ACÓRDÃO N.º 128/2012
Processo n.º 385/11
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos
Pamplona de Oliveira
Acordam
na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. foi condenado por sentença proferida em 20 de maio de 2009 no Tribunal Judicial de Abrantes pela prática,
em autoria material, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º
n.º 1 do Código Penal, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de €3,50, no
montante global de €157,50 correspondente a uma pena de prisão subsidiária pelo
período de 30 dias, e a pagar, com juros de mora, à demandante B. a quantia de
€150,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Inconformado,
recorreu para a Relação de Évora a pedir a absolvição. Na motivação que
apresentou invocou o seguinte:
[...] 40.ª O
Tribunal a quo na interpretação normativa levada a cabo dos artigos 124º, 146.º
e 340.º do CPP – “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em
julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito
criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por
acareação dos depoimentos em contradição” – aplicou
norma inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e dos
princípios constitucionais da culpa e da presunção de inocência do arguido e
dos princípios do contraditório e in dubio pro reo
consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º e 32.º, n.ºs 2
e 5 da Constituição da República Portuguesa.
41.ª É
materialmente inconstitucional a norma aplicada pelo Tribunal a quo
contida nos artigos 6 artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – que tipifica como
crime a injúria – por violação do princípio constitucional da proporcionalidade,
da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1., 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da Constituição
da Republica Portuguesa.
42.ª O
tribunal ad quem deve desaplicar as
normas identificadas nas duas conclusões anteriores em sede de fiscalização
concreta nos termos do art. 204.º da Constituição e 70.º n.º 1 al. b) da Lei do
Tribunal Constitucional.
Por acórdão de
28 de setembro de 2010, a Relação de Évora negou
provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida. Para esse efeito e na
parte agora relevante, afirmou o aresto:
[...] 4-
Inconstitucionalidades
Invoca
finalmente o recorrente, no seu afã recursivo, duas pretensas
inconstitucionalidades:
1 - O Tribunal
a quo na interpretação normativa levada a cabo dos artigos 124.º, 146.º e 340.º
do CPP – “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em
julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito
criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por
acareação dos depoimentos em contradição” – aplicou
norma inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido e dos
princípios constitucionais da culpa e da presunção de inocência do arguido e
dos princípios do contraditório e in dubio pro reo
consagrados nos artigos 1.º, 2.º, 20.º e 32.º, n.ºs 2
e 5 da Constituição da República Portuguesa.
2- De
tipificação como crime de bagatelas como a injúria, prevista e punida pelo
artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, afronta ainda o princípio da necessidade
das penas constitucionalmente consagrado. E materialmente inconstitucional a
norma aplicada pelo Tribunal a quo contida no artigo 181 .º,
n.º 1 do Código Penal – que tipifica como crime a
injúria – por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da
subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas consagrados nos arts. 1. º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da
Constituição da Republica Portuguesa.
Quanto à
primeira cumpre dizer, simplesmente, que não se deteta
que o Tribunal a quo tenha efetuado qualquer
interpretação tal qual a pretendida pelo recorrente relativa à matéria da acareação.
O que se
verifica nos autos é que o arguido durante a audiência – certamente por que na
altura entendeu desnecessária tal diligência – não requereu qualquer acareação, surgindo-nos agora a colocar pela primeira vez
em sede de recurso uma questão que jamais suscitou perante o Tribunal a quo
e estribado para mais em pretensa interpretação daquele Tribunal que não
vislumbramos expressa em nenhum momento no processo.
Quanto à
segunda, para além da invocação genérica, manifestamente conclusiva e não
fundamentada da pretensa violação dos princípios da proporcionalidade, da
subsidiariedade do direito penal e da necessidade das penas, limita-se o
recorrente a afirmar que a tipificação do crime de injúria afronta o princípio
da necessidade das penas, já que se tratará de bagatela penal.
Trata-se de
matéria cuja ponderação compete ao legislador, podendo naturalmente o arguido
suscitar a questão em sede própria aquando de uma das muitas revisões futuras
da lei, não vislumbrando este Tribunal em que radica a pretensa afronta ao
princípio da necessidade das penas; sendo certo, no entanto, que uma tal
crítica (bagatela penal) teria seguramente outra força e credibilidade se
proviesse da boca de uma vítima.
Improcede, por
conseguinte, na totalidade o recurso interposto pelo arguido.
2. A.
recorreu então para o Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
[...]
