ACÓRDÃO N.º 89/2012
Processo n.º 652/11
Plenário
Relator: Conselheira Catarina
Sarmento e Castro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Requerente e objeto do pedido
O Provedor de Justiça apresentou ao Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da
Constituição da República Portuguesa, um pedido de apreciação e declaração, com
força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas constantes dos
n.os 3 e 4 do artigo 24.º, 2.ª parte do
n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento
Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi
conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, do Conselho Geral da Ordem dos
Advogados, publicada no Diário da República, II Série, n.º 242, de 16 de dezembro.
O teor das
normas impugnadas é o seguinte:
Artigo 24.º
Testes de repetição
1 — […]
2 — […]
3 — A fase de
formação inicial só pode ser repetida uma vez.
4 — O advogado
estagiário que não passe à fase complementar, na sequência da repetição da fase
de formação inicial, ficará impedido de se reinscrever em novo curso de estágio
pelo período de três anos.
Artigo 36.º
Repetição da fase de formação complementar
1 — […]
2 — A fase de
formação complementar apenas pode ser repetida uma vez e, no caso de se
verificar a falta de aproveitamento depois desta repetição, o advogado
estagiário fica impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período
de três anos, cancelando-se de imediato a sua inscrição.
3 — […]
Artigo 42.º
Efeitos da classificação negativa na prova oral
1 — […]
2 — […]
3 — […]
4 — […]
5 —
Verificando-se nova reprovação é cancelada a inscrição, ficando o advogado
estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de
três anos.
2. Fundamentos do Pedido
O Provedor de Justiça
fundamentou o seu pedido de declaração da inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, nos seguintes termos:
1. As normas
em causa foram aditadas ao Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos
Advogados, publicado como Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto, pelo artigo 2.º da Deliberação n.º 3333-A/2009, de
16 de dezembro, do Conselho Geral da Ordem dos
Advogados.
2. O estágio
para acesso à profissão de advogado, nos termos atuais
do Regulamento, compreende uma fase de formação inicial e uma fase de formação
complementar (artigo 2.º, n.º 1).
3. A avaliação
da primeira, permitindo o acesso à segunda, é feita através de uma prova de
aferição (artigo 22.º).
4. A avaliação
da fase de formação complementar é essencialmente efetuada
por um exame (artigo 33.º), composto por uma prova escrita (artigo 34.º) e por
uma prova oral (artigo 39.º).
5. O artigo
24.º, n.º 1, do Regulamento, determina que, em caso de falta reiterada à prova
de aferição ou de obtenção de classificação negativa nesta, o advogado
estagiário fica obrigado a nova inscrição em curso de estágio, o primeiro que
se iniciar após tal ato, como preceitua o n.º 2 do mesmo artigo.
6. O n.º 3 do
artigo 24.º estabelece que “a fase de formação inicial só pode ser repetida uma
vez”, o que, sem mais e conjugadamente com a obrigação de reinscrição, só
permitiria, em si mesmo, a interpretação de que tal reinscrição apenas poderia
ocorrer uma vez, tornando-se definitiva a exclusão do acesso ao estágio (e
consequentemente à profissão de advogado) em caso de dupla situação de não
aproveitamento na prova de aferição (por falta reiterada ou por classificação
negativa).
7. Esta
conclusão, embora limitada no tempo, é confirmada pelo teor do n.º 4 do mesmo
artigo, ao estipular que, após a referida repetição da fase de formação inicial
e se não obtiver classificação que permitisse a prossecução do estágio, fica
impedido o cidadão em causa de “se reinscrever em curso de
estágio (e portanto de aceder à profissão) pelo período
de três anos”.
8. O artigo
36.º do Regulamento incide, por sua vez, sobre o tratamento a dar ao advogado
estagiário que não obtenha classificação positiva na prova escrita que ocorre
no final da fase de formação complementar, vinculando-o, no seu n.º 1, à
repetição desta fase.
9. Admitindo a
parte inicial do n.º 2 do mesmo artigo 36.º a repetição da fase de formação
complementar por uma só vez (mas aqui sem alcance idêntico à determinação do
artigo 24.º, n.º 3), a parte final deste número estabelece, em caso de falta de
aproveitamento, proibição similar à acima referenciada, “impedindo o cidadão de
se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos”.
10. Por fim, o
artigo 42.º rege sobre as situações de falta de aproveitamento na prova oral a
que se refere o artigo 39.º, possibilitando a sua repetição (n.º 1) e, em caso
de não aprovação, a repetição, por uma só vez, em condições similares ao
previsto no artigo 36.º, da fase de formação complementar.
11. No final
desta nova fase de formação complementar e em caso de reprovação na respetiva prova oral (e sua eventual reiteração), determina
o artigo 42.º, n.º 5, uma vez mais, que fica o “advogado
estagiário impedido de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de
três anos”.
12. O
banimento da possibilidade de frequência de novo estágio, mesmo que por apenas
três anos, é uma medida absolutamente inovatória face ao quadro legal referente
à inscrição na Ordem dos Advogados e, concomitantemente, no acesso à profissão
de advogado.
13.
Substantivamente, não se distinguem os efeitos desta solução da aplicação de
uma sanção disciplinar de suspensão, esta tendo os seus trâmites, orgânicos,
formais e materiais, devidamente acautelados na lei.
14. Não pode
igualmente duvidar-se que a aplicação de qualquer das normas impugnadas
restringe a liberdade de escolha da profissão, prevista no artigo 47.º, da
Constituição, posto que pelo período de três anos.
15. O artigo
187.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 05
de janeiro, determina que “podem
requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito
por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos
ou equiparados”.
16. Por outro
lado, o Estatuto elenca, no respetivo artigo 181.º,
alíneas a) a e), as
restrições ao direito de inscrição passíveis de serem aplicadas e
regulamentadas pela Ordem, designadamente não podendo ser inscritos os que não
possuam idoneidade moral para o exercício da profissão, os que não estejam no
pleno gozo dos direitos civis, os declarados incapazes de administrar as suas pessoas
e bens por sentença transitada em julgado, os que estejam em situação de
incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia, bem como magistrados e
funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido demitidos,
aposentados ou colocados na inatividade por falta de
idoneidade moral.
17. Não há nas
normas legais, designadamente nas estatutárias citadas que enquadram a
inscrição na Ordem dos Advogados, qualquer disposição que limite, ainda que
apenas temporariamente, o direito de quem, preenchendo os requisitos ali
mencionados, pretenda aceder à profissão de advogado, através do cumprimento do
respetivo estágio.
18. Mesmo que
o pudesse fazer, nada nas normas legais pertinentes apoia a introdução, e por
via regulamentar, de solução como a que, para cada caso, consta das normas que
aqui se impugnam, sendo tal solução inovatória face às referidas normas legais.
