ACÓRDÃO N.º 490/2011
Processo n.º 784/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos
Pamplona de Oliveira
Acordam
na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A 1ª
Direcção de Finanças de Lisboa deduziu, no 1º Juízo Cível de Lisboa, um pedido
de derrogação do sigilo bancário respeitante ao contribuinte A. que contestou o
pedido invocando, entre o mais, a incompetência material do tribunal para
conhecer do mesmo. O 1.º juízo cível de Lisboa julgou procedente a acção por
decisão de 12 de Janeiro de 2005, e concluiu que a competência cabia aos
tribunais comuns, nos termos do n.º 5 do artigo 63.º da Lei Geral Tributária
(LGT) aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro. Inconformado, o
requerido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando
desde logo a questão de inconstitucionalidade da norma do n.º5 do artigo 63.º
da LGT, recurso esse cujo provimento foi negado, decidindo o Tribunal da
Relação, para o que aqui releva, o seguinte:
“9. O ora
recorrente suscitou desde a contestação a incompetência em razão da matéria dos
tribunais comuns para apreciar o pedido de suprimento de consentimento de
consulta de contas bancárias por entender que se está face a um litígio
emergente de relação jurídica fiscal.
10. Assim,
para o ora recorrente nenhuma dúvida se suscitava quanto à competência da
jurisdição fiscal para apreciar o pedido deduzido pelos Serviços da Inspecção
Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa.
11. Nas
alegações de recurso é que pela primeira vez o recorrente suscita a questão de
inconstitucionalidade do artigo 63º/5 da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei nº
398/98, de 17 de Dezembro) por nele se permitir o levantamento do sigilo
bancário dos contribuintes, dispositivo que carecia de prévia autorização
legislativa que não consta da Lei nº 41/98, de 4 de Agosto.
12. Não está
em causa, como é evidente, uma inconstitucionalidade traduzida no entendimento
de que o sigilo bancário não pode ser objecto de levantamento; a ser assim,
então, por força de uma tal inconstitucionalidade, o que estaria em causa seria
sempre a inaplicabilidade daquele preceito (artigo 63º/5 da LGT) pelos
tribunais fiscais, administrativos ou judiciais e não apenas uma questão de
incompetência em razão da matéria, questão esta que foi a suscitada.
13. Uma tal
inconstitucionalidade transportar-nos-ia para uma dimensão absoluta do sigilo
bancário que não admitiria excepções; aquele preceito (artigo 63º/5 da LGT)
introduziria excepção e seria, desde logo, por tal motivo desrespeitador de um
direito absoluto.
14. No
entanto, tal como o próprio recorrente afirma, citando jurisprudência
constitucional, “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode
sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos”.
15. Não sendo
afinal o sigilo bancário um direito absoluto, então aquele preceito não pode
ser visto como uma excepção que, pela via instrumental, iria desvirtuar a
essência absoluta do direito ao sigilo – um direito sem excepções e, portanto,
sem possibilidade de derrogação judicial – reduzindo-se àquilo que
efectivamente é, ou seja, a atribuição ao tribunal de competência para conceder
autorização para acesso à informação protegida pelo sigilo bancário.
16. Quando o
recorrente questiona o entendimento de uma tal autorização caber aos tribunais
judiciais em vez de competir aos tribunais fiscais, ele coloca-se numa outra
perspectiva que flúi do entendimento segundo o qual
existe, no caso vertente, um litígio fiscal e, por conseguinte, os tribunais
fiscais são os competentes para apreciar a questão, não os tribunais comuns.
17. Assim, uma
interpretação diversa levaria a que fosse atribuída competência a tribunais de
outra ordem judicial.
18. A
inconstitucionalidade pode dirigir-se (a) directamente à própria norma
considerando que uma tal interpretação resulta claramente do preceito legal ou
à (b) própria interpretação judicial incidente sobre o referido dispositivo.
19. No
entanto, pelo teor das alegações, afigura-se que ao recorrente não se suscita
dúvida quanto ao exacto alcance do aludido dispositivo: prescrever a atribuição
de competência aos tribunais judiciais.
20. Certo é
que a mera invocação da incompetência em razão da matéria pode resultar do (c)
entendimento de que se verifica uma incorrecta subsunção do caso concreto à
norma, hipótese em que não se discute a norma em si; pode também resultar (d)
de uma subsunção que leva em linha de conta uma certa interpretação da norma.
21. No caso
assinalado em (d) se a interpretação que se fizer da norma ofender a
Constituição a incompetência em razão da matéria reconduz-se então a uma
questão de inconstitucionalidade.
22. A expressa
referência à inconstitucionalidade feita agora com as alegações de recurso,
qualificação que se limitou à mera referência à excepção de incompetência em
razão da matéria quando foi deduzida oposição, não constitui questão nova que
escape aos poderes de cognição deste tribunal (artigo 660º do CPC)
23. Já no
outro plano em que o recorrente situa a inconstitucionalidade daquele preceito - o do afrontamento do artigo 212º da Constituição (ver
conclusão 2ª, segunda parte) - reconduz-se o caso à questão de saber se aquele
preceito (artigo 63º/5 da LGT) atribui aos tribunais judiciais competência para
a derrogação do dever de sigilo bancário e, assim sendo, se uma tal atribuição
colide com o disposto no artigo 212º/3 da Constituição.
24. No
entanto, para que assim fosse, impor-se-ia o entendimento de que a Constituição
prescreve que as questões emergentes de relações jurídicas administrativas e
fiscais só podem ser apreciadas pelos tribunais administrativos e fiscais.
25. O Tribunal
Constitucional tem afirmado a inexistência de um princípio de reserva absoluta
de competência dos tribunais administrativos para dirimir litígios
administrativos ( ver Ac. nº
458/99 do Trib. Const. de
13-7-1999, DR,II Série, nº 55 de 6-3-2000, pág. 4454; ver também BMJ,Nº 489-26,
Ac. nº 290/99 do Trib. Const. de 12-5-1999, DR,II Série, nº 264 de 15-11-2000,
pág. 18529, Ac. nº 550/2000 do Trib.
Const. de 13-12-2000, DR,II Série, nº 27 de 1-2-2001,
pág. 2206. E, de facto, a resolução dos litígios atinentes a expropriações ou ao
estatuto dos magistrados judiciais, e outras ainda, são da competência dos
tribunais judiciais e não dos tribunais administrativos. não obstante a
natureza das matérias.
26. Não se
afigura ousado considerar que este entendimento vale mutatis
mutandis para os litígios fiscais. Nada obsta em
princípio a que um litígio emergente de uma relação fiscal possa ser dirimido
pelos tribunais judiciais conquanto haja uma razão plausível que justifique a
opção legal.
