ACÓRDÃO N.º 625/2011
Processo n.º 543/10
1. ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos
Pamplona de Oliveira
Acordam
na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. pediu no Tribunal do Trabalho de Lisboa que o despedimento
decretado pela sua entidade patronal, B., S.A., fosse
julgado ilícito, com as legais consequências. O tribunal entendeu, porém, que
os factos imputados ao autor integravam igualmente o tipo do crime de violação
de segredo, previsto e punido no artigo 195.º do Código Penal, pelo que, nos
termos do n.º 2 do artigo 372.º do Código do Trabalho, o prazo prescricional a aplicar às infracções disciplinares em
causa seria de cinco anos a contar da prática do facto, conforme dispõe o
artigo 118.º n.º 1 alínea c) do Código Penal. Julgou, a final, a acção
improcedente.
Inconformado, o autor
interpôs recurso para a Relação de Lisboa, invocando, em particular, a
prescrição das infracções disciplinares motivadoras do despedimento. A Relação
julgou efectivamente verificada a prescrição dos ilícitos disciplinares pelo
que, revogando o decidido em 1ª instância, declarou ilícito o já referido
despedimento.
Inconformada com tal
decisão, a ré recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, por
acórdão datado de 13 de Janeiro de 2010, revogou o acórdão recorrido e absolveu
a ré do pedido. No que aqui releva, diz o aresto:
“3.1 Da
prescrição
Nos termos do
art.º 372º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27
de Agosto (aqui aplicável, por já estar em vigor à data em que os factos
imputados ao autor foram praticados), “[a] infracção
disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar,
salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os
prazos prescricionais da lei penal.
Na sentença da
1.ª instância entendeu-se que os factos imputados ao autor integravam o crime
de violação de segredo, previsto e punido no art. 195.º do Código Penal e que,
sendo esse ilícito criminal punido com pena de prisão até um ano ou multa, o
prazo de prescrição penal era de cinco anos a contar da prática do facto (art.
118º. n.º 1, al. c), do CPP), sendo esse também o prazo aplicável ao
procedimento disciplinar, prazo esse que, in casu, ainda não tinha decorrido
A Relação
acolheu o entendimento da 1.ª instância na parte em que considerou a conduta do
autor também integrava o crime de violação de segredo, mas o mesmo não
aconteceu relativamente à verificação da prescrição que deu por verificada com
base na seguinte fundamentação:
«Em face do
exposto não nos merece censura o entendimento manifestado na sentença de que a
conduta do A. (envio a empresa concorrente de projectos relativos ao
desenvolvimento de áreas operacionais da actividade de ambas as empresas)
constitui violação de segredo.
Porém, num
outro argumento o apelante tem razão: para que a R pudesse beneficiar do
alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar para o previsto na
lei penal (5 anos - cfr. art. 118º nº 1 al. c) do CP)
nos termos estabelecidos no nº 2 do art. 372º deveria ter apresentado queixa
crime, uma vez que o crime em causa é semi-público, como dispõe o art. 198º do
CP. Nos termos do art. 115º nº 1 do CP, o direito de queixa extingue-se no
prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento
do facto e dos seus autores. Sabemos que a administração da R. teve
conhecimento desses factos, pelo menos, no dia 9/9/2005, pelo que deveria ter
exercido o direito de queixa até 9/3/2006. Não tendo a R. feito prova nos autos
de ter apresentado queixa crime nos seis meses subsequentes ao conhecimento dos
factos imputados ao A. e não o podendo já fazer, não tem o direito de
beneficiar do alargamento do prazo de prescrição da infracção disciplinar
decorrente da qualificação dos factos como crime, porquanto isso violaria o
princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, de acordo com o
qual “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença
de condenação” (art. 32º nº 2). Se é assim no processo penal, por maioria de
razão terá de o ser não havendo processo penal. Não podendo já o A. vir a ser
condenado em processo penal pelo referido crime, não podemos extrair no foro
laboral ilações gravosas para o trabalhador de um eventual crime pelo qual
nunca virá a ser julgado. Por aplicação directa (cfr.
art. 18º nº 1 da CRP) do preceito constitucional que estabelece a presunção de
inocência, é pois de afastar a aplicação do disposto no art
372º nº 2 do CT.