19. O artigo
188.º, n.º 6, do Estatuto apenas confere competência ao Conselho Geral para
regulamentar “o modelo concreto de formação inicial e
complementar durante o estágio, estrutura orgânica dos serviços de formação e respetivas competências, sistema de avaliação contínua,
regime de acolhimento e integração no modelo de estágio de formação externa
facultada por outras instituições e a organização e realização dos exames
finais de avaliação e agregação”, não se podendo aqui incluir, ainda
que tal fosse legítimo, a previsão de um período de inadmissibilidade do
ingresso em estágio e, consequentemente, do acesso à profissão.
20. A ordem
pode recusar o pedido de inscrição de um candidato apenas com base no conjunto
de razões expressamente enunciadas na lei, não lhe sendo lícito aditar novos
fundamentos, assim estabelecendo restrições à liberdade de profissão.
21. Posto que
com limitação no tempo, a recusa de inscrição, com base na não aprovação, nas
condições determinadas, em curso de estágio anterior, não consta, como resulta
acima dito, desse elenco normativamente estabelecido por ato do Governo
devidamente dotado de credencial parlamentar para o efeito.
22. Deste
modo, as normas impugnadas surgem como inovatórias, adicionalmente restritivas
do acesso à formação (na Ordem dos Advogados), logo de acesso ao exercício da
profissão (de advogado), estando, como se sabe, este dependente daquele.
23. Estas
normas foram aprovadas por via de regulamento, em violação da reserva de lei
formal imposta pelo artigo 18.º, n.º 2 e 3, da Constituição.
24. A
impossibilidade de inscrição em novo estágio pelo período de três anos limita,
durante esse período, a liberdade de escolha de cada cidadão nas condições
previstas, eliminando a possibilidade de opção pelo acesso à profissão de
advogado.
25. Assim
sendo, estamos perante uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de
profissão, garantida pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, que determina
que “todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de
trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade”.
26. A
liberdade de escolha da profissão faz parte do elenco dos direitos, liberdades
e garantias cuja restrição só pode, nos termos do artigo 18.º, n.os 2 e 3, do texto constitucional, ser operada
por via de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República ou decreto-lei do
Governo.
27. Assumindo
natureza regulamentar e não legal, são as normas impugnadas formalmente
inconstitucionais.
28. Tem aqui
inteira aplicação a fundamentação invocada em requerimento que oportunamente se
dirigiu ao Tribunal Constitucional a respeito de outra norma do Regulamento e
que deu origem ao Acórdão n.º 3/11.
29. Assim para
além de se estar perante uma violação do regime formal dos direitos, liberdades
e garantias, designadamente a imposição constitucional, ínsita nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da lei Fundamental, de
que eventuais restrições se façam por lei em sentido formal, está igualmente em
causa a reserva de competência que, por via do seu artigo 165.º, n.º 1, alínea b), estabelece a Constituição em favor da Assembleia da
República ou do Governo se por esta autorizado.
30. A
aprovação, pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, do regime
consubstanciado nas normas dos artigos 24.º, n.os
3 e 4, 36.º, n.º 2, 2.ª parte, e 42.º, n.º 5, 2.ª parte, contraria igualmente a
reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
31. São,
assim, tais normas também organicamente inconstitucionais, por violação do
artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Lei
Fundamental”.
3. Resposta
do órgão autor das normas
Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos
54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), para se
pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados
veio responder, através do seu Presidente, no sentido de ser negado provimento
ao pedido formulado pelo Provedor de Justiça, o que fez sob invocação dos
seguintes fundamentos:
“1. […]
2. A
inconstitucionalidade destas normas resultaria, no entender do requerente, de
ser limitado, por um período de três anos, o exercício da liberdade de escolha
da profissão de advogado e de tal limitação não constar, de forma expressa, das
normas contidas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
3. E, sendo
assim e ainda no entender do Requerente, o Conselho Geral, no exercício do
poder regulamentar que lhe é conferido pelo Estatuto da Ordem dos Advogados,
teria ido além de tal poder regulamentar criando uma limitação temporária ao
exercício da liberdade de escolha da profissão não prevista no Estatuto da
Ordem dos Advogados, pelo que as normas em questão enfermariam de
inconstitucionalidade, já que se trata de matéria de direitos liberdades e
garantias que se encontra na reserva relativa da competência da Assembleia da
República, conforme decorre do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
[…]
4. Em primeiro
lugar […], as normas em causa não impedem o exercício da liberdade de escolha
da profissão de advogado, dado que o interessado que reprovou uma vez e que,
tendo repetido, voltou a reprovar, exerceu o direito de se inscrever, como
advogado estagiário, e pode sempre voltar a inscrever-se para realizar novo
estágio e aceder, caso obtenha aprovação, à profissão de advogado.
5. Mas porque
reprovou, duas vezes seguidas, tem de aguardar o decurso de um período de três
anos, para repetir uma terceira vez a fase inicial ou todo o período de
estágio.
6. Ou seja, as
normas em causa não impedem a liberdade de escolha de profissão, dado que os
interessados que já foram admitidos na Ordem, como advogados estagiários, podem
sempre aceder à realização de novos estágios, por cada intervalo de 3 anos
subsequente às 2 vezes seguidas em que tiverem reprovado.
7. Mas
pretendem sim a regular utilização dos serviços de estágio, por parte dos
advogados estagiários que já demonstraram, por duas vezes sucessivas, que não
possuíam os conhecimentos necessários e suficientes para serem inscritos, como
advogados.
8. Pois os
serviços de estágio na Ordem dos Advogados têm custos e envolvem dispêndios de
meios humanos e materiais, sendo, portanto, legítimo e adequado que os respetivos acesso e utilização sejam regulados, de forma a
prevenir e a evitar a sua utilização temerária e abusiva, por parte de quem já
revelou não possuir conhecimentos suficientes.
9. Sendo, por
isso, razoável e proporcional o impedimento temporário estabelecido, nas normas
em causa do Regulamento Nacional de Estágio, no sentido de os advogados
estagiários que já os utilizaram e reprovaram, em duas vezes seguidas, só os
poderem vir a utilizar novamente, após o decurso de um período de 3 anos, por
cada situação em que tiverem reprovado as tais 2 vezes.
10. Na
verdade, não faz sentido que os advogados estagiários destinatários das normas
em causa usem de tais serviços de estágio, de forma repetida e sistemática e
sem quaisquer restrições, quando já deram mostras, em duas ocasiões sucessivas,
de que não possuem os conhecimentos e capacidades bastantes para acederem à
profissão de advogado.
11.
Impondo-se, por isso, que, nesse período de três anos em que ficam impedidos de
se inscrever em novo curso de estágio, façam a preparação que entendam
necessária para suprir a falta de conhecimentos e de capacidades que, em provas
públicas, demonstraram, em duas ocasiões sucessivas, não possuírem.