Recorrente nos autos supra identificados, notificado do acórdão de 28 de setembro de 2010, a fls..., que
negou provimento ao recurso, com ele não se podendo conformar, vem, nos termos
do artigo 280º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e do
artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro
(Lei de Organização e Funcionamento do Tribunal Constitucional), interpor
recurso do citado acórdão para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos
e com os fundamentos seguintes:
1. O recurso
para o Tribunal Constitucional é interposto com fundamento na
inconstitucionalidade da norma contida:
a) nos artigos 124º, 146.º e 340.º do Código de Processo Penal
(CPP) na interpretação normativa efetuada pelo
Tribunal a quo — “no entendimento segundo a qual, havendo contradição direta entre depoimento das várias testemunhas presentes em
julgamentos é possível considerar provados os factos que integrem o ilícito
criminal e condenar o arguido sem necessidade de produzir previamente prova por
acareação dos depoimentos em contradição” – por
violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios constitucionais da
culpa e da presunção de inocência do arguido e dos princípios do contraditório
e in dubio pro reo consagrados nos
artigos 1º, 2º, 20.º e 32.º, n.ºs 2 e 5 da
Constituição da República Portuguesa;
b) no artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal – que tipifica como
crime a injúria simples – por violação dos princípios constitucionais da
proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das
penas consagrados nos arts. 1º, 2.º, 18.º, n.º 2,
27.º, 29.º e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa;
c) nos artigos 412º, n.º 3 e 428.º do CPP na interpretação
normativa efetuada pelo Tribunal a quo – no
entendimento segundo a qual, “a convicção do julgador só pode ser modificada,
pelo tribunal de recurso, quando a mesma violar os seus momentos estritamente
vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra força
probatória plena de certos meios de prova), quando não assentem na prova
produzida ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência
comum” – por violação da garantia de recurso e de duplo grau de jurisdição na
apreciação da matéria de facto consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição
da República Portuguesa;
2. A
Recorrente invocou a inconstitucionalidade das normas a que se alude nas als. a) e b) do número anterior de
modo “funcionalmente adequado” perante o Tribunal a quo nas alegações do
recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa no Capitulo IV das alegações de
recurso, intitulado “Da aplicação de normas inconstitucionais”, números 33 a
40, e na 40.ª, 41.ª e 42.ª conclusão do recurso jurisdicional a fls. ... nos autos.
3. A
Recorrente não invocou antes a inconstitucionalidade da norma a que se alude na
al. c) do número 1 do presente requerimento porque tal norma apenas pelo
tribunal de recurso poderia, em abstrato ou em
concreto, ser aplicada – trata-se da norma contida nos artigos 412º, n.º 3 e
428.º do CPP que regula o processo de recurso nas relações e os poderes de
conhecimento do tribunal de recurso – e do acórdão recorrido não cabe recurso
ordinário nos termos do artigo 400º, n.º 1, al. e) do CPP (cfr.
acórdão recorrido a fls..., pp. 19 e 20).
4. O recurso
sobe imediatamente nos próprios autos, devendo ao mesmo ser atribuído efeito
suspensivo (cfr. arts.
406º, n.º 1, 407º, n.º 2, al. a) e 408º, n.º 1 al. a) do CPP e art. 78.º, n.º 3
da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Após várias
vicissitudes processuais, o recurso foi admitido por despacho proferido na
Relação de Évora em 3 de maio de 2011; no Tribunal
Constitucional, o seu objeto foi fixado pelo Acórdão
n.º 453/11 (publicado no site do Tribunal),
ficando reduzido à questão da inconstitucionalidade do artigo 181º n.º 1 do
Código Penal, norma que tipifica como crime a injúria simples. O recorrente
alegou e concluiu:
1.ª A injúria,
a difamação e a calúnia devem restringir-se à criminalização de factos graves
que realmente possam afetar socialmente a dignidade,
a reputação e a honra e quando tal proteção seja
indispensável para a ordenação da vida em sociedade.
2.ª O artigo
181º, n.º 1 do Código Penal determina que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe
factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da
sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena
de multa até 120 dias” independentemente da circunstância da ofensa ser
praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação
perante a sociedade.
3.ª Os
princípios da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da
necessidade das penas excluem da respetiva
criminalização as ofensas morais ocultas, tartamudeadas sem consequências
palpáveis e sem a necessária publicidade perante um meio social envolvente.
4.ª A norma
que se retira do artigo 181º, n.º 1 do Código Penal e que tipifica como crime a
injúria uma infração desprovida de publicidade
perante o meio social é, assim, materialmente inconstitucional por violação do
princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito
penal e da necessidade das penas consagrados nos arts.
1., 2º, 18.º, n.º 2, 27.º, 29 e 30.º da Constituição da Republica Portuguesa.
