos de ordenamento ou de incidência
no planeamento físico do território:
“(…)Se a participação dos
interessados no procedimento de elaboração dos planos urbanísticos não pode
deixar de encontrar também a sua justificação no apontado fundamento
geral da participação dos cidadãos na organização e atividade da Administração Pública, o certo é que existe um
fundamento específico que reclama a
existência de formas adequadas de participação dos interessados nos
procedimentos de planificação territorial: consiste ele na necessidade de compensar a amplitude do poder discricionário que
caracteriza a atividade de planificação com uma
exigente e aprofundada participação dos interessados.
[ ......]
A
principal característica dos procedimentos de planificação urbanística
consiste, como já tivemos a oportunidade de observar, na vastidão e na
complexidade do cenário dos interesses neles coenvolvidos. Isto comporta o exercício de um poder
discricionário, cujo grau e espessura são diretamente
proporcionais à variedade das alternativas que se apresentam ao planificador,
tanto na seleção dos interesses, como na composição
sucessiva dos mesmos no processo de determinação das escolhas. A esta extensão
da discricionariedade da planificação urbanística deve corresponder uma disciplina
rigorosa do procedimento administrativo. A este propósito, escreve M. S.
GIANNINI que, “quanto mais a rede dos interesses for complexa, tanto mais o
legislador deverá cuidar em urdir as fases do procedimento, de modo a permitir
uma avaliação consciente dos interesses abrangidos”. Por seu lado, SCHMITT
GLAESER refere que, “quanto mais aumenta a variedade das alternativas de
escolha, em presença das circunstâncias complexas, e quantas mais são as
interdependências, tanto menos é admissível uma composição dos conflitos
através de soluções intuitivas imediatas”.
O pedido apresenta a violação deste direito através de uma
argumentação segundo a qual a falta de explicitação das verificações de facto,
ponderações e prognoses em que assentou o ato em análise
impossibilitaria o exercício deste direito qualificado de participação procedimental. Entende o Requerente, que pela falta de
fundamentação da suspensão, “são inviabilizados os direitos de informação e,
logo, de participação esclarecida dos cidadãos e estruturas representativas nos
procedimentos e no controlo (prévio ou sucessivo) das escolhas feitas pelos
poderes públicos competentes no âmbito do planeamento com incidência
territorial. Não são pois acautelados os direitos de participação dos interessados
nos termos requeridos pelos artigos 65.º,
n.º 5, 66.º, n.º
O que se adiantou quanto à improcedência dessa argumentação
relativamente à “falta de fundamentação” retira base à consideração da questão
por esta perspetiva (refira-se que a invocação dos
n.ºs 1 e 5 do artigo 267.º estaria deslocada, face à natureza do ato).
11. Todavia,
a questão da violação do referido parâmetro constitucional não deixa de
colocar-se e de dever ser analisada pelo Tribunal, embora pelo ângulo estrito
de vício do procedimento legislativo. Com efeito, como resulta da resposta da
Assembleia Legislativa, houve consulta de entidades externas (artigo 83.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M), mas não se abriu o procedimento legislativo à participação dos
cidadãos mediante uma fase de participação pública dos interessados.
Ora, como dizem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, pg.
840, em anotação a este preceito “a Constituição visou alicerçar a democracia
participativa no âmbito do planeamento territorial procurando estimular uma
cidadania territorial indispensável à prossecução das tarefas do Estado
referentes ao correto ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso [arts 9º/e e g e 82º/d, i, l e m)] e à efetivação de direitos fundamentais (direito ao ambiente e
qualidade de vida, direito ao património cultural, direito à paisagem, direito
ao desenvolvimento sustentado, direito das futuras gerações, direito á fruição
cultural, direito á igualdade real entre portugueses). A cidadania territorial
impõe-se ainda num domínio como o do planeamento urbanístico e territorial,
onde o clientelismo, os «lobbies», os grupos de
interesse, a corrupção, tendem a converter o território e a cidade num esquema
de perequações económicas, não raro veiculadas por redes informais de
influência. O direito de participação incide sobre a elaboração (e sobre a
revisão) de todos os instrumentos de planeamento urbanístico e de planeamento
físico do território e tem por beneficiários todos os cidadãos e organizações
residentes ou sedeadas nas áreas correspondentes. Dado o âmbito dos
interessados, o mecanismo de participação deve contemplar procedimentos
adequados (debates públicos, audiências públicas, etc.) a uma eficaz
participação”.
Sendo esta a teleologia e a matriz do preceito constitucional,
duas questões podem concretamente levantar-se na interpretação do n.º 5 do
artigo 65.º da Constituição com repercussão no sentido da decisão. A primeira
consiste em saber se os planos sectoriais de incidência territorial estão
também abrangidos por esta garantia de participação ou se ela se restringe aos
instrumentos de planeamento a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo 65.º. A
segunda consiste em saber se o direito de participação, referindo-se o texto
constitucional à “elaboração” dos instrumentos de gestão territorial, se
estende a outros momentos ou figuras da dinâmica do planeamento.