27. Assim
sendo, ainda que o entendimento fosse no sentido de que a situação em
causa se reconduz a um litígio emergente de uma relação fiscal, a mera
constatação de uma opção legal atribuindo a resolução de tal conflito a
tribunal judicial não impõe um imediato juízo de inconstitucionalidade como
aconteceria se a Constituição proibisse em absoluto que litígios de natureza
administrativa ou fiscal pudessem ser apreciados por tribunais de outra ordem.
28. Um juízo
de inconstitucionalidade obrigaria ao reconhecimento de que a atribuição, no
caso, de competência aos tribunais judiciais não dispunha de qualquer suporte
justificativo, alegação que não foi feita.
29. Referimos
no Ac. da Relação de Lisboa de 1-2-2001 (P. 2669/2000
que “ a jurisdição cabe apenas aos tribunais e traduz uma das
funções do Estado a par de outras como a função executiva ou legislativa; as
várias ordens ou categorias de tribunais repartem entre si a jurisdição
estando duas dessas ordens organizadas hierarquicamente: a judicial, que tem o
Supremo Tribunal de Justiça como órgão superior e a administrativa/fiscal
encimada pelo Supremo Tribunal Administrativo (artigos 202º, 209º, 210º e 212º
da Constituição).
30. O
princípio da reserva material de jurisdição dos tribunais, designadamente da
jurisdição administrativa, é atingido quando algum órgão ou entidade se arroga
poderes que cabem na jurisdição dos tribunais administrativos.
31. No
entanto, quando um tribunal invade a competência do outro, ele não deixa de
prosseguir o exercício da função jurisdicional; trata-se de uma situação bem diversa
daquela em que um órgão ou entidade que não pode exercer função jurisdicional,
porque não é tribunal, passa a actuar no campo que constitucionalmente está
reservado aos tribunais e é precisamente por isso que a decisão sobre
incompetência absoluta do tribunal, embora transite em julgado (faz caso
julgado formal) não tem valor algum fora do processo em que foi proferida,
ressalvada a intervenção do Tribunal dos Conflitos (artigo 209º/3 da
Constituição, artigos 106º, 107º e 116º do CPC, Decreto nº 19243. de 16 de
Janeiro de 1931 e Decreto-Lei nº 23185, de 30 de Outubro de 1933 e 42º/1 do
Código de Procedimento Administrativo).
32. Está fora
do controlo de constitucionalidade a decisão jurisdicional que reconheça um
tribunal competente em razão da matéria por se entender que de jure o
tribunal competente seria afinal tribunal integrado noutra ordem judicial, pois
o recurso para o Tribunal Constitucional não tem por objecto a decisão judicial
em si mesma, mas a norma que foi aplicada cuja inconstitucionalidade se
pretende ver declarada (artigos 277º e 280º da Constituição) sob pena de o
Tribunal Constitucional ser necessariamente chamado em última instância a
apreciar todas as decisões proferidas em sede competência em razão da matéria
sempre que se considerasse que a competência para a questão cabia afinal a
outro tribunal inserido numa outra ordem jurisdicional.
33. Não é
admissível declarar inconstitucional uma decisão judicial que definitivamente
haja reconhecido um tribunal competente em razão da matéria, nem tão pouco a
decisão final a proferir por esse tribunal poderá ser, por essa razão, inválida
e ineficaz (artigo 205º/2 da Constituição)”.
34. Estamos
face a situações que se subsumem ao que referimos em 20 supra: hipótese (c).
35. Dir-se-á,
porém, que o aludido preceito prescreve competências em razão da matéria a
determinados tribunais e, muito embora a Constituição não proíba que matérias
administrativas e fiscais sejam apreciadas por tribunais não administrativos, a
verdade é que a organização e competência dos tribunais constitui reserva
relativa da Assembleia da República e, assim sendo, tal reserva, para ser
afastada, carece de lei de autorização legislativa (artigo 165º/1 p) e nº 2 da
Constituição).
36. A colisão
não se daria com o disposto no artigo 212º/3 da CRP pois este preceito, como se
disse, não prescreve uma coincidência absoluta entre a natureza do litígio e a
natureza da jurisdição que o vai apreciar.
37. É, pois,
naquela (35, supra) perspectiva, mais limitada, que se posiciona o recorrente.
38. Ou seja, o
recorrente aceita que o pedido de dispensa de autorização para consulta de
elementos abrangidos pelo segredo bancário possa ser deferido aos tribunais
judiciais.
39. Considera,
porém, que a atribuição de competência aos tribunais judiciais carecia de
autorização legislativa por se tratar de matéria relativa à organização e
competência dos tribunais.
40. Certo é
que a aludida norma não pode nem está a atribuir competência aos tribunais
judiciais visto que a regra, no que toca aos tribunais judiciais, é a de que
são da sua competência as causas que não sejam atribuídas a outra ordem
judicial: competência residual, portanto (artigo 18º/1 da LOFTL - Lei 3/99, de
13 de Janeiro e artigo 66º do C.P.C.).
41. Pode, no
entanto, dar-se o caso de a lei ter atribuído aos tribunais fiscais competência
para a dispensa do sigilo bancário quando esteja em causa a averiguação da
situação fiscal de um contribuinte.
42. Do ETAF
consta, a este respeito, a norma do artigo 62º-B que atribui aos tribunais tributários
de 1ª instância competência para conhecer do processo especial de derrogação do
dever de sigilo bancário, previsto nos artigos 146º-A a 146º-D do Código do
Procedimento e de Processo Tributário, bem como do recurso previsto no artigo
89º-A da Lei Geral Tributária.
43. Se a
referida norma (artigo 63º/5 da LGT) tivesse atribuído competência a tribunal
tributário, nesse caso estaríamos efectivamente face a uma norma que introduzia
uma nova competência em matéria de tribunais tributários.
44. Mas isso não
aconteceu.
45. A lei ao
referir que a diligência referenciada naquele preceito “ só poderá ser
realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente”
não está a atribuir competência que o tribunal de comarca não disponha, pois,
dada a sua competência residual, cabe-lhe dirimir os litígios que não sejam
atribuídos a outra ordem judicial.
46. Se a LGT
tivesse atribuído aos tribunais tributários competência para proferir tais
autorizações, fora de qualquer autorização legislativa, poderia então dizer-se
que a lei tinha regulado matéria da competência dos tribunais tributários.
47. O
recorrente considera que há uma atribuição indevida aos tribunais judiciais
porque parte de um duplo pressuposto, a nosso ver incorrecto: que o litígio em causa
é um litígio emergente de uma relação fiscal e que é constitucionalmente
inadmissível que um tal litígio possa em determinadas circunstâncias ser
decidido pelos tribunais judiciais.