Nestes termos
e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser considerado
procedente, com as devidas consequências legais.
Contra-alegou
unicamente o representante do Ministério Público neste Tribunal, concluindo:
1º – O
legislador infraconstitucional goza de uma ampla margem de discricionariedade
legislativa na formulação das opções consistentes em tipificar criminalmente
determinados comportamentos.
2º – O recurso
a meios penais para defesa do bem jurídico da honra e consideração, não traduz
solução legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva.
3º – Assim, a
norma do nº 1 do artigo 181.º do Código Penal que estabelece que “quem injuriar
outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe
palavras, ofensivas de sua honra ou consideração é punido com pena de prisão
até três meses ou com pena de multa até 120 dias”, não viola o princípio da
proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição), não sendo, por isso,
inconstitucional.
4º – Termos em
que deverá negar-se provimento ao recurso.
O primitivo
relator deixou entretanto de integrar o Tribunal e o processo foi
redistribuído. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. Constitui
objeto do recurso a questão da inconstitucionalidade
da norma n.º 1 do artigo 181º do Código Penal "que tipifica como crime a
injúria simples", por violação dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º,
29.º e 30.º da Constituição.
Alega o
recorrente que a norma impugnada prevê o tipo penal "independentemente da
circunstância da ofensa ser praticada através de meios ou em circunstâncias que
facilitem a sua divulgação perante a sociedade", mas que os princípios da
proporcionalidade, da subsidiariedade do direito penal e da necessidade das
penas proíbem a criminalização de "ofensas morais ocultas, tartamudeadas
sem consequências palpáveis e sem a necessária publicidade perante um meio
social envolvente". Por essa razão, a norma impugnada, que tipifica como
crime "uma infração desprovida de publicidade
perante o meio social", seria materialmente inconstitucional por violação
do princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito
penal e da necessidade das penas "consagrados nos artigos 1º, 2º, 18º n.º
2, 27º, 29º e 30.º da Constituição".
Compete,
todavia, relembrar que a norma agora em análise no presente recurso é aquela
que corresponde ao teor literal do preceito que consta no n.º 1 do artigo 181º
do Código Penal, pois outra não foi enunciada pelo recorrente, no momento oportuno,
como objeto do recurso. Similarmente, a questão de
inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente na Relação de Évora também não
incluiu as circunstâncias relativas a "ofensas morais ocultas,
tartamudeadas sem consequências palpáveis e sem a necessária publicidade
perante um meio social envolvente", que o recorrente agora invoca, sem
qualquer utilidade prática, na sua alegação.
A norma que
constitui o objeto do recurso é, portanto, a que
prevê que "quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a
forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas de sua honra ou
consideração é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa
até 120 dias", e que é – alegadamente – inconstitucional por violação do
princípio constitucional da proporcionalidade, da subsidiariedade do direito
penal e da necessidade das penas.
4.
Ora, sobre o princípio da proporcionalidade no caso da necessidade de tutela
penal, o Tribunal tem radicado a sua jurisprudência no reconhecimento de que ao
legislador é conferida uma ampla liberdade na individualização dos bens
jurídicos carecidos de tutela penal e na decisão de quais os comportamentos
lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente
protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais.
Diz-se, a tal
respeito, no Acórdão nº 604/99:
“Como se
observou noutro aresto já mencionado, o nº 1142/96, “se é sabido que o direito
penal de um Estado de Direito visa a proteção de bens
jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal,
o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização,
e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o
princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...] «o legislador
goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de
tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de
direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente
protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)», (na
linguagem do acórdão nº 83/95, publicado no Diário da República, II Série, nº
137, de 16 de junho de 1995, que seguiu na linha dos
acórdãos nºs. 634/93 e 650/93, publicados no Diário da República, II Série,
Suplemento, nº 76, de 31 de março de 1994).
«É evidente – lê-se no citado
acórdão nº 634/83 – que o juízo sobre a necessidade do recurso
aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de
reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação
legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se
apresente como manifestamente excessiva»”.
O Tribunal
tem, com efeito, reconhecido que a Constituição acolhe, designadamente no seu
artigo 18º n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas
e das medidas de segurança; mas faz notar que não cabe ao Tribunal, salvo casos
de manifesta desproporcionalidade, substituir-se ao legislador, invadindo o
espaço que lhe é próprio na determinação das opções de política legislativa
sobre a necessidade ou a conveniência na criminalização de certos
comportamentos.