12. Está assim
bom de ver que as normas em causa não impedem a escolha de profissão, pois
visam apenas regular o acesso e a utilização dos serviços de estágio da Ordem
dos Advogados, por parte de quem já teve duas oportunidades para demonstrar que
possui os necessários conhecimentos e capacidades para o exercício da profissão
de advogado e, nessas duas oportunidades, demonstrou não os possuir.
13. A menos
que se entenda que um interessado que, de facto, já deu mostras, em duas vezes
seguidas, de não possuir os conhecimentos e capacidades para ser inscrito como
advogado, pode usar os serviços de estágio da Ordem dos Advogados, sem qualquer
restrição e de forma temerariamente repetitiva e “ad infinitum”.
14. O que
redundaria na utilização dos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, de
forma não adequada e proporcionada, pois embora o interessado pague taxas,
certamente ninguém considerará que os € 150 que o mesmo paga para a inscrição,
como advogado estagiário, e os € 700 que paga até à prova de aferição e depois
os € 650 que paga até ao exame final num total de € 1.500, cobrem todos os
gastos e despesas com o período de estágio, que é de 6 meses, na fase inicial,
e de 18 meses, na fase complementar.
15. Até porque
se as taxas pagas pelos advogados estagiários fossem economicamente rentáveis e
lucrativas para a Ordem dos Advogados e se, nessa circunstância, o Conselho
Geral quisesse fazer um “negócio” com o estágio, então o mais vantajoso seria
permitir que os advogados estagiários que reprovaram 2 vezes seguidas pudessem
repetir, com caráter imediato e sem qualquer
restrição temporal, o ou os períodos de estágio em que antes não
obtiveram aprovação em 2 vezes consecutivas.
16. Pois
quanto menos tempo mediasse entre as repetições do estágio, mais receitas a
Ordem dos Advogados poderia arrecadar, através das taxas pagas pelos advogados
estagiários que tivessem de repetir o respetivo
estágio.
17. Porém, a
Ordem dos Advogados e, no caso em apreço, o respetivo
Conselho Geral, não têm essa visão mercantilista do estágio, cabendo-lhes, ao
invés e como associação pública que é, o dever e a responsabilidade, de que não
abdicam, de verificarem se quem pretende exercer a profissão de advogado possui
ou não os necessários conhecimentos e capacidades.
18. Pois, nos
termos do disposto no n.º 1 do artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos Advogados
[…] “O pleno e autónomo exercício da advocacia depende
de um tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e
certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação
técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade
e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e
regulamentos para a aquisição do título de Advogado”.
19. Isto é, a
Ordem dos Advogados, ao atribuir a um cidadão cédula de advogado, está a
certificar publicamente que o cidadão em causa e que já é possuidor de uma
licenciatura em direito, também possui os necessários conhecimentos técnico-profissionais
e deontológicos para ser advogado e que, por isso, os demais cidadãos que
venham a recorrer aos seus serviços poderão confiar nas respetivas
competência e capacidades, pois o mesmo está apto e qualificado para praticar
os atos próprios da profissão de advogado.
20. E o
cumprimento de tal dever, por parte da Ordem dos Advogados, torna-se ainda mais
premente e indeclinável quanto é certo que o período das licenciaturas em
direito passou de 5 para 3 anos e que algumas faculdades, como é do conhecimento
público, têm conferido diplomas, sobretudo de licenciatura, mais por razões de
índole económica e para arrecadarem receitas do que propriamente pelo saber e
preparação científica das pessoas a quem atribuem os respetivos
diplomas.
21. O que tem
contribuído para que os licenciados em direito que não conseguem entrar noutras
profissões jurídicas, por falta de conhecimentos e capacidades necessários,
recorram aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados, como última
“instância” de quem nada mais pode escolher, como se a profissão de advogado
devesse ser o reduto para quem não possui os necessários conhecimentos e
capacidades para o exercício das demais profissões jurídicas.
22. Ora, a
Ordem dos Advogados que, após o Acórdão n.º 3/2011 do Tribunal Constitucional,
ficou impedida de verificar “ab initio” se os candidatos a
estágio com licenciaturas de 3 anos possuem ou não conhecimentos jurídicos
suficientes para nele ingressarem, ao invés do que sucede no acesso aos
tirocínios de outras profissões jurídicas, designadamente às de magistrado
judicial e do Ministério Público, não deve ser impedida de regular o acesso ao
estágio, por parte de quem, encontrando-se já inscrito como advogado
estagiário, teve acesso à respetiva frequência e
repetição e, numa das respetivas fases, reprovou por
duas vezes seguidas.
23. Desde
logo, porque as normas do Regulamento Nacional de Estágio que são postas em
crise no pedido de declaração de inconstitucionalidade não têm como
destinatários os cidadãos candidatos à profissão de advogado, como o Requerente
pretende acentuar e realçar, no artigo 8.º da respetiva
petição, mas sim advogados estagiários, isto é, cidadãos que já tiveram a
oportunidade e possibilidade de se inscrever e ingressar na Ordem dos
Advogados, para realizarem o estágio legalmente exigido para o exercício da
profissão de advogado.
24. E tal
poder de regular o acesso e a utilização dos serviços de estágio da Ordem dos
Advogados, por parte dos advogados estagiários, está, expressa e
indubitavelmente, atribuído ao Conselho Geral, pelo disposto no n.º 2 do artigo
184.º, em conjugação com o estabelecido na alínea g)
do n.º 1 do artigo 45.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, cujos teores
se transcrevem: “O acesso ao estágio, o ensino dos
conhecimentos de natureza técnico-profissional e deontológica e o inerente
sistema de avaliação são assegurados pelos serviços de estágio da Ordem dos
Advogados, nos termos dos regulamentos aprovados em Conselho Geral”
[artigo 184.º, n.º 2]; “Compete ao Conselho Geral:
Elaborar e aprovar os regulamentos de inscrição dos advogados portugueses, o
regulamento de registo e inscrição dos advogados provenientes de outros
Estados, o regulamento de inscrição dos advogados estagiários, o regulamento de
estágio, da formação contínua e da formação especializada, com inerente
atribuição do título de advogado especialista, o regulamento de inscrição de
juristas de reconhecido mérito, mestres e outros doutores em direito, o
regulamento sobre os fundos dos clientes, o regulamento da dispensa de sigilo
profissional, o regulamento do trajo e insígnia profissional e o juramento a
prestar pelos novos advogados” [artigo 45.º, alínea g)].
25. Pois
decorre, expressamente, do n.º 2, do artigo 184.º do Estatuto da Ordem dos
Advogados que o acesso ao estágio depende de regulamento aprovado em Conselho
Geral.