Assim há que
concluir que, à data da instauração da acção disciplinar mostravam-se
prescritas as infracções disciplinares relativas aos factos ocorridos em
21/5/2004, 16/6/2004 e 24/7/2004 (violação do dever de não divulgar informação
referente à organização, métodos de produção ou negócios do empregador), por
ter decorrido mais de um ano sobre a prática dos factos, pelo que, nessa parte,
não acompanhamos a decisão recorrida.» (fim da transcrição)
Discordando da
decisão da Relação no que toca à prescrição, a ré alega que:
- o art.º 372.º. n.º 2, do CT não faz depender o alargamento
do prazo da prescrição da existência de queixa por parte do empregador;
- o disposto naquele normativo é semelhante ao n.º 3 do art.º
498º do CC., onde se prevê, mutatis mutandis, que o prazo da prescrição será o previsto na lei
penal quando o facto ilícito que consubstancia a responsabilidade civil
extracontratual também constitua crime:
- o alongamento do prazo não viola o princípio da inocência,
uma vez que a aplicação de tal disposição não comporta, em si mesma, nenhuma
condenação penal.
Vejamos se lhe
assiste razão.
Mas, antes
disso, importa esclarecer que, nas contra-alegações, o autor não requereu –
como podia ter feito, ao abrigo do disposto no art.º 684º-A do CPC a ampliação
do objecto do recurso no que concerne à parte da decisão em que a Relação
considerou que a sua conduta integrava o crime de violação de segredo, a qual,
por isso, se mostra transitada em julgado.
Feito este
esclarecimento, atentemos, então, no disposto no n.º 2 do art. 372.º cuja
redacção é a seguinte:
“A infracção
disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que leve lugar,
salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os
prazos prescricionais da lei penal”
Como decorre
da literalidade do referido normativo, para que o
prazo da prescrição penal seja aplicável às infracções disciplinares (desde
que, naturalmente, seja superior ao prazo previsto na primeira parte do n.º 2
do art. 372.º do CT) basta que os respectivos factos também consubstanciem, em
abstracto, a prática de um crime. Este é, realmente, o único requisito previsto
no aludido normativo legal, para que o prazo geral da prescrição da infracção
disciplinar – que, nos termos da primeira parte daquele normativo legal, é de
um ano – seja alargado quando os factos integradores da infracção disciplinar
também sejam susceptíveis de constituírem ilícito penal. Para que tal
alargamento ocorra, o normativo em causa não exige a verificação de qualquer
outro requisito, já que na sua letra não existe a menor referência nesse
sentido, nomeadamente no que toca à necessidade de exercício da acção penal e à
necessidade de apresentação de queixa-crime por parte do ofendido, quando o
exercício daquela esteja dependente de queixa.
Deste modo e
face ao disposto no art. 9.º n.º 2 e 3, do C.C. nos termos dos quais o
intérprete não pode levar em conta o pensamento do legislador que não tenha na
letra da lei um mínimo de correspondência verbal (n.º 2) e deve presumir que o
legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados (n.º 3) –, torna-se evidente que a interpretação
dada pela Relação ao n.º 2 do art. 372.º do CT não pode ser acolhida, já que
não tem o mínimo de correspondência verbal na letra do n.º 2 do art. 372º.
Por outro
lado, também não se vislumbra que o alargamento do prazo da prescrição previsto
na segunda parte do n.º 2 do art.º 372º constitua uma ofensa do principio
constitucional de presunção de inocência do arguido contido no art.º 32.º, n.º
2, da Constituição da República Portuguesa – nos termos do qual “[t]odo o arguido se presume
inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)” , dado que
o alargamento do prazo da prescrição não tem quaisquer implicações de natureza
penal para o trabalhador objecto de procedimento disciplinar.
Na verdade, o
legislador resolveu alargar o prazo geral da prescrição da infracção disciplinar,
quando os factos que a integram, abstractamente considerados, também sejam
susceptíveis de integrar ilícito criminal, mas daí não fez decorrer para o
trabalhador quaisquer implicações de natureza penal, ainda que em sede
meramente presuntiva, não se podendo, por isso, afirmar, como fez a Relação,
que, in casu, o alargamento
do prazo da prescrição se traduziria numa ilação gravosa para o autor, uma vez
que este já não podia ser julgado pela prática do eventual crime que constituía
o fundamento para o alargamento do prazo da prescrição.
E, sendo
assim, temos de concluir que o prazo de prescrição das infracções disciplinares
imputadas ao autor é o prazo de prescrição previsto para o crime de violação de
segredo, prazo esse que, nos termos do art.º 118º, nº 1, alínea c), do CP,
conjugado com o disposto no art.º 195.º do mesmo Código, é de cinco anos.
E, atentas as
datas em que os factos imputados ao autor foram praticados o primeiro deles em
2 1.5.2004, é fácil de ver que aquele prazo ainda não tinha decorrido, quando a
acção disciplinar foi instaurada, mormente quando, em 7 de Outubro de 2005, a
nota de culpa foi entregue ao autor, o que implica a procedência do recurso de
revista”.