Quanto à primeira questão, a resposta não pode deixar de ser
positiva. A participação dos interessados está constitucionalmente garantida em
quaisquer instrumentos de planeamento físico do território, dimensão que os
planos sectoriais do turismo, ainda que para serem refletidos
em instrumentos urbanísticos e mesmo que vinculem somente as entidades
públicas, necessariamente comportam. As opções neles tomadas
preordenam, ou pelo menos condicionam, os instrumentos de gestão territorial
que com tais planos sectoriais devam conformar-se ou compatibilizar-se. Por
isso, há lugar a participação dos interessados desde que se tenha optado pela
sua elaboração, mesmo que não se trate de um instrumento de gestão territorial
cuja existência deva considerar-se constitucionalmente imposta. Além de ser o
entendimento mais conforme ao texto da Constituição (“… e de quaisquer
instrumentos de planeamento físico do território”), verificam-se relativamente
a eles as razões que presidem à consagração da garantia constitucional. Por
outro lado, como adverte Rui Medeiros (Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo I, 2ª ed. pág. 1337) ao
contrário do que sucede noutros preceitos constitucionais, o n.º 5 do artigo
65.º não contém qualquer remissão para a lei, sendo antes diretamente
aplicável, sem prejuízo da liberdade de conformação do legislador na
concretização do modo como tal participação se formaliza.
Quanto à segunda interrogação, a determinação do âmbito da
participação dos interessados exige uma leitura do conceito de “elaboração” dos
instrumentos de planeamento territorial adequada à teleologia do preceito
constitucional, que não se identifica com o sentido do termo no regime
infraconstitucional. É um direito de participação em sentido amplo, seja quanto
à legitimidade dos interessados e ao motivo da participação, seja quanto ao objeto, abrangendo qualquer modificação substancial dos
instrumentos de gestão do território a que se aplica (cfr.
Rui Medeiros, loc. cit., pg. 1337; Fernando Alves Correia, Manual de
Direito do Urbanismo, I, Coimbra, 2008, págs. 147 e 445).
Este entendimento de que a garantia é mais extensa, relativamente
aos atos da dinâmica dos instrumentos de gestão
territorial, do que resultaria da identificação do conceito constitucionalmente
relevante com o sentido infraconstitucional, só na aparência contraria o que se
decidiu no Acórdão n.º 394/2004 (cfr. tb. Acórdão n.º 436/2004). Na verdade, o que estava em
causa nessa jurisprudência eram normas ou dimensões normativas que se limitavam
a repor em vigência instrumentos de ordenamento do território já caducados. Não
se tratava de uma nova opção quanto ao ordenamento do território, mas de manter
opções anteriores, presumivelmente já sujeitas à participação dos cidadãos.
Ora, a providência legislativa agora em análise não pode deixar de
ser considerada uma modificação substancial do Plano de Ordenamento do Turismo
da Região Autónoma da Madeira, sendo esse critério material e não o da
tipologia dos atos, o que corresponde à teleologia do
preceito constitucional.
É uma modificação substancial da regulamentação existente pelos
seus efeitos jurídicos, isto é, pelo conteúdo das normas que suspende e pelo
inerente resultado na conformação do ordenamento. O artigo 1.º do Decreto desvincula de qualquer limite quanto ao número de
camas (a “unidade de medida” do peso da ocupação turística) na ilha do Porto
Santo, o que é uma modificação de particular significado para o
“desenvolvimento sustentável” relativamente a uma ilha de dimensão
relativamente reduzida. Quanto à ilha da Madeira, embora mantendo o número
global de camas turísticas previstas, abandona a sua repartição pelos diversos
municípios, permitindo opções pela concentração em locais com maior procura,
com o consequente aumento da pressão urbanística e sobrecarga de infraestruturas sobre essas partes da ilha e os inerentes
riscos ambientais. E liberta da tipologia de empreendimentos turísticos
prevista no Plano, que condicionava a ocupação e exploração admissível em parte
do território, permitindo com caráter genérico o que
com as normas “suspensas” só seria consentido a título excecional
e com especial justificação.
E é também uma modificação substancial se considerarmos, como tem
de ser considerada, a real natureza da medida, apesar do nomen com que se apresenta.
Como já se deixou dito, sob a veste formal de suspensão parcial depara-se, na
realidade das coisas e por força da duração da medida estabelecida no artigo
2.º do Decreto, uma verdadeira alteração do
POT. A conformação do ordenamento do turismo no território da Região, se o Decreto entrar em vigor, passará a ser aquela que o Decreto lhe introduz até que o POT seja revisto. Introduz-se
o mesmo efeito que resultaria da alteração do Plano quanto às normas suspensas.
É certo que tais normas de execução do POT ficam num estado de vigência
latente, porque não são imediatamente revogadas, mas segundo o programa
legislativo resultante do artigo 2.º do Decreto, só
retomarão vigência quando o Plano for revisto se não forem nessa revisão objeto de modificação. Mas, então, o Plano será já outro.
Assim sendo, relativamente a uma ação de
tão largo espectro, intensidade e duração relativamente ao Plano existente como
aquela que o Decreto promove, não podem deixar
de estar presentes as exigências de democracia participativa que levaram a
inscrever no n.º 5 do artigo 65.º da Constituição a garantia de participação
dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento físico do
território. O que não foi observado no procedimento legislativo de que o Decreto emergiu, apenas tendo sido promovida a consulta a
entidades administrativas externas, como a resposta reconhece.