26. Ora, sem
querer questionar o já decidido no Acórdão n.º 3/2011 do Tribunal
Constitucional, afigura-se que, nos poderes de regulamentação do Conselho Geral
sobre o acesso ao estágio, por parte dos advogados estagiários que já
demonstraram, em duas oportunidades sucessivas, não possuir os necessários
conhecimentos e capacidades para o exercício da profissão de advogado, está
compreendido o poder de estabelecer um período de espera de 3 anos para o
interessado poder voltar a recorrer, de novo, aos serviços de estágio da Ordem
dos Advogados, de forma a prevenir que quem não possui conhecimentos
necessários e bastantes não venha a usar de tais serviços, por mero capricho e
de forma temerária e abusiva, com os inevitáveis gastos em meios humanos e
materiais que essa conduta implica.
27. Tal poder
regulamentar encontra ainda justificação e fundamento na competência que é
atribuída ao Conselho Geral, na alínea d) do n.º 1 do
artigo 45.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, cujo teor se transcreve: “Deliberar sobre todos os assuntos que respeitem ao exercício da
profissão, aos interesses dos advogados e à gestão da Ordem dos Advogados que
não estejam especialmente cometidos a outros órgãos da Ordem, sem prejuízo do
disposto no n.º 2 do artigo 32.º”.
28. Com
efeito, não se porá em dúvida que a utilização dos serviços de estágio da Ordem
dos Advogados por parte de quem já a eles recorreu e não obteve sucesso de
forma reiterada, é matéria que também implica e tem repercussões na respetiva gestão económica e financeira e que, por isso,
importa regular de forma a prevenir e a evitar a respetiva
utilização repetitiva e temerária, por parte de quem, repete-se, já deu mostras
em 2 vezes seguidas que não possuía os necessários conhecimentos e capacidades.
29. O
impedimento consistente em, durante 3 anos, os advogados estagiários reprovados
2 vezes seguidas não se poderem inscrever em novo estágio, também não
corresponde à aplicação de uma sanção disciplinar de suspensão, como o
Requerente afirma no artigo 13.º da petição.
30. Dado que,
como resulta, expressamente, das próprias normas que o consagram, as razões de
tal impedimento temporário radicam em falta de conhecimentos suficientes e
bastantes do advogado estagiário que foi apurada em provas públicas, por 2
vezes seguidas, nada permitindo vislumbrar no escopo das normas em causa a
aplicação de uma sanção disciplina “encapotada”, como, salvo o devido respeito,
o Requerente infundadamente sugere e sustenta.
31. Mas é
razoável e proporcional, para, por um lado, permitir a gestão criteriosa e
racional dos recursos da Ordem dos Advogados afetos
aos serviços de estágio que compete ao Conselho Geral regular e administrar e,
por outro, para prevenir e evitar que esses mesmos serviços sejam acedidos e
usados, de forma repetitivamente temerária e abusiva por parte de quem já
demonstrou, por 2 vezes seguidas, que não possuía os necessários conhecimentos
e capacidades para vir a ser inscrito, como advogado”.
4. Memorando
Apresentado e discutido o memorando a que se refere o artigo 63.º da Lei n.º 28/82, de
15 de novembro, e fixada a orientação do Tribunal,
cumpre decidir de harmonia com o que então se determinou.
II – Fundamentação
5. Enquadramento
5.1. Em
conformidade com o disposto no artigo 184.º do EOA (aprovado pela Lei
n.º 15/2005, de 26 de janeiro, com as alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de junho), o pleno e autónomo exercício da advocacia
depende dum tirocínio sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a
habilitar e certificar publicamente que o candidato, licenciado em Direito,
obteve formação técnico-profissional e deontológica adequada (n.º 1), cabendo
aos serviços de estágio da Ordem dos Advogados assegurar, através de
regulamento a aprovar pelo respetivo Conselho Geral,
o acesso ao estágio, o ensino dos conhecimentos de natureza
técnico-profissional e deontológica e o inerente sistema de avaliação (n.º 2).
Tal
regulamento é
o Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento
n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de agosto de 2005, com as alterações constantes da Declaração
de Retificação n.º 1379/2005, de 17 de agosto, com as alterações introduzidas pelo artigo 69.º do
Regulamento n.º 232/2007, publicado no Diário
da República, 2.ª série, de 4 de setembro
de 2007, da Deliberação n.º 1898-A/2007, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 24 de setembro de 2007, da Deliberação n.º 2280/2008, publicada
no Diário da República, 2.ª
série, de 19 de agosto de 2008, e da Deliberação n.º 3333-A/2009, publicada no Diário da
República, 2.ª Série, de 16 de dezembro de 2009.
É a constitucionalidade de certas alterações introduzidas ao
Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados (RNE)
através desta última Deliberação que é posta em causa pelo pedido formulado nos
presentes autos.
5.2.
No âmbito da vigência do Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto,
com as alterações constantes da Declaração de Retificação
n.º 1379/2005, de 17 de agosto, bem como das
introduzidas pelo artigo 69.º do Regulamento n.º 232/2007, da Deliberação n.º
1898-A/2007, publicada no Diário da
República, 2.ª série, de 24 de setembro de
2007, e da Deliberação n.º 2280/2008, publicada no Diário da República, 2.ª série, de 19 de agosto
de 2008, o estágio de advocacia tinha a duração de 30 meses, compreendendo uma
fase de formação inicial e outra de formação complementar.
A fase de formação inicial, destinada a
garantir a iniciação aos aspetos técnicos e
deontológicos inerentes à profissão de advogado, consistia no acompanhamento do
escritório do patrono, a par do estudo das matérias constantes do programa de
estágio e participação facultativa em sessões de formação disponibilizadas
pelos centros de estágio.
A avaliação da primeira fase de estágio era efetuada
através duma prova de aferição, constituída por três testes escritos, cuja
elaboração, classificação e correção cabia aos
centros de estágio (artigo 20.º, n.º 1).
Os advogados estagiários que obtivessem nota positiva em cada um dos
referidos testes seriam admitidos à fase de formação complementar (artigo
22.º).
Já os advogados estagiários que faltassem justificadamente a algum dos
exames escritos integrados na prova de aferição ou em algum deles fossem
classificados com nota negativa, poderiam realizar novo teste escrito na área
ou áreas a que houvessem faltado ou em que houvessem obtido classificação
insuficiente, por uma única vez (artigo 23.º, n.º 1), implicando a falta
injustificada a repetição da fase inicial do estágio (artigo 23.º, n.º 2).