2. É deste acórdão que A. recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada
a inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 372.º do Código de
Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que, na interpretação
que lhe foi dada no acórdão recorrido, violaria o principio de inocência do
arguido, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição. Em seu entender, a
"interpretação da norma do n.º 2 do artigo 372.º do Código de Trabalho no
sentido de que a qualificação dos factos como constituindo crime pode ser feita
em abstracto viola o n.º 2 do artigoº 32 da
Constituição".
3.
Recebido o recurso, o recorrente alegou, concluindo:
A segunda
parte da norma do nº 2 do art. 372º do Código de Trabalho (aprovado pela Lei
99/2003, de 27 de Agosto) – “ salvo se os factos constituírem crime, caso em
que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei
penal” – se interpretada no sentido de que basta a configuração, em abstracto,
de alegado crime, para operar a prescrição, é inconstitucional, por violação do
nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa
Termos em que,
com o douto suprimento dos Venerandos Conselheiros, deve ser julgado procedente
o presente recurso – com todas as consequências legais.
4. A recorrida contra-alegou, pedindo que
o recurso seja julgado
improcedente.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. A norma que constitui objecto do
presente recurso, tal como foi identificada no requerimento de interposição do
mesmo, é a constante do n.º 2 do artigo 372º do Código do Trabalho, aprovado
pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, interpretada no sentido de que basta a
configuração, em abstracto, do alegado crime, para operar a prescrição prevista
na lei penal para os factos que constituem ilícito disciplinar. O preceito de
onde foi extraída a norma impugnada tem a seguinte redacção:
Artigo 372.º
1 – (…)
2 – A
infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que
teve lugar, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são
aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal.
Em causa
estava um conjunto de factos praticados entre 21 de Maio de 2004 e 27 de Julho
de 2004, que simultaneamente integrariam o tipo do crime de
violação de segredo, previsto e punido
no artigo 195.º do Código Penal. Sendo esse ilícito criminal punido com pena de
prisão até um ano ou multa, o prazo de prescrição a aplicar a essas infracções
é de cinco anos a contar da prática do facto, nos termos do artigo 118.º n.º 1
alínea c) do Código Penal. O tribunal a quo entendeu ser esse também o prazo prescricional
a aplicar às infracções disciplinares, por força do disposto no n.º 2 do artigo
372.º do Código do Trabalho, não considerando relevante para esse efeito,
conforme pretendia o ora recorrente, a circunstância de o ilícito criminal em
causa consubstanciar um crime semi-público e a entidade empregadora não ter exercido
o direito de queixa no prazo de seis meses a contar da data em que teve
conhecimento do facto, conforme determina o artigo 115º n.º 1 do Código Penal.
6. O
regime anterior ao Código do Trabalho previa unicamente um prazo geral de 1 ano
para a prescrição das infracções disciplinares. O Decreto-Lei 47.032 de 27 de
Maio de 1966 determinava que a infracção disciplinar prescrevia ao fim de 1 ano
a contar do momento em que teve lugar, ou logo que cessasse o contrato de
trabalho, solução que foi mantida no Decreto-lei n.º 49.408 de 24 de Novembro
de 1969, bem como no Decreto-lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
Esses diplomas
foram revogados pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de
Agosto, que introduziu a norma prevista no n.º 2 do artigo 372.º, segundo a
qual o prazo de prescrição da infracção disciplinar é igual ao
previsto na lei penal sempre que o facto constitua crime. Do ponto
3.4. da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 29/IX, que deu origem ao
referido diploma, justifica-se a introdução desta nova regra com a necessidade
de se proceder a “uma maior responsabilização das partes no
que respeita ao cumprimento, tanto do contrato de trabalho como dos
instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho”.
Sustenta o
recorrente que a referida norma viola o princípio de inocência do arguido,
consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição.
7. O
invocado princípio da presunção da inocência,
previsto no artigoº 32.º, n.º 2 da Constituição,
determina que “[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em
julgado da sentença de condenação (...)”. Trata-se de um dos mais
impressivos princípios da «constituição penal», e implica, por um lado, que o
processo assegure as necessárias garantias práticas de defesa do arguido e, por
outro, que não haja razão para não considerar inocente quem não foi ainda
formalmente julgado e considerado culpado por sentença transitada em julgado
(Germano Marques da Silva e Henrique Salinas, in Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p.
722).
Não é fácil
vislumbrar de que forma a norma em análise – que se limita a determinar a aplicação do prazo de prescrição previsto na lei penal a uma
infracção disciplinar, quando os factos que a integram, abstractamente
considerados, também sejam susceptíveis de integrar um ilícito criminal, –
viola o referido princípio.