48. Tal como
foi sublinhado pelo Ministério Público “ o réu confunde a relação jurídica
tributária que tem com o Estado, entendida esta como a que emerge da resolução
de interesses no quadro das suas obrigações tributárias para com a
administração, com o pedido de autorização judicial formulado para aceder à sua
situação bancária.
49. Na
verdade, o pedido formulado nos autos para aceder à informação bancária do réu
foi efectuado fora de qualquer processo de contencioso fiscal, no âmbito de um
processo de jurisdição voluntária, a quem são atribuídas as tarefas de
suprimento do consentimento recusado - cf. artigos
1409º e seguintes e 1425º e seguintes do CPC”.
50. O facto de
a administração fiscal estar interessada no levantamento do sigilo bancário
para aceder às contas bancárias do recorrente tendo em vista averiguar a sua situação
tributária não envolve nenhum litígio, que não existe, emergente de relação
tributária do recorrente face à administração fiscal.
51. O litígio
que importa resolver é aquele que se prende com a necessidade de se manter ou
não o sigilo bancário face a uma tal pretensão.
52. Há, com
efeito, um litígio entre a administração fiscal e o recorrente. Mas esse
litígio não tem a ver com as obrigações fiscais do recorrente emergentes da sua
relação tributária com o Estado, mas do direito à protecção e salvaguarda do
sigilo bancário que é ,em regra, oponível a todas as
entidades.
(…)
Concluindo:
I- A diligência de acesso à informação do contribuinte
protegida pelo sigilo bancário que, nos termos do artigo 63º/5 da Lei Geral
Tributária, só pode ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal
da comarca competente, não traduz litígio emergente de relação jurídica
tributária.
II- O litígio a resolver não tem a ver com as obrigações
fiscais do recorrente emergentes da sua relação tributária com o Estado, mas do
direito à protecção e salvaguarda do sigilo bancário que é, em princípio,
oponível a todas as entidades.
III- São, por isso, os tribunais judiciais os competentes à luz
da aludida norma que está em conformidade com o disposto nos artigos 18º/1 da
LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro) e artigo 66º do C.P.C. não estando
atribuída competência para um tal litígio aos tribunais tributários.
IV- Por isso, o aludido preceito não ofende nenhuma disposição
constitucional, designadamente os artigos 168º/1q) e 212º/3 da Constituição,
visto que não interfere em matéria de competência dos tribunais nem tem por
objecto dirimir litígio emergente de relação jurídica fiscal.”
Inconformado,
o requerido interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça,
que, por Acórdão datado de 18/06/2009, negou provimento ao mesmo, remetendo
para os fundamentos da decisão do Tribunal da Relação nos termos do disposto no
n.º5 do artigo 713.º do CPC.
2. É desta
decisão que A. recorre para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, em requerimento do
seguinte teor:
O presente
recurso fundamenta-se na inconstitucionalidade do art. 63º/5 da Lei Geral
Tributária, aprovada pelo DL 398/98, de 17 de Dezembro, face às normas e
princípios constitucionais consagrados, além do mais, nos arts.
26º, l03º/2, 112º e 168º/1/b), i), p) e s) e 212º da CRP.
A
inconstitucionalidade da norma em análise foi suscitada, além do mais, nos
números 1 a 7 e conclusões 1.ª a 9.ª das alegações apresentadas pelo ora
recorrente, em 2005.04.08 e 2006.12.12, tendo sido expressamente apreciada no
douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2006.09.21, cuja
fundamentação foi inteiramente adoptada pelo douto aresto objecto do presente
recurso, nos termos da “faculdade do disposto no nº 5 do artigo 713º do CPC”.
O recurso
segue os termos do recurso de apelação em processo civil, com subida imediata
nos próprios autos e com efeito suspensivo, ex vi dos arts.
69º e 78º/3 da Lei 28/82 e dos arts. 734º/l/a), 736º
e 740.º/1 do CPC.
E, porque está
em tempo (v. arts. 75º e 76º da Lei 28/82, na
redacção que lhe foi dada pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro), requer a sua
admissão”.
3. Admitido
o recurso, alegou o recorrente e concluiu:
“1.º A Lei
Geral Tributária – em que se insere o normativo em análise – foi aprovada pelo
DL 398/98, de 17 de Dezembro, ao abrigo de autorização legislativa concedido
pela Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, que não satisfaz, neste particular, as
exigências constitucionalmente fixadas, pois não define claramente “o objecto,
o sentido, a extensão e a duração da autorização” (v. art. 165º/2 da CRP; cfr. arts. 103º/2, 112º/2 e
165º/1/b), i), p) e s) da CRP) – cfr. texto n. º s 1 a 3;
2º A Lei n.º
41/98, de 4 de Agosto, não conferiu poderes ao Governo para regular a
organização e competências dos Tribunais, nos termos estabelecidos pelos arts. 165º/1/p) e 166º/2 da CRP – cfr.
texto n.º 3;
3º A referida
Lei de Autorização Legislativa da Assembleia da República também não conferiu
poderes ao Governo para regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo
bancário dos contribuintes podia ser autorizado, para efeitos de permitir à
Administração Fiscal a devassa das suas contas bancárias, para apurar a sua
real situação contributiva (v. arts. 26º, 103º/2 e
212º da CRP), conforme é imposto pelos arts. 165º/1/b
i) e s) da CRP – cfr. texto
n.º s 4 e 5;
4º No caso em
análise estão em causa matérias intrinsecamente relacionadas com a relação jurídico-fiscal do contribuinte com a Administração
Tributário (v. art. 103º/2 da CRP), pelo que a competência para a sua
apreciação e decisão pertencia exclusivamente aos Tribunais Administrativos e
Fiscais, conforme resulta directamente do art. 212º da CRP – cfr. texto n.º 6;
5º A simples republicação da Lei Geral
Tributária, operada pela Lei 15/200 1, de 5 de Junho, sem manifestação pela
Assembleia da República de vontade política ou intenção legislativa de novação
de todo aquele diploma nunca determinaria a ratificação implícita ou sanação da
inconstitucionalidade orgânica de que enferma o art. 63º/5 da LGT, unicamente
aprovado pelo Governo, através do DL 398/98 (cfr.art.
169º da CRP) - cfr. texto n.º s 7 e 8;
6º O art. 63º/5 da LGT integra assim uma
norma claramente inconstitucional (v. arts. 26º,
103º/2, 112º, 165º/1/b), i), p)e s)e 212º da CRP) – cfr.
texto n.ºs 1 a 8.
Nestes termos,
Deverá ser dado provimento ao presente
recurso, julgando-se inconstitucional a norma do art. 63º/5 da LGT face às
normas e princípios constitucionais consagrados nos arts.