Os advogados estagiários sujeitos à realização do teste de repetição
que neste obtivessem classificação igual ou superior a 10 valores obteriam o
direito de passagem à fase de formação complementar (artigo 24.º, n.º 1),
enquanto a falta, ainda que justificada, ao teste de repetição, bem como a
desistência ou obtenção de classificação negativa, implicaria uma nova inscrição no curso de estágio e consequente repetição
de todos os testes da prova de aferição, sendo os advogados estagiários em tais
condições integrados pelos centros de estágio no primeiro curso a iniciar após
tal reinscrição (artigo 24.º, n.os 2, 3 e
4).
Visando o aprofundamento das exigências práticas da profissão, a fase
de formação complementar intensificava o
contacto pessoal do advogado estagiário com o funcionamento dos escritórios de
advocacia, dos tribunais e outros serviços relacionados com o exercício da atividade profissional.
No termo da fase de formação complementar, o advogado estagiário
apresentaria requerimento para admissão ao exame final de avaliação e
agregação, sendo este composto por uma prova escrita e outra subsequente prova
oral.
O advogado estagiário que obtivesse na prova escrita classificação
inferior a 10 valores seria admitido a repetir esta prova, por uma só vez
(artigo 35.º). Na hipótese de voltar a não alcançar nota positiva na repetição
da prova escrita, o advogado estagiário ficaria obrigado a reiniciar a
fase de formação complementar.
Obtendo na prova escrita classificação igual ou superior a 10 valores,
o advogado estagiário acederia à prova oral (artigo 38.º), a realizar perante
um júri composto por três membros (artigo 40.º, n.º 1), encarregue de atribuir
ao candidato, em função da prova oral e demais elementos de avaliação
constantes do respetivo processo individual de
advogado estagiário, a classificação final de Não
aprovado e Aprovado por
maioria de votos dos seus membros (artigo 41.º, n.º 1).
No caso de reprovação na prova oral, esta poderia ser repetida, a
requerimento do interessado, por uma só vez. (artigo 42.º, n.º 1).
Não sendo requerida a repetição da prova oral ou, tendo esta sido
realizada, ocorresse nova insuficiência, o advogado estagiário repetiria a fase de formação complementar, mediante
requerimento, sob pena de suspensão automática da inscrição (artigo 42.º, n.º
1).
5.3.
Com as alterações introduzidas através da Deliberação n.º 3333-A/2009, a
duração da fase de estágio foi encurtada para 24 meses, mantendo-se em 6 meses
a duração da fase de formação inicial e diminuindo-se para 18 meses o período
da fase de formação complementar (artigo 2.º, n.º 1).
A prova de aferição, a realizar no final da fase de formação inicial,
passou a ser organizada pela Comissão Nacional de Avaliação.
A admissão à fase de formação complementar manteve-se privativa dos
advogados estagiários que obtenham aprovação na prova de aferição, aprovação essa agora indexada ao
somatório dos três testes escritos que a compõem (artigo 22.º).
A obtenção duma classificação negativa na prova de aferição passa a ter
a consequência prevista para a falta, ainda que justificada, ao teste de
repetição: ambos os casos implicam uma nova inscrição no curso de estágio, com
consequente repetição de todos os testes que compõem a prova de aferição
(artigo 24.º, n.º 1), sendo os advogados estagiários integrados pelos centros
de estágio no primeiro curso que tiver início após a respetiva
reinscrição (artigo 24.º, n.º 2).
Posto que a fase de formação inicial deixa de poder ser repetida por
mais do que uma vez (artigo 24.º, n.º 3), os advogados estagiários que, uma vez
reinscritos no estágio, não passem à fase de formação complementar na sequência
da repetição da fase de formação inicial – seja pela obtenção de classificação
negativa na prova de aferição, seja pela falta, ainda que justificada, à
repetição dos testes escritos na área ou áreas a que houverem faltado antes –, ficarão impedidos de se reinscreverem em novo curso de estágio pelo
período de três anos (artigo 24.º, n.º 4).
Uma vez que a fase de formação inicial representa o primeiro dos
módulos que integram o estágio de advocacia, a prescrição da impossibilidade da
sua repetição por mais do que uma vez (artigo 24.º, n.º 3) resulta, em si
mesma, na impossibilidade de reinicio do estágio de advocacia nos mesmos
termos. Deste ponto de vista, a norma constante do n.º 4 do artigo 24.º
limita-se à explicitação da consequência já indiretamente
produzida por aquela prescrição, definindo-lhe ainda um âmbito temporal de
vigência pelo período de três anos.
A fase de formação complementar manteve as finalidades e os conteúdos
anteriormente fixados (artigo 2.º, n.os
3 e 4), embora a tutela da prática profissional do advogado estagiário
contemple agora, a par do respetivo patrono e dos
centros de estágio, a intervenção da Comissão Nacional de Estágio e Formação
(artigo 25.º).
Em
consequência da unificação dos dois regimes anteriormente contemplados, o exame
de avaliação e agregação será sempre realizado no termo do período do estágio
(art. 32º, n.º 2), permanecendo constituído por uma prova escrita e por uma
subsequente prova oral nos termos acima referidos (art. 33.º).
No respeitante à avaliação da prova escrita, o advogado estagiário que
obtiver classificação inferior a 10 valores mantém a faculdade de repetir esta
prova, por uma só vez.
Na hipótese de voltar a não alcançar nota positiva na repetição da
prova escrita, o advogado estagiário continua obrigado a reiniciar a fase de
formação complementar (artigo 36.º, n.º 1), com a novidade de que a repetição
da fase de formação complementar não pode agora ocorrer por mais do que uma vez
(artigo 36.º, n.º 2, 1.ª parte).
A impossibilidade de repetição da fase de formação complementar por
mais do que uma vez não significa, no entanto, o reinicio obrigatório do
estágio de advocacia através da renovação da fase inicial: na hipótese de, no
termo da repetição da fase complementar, voltar a verificar-se falta de
aproveitamento, o advogado estagiário fica impedido de se
inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos, cancelando-se de
imediato a sua inscrição (artigo 36.º, n.º 2).
Embora ainda necessária, a obtenção de classificação igual ou superior
a 10 valores na prova escrita deixa de ser condição suficiente para o acesso à
prova oral na medida em que esta passa agora a supor a cumulativa obtenção de
nota positiva no teste de deontologia profissional (artigo 38.º).
Do ponto de vista do significado das alterações introduzidas pela
Deliberação n.º 3333-A/2009, a novidade maior diz uma vez mais respeito aos
efeitos da classificação obtida na prova oral: em caso de reprovação na prova
oral, o advogado estagiário mantém a faculdade de proceder à respetiva repetição, por uma só vez, com consequente
prorrogação do estágio pelo tempo necessário (artigo 42.º, n.º 1); na hipótese
de não ser requerida a repetição da prova oral ou, sendo esta realizada,
ocorrer nova reprovação, o advogado estagiário conserva o direito de repetir a
fase de formação complementar (artigo 42.º, n.º 3); em caso de repetição da
fase complementar e verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado
estagiário mantém a possibilidade de repetir esta prova por uma só vez, o que,
embora decorresse já da aplicação não excecionada da
regra anterior, se encontra agora previsto expressamente (artigo 42.º, n.º 4);
verificando-se nova reprovação na prova oral, o advogado estagiário perde o
direito a reiniciar a fase de formação complementar tal como decorria do regime
anterior, sendo cancelada a sua inscrição e ficando o mesmo impedido
de se inscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos
(artigo 42.º, n.º 5).