Desde logo, a
aplicação do referido prazo não tem quaisquer implicações de natureza penal para o trabalhador sujeito do procedimento disciplinar.
Em particular, não tem qualquer implicação sobre a sua incriminação ou sua
condenação no crime ao qual o mesmo corresponde em abstracto. E assim é porque
o único efeito previsto na norma em análise se esgota precisamente no seio do procedimento disciplinar laboral.
Por outro
lado, haverá que ter em atenção que as normas constitucionais aplicáveis ao
processo penal não se aplicam automaticamente ao processo sancionador dos
ilícitos disciplinares. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de o
sublinhar, em relação a um procedimento disciplinar público, nos Acórdãos n.º
263/94 (publicado in Diário da República, IIª Série, de 19-07-1994) e n.º 161/95
(publicado in Diário da República, IIª Série, de 08-06-1995), em termos
perfeitamente aplicáveis ao caso em análise, uma vez que no domínio do
procedimento disciplinar laboral tal procedimento se alicerça num “poder discricionário, no sentido de só ser exercido se o empregador
achar oportuno” (P. Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª Edição, Almedina, 2006, p. 618).
Por outro
lado, é absolutamente certo que a norma em causa não tem qualquer implicação
presuntiva no que toca à condenação pela prática da
própria infracção disciplinar; o seu efeito esgota-se na mera aplicação de um prazo alargado de prescrição ao ilícito
disciplinar, pois a prática da infracção continua a ter que ser provada,
mediante um procedimento disciplinar em que é garantido ao trabalhador o
direito de audiência e o de defesa. Não tem, por isso, razão de ser o argumento
de que “não podendo já o Autor vir a ser condenado em processo penal
pelo referido crime, não podemos extrair no foro laboral ilações gravosas para
o trabalhador de um eventual crime pelo qual nunca virá a ser julgado”,
já que, como se viu, não decorrem nenhuma dessas “ilações gravosas” para o
trabalhador.
8. A
solução prevista no n.º 2 do artigo 372.º do Código do Trabalho de 2003 não
visa estabelecer qualquer presunção legal
no sentido de o trabalhador ter cometido o ilícito correspondente, apenas
retira consequências da especial gravidade da conduta imputada ao agente, que justificaria a
distinção legal traduzida na aplicação de um mais dilatado prazo de prescrição.
Dir-se-á – uma
vez que o recorrente coloca a questão de inconstitucionalidade no domínio dos direitos
conferidos aos arguidos em processo penal – que se a Constituição não proíbe
que o legislador estabeleça prazos diversificados de prescrição para as
infracções penais e para o próprio procedimento da mesma natureza, por maioria
de razão se há-de entender que não é vedado ao legislador estabelecer prazos
diferentes de prescrição para as infracções disciplinares, desde que respeite
os limites excludentes da arbitrariedade. Todavia, o paralelismo que é
estabelecido, na norma impugnada, com o regime de prescrição dos ilícitos
penais, absorvendo a sua justificação prática e metodológica, garante, à
partida, o cumprimento das exigências da sua adequação substantiva.
E a verdade é
que cabe na margem de livre apreciação do legislador a previsão de prazos de
prescrição diferentes nos vários domínios sancionatórios, em função da
gravidade dos factos relevantes. A fixação de prazos de prescrição tem por base
a necessidade de proteger o trabalhador da incerteza, evitando que a eventual
punição de uma infracção disciplinar se mantenha indefinidamente como ameaça
sobre o seu emprego. Ora, é legítimo estabelecer distinções quando estão em
causa infracções disciplinares de gravidade muito diversa, decorrentes da
eventualidade do preenchimento abstracto de tipos penais, submetidos a prazos
de prescrição de diversa duração. De resto, os próprios interesses violados
pela infracção fazem sentir-se com outra intensidade, sendo até de admitir que
é variável a possibilidade de a relação
jurídica de emprego prosseguir incólume, consoante a gravidade
da infracção cometida (Bernardo Xavier, “Prescrição da Infracção Disciplinar”, in Revista de
Direito e Estudos Sociais, 2ª série, 1990, n.º 1-4, p. 265).
Assim, no
confronto entre o interesse da empresa do empregador e a garantia da segurança
dos trabalhadores, o legislador pode legitimamente dar um relevo desigual a
determinadas infracções, tendo em conta a gravidade dos factos que constituam
simultaneamente ilícito disciplinar e ilícito criminal.