26º, 103º/2, 112º, 165º/1/b), i), p) e s) e 212.º da CRP,com as legais consequências”.
4. O Ministério Público apresentou a
seguinte alegação:
2. Apreciação
do mérito do recurso
2.1. A
constitucionalidade da norma que constitui objecto do recurso, já foi apreciada
pelo Tribunal Constitucional, que a não julgou inconstitucional (Acórdão n.º
602/05).
Não só a
dimensão normativa corresponde à então apreciada, como são os mesmos, num caso
e no outro, os preceitos constitucionais que os recorrentes consideravam
violados: os artigos 26.º, 103.º, n.º 2, 112.º, 168.º, n.º 1, alíneas b), i),
p) e s) e 212.º, todos da Constituição (vd. requerimento de interposição do
recurso).
Naqueles
autos, o Ministério Público, sustentou a não inconstitucionalidade da norma,
tendo, nas Contra-Alegações então apresentadas, concluído da seguinte forma:
“1 - A
possibilidade de a Administração Fiscal aceder a informação protegida pelo
sigilo bancário, mediante autorização judicial, nos casos em que o contribuinte
se oponha a tal acesso, denegando o necessário consentimento (fora dos casos em
que é possível a derrogação pela própria administração tributária do sigilo
bancário) decorre inteiramente do preceituado nos nºs 2 e 4, alínea b) do
artigo 63º da Lei Geral Tributária, na versão resultante da Lei nº 30-G/2000,
de 29 de Dezembro, sendo pois impossível questionar tal regime legal na óptica
da respectiva inconstitucionalidade ‘orgânica’.
2 - O regime
constante do nº 5 do artigo 63º da Lei Geral Tributária, visando regular a
forma processual idónea para a Administração Fiscal obter o acesso aos dados
cobertos pelo sigilo, nos casos de recusa de consentimento do contribuinte, tem
uma dimensão exclusivamente procedimental e
adjectiva, em nada inovando, aliás, relativamente às possibilidades já contidas
no processo de suprimento do consentimento, no caso de recusa, e da
admissibilidade de compressão, mediante decisão judicial, do princípio da
reserva da vida privada, nela se incluindo o segredo bancário, já decorrentes
da lei de processo civil.
3 - O
mecanismo de tal quebra ou compressão do segredo bancário não se situa no
âmbito da relação jurídico-fiscal, respeitando antes
aos direitos de personalidade do visado, pelo que não ofende o princípio da
reserva material de competência dos tribunais administrativos e fiscais a
atribuição – em termos manifestamente não inovatórios – da competência
decisória aos tribunais judiciais.”
2.2. O artigo
63.º, da LGT foi objecto de diversas alterações (cfr.
Lei n.º 30- G/2000, de 29 de Dezembro, Lei n.º 55/B/2004, de 30 de Dezembro e
Lei n.º 94/2009, de 1 de Setembro), mantendo, no entanto, o n.º 5 a redacção
inicial.
De salientar
que uma dessas alterações atrás referidas – a operada pela Lei n.º 30-G/2000
que também introduziu o artigo 63.º-B – foi importante para formulação do juízo
de não inconstitucionalidade, constante do Acórdão n.º 602/2005.
Atendendo à
data do pedido, nos presentes autos foi também a versão saída das alterações
introduzidas pela Lei n.º 30-G/2000, a aplicada
Por tudo o
exposto, resta-nos remeter para os fundamentos daquele aresto, nada mais tendo
a acrescentar.
3. Conclusão
1. A norma do
n.º 5 do artigo 63.º da LGT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de
Dezembro, ao estabelecer que “em caso de oposição do contribuinte com
fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência
só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca
competente com base em pedido fundamentado da administração tributária “, não é
inconstitucional, não violando, designadamente, os artigos 26.º, 103.º, n.º 2,
112.º, 168.º, n.º 1, alíneas b), i), p) e s) e 212.º, todos da Constituição.
2. Deve, pois,
negar-se provimento ao recurso.
II. Fundamentação
5. O objecto
do presente recurso é a norma do n.º 5 do artigo 63.º da LGT, aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro. O artigo 63.º da LGT foi objecto de
diversas alterações, tendo sido a versão resultante das introduzidas pela Lei
n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro a aplicada no presente caso. Não obstante, o
n.º 5, aqui em causa, manteve a redacção inicial, que é a seguinte:
Artigo 63.º
Inspecção
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 - Em caso de
oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no
número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização
concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado
da administração tributária.
6. São
duas as questões de inconstitucionalidade suscitadas em relação à norma objecto
do presente recurso. Em primeiro lugar, alega o recorrente
que a atribuição de competência aos tribunais judiciais sobre o pedido de
dispensa de autorização para consulta de elementos abrangidos pelo segredo
bancário carece de autorização legislativa, nos termos estabelecidos pelos
artigos 165.º, n.º1, alínea p), por se
tratar de matéria relativa à organização e competência
dos tribunais. Tal atribuição de competência violaria ainda o artigo
212.º da CRP, que consagra a existência de tribunais administrativos e fiscais
e assim, um sistema de dualidade de jurisdições.
Em segundo
lugar, invoca o recorrente que a referida norma padece de uma outra
inconstitucionalidade, já que o Governo carecia de poderes para regulamentar os
termos em que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes podia ser
autorizado. Essa matéria faria parte da reserva relativa de competência da
Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º1, alíneas b), i) e s) da CRP. Por
esse efeito, seriam também violados os artigos 26.º, 103.º, n.º2 e 212.º da
CRP.
Cumpre
decidir.
7. A constitucionalidade
da norma que constitui objecto do recurso foi já apreciada pelo Tribunal
Constitucional nos Acórdãos n.º 602/05 (publicado no DR, IIª Série, de
21-12-2005) e n.º 672/2006 (disponível in
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Não só a dimensão normativa
corresponde à então apreciada, como são os mesmos, num caso e no outro, os
preceitos constitucionais que os recorrentes consideravam violados: os artigos
26.º, 103.º, n.º 2, 112.º, 165.º, n.º 1, alíneas b), i), p)
e s) e 212.º, todos da Constituição. Os
referidos arestos não julgaram a norma inconstitucional nas dimensões
apreciadas.
8. Há
que começar por analisar a primeira questão suscitada. Invoca o recorrente que
a atribuição de competência aos tribunais judiciais
sobre o pedido de dispensa de autorização para consulta de elementos abrangidos
pelo segredo bancário carecia de autorização legislativa, por se tratar de
matéria relativa à organização e competência dos tribunais, nos termos
estabelecidos pelos art. 165.º, n.º1, alínea p)
da CRP. Tal atribuição de competência violaria ainda o artigo 212.º da CRP, que
garante a existência de tribunais administrativos e fiscais.