6. O
problema de constitucionalidade
6.1.
Tal como se encontra configurado pelo Requerente, o problema de
constitucionalidade a resolver no âmbito dos presentes autos consiste em
verificar se constitui uma violação da reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República definida pela alínea b), do n.º 1, do artigo 165.º, da Constituição, a aprovação,
por via regulamentar, das normas que eliminam a faculdade de
inscrição no curso de advogado estagiário pelo período de três anos
em consequência da: i) obtenção de
classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da
fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a integra
(artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii)
verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de
formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); e iii) reprovação na
prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação
complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Não estando em
causa a conformidade constitucional do regime introduzido pela Deliberação n.º
3333-A/2009 sob um ponto de vista diverso daquele que resulta da relação entre
o efeito produzido pelas normas impugnadas e a competência para a sua emanação
segundo as regras de produção jurídica estabelecidas na Constituição, a solução
do problema colocado não supõe a aferição do grau de adequação entre a
estatuição controvertida e os respetivos pressupostos
de facto de acordo com um juízo de proporcionalidade, nem tão pouco é afetável pela solução a que fossemos conduzidos em
resultado dessa aferição.
Trata-se
apenas de saber se a consequência prescrita pelas normas impugnadas,
consistindo na suspensão do direito à (re)inscrição no curso de
estágio de advocacia pelo período de três anos, pode ser
estabelecida por via regulamentar perante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Constituição.
6.2. Ainda
que no plano da conformação das condições positivas de acesso ao estágio de
advocacia, as alterações ao Regulamento Nacional de Estágios introduzidas
através do artigo 2.º da Deliberação n.º 3333-A/2009, aprovada pelo Conselho
Geral da Ordem dos Advogados sob invocação do disposto no artigo 45.º, n.º 1,
alínea g), do respetivo
Estatuto, foram já consideradas por este Tribunal.
Estando então
em causa o pedido de declaração, com força obrigatória geral, da
inconstitucionalidade da norma constante dos n.os
1 e 2 do artigo 9.º-A, do Regulamento Nacional de Estágios, na redação aprovada pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de
dezembro – que determinava, como condição de acesso
ao estágio de advocacia, a realização de um exame prévio de ingresso pelos
candidatos que houvessem obtido a sua licenciatura após o Processo de Bolonha –
o Tribunal, através do Acórdão n.º 3/2011 (Diário da República, II Série, de
25.01.2011), concluiu que o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, invocando
o disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto
da Ordem dos Advogados (doravante EOA) – que lhe atribui o poder de elaborar e
aprovar o regulamento de inscrição dos advogados estagiários –, criara por via
regulamentar autónoma, ao aprovar aquele exame, uma nova condição de acesso ao
estágio de advocacia e, por consequência, ao exercício da profissão de
advogado.
Considerando que o efeito assim produzido consistia numa afetação do núcleo essencial do direito à
livre escolha da profissão assegurado pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição
e, por via disso, sob reserva relativa de lei parlamentar, o Tribunal declarou
a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma impugnada com
fundamento na violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.
No sentido em
que as normas aqui impugnadas dizem respeito, não à conformação positiva das
condições objetivas de acesso ao estágio de
advocacia, mas à delimitação negativa dos respetivos
pressupostos subjetivos, o problema suscitado no
âmbito dos presentes autos não coincide substantivamente com aquele que foi objeto do Acórdão n.º 3/2011.
Todavia, do
ponto de vista da estrutura do juízo de conformidade constitucional dos aspetos do regime de acesso ao estágio agora em questão a
matriz analítica é essencialmente idêntica: trata-se também aqui de saber se,
ao excluir do universo dos titulares do direito à inscrição no estágio de
advocacia aqueles que, sendo embora licenciados em Direito por cursos
universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou
equiparados (cfr. artigo 187.º do EOA), hajam decaído já na frequência do estágio de
advocacia em razão da verificação, nos três anos precedentes, de uma de três
possíveis ocorrências – i) obtenção de
classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da
fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a integra
(artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii)
verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de
formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); ou iii) reprovação na
prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação
complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte) – o Conselho Geral da Ordem dos
Advogados emanou normas restritivas do direito à livre escolha da profissão e,
por isso, sob reserva relativa de lei parlamentar nos termos das disposições
conjugadas dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b),
da Constituição.
7. A
validade constitucional das normas impugnadas
7.1. O
Estatuto da Ordem dos Advogados foi, como se sabe, aprovado pelo Decreto Lei
n.º 84/84, de 16 de março, tendo tal aprovação na sua
génese a ideia de que a particular relevância assumida pela advocacia no
processo de realização e administração da justiça impõe a intervenção do Estado
na fixação normativa dos pressupostos e regras de qualificação para o exercício
da profissão e que tal intervenção, podendo efetivar-se
à partida quer através da direta regulamentação e
tutela da profissão, quer por meio da definição de parâmetros legais de caráter geral, confinando-se aos interessados a disciplina
e defesa da sua profissão, deveria seguir esta segunda alternativa, assim se concretizando
“na Ordem dos Advogados (...) o princípio da descentralização institucional que
aproxima a Administração dos cidadãos”, articulando “harmoniosamente interesses
profissionais dos advogados com o interesse público da justiça" (cfr. Preâmbulo do Decreto Lei n.º 84/84, de 16 de março).
Ao invés de
intervir diretamente na regulamentação da profissão e
disciplina do seu exercício, o Estado optou por reconhecer nesse domínio
esquemas de representação e autorregulamentação
corporativa, devolvendo a uma organização associativa dos profissionais em
causa – a Ordem dos Advogados – a definição e o controlo da observância das
regras relativas à correspondente atividade e
investindo-a dos poderes de autoridade necessários para o efeito (cfr. Acórdão n.º 497/89, in
Diário da República, II Série, de 01.02.1990).