E a esta leitura do alcance
do preceito constitucional não obsta a preocupação com a eficácia do
planeamento e com a necessidade de encontrar respostas atempadas para situações
excecionais. Como se decidiu no Acórdão n.º 163/2007,
a garantia de participação não é absoluta, cedendo, verificadas as exigências
da proporcionalidade, perante outros valores constitucionalmente atendíveis,
designadamente a necessidade de prover a situações de urgência. Razões estas que não foram
invocadas e que, tendo presente o efeito que se pretende obter com a suspensão
e as razões que a justificam, parece manifesto não ocorrerem.
III. Decisão
Pelo
exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela
inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 65.º da
Constituição, das normas contidas nos artigos 1.º e 2.º do “decreto que
determina a suspensão parcial do artigo 1.º e a suspensão dos artigos 2.º, 8.º,
9.º, 11.º e 14.º das normas de execução do Plano de Ordenamento Turístico da
Região Autónoma da Madeira”, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira em sessão plenária de 20 de junho.
Lisboa, 25/07/2012 Vítor Gomes – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – José da Cunha
Barbosa – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria de
Fátima Mata-Mouros – João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Catarina
Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Maria João Antunes (vencida
nos termos da declaração que se anexa) – Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE
VOTO
Votei vencida por entender que a
garantia constitucional de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de gestão territorial não
abrange a suspensão destes instrumentos. É certo que, para o entendimento que
fez vencimento, a suspensão em causa, “sob a veste formal de uma suspensão
parcial”, acaba por ser uma “verdadeira alteração do POT”. Mas se, por um lado,
é questionável que o Tribunal Constitucional possa fazer esta qualificação, por
tal o poder conduzir afinal à questão de saber se as normas em apreciação
respeitam o Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, de 23 de dezembro, por outro, tenho para mim que o artigo 2.º do
Decreto em apreciação estabelece um prazo para a suspensão
que, na dinâmica dos instrumentos de gestão territorial, tem como horizonte
natural a revisão do Plano de Ordenamento
Turístico da Região Autónoma da Madeira, sem que daí resulte uma alteração, em sentido próprio, deste Plano.
Ao consagrar o direito de participação
na elaboração dos instrumentos de gestão
territorial, o artigo 65.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa
garante que os interessados participem em atos de
planeamento. Embora concorde que uma leitura desta disposição constitucional
que se adeque à sua teleologia não faz coincidir o
conceito de “elaboração” com o sentido do termo no direito infraconstitucional,
entendo que o que se garante é a participação na elaboração
propriamente dita, na revisão e na alteração daqueles instrumentos, por nestes últimos casos
haver uma modificação substancial dos mesmos. A
participação dos interessados não é constitucionalmente garantida quando ocorra
a suspensão dos instrumentos de gestão
territorial, ainda que este ato – que não é de
planeamento – se repercuta no planeamento. Ainda que se traduza numa
“modificação substancial da regulamentação existente pelos seus efeitos
jurídicos”.
Embora os trabalhos preparatórios da
revisão constitucional de 1997, no âmbito da qual foi aditado ao artigo 65.º o atual n.º 5, não sejam particularmente esclarecedores,
deles parece resultar que o que se teve em vista foi a participação na formação/aprovação dos
planos territoriais, tendo sido rejeitada a redação
originariamente proposta, a qual abrangia também a execução de
tais planos (cf. Diário da Assembleia da República,
II Série, de 17 de maio de 1997, n.º 92, p. 2639 e ss.
Refere-se expressamente ao “direito de participar no procedimento de formação
dos planos territoriais”, Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Almedina, 2008, p. 445.).
De resto, é a própria dinâmica dos instrumentos de gestão territorial (entre a estabilidade e a mudança) que
justifica a não participação dos interessados na suspensão (total ou parcial)
destes instrumentos, já que é ditada por circunstâncias excecionais, em que não se perde de vista a
alteração ou a revisão de tais instrumentos, atos de
planeamento relativamente aos quais está garantida aquela participação. Segundo
o artigo 75.º, n.º 4, do Decreto Legislativo Regional n.º 43/2008/M, “a
suspensão dos instrumentos de gestão territorial pode decorrer da verificação
de circunstâncias excecionais que se repercutam no
ordenamento do território pondo em causa a prossecução de interesses públicos
relevantes” (e no mesmo sentido vai o artigo 93.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º
380/99, de 22 de setembro); de acordo com o artigo
83.º, n.º 1, do mesmo diploma “a suspensão, total e parcial, do plano regional
de ordenamento do território, dos planos especiais e dos planos sectoriais
ocorrem quando se verifiquem circunstâncias excecionais
resultantes de alteração significativa das perspetivas
de desenvolvimento económico-social ou da realidade ambiental que determinou a
sua elaboração, incompatíveis com a concretização das opções estabelecidas no
plano” (e no mesmo sentido vai o artigo 99.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
380/99).
Maria João Antunes