8.1.
Comecemos pelo primeiro aspecto. A LGT, em que se insere o normativo imputado
de inconstitucional, foi aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro, ao
abrigo de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto.
Rezam assim os artigos 1.º e 2.º da referida Lei n.º 41/98.
Artigo 1.º
Objecto
1 — Fica o
Governo autorizado a publicar uma lei geral tributária donde constem os grandes
princípios substantivos que regem o direito fiscal português e a articulação
dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes.
2 — A lei
geral tributária visará aprofundar as normas constitucionais tributárias e com
relevância em direito tributário, nomeadamente no que se refere à relação
tributária, ao procedimento e ao processo, com reforço das garantias dos
contribuintes, da participação destes no procedimento, da igualdade das partes
no processo e da luta contra a evasão fiscal, definindo os princípios
fundamentais em sede de crimes e contra-ordenações tributárias.
Artigo 2.º
Sentido e extensão
Para a
prossecução dos fins indicados nos artigos anteriores, o Governo fica
autorizado a:
1) Definir os
grandes princípios substantivos que regem o direito fiscal, incluindo os
relativos à tributação do agregado familiar, às situações de incapacidade para
o trabalho e de velhice e à isenção do necessário para uma existência em
condições económicas dignas;
2) Estabelecer
a tributação dos bens e rendimentos obtidos, detidos ou utilizados com carácter
ilícito ou contrário aos bons costumes, com excepção dos que venham a ser
perdidos a favor do Estado em termos correspondentes àqueles a que estão sujeitos
actualmente os restantes bens e rendimentos;
3) Estabelecer
limites aos impostos, quando estritamente necessários para salvaguardar o
exercício de qualquer profissão ou actividade, ou a prática de actos legítimos
de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefícios excepcionais
determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras;
4) Garantir a
irretroactividade dos impostos, nos termos da Constituição;
5) Regular a
recorribilidade e a impugnabilidade dos actos em matéria tributária lesivos
para o contribuinte, por modo a garantir-se sempre a obtenção, no domínio
tributário, de uma tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses
legalmente protegidos;
6) Concretizar
o princípio constitucional da legalidade tributária, proibindo a integração por
analogia das normas sujeitas ao princípio
da reserva de lei da Assembleia da República;
7) Regular o
período de vigência dos benefícios fiscais, em termos de assegurar a sua
previsibilidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica, e a
avaliação periódica dos respectivos resultados;
8) Fazer
abranger pela lei geral tributária os impostos, nomeadamente os impostos
alfandegários, e as taxas, em tudo o que não exigir um regime especial,
nomeadamente ditado pelo direito comunitário;
9) Definir a
ineficácia em matéria tributária dos actos ou negócios que pretendam alterar os
elementos constitutivos da obrigação tributária;
10) Prever a
substituição tributária, em termos do cumprimento da obrigação de imposto poder
ser exigido de um sujeito diferente do seu sujeito
passivo, sempre que razões de conexão com o facto tributário ou de
praticabilidade fiscal a justifiquem;
11) Regular a
simulação tributária, consagrando a norma de que o facto tributário é aquele
que foi efectivamente realizado pelas partes;
12) Regular a
relevância tributária dos actos e negócios inválidos nos termos máximos de
equivalência à dos negócios e actos válidos;
13) Prever as
obrigações dos sujeitos passivos e consagrar a possibilidade de serem exigidas
entregas antecipadas no período de formação do facto tributário, bem como
retenções na fonte;
14) Regular a
responsabilidade tributária dos representantes legais e dos que dispõem de bens
alheios pelo cumprimento dos deveres que a estes incumbam;
15) Estabelecer
os princípios gerais sobre responsabilidade tributária, solidária e
subsidiária, por forma a:
a) Prever que
a mesma seja, em princípio, subsidiária e possa abranger a totalidade
da dívida tributária, incluindo juros e
demais encargos;
b) Regular a
responsabilidade solidária, prevendo-a quanto aos sujeitos passivos do imposto,
sócios e liquidatários;
c)
Regulamentar a responsabilidade subsidiária, nomeadamente fixando os
pressupostos de responsabilidade, o elenco dos responsáveis, prevendo-a em
relação aos gerentes, administradores e titulares de funções semelhantes,
incluindo o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada,
assentando-a na distinção entre as dívidas tributárias vencidas no período do
exercício dos respectivos cargos e as dívidas tributárias vencidas anterior ou
posteriormente, cabendo, no primeiro caso, aos administradores ou gerentes e
titulares de funções semelhantes o ónus da prova da ausência de culpa na falta
do pagamento e, no segundo caso, à administração fiscal o ónus da prova de
culpa dos agentes mencionados na insuficiência do património para o pagamento
das dívidas tributárias;
d) Fazer
depender a responsabilidade subsidiária da existência de acto fundamentado de
reversão e de prévia audiência do responsável e fixar as providências
cautelares adequadas;
e) Estender a
responsabilidade, nos mesmos termos, aos membros dos órgãos de fiscalização e
aos revisores oficiais de contas, nos casos em que a administração tributária
demonstre que a inobservância dos deveres tributários dos contribuintes
resultou do incumprimento das funções de fiscalização, e aos técnicos oficiais
de contas nos casos em que aquela inobservância resulte de violação dolosa dos
deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas
contabilísticas e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações
financeiras e seus anexos;
16) Definir os
princípios do cumprimento das obrigações tributárias, fixando, nomeadamente,
normas quanto ao modo de cumprimento, à compensação, ao pagamento em prestações
ou relativamente a qualquer outra forma de cumprimento;
17) Rever os
prazos de caducidade do direito de liquidar os tributos e de prescrição das
obrigações, harmonizando-os com o prazo de reporte ou podendo-os encurtar de modo
consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da Administração;
18) Rever os
pressupostos da suspensão do prazo de caducidade e da interrupção da
prescrição, podendo o primeiro ser dilatado nos casos de contratos fiscais no
período a que os respectivos benefícios se aplicam e o segundo ser encurtado de
modo consentâneo com as possibilidades e o aumento de eficiência da
Administração;
19) Rever o
regime dos juros compensatórios, de mora e indemnizatórios, promovendo uma maior
justiça fiscal entre a Administração e os contribuintes, nomeadamente prevendo
o direito dos contribuintes a juros
indemnizatórios em casos de procedência de pedido de revisão, quando se prove
erro imputável aos serviços, não cumprimento de prazos de restituição oficiosa
ou execução de anulação de acto tributário e, ainda, nos casos de revisão
quando haja demora na apreciação por período superior a um ano após a sua
apresentação, podendo prever-se uma taxa igual para juros compensatórios e
indemnizatórios;
20) Rever o
regime jurídico da garantia dos créditos do Estado, prevendo, nomeadamente, a
hipoteca legal e o penhor legal e revendo a prestação de garantias no caso de
execução, para garantir a igualdade no acesso ao direito e para salvaguardar os
interesses do contribuinte perante delongas dos procedimentos e processos;
21)
Estabelecer normas que permitam aos contribuintes desencadear procedimentos no
sentido da definição das suas obrigações tributárias e da sua situação jurídica
tributária;
22) Consagrar
expressamente e aprofundar, em sede de procedimento, os princípios da
prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos
cidadãos, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade,
da celeridade, da decisão e do inquisitório, da colaboração, da boa fé e da
tutela da confiança, da eficácia dos actos, da audiência dos cidadãos, do dever
de fundamentação, da confidencialidade, da iniciativa da Administração e da
cooperação dos particulares;
23)
Estabelecer normas, de acordo com a Constituição e em atenção ao disposto no
Código do Procedimento Administrativo, sobre competência, delegação e
substituição, legitimidade, prazos, notificações, direito de informação,
direito de acesso, instrução do procedimento, meios de prova e seu valor, ónus
da prova, liquidação, revisão e liquidação adicional, modalidades de cobrança,
pagamentos por conta, fiscalização, direito de petição, reclamação e recurso
hierárquico, prazos e revogação das decisões da Administração;
24) Regular o
procedimento da determinação da matéria colectável em vista do apuramento da
matéria colectável real e do combate à evasão fiscal, com possibilidade de
recurso a métodos indirectos de avaliação quando se verifiquem os pressupostos
de impossibilidade de determinação do valor real, e com respeito do princípio
da audiência do contribuinte;
25) Fixar os
pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, descrevendo as
situações em que, nomeadamente por falta de declaração, elementos de contabilidade
ou outros, e por indícios de carácter técnico-científico sobre a inveracidade
da matéria colectável declarada ou resultante da contabilidade, a Administração
tenha a faculdade de determinar indirectamente a matéria colectável;
26) Determinar
os pressupostos do exercício da faculdade de o contribuinte optar pela
tributação por regime simplificado, com procedimentos mais simples e expeditos
quanto à fixação da matéria colectável, tendo em consideração as garantias procedimentais e processuais previstas na lei;
27) Introduzir
no procedimento da determinação indirecta da matéria colectável a figura do
perito independente;
28) Regular o
processo tributário com vista não só a uma maior igualdade entre as partes, mas
também, e nomeadamente, ao acesso ao direito, à faculdade de impugnar ou de
recorrer, ao inquisitório e da colaboração processual e do aprofundamento dos
princípios constitucionais nesta matéria, regulando os efeitos da decisão
judicial favorável ao contribuinte e da execução de sentença, e alçada dos
tribunais;
29) Clarificar
a natureza judicial do processo de execução fiscal e consagrar o direito dos
particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo;
30) Introduzir
na lei geral tributária um título sobre infracções tributárias visando a
unificação dos regimes jurídicos das infracções fiscais aduaneiras e não
aduaneiras e contendo os princípios fundamentais relativos àquelas infracções,
especialmente quanto às espécies de infracções, penas aplicáveis,
responsabilidade e processo de contra-ordenação, ficando para proposta de lei,
a elaborar, os tipos de crimes e contra-ordenações fiscais e aduaneiros,
sanções e regras de procedimento e de processo, em obediência aos princípios
gerais contidos na Constituição e na lei geral tributária, com a tipificação e
estabilização das modalidades de crimes e contra-ordenações com relevo em
matéria tributária;
31)
Estabelecer que as infracções tributárias podem ser punidas a título de dolo ou
negligência e que as infracções tributárias negligentes só podem ser punidas
nos casos expressamente previstos na norma que ao caso for aplicável;
32) Prever que
os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de
administração em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparáveis são
responsáveis subsidiários pelas coimas aplicadas àquelas entidades referentes
às infracções praticadas no decurso do seu mandato, e que este tipo de
responsabilidade subsidiária depende da verificação cumulativa dos requisitos
de insuficiência do património das pessoas colectivas ou entes fiscalmente
equiparáveis e que essa insuficiência deve resultar directamente dos actos ou
omissões praticados com culpa pelos administradores ou gerentes daquelas
entidades, sendo esta responsabilidade subsidiária solidária se forem várias as
pessoas a praticar os actos ou omissões culposos de que resulte a insuficiência
de património das entidades em causa, podendo a lei, igualmente, estabelecer
regras de responsabilidade solidária nos casos em que tenha havido colaboração
dolosa na prática de qualquer infracção;
33)
Estabelecer que as pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelas
contra-ordenações fiscais quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes,
em seu nome e no interesse colectivo, sendo a responsabilidade da pessoa
colectiva excluída quando o agente da infracção tiver comprovadamente actuado
contra ordens ou instruções expressas de quem de direito e referir que a
responsabilidade das entidades referidas pode não excluir a responsabilidade
individual dos respectivos agentes, quando se trate de contra-ordenações
dolosas e tal resulte directamente da norma aplicável;
34)
Estabelecer que, para efeitos das sanções aplicáveis, as contra-ordenações
fiscais podem ser qualificadas como simples ou graves, devendo ser consideradas
contra-ordenações fiscais graves as que sejam puníveis com coimas superiores a
um determinado limite, sendo simplesmente estas as que podem ser sancionadas a
título principal e acessório;
35) Prever a
aplicabilidade, como sanção contra-ordenacional acessória,
para além das sanções acessórias previstas no regime geral, da suspensão de
benefícios fiscais ou inibição de os obter, podendo ser cumulativamente
aplicadas nos casos de infracção fiscal grave e desde que a coima seja superior
a um determinado limite;
36)
Estabelecer o princípio geral de aplicação das sanções acessórias previstas
segundo o qual as mesmas só podem recair sobre atribuições patrimoniais
concedidas ao infractor que sejam directamente relacionadas com os deveres
fiscais cuja violação foi punida, sobre arrematações e concursos relativos a
actividade em que teve lugar a violação dos deveres tributários como tal
punidos e sobre incentivos concedidos pelo Estado;
37)
Estabelecer que, sem prejuízo dos limites máximos, a determinação da medida da
coima deverá obedecer aos requisitos da aferição objectiva da gravidade da
infracção; da graduação da culpa do agente, a apreciação da situação económica
do agente, devendo ter em conta o benefício económico que o agente retirou da
prática da infracção, tendo, porém, em consideração o
princípio da proporcionalidade;
38)
Estabelecer que pode não haver lugar a responsabilidade por contra-ordenação e
não ser, em consequência, aplicada qualquer coima desde que a prática da
infracção não ocasione prejuízo efectivo à Fazenda Nacional, se mostre
regularizada a falta cometida, ou se possa claramente considerar que a falta
foi de carácter puramente acidental e simples. Poderão estabelecer-se outras
circunstâncias de afastamento excepcional de coimas desde que esta medida se
mostre absolutamente necessária a finalidades públicas de carácter conjuntural;
39) Prever, em
conformidade com a relação de subsidiariedade entre o direito de mera ordenação
social e o direito penal, casos de dispensa da coima;
40) Prever a existência
de uma comissão de infracções tributárias, com funções de sancionamento de
contra-ordenações graves e de uniformização dos critérios utilizados na
aplicação de sanções contra-ordenacionais;
41) Prever
expressamente a subsistência da dívida de imposto mesmo tendo
sido cumpridas integralmente as sanções principais e acessórias das
contra-ordenações fiscais;
42)
Estabelecer o prazo geral de cinco anos de prescrição do procedimento por
infracções tributárias, bem como da prescrição das sanções nele aplicadas.