Conforme se
escreveu no Acórdão n.º 3/2011, já referido, considerou-se, com efeito, que “a
melhor maneira de proceder à supervisão do exercício duma atividade
profissional privada, fundamental para a boa administração da justiça, era
entregar essa função à associação representativa dos interesses dos advogados,
confiando-se que a prossecução desses interesses conduziria à realização dos
desígnios públicos neste domínio (vide sobre a
história da Ordem dos Advogados em Portugal, Alberto Sousa Lamy, em A Ordem dos Advogados Portugueses – História, órgãos, funções,
ed. de 1984, da Ordem dos Advogados, e sobre a atribuição a esta instituição de
poderes de direção e disciplina da advocacia desde
1926, Augusto Lopes Cardoso, em Da associação dos
advogados de Lisboa à Ordem dos Advogados – Subsídios históricos e doutrinais
para o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados, separata
da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, I, abril
de 1988, e Rogério Ehrhardt Soares, em A Ordem dos Advogados uma corporação pública, na RLJ, Ano
124.º, p. 161 e segs.)”.
Enquanto ordem
profissional, a Ordem dos Advogados pode, assim, definir-se como uma associação
pública instituída por lei e constituída pelos membros da profissão respetiva com o fim de, por devolução de poderes do Estado,
regular e disciplinar o exercício da advocacia, no respeito pelos respetivos princípios deontológicos (neste sentido, vide
Freitas do Amaral, Curso de Direito
Administrativo, V.I, 3.ª edição, pág. 460).
O modelo
organizatório assente na devolução a uma ordem profissional da função de
controlo do acesso à profissão, regulamentação do respetivo
código deontológico e exercício do poder disciplinar sobre os seus membros
pressupõe necessariamente a imposição legal do ónus de inscrição como condição
da possibilidade de exercício da atividade.
Na medida em
que de outro modo se frustraria a tutela do interesse público prosseguido
através dos esquemas de autorregulamentação
profissional assentes na constituição de associações públicas, a
obrigatoriedade de inscrição, em si mesma, não oferece dúvidas de
constitucionalidade (cfr. Acórdão n.º 281/99, in Diário da República, II Série, de 24.10.1991) mesmo
perante a dimensão negativa da liberdade de associação consagrada no artigo
46.º, n.º 3 da Lei Fundamental, resultando tal legitimidade do seu estatuto de
elemento indissociável da própria viabilidade institucional do modelo de
supervisão corporativa do exercício da correspondente atividade.
7.2.
Inserido no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, o artigo
47.º, n.º 1, da Constituição assegura que todos têm o direito de escolher
livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais
impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua
própria capacidade
Para além da
faculdade de escolher livremente a profissão desejada, a liberdade de escolha
de profissão tem, na sua dimensão positiva, vários níveis de realização, nestes
se incluindo, a par, entre outros, da obtenção das habilitações necessárias ao
exercício da profissão, o momento do ingresso na atividade
profissional.
Considerada a
especial natureza ou relevo social de certas atividades
profissionais, aquele ingresso pode encontrar-se sujeito a determinadas
restrições de índole subjetiva (expressamente
admitidas pelo art. 47.º, n.º 1, in fine, da Constituição), integrando estas o “estatuto mais
ou menos publicamente condicionado ou vinculado” (J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição
da República Anotada, Volume I, 4.ª Edição, pág. 656) a que tais
profissões foram legalmente submetidas com o objetivo
de assegurar que, tal como é do interesse público, o respetivo
exercício ocorra segundo padrões de qualidade e idoneidade.
Tais
restrições, todavia, quando se traduzam na fixação de requisitos subjetivos de acesso e tenham por isso o efeito de
delimitar positiva e/ou negativamente o universo das pessoas que podem exercer
determinada profissão, não poderão deixar de afetar a
zona nuclear do direito à livre escolha da profissão, o que determina que a sua
previsão se encontre reservada à lei parlamentar ou a diploma governamental
devidamente autorizado nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição (cfr. Acórdão
n.º 3/2011).
Daqui resulta
que, embora a inscrição nas ordens profissionais seja condição do exercício da
profissão, estas não podem estabelecer, por via autónoma e independente,
restrições ao exercício profissional: a inscrição constitui um direito daquele
que se encontre nas condições normativamente pré-fixadas e estas, por dizerem
respeito à modelação da liberdade de escolha da profissão, encontram-se sob
reserva relativa de lei parlamentar nos termos que conjugadamente resultam dos
artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b), da
Constituição.
Tendo por objeto de regulação os direitos, liberdades e garantias, a
reserva relativa de lei parlamentar estabelecida na alínea b)
do n.º 1 do artigo 165.º, da Constituição, é, além do mais, materialmente
absoluta no sentido em que toda a densificação do regime se encontra reservada
à Assembleia da República ou ao Governo sob autorização desta.
7.3.
Da conformação legal do regime de acesso ao exercício da atividade
profissional de advogado resulta que este se encontra dependente da inscrição
na Ordem dos Advogados (artigo 61.º, do EOA) e esta, em regra, dum tirocínio
sob orientação da Ordem dos Advogados, destinado a habilitar e certificar
publicamente que o candidato, licenciado em Direito, obteve formação
técnico-profissional e deontológica adequada ao início da atividade
e cumpriu com os demais requisitos impostos pelo presente Estatuto e
regulamentos para a aquisição do título de Advogado (artigo 184.º, n.º 1).
Não se
verificando qualquer uma das situações de dispensa legalmente estabelecidas –
nos termos dos artigos 192.º e segs. do EOA, encontram-se dispensados de tirocínio, podendo
inscrever-se imediatamente como advogados, os doutores em Ciências Jurídicas,
com efetivo exercício de docência, os antigos
magistrados com exercício profissional por período igual ou superior ao do
estágio, que possuam boa classificação, juristas de reconhecido mérito, mestres
e doutores em Direito, cujo título seja reconhecido em Portugal, e advogados
estrangeiros -, o estágio de advocacia é
de realização obrigatória, constituindo uma condição necessária para a
inscrição na Ordem dos Advogados e, consequentemente, para o exercício
habilitado da respetiva profissão.
De acordo com
o regime fixado no Estatuto da Ordem dos Advogados, podem requerer a sua inscrição
como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários
nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados (artigo
187.º do EOA).
Encontram-se,
todavia, impedidos de se inscrever aqueles que, não obstante satisfazerem tal
condição: a) não possuam idoneidade moral para o
exercício da profissão, o que se presume em relação aos condenados por crime
gravemente desonroso; b) não estejam
no pleno gozo dos direitos civis; c) hajam sido
declarados incapazes de administrar as suas pessoas e bens por sentença
transitada em julgado; d) se encontrem
em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia; e e)
os magistrados e funcionários que, mediante processo disciplinar, hajam sido
demitidos, aposentados ou colocados na inatividade
por falta de idoneidade moral (cfr. artigo 181.º).