Trata-se de
uma solução, aliás, adoptada por outras normas, como seja a do n.º 3 do artigo
498º do Código Civil, onde se prevê que o prazo da prescrição é o previsto na
lei penal quando o facto ilícito que consubstancia a responsabilidade civil
extracontratual também constitua crime. A consagração de uma regra segundo a
qual a prescrição de um ilícito de natureza disciplinar ou civil não se dá
quando o mesmo facto constituir uma infracção criminal para a qual a lei
estabeleça prazo de prescrição de duração superior não se mostra ofensiva da
Constituição.
O Tribunal
também já admitiu a possibilidade de previsão de diferentes prazos de
prescrição estabelecidos em matéria disciplinar, em função da maior ou menor
gravidade das infracções. No Acórdão n.º 287/00 (publicado in Diário da República,
IIª Série, de 17-10-2000) considerou ser legítimo ao legislador prever prazos
de prescrição mais alargados para os ilícitos disciplinares
cometidos na administração pública, em função precisamente da sua maior
gravidade. Assim se afirmou:
“Note-se, aliás,
restringindo agora a nossa atenção aos diversos prazos de prescrição
estabelecidos em matéria disciplinar, seja pela Lei do Contrato de Trabalho,
seja pelo Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos, que encontramos
sempre diferenças, todas elas demonstrando a maior gravidade das infracções
cometidas no âmbito da relação de emprego público. (…)
É inegável
que, em ambos os casos, é o funcionamento da organização em que se inserem os
trabalhadores que é imediatamente protegido pelo regime disciplinar, e esse
funcionamento é tão mais afectado quanto mais grave forem as infracções
praticadas; a verdade, porém, é que, na relação de emprego público, é o bom
desempenho das tarefas obrigatoriamente levadas a cabo pela Administração no
interesse geral que está em causa, ao passo que, numa relação de emprego
privada, é o interesse particular do empregador e da sua empresa que é
prosseguido.
No confronto
entre esses interesses – cuja prossecução exclusiva levaria à inexistência de
prazos de prescrição –, por um lado, e a garantia da segurança dos
trabalhadores – que justifica a definição de prazos de prescrição, e que é
tanto mais protegida quanto menores eles forem –, por outro, o legislador está
constitucionalmente autorizado a dar um relevo desigual, tendo em conta a
prossecução do interesse público do bom funcionamento da Administração, à
estabilidade e segurança do emprego”.
Pode, assim,
concluir-se que cabe na margem de liberdade do legislador apreciar e valorar de
forma mais gravosa os ilícitos disciplinares mais graves – e é apenas esse o
fundamento do n.º 2 do artigo 372.º do Código do Trabalho de 2003.
9. Não
é, por fim, de sufragar o argumento segundo o qual a entidade empregadora, pelo
facto de não ter exercido o direito de queixa, “não tem o
direito de beneficiar do alargamento do prazo de prescrição da infracção
disciplinar decorrente da qualificação dos factos como crime, porquanto isso
violaria o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido”.
A extinção do
direito de queixa apenas determina que o agente não poderá ser punido em sede penal, mas o princípio da presunção da inocência não impede
que o mesmo facto apresente relevância jurídica e possa ser conhecido para efeitos disciplinares. Na verdade, a Constituição não proíbe
que o legislador possa autonomizar o conhecimento da infracção disciplinar,
face à perseguição penal, por serem responsabilidades de natureza diversa. O
Tribunal Constitucional admitiu já a possibilidade de o mesmo facto poder
integrar simultaneamente um ilícito disciplinar e um ilícito criminal, tendo em
conta que se está perante “responsabilidades diversas
e autónomas que tutelam bens jurídicos perfeitamente distintos, podendo o
agente ser censurado pelo seu comportamento em dois planos diversos, o penal e
disciplinar, sem ofensa de qualquer princípio constitucional”
(citado Acórdão n.º 263/94). Estas considerações, tecidas a propósito de uma
responsabilidade disciplinar muito específica (dos reclusos), são ainda
transponíveis para o presente caso, pois também a responsabilidade criminal e a
responsabilidade disciplinar laboral se fundamentam na salvaguarda de bens
jurídicos de natureza diferente. Esta diferença é suficiente para justificar a
necessidade da punição disciplinar, mesmo quando as necessidades de prevenção
geral e especial, em que se fundamenta a responsabilidade penal, tenham já
cessado.
III – Decisão
10. Nestes termos, o Tribunal decide negar
provimento ao recurso. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça
em 25 (vinte e cinco) unidades de conta, sem prejuízo do benefício com que
litiga.
Lisboa, 19 de
Dezembro de 2011.- Carlos Pamplona de
Oliveira – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.