Dos normativos
referidos não consta expressamente autorização para o Governo regular a
competência dos tribunais. Mas nem por isso assiste razão ao recorrente.
De facto,
embora a Constituição prescreva que a organização e competência dos tribunais
constitui reserva relativa da Assembleia da República, a verdade é que o n.º 5
do artigo 63.º da LGT não está a atribuir ex novo uma
competência específica aos tribunais judiciais. Senão vejamos. A
regra, nos termos do artigo 18.º, n.º1 da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro e
artigo 66.º do CPC é a de que são da competência desses tribunais as causas que
não seja atribuídas a outra ordem judicial,
pertencendo assim a estes tribunais a chamada competência
residual. Ora, o n.º 5 do artigo 63.º diz respeito precisamente a
uma matéria que cai no âmbito dessa competência residual.
E assim é
porque, contrariamente ao que o recorrente invoca, o suprimento de
consentimento para levantamento do sigilo bancário não constitui
verdadeiramente um litígio fiscal.
Uma coisa é a relação jurídica tributária que o recorrente tem com o Estado;
outra o pedido de autorização judicial formulado para aceder à sua situação
bancária. Ora, este último foi efectuado no âmbito de um processo de jurisdição
voluntária de suprimento do consentimento recusado, nos termos dos artigos
1409.º e ss. e 1425.º e ss. do CPC. O litígio aqui
concretamente em causa diz respeito não às obrigações ficais do recorrente em
si, mas sim ao direito à protecção e salvaguarda do sigilo bancário. Assim,
estarão em causa mais propriamente questões respeitantes aos direitos de
personalidade do visado, que cairão no âmbito de competência residual dos
tribunais judiciais.
No mesmo
sentido se pronunciou, de resto, o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º
602/2005:
“De facto, não nos situamos ainda numa
situação em que se depara a existência de um litígio emergente de uma relação jurídico-fiscal.
A norma em apreço cura de um dos princípios
do procedimento tributário – o da inspecção – com vista, como no caso sucedeu,
a apurar a situação tributária do contribuinte (uma dada empresa e o seu
representante). Nessa fase, ainda não está, sequer, determinada qual seja essa
situação e qual a projecção que poderá ter na determinação da matéria sobre a qual
virá a incidir a relação jurídico-tributária.
Pode, pois, dizer-se que o suprimento de
autorização previsto ainda se situa a montante do estabelecimento daquela
relação e, por isso, não será convocável o artigo
212º da Constituição (indicada versão), já que a referida relação ainda se não
encontra desenhada e, consequente e logicamente, ainda não surgiu qualquer
litígio que eventualmente reclame, por via daquele artigo, a intervenção dos
tribunais fiscais.
Se conflito existe na fase em presença, tem ele
a ver com possíveis direitos, liberdades ou garantias pessoais, conflito esse
para cuja resolução são competentes, em regra, os tribunais judiciais.
Não procede, pois o vício que, repete-se, parece ser caracterizado pelo recorrente como de
inconstitucionalidade orgânica, por falta de autorização legislativa para
cometer aos tribunais judiciais a competência para suprimento da autorização
para consulta de elementos abrangidos pelo sigilo bancário”.
Não dizendo
respeito a litígio fiscal propriamente dito, mas
sim, mais especificamente, a matéria de direitos, liberdades e garantias
pessoais, não se pode considerar que a referida norma tenha atribuído uma
competência inovatória aos tribunais judiciais, limitando-se apenas a confirmar
a competência que aos mesmos já caberia por força da sua vocação de tribunais de competência residual. Assim, o Governo não
invadiu a competência reservada à Assembleia da República pela alínea p) do n.º1 do artigo 165.º da CRP.
8.2.
Invoca ainda o recorrente que a competência dos tribunais judiciais para
apreciar a matéria em causa violaria ainda o artigo 212.º da Constituição, que
consagra a existência de competência própria dos tribunais administrativos e
fiscais, “já que em causa estão em causa matérias
intrinsecamente relacionadas com a relação jurídico-fiscal
do contribuinte com a Administração tributária, pelo que a competência para a
sua apreciação e decisão pertencia exclusivamente aos Tribunais Administrativos
e Fiscais, conforme resulta directamente do art. 212.º da CRP”.
Tratar-se-ia
aqui, contrariamente ao ponto anterior, não de uma questão de
inconstitucionalidade orgânica, mas sim de inconstitucionalidade material. Ora,
também aqui não assiste razão ao recorrente. Desde logo, não é líquido que a
Constituição prescreva que as questões emergentes de relações jurídicas
administrativas e fiscais só possam ser apreciadas pelos tribunais
administrativos e fiscais. De facto, o Tribunal Constitucional tem negado a
existência de um princípio de reserva absoluta de competência dos tribunais
administrativos para dirimir litígios administrativos (assim, os Acórdãos n.º
458/99, 550/2000, 284/03, disponíveis in
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Como refere Jorge Miranda e
Rui Medeiros, “o legislador dispõe, assim, de uma certa
margem de liberdade de conformação, no respeito pelo núcleo essencial
caracterizador do âmbito material de cada uma das jurisdições, pelo que pode
proceder à atribuição pontual a uma das jurisdições do poder de dirimir
litígios que, na ausência de tal determinação, corresponderiam à outra
jurisdição” (Constituição Portuguesa
Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 149). O legislador
pode, assim, atribuir aos tribunais judiciais o poder para dirimir litígios
administrativos ou fiscais, desde que haja um motivo razoável para tal. Assim o
demonstra a competências dos tribunais comuns para a resolução dos litígios
atinentes a indemnizações devidas por expropriações.