Da conjugação
das normas constantes dos artigos 187.º e 181.º do Estatuto da Ordem dos
Advogados resulta que o universo dos sujeitos habilitados a aceder ao estágio
de advocacia se encontra delimitado por lei tanto positiva como negativamente,
relacionando-se o pressuposto positivo com a exigência de determinada
qualificação académica e o requisito negativo com a presunção de inidoneidade
ou inaptidão associada à verificação de uma das circunstâncias taxativamente
previstas e tipificadas para o efeito.
O problema de
constitucionalidade suscitado pelo conjunto das normas impugnadas situa-se no
plano da delimitação negativa do universo dos titulares da faculdade de aceder
ao estágio de advocacia e, consequentemente, do direito de exercício da
correspondente profissão.
Tratar-se-á
concretamente de verificar se, através das normas impugnadas, o Conselho Geral
da Ordem dos Advogados procedeu a uma ampliação inovadora do elenco, estatutariamente
definido, das causas de restrição daquela faculdade e, na hipótese afirmativa,
se tal ampliação é constitucionalmente legítima perante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, da Lei Fundamental.
7.4.
Às restrições subjetivas do direito de inscrição
constantes do artigo 181.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, as alterações ao
Regulamento Nacional de Estágios, introduzidas através do artigo 2.º da
Deliberação n.º 3333-A/2009, fizeram acrescer uma nova categoria: a dos
licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros
oficialmente reconhecidos ou equiparados que hajam decaído na frequência do
estágio de advocacia em razão da verificação, nos anos três anos precedentes,
de uma de três possíveis ocorrências – i) obtenção de
classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da repetição da
fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii) verificação
de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de formação
complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); ou iii) reprovação na
prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação
complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Em qualquer
uma das três modalidades que comporta, a categoria assim instituída não se
encontra diretamente contemplada na lei estatutária,
e não é reconduzível, dum ponto de vista normativo, ao âmbito material de
qualquer uma das situações-tipo hipotizadas
no artigo 181.º do Estatuto.
Não se trata,
com efeito, da mera regulamentação complementar de aspetos
relativos a uma classe de licenciados em Direito excluída já pela lei
estatutária – como seria, por exemplo, em caso de simples explicitação das
características determinativas de tal exclusão quanto ao seu alcance ou
processo de verificação –, nem mesmo da ampliação do âmbito subjetivo
duma das classes já tipificadas em consequência daquilo que poderia representar
ainda o resultado de uma interpretação extensiva da fattispecie correspondente.
Trata-se,
outrossim, da ampliação do próprio elenco previsto no artigo 181.º do Estatuto
através da instituição duma categoria autónoma e independente das demais,
resultante da associação ex novo duma
presunção, ainda que temporalmente limitada, de inaptidão para o exercício da
profissão ao decaimento em frequência prévia do estágio de advocacia quando
determinado por uma das três ocorrências já referidas.
Daqui resulta
que, sob invocação do disposto no artigo 45.º, n.º 1, alínea g),
do EOA, que lhe atribui o poder de elaborar e aprovar o regulamento de
inscrição dos advogados estagiários, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados
criou na realidade novos pressupostos negativos de admissão, redefinindo com
isso a conformação estatutária do âmbito subjetivo do
regime jurídico de acesso ao estágio de advocacia e, considerado o caráter em regra obrigatório do tirocínio, ao
próprio exercício habilitado da profissão.
É certo que,
conforme notado no Acórdão n.º 3/2011, “a lei, no EOA [alíneas g) e h), do artigo
45.º], atribuiu à Ordem dos Advogados o poder de autorregular-se,
emitindo regulamentos sobre aspetos da sua vida
interna, numa demonstração de descentralização normativa e aproximação dos
instrumentos reguladores às instâncias reguladas, uma vez que, como nota Vital
Moreira, “o regulador e os regulados são uma e a mesma coisa” (In “Autorregulação profissional e administração pública”, pág. 130, da ed. de
1997, da Almedina), tendo as normas emitidas pela Ordem como destinatários os
seus associados”.
Todavia, segundo
aí se escreveu também, “esse poder nunca poderá ser utilizado para invadir o
núcleo duro do direito à livre escolha de uma profissão que abrange a definição
das condições essenciais subjetivas de acesso ao
exercício da respetiva atividade.
Essa é uma matéria que pertence às políticas primárias da comunidade nacional,
pelo que só a Assembleia da República, ou o Governo por ela autorizado, tem
competência para legislar nesse domínio”.
Em suma: as
normas regulamentares editadas pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados eliminam a faculdade de inscrição no curso de advogado estagiário pelo
período de três anos em consequência da: i)
obtenção de classificação negativa na prova de aferição realizada no âmbito da
repetição da fase de formação inicial ou falta reiterada ao teste escrito que a
integra (artigo 24.º, n.os 3 e 4); ii)
verificação de falta de aproveitamento no âmbito da repetição da fase de
formação complementar (artigo 36.º, n.º 2, 2.ª parte); e iii) reprovação na
prova oral de repetição realizada no âmbito da repetição da fase de formação
complementar (artigo 42.º, n.º 5, 2.ª parte).
Assim, estas
normas, ao suspenderem temporariamente a faculdade de acesso ao estágio de
advocacia a uma categoria de licenciados em Direito integrada no universo dos
sujeitos candidatáveis à inscrição naquela associação tal como este se encontra
configurado na lei estatutária, comprimem inovatoriamente projeções
nucleares do direito à livre escolha de uma profissão, razão pela qual só
poderiam constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei emitido ao
abrigo de uma lei de autorização legislativa [cfr.
artigo 165.º, n.º 1, alínea b), e artigo
47.º, n.º 1, da Constituição] e, não, como se verifica suceder, de Regulamento
emitido por aquele Conselho, ainda que ao abrigo da previsão da alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do respetivo
Estatuto.
Deverá concluir-se, assim, pela inconstitucionalidade
das normas constantes dos n.os 3 e 4 do
artigo 24.º; 2.ª parte do n.º 2 do artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo
42.º, todos do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados
(Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi conferida pela Deliberação n.º
3333-A/2009, de 16 de dezembro, do Conselho Geral da
Ordem dos Advogados.
III – Decisão
Pelos
fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 24.º, 2.ª parte do n.º 2 do
artigo 36.º e 2.ª parte do n.º 5 do artigo 42.º, todos do Regulamento Nacional
de Estágio da Ordem dos Advogados (Regulamento n.º 52-A/2005, de 1 de agosto), na redação que lhes foi
conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de dezembro,
do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, por violação das disposições
conjugadas dos artigos 47.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea b),
da Constituição.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes –
Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa - Maria João
Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão –
João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Carlos Pamplona de Oliveira
: vencido. Voto pela não inconstitucionalidade das normas impugnadas,
essencialmente pelas razões expostas no ponto 2. da
declaração de voto que anexei ao acórdão n.º 3/2011. – Rui Manuel
Moura Ramos.