Com efeito, o
Tribunal tem reservado a sua intervenção, nesta área, aos casos em que o
legislador ultrapassou o limite da sua liberdade ao
editar normas criminalizadoras que se mostravam manifestamente
excessivas e, portanto, violadoras do já referido princípio da
proporcionalidade. Fê-lo, por exemplo, quando julgou inconstitucional a norma
do artigo 132º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 38.252 de 20 de novembro (Acórdão nº
527/95, in DR, Iª série-A de 10 de novembro de 1995). Fê-lo também quando, em diversas
alturas, foi chamado a pronunciar-se sobre normas do anterior Código de Justiça
Militar que fixavam penas para determinados crimes essencialmente militares (v.g., Acórdão n.º 392/99, in DR, II série,
de 9 de novembro de 1999).
5. Acontece
que, no caso em presença, não ocorre uma situação que, patente e seguramente,
não careça de tutela penal, quer porque os interesses que a norma visa defender
não reclamam defesa de um ponto de vista da consciência ético-social vigente,
quer porque, a reclamarem tutela, ela seria facilmente obtida por recurso a
sancionamento diverso do estabelecimento de sanções de natureza criminal ou por
recurso a controlos por meios não penais.
Com efeito, o
bem jurídico protegido no crime de injúria, qualquer que seja a modalidade da ação típica concretamente considerada, é a honra. Pode dizer-se que a honra deverá ser hoje entendida,
enquanto objeto de tutela penal, como uma decorrência
direta da dignidade da pessoa humana (artigo 1° da
Constituição) e, nessa medida, como um conceito normativo cuja concretização
não dispensa a convocação de uma dimensão fáctica ou existencial do homem
enquanto ser social, enquanto pessoa empenhada na realização dos seus planos de
vida e ideais de excelência, o que tem correspondência constitucional no n.º 1
do artigo 26º da Constituição. É este bem jurídico, necessariamente complexo –
como o interesse da estima que cada um tem por si próprio, e simultaneamente,
como valor de não desconsideração social –, que a norma protege através dos
tipos legais das injurias e da difamação (Prof. Beleza dos Santos, "Algumas considerações jurídicas sobre os crimes de difamação e de
injuria", RLJ, ano 92, pg. 165 e ss., e Prof. Costa Andrade, "Liberdade de
Imprensa e Inviolabilidade Pessoal", Coimbra Ed., 1996, p. 86). Em sentido próximo, diz José de Faria
Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal,
Tomo I, pág. 601 e 602):
“§ 1 – O art. 180.º abre o Cap. VI (Dos
crimes contra a honra), do Tít. I (Dos crimes contra
as pessoas), do Liv. II do CP,
mas todo aquele capítulo trata exaustivamente a problemática da defesa do bem
jurídico da honra e consideração. Ao conceder toda uma específica área
incriminadora à proteção do bem jurídico da honra bem
andou o legislador, não só porque, dessa maneira, concede a proteção
penal que a Lei Fundamental já indiciava (art. 26.º da CRP), como também, em
perfeita e legítima autonomia de valoração e intencionalidade jurídico-penal, assume a importância da proteção
penal daquele preciso bem jurídico. Desta sorte, independentemente de outras
considerações, o legislador – no seguimento, aliás, de uma ininterrupta linha
de valoração (CP de 1852 e suas sucessivas alterações; CP de 1982, revisão de
1995 e revisão de 1998) – quis, de jeito inequívoco e para que não restassem
dúvidas, reafirmar a dignidade penal do valor da honra e da consideração pessoal.”
É certo que,
conforme se pode ler no respetivo preâmbulo, o Código
Penal se assume deliberadamente como ordenamento jurídico-penal
de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado, optando conscientemente
pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de
vida que não apresentam suficiente potencialidade ofensiva para, perante o
princípio da intervenção mínima, conduzirem a aplicação de penas.
Todavia, tendo
em atenção a ampla liberdade de conformação de que goza o legislador ordinário
na definição de crimes, parece evidente que ao editar aquela norma o legislador
não ultrapassou os limites impostos pelo principio da proporcionalidade
especialmente previsto no artigo 18º n.º 2 da Constituição, ou em qualquer
outro.
Efetivamente, haverá que concluir que o
recurso a meios penais para proteção de bens
jurídicos com a dignidade da honra pessoal constitui uma tradição do nosso
ordenamento jurídico-penal que, não se traduzindo
numa solução legislativa manifestamente arbitrária ou excessiva, não ofende
qualquer princípio constitucional.
Improcede,
nestes termos, o recurso.
III. Decisão
6. Em
consequência, o Tribunal decide julgar improcedente o recurso, confirmando a
decisão recorrida quanto à questão de inconstitucionalidade. Custas pelo
recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de
conta.
Lisboa, 7 de março de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão – Rui
Manuel Moura Ramos.