Mesmo que
assim não se entenda, há que sublinhar que a tese do recorrente parte do
pressuposto – que já atrás se viu errado – de que o n.º 5 do artigo 63.º da LGT
diz respeito a um litígio fiscal. Ora, não se podendo qualificar
verdadeiramente tal litígio como um litígio fiscal,
em nada se abala uma suposta reserva de competência dos tribunais
administrativos e fiscais.
9. Em
segundo lugar, invoca o recorrente que a referida norma padece de uma outra
inconstitucionalidade, também orgânica, já que a lei n.º 41/98, de 4 de Agosto
não havia autorizado o Governo a regulamentar os termos em que o levantamento
do sigilo bancário dos contribuintes podia ser autorizado, conforme seria
imposto pelo artigo 165.º, n.º1, alíneas b), i) e s) da CRP. Por esse efeito, seriam também violados os
artigos 26.º, 103.º, n.º2 e 212.º da CRP.
9.1. Também
aqui não assiste razão ao recorrente.
Desde logo, da
análise dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto pode
considerar-se que a matéria relativa à quebra do sigilo bancário se encontrava
incluída na referida autorização legislativa. De facto, os objectivos referidos
na lei de luta contra a evasão fiscal e a prossecução do interesse público, bem
como o desenvolvimento dos princípios da igualdade, da imparcialidade, e da
cooperação dos contribuintes pode implicar a eventual quebra do sigilo bancário
quando a descoberta da verdade material das situações tributárias dos
contribuintes inspeccionados imponha a consulta de elementos bancários e essas
consultas não forem autorizadas pelos contribuintes. Assim se pronunciou, de
resto, o Tribunal Constitucional no já citado Acórdão n.º 602/2005:
"(…) poderia sustentar-se que dos acima
transcritos números do artº 2º da Lei nº 41/98 sempre
resultaria que o legislador parlamentar previu que na lei geral tributária editanda pelo Governo se haveriam de gizar procedimentos de
onde resultasse o apuramento da real situação tributária do contribuinte, o
combate à simulação tributária e à evasão fiscal, a prossecução do interesse
público e da igualdade equitativa nos encargos tributários e ao estabelecimento
do princípio do inquisitório; e, desta sorte, não poderia deixar de ser
cogitada por aquele legislador, em face da indesmentível dificuldade de se
obter uma visão da realidade tributária sem o conhecimento dos dados
resultantes das operações bancárias dos contribuintes, a possibilidade de, no
diploma credenciado, entre os vários procedimentos a adoptar, se contarem os
adequados à aquisição daquele conhecimento que, em caso de recusa do visado, só
seriam cognoscíveis por determinação judicial”.
9.2.
Mesmo que assim não se entenda, ainda assim não se concluiria pela
inconstitucionalidade orgânica da norma impugnada. De facto, a LGT, aprovada
pelo Decreto-lei n.º 398/98, veio a ser revista pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de
Dezembro. Assim, a LGT passou a fazer parte integrante dessa mesma Lei. As
normas porventura organicamente inconstitucionais que da LGT constassem teriam
assim sido confirmadas – e ratificadas – pela Assembleia da República,
deixando, assim, de poder ser invocada tal inconstitucionalidade. De contrário,
poderia ter-se por inconstitucional por falta de autorização legislativa da
Assembleia da República determinado preceito de um diploma integrante de uma
Lei da própria Assembleia da República.
Assim o
afirmou já o Tribunal Constitucional, entre outros, no Acórdão n.º 368/2002
(publicado no DR IIª Série, de 25 de Outubro de 2002):
“O Tribunal
Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre os efeitos da
aprovação de uma lei de emendas
(…)
Fê-lo nos
Acórdãos n.ºs 415/89 e 786/96, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º vol., tomo
I, pág. 507, e 34.º vol., pág. 23, respectivamente.
No primeiro,
depois de se citar as diversas doutrinas defendidas sobre o estatuto da
ratificação de decretos-leis (na versão originária da
Constituição) na perspectiva do efeito da ratificação expressa de decretos-leis organicamente inconstitucionais por invasão
governamental das matérias de exclusiva competência da Assembleia da República
(Rui Machete, “Ratificação de decretos-leis
organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a
Constituição, vol. I, pp. 281 e segs.; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Anotada, 1980, pp. 347/348; Jorge Miranda, “A ratificação no direito
constitucional português”, in Estudos sobre a
Constituição, vol. III, pp. 547 e segs.;
Luís Nunes de Almeida, “O problema da ratificação parlamentar de decretos-leis organicamente inconstitucionais”, in Estudos sobre a Constituição, vol.
III, pp. 619 e segs.), bem como a jurisprudência
produzida quer pela Comissão Constitucional (Parecer n.º 7/79, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7.º, p. 308) quer pelo Tribunal Constitucional
(Acórdãos n.ºs 174/87 e 266/87 in
Diário da República, II Série, de 14 de Julho de 1987, e I Série, de 28 de
Agosto de 1987, respectivamente) e de referidas as profundas alterações
introduzidas nos artigos 172.º e 165.º, alínea c), da Constituição, com a
revisão constitucional de 1982 – designadamente o facto de ter deixado de
existir um acto positivo de ratificação, pois apenas se passou a prever a
recusa de ratificação e a alteração do decreto-lei – dando lugar a uma
orientação doutrinal dominante no sentido da não convalidação
de decretos-leis organicamente inconstitucionais
(Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., p.
654; Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp. 231/232; António
Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas,
Constituição da República Portuguesa, p. 203; Gomes Canotilho
e Vital Moreira, ob. cit., p. 222 e Jorge Simão, Da ratificação dos Decretos-Leis, p. 32), escreveu-se:
“Não se
afigura indispensável para a solução do caso dos autos resolver expressamente
questões como a de saber se, face ao texto constitucional saído da revisão de
1982, ainda se pode falar de ratificação expressa, ou, até, se no caso de ser
aprovada uma lei de alteração ao decreto-lei ratificando, tal lei tem como
efeito, genericamente, inviabilizar que, para o futuro possa ser invocada a
eventual inconstitucionalidade orgânica de qualquer das suas normas.
Na verdade,
ainda que se admita que a figura da ratificação expressa deixou de ter assento
constitucional – como parece resultar do que se escreveu no citado Acórdão n.º
266/87 – e que a mera aprovação de uma lei de alterações, na sequência de um
processo desencadeado ao abrigo do artigo 172.º da Constituição, não pode ter
como efeito impedir a invocação, a partir da entrada em vigor dessa lei, de
eventuais inconstitucionalidades orgânicas que afectassem originariamente
normas do decreto-lei ratificando, a questão não fica inteiramente resolvida
para todos os casos.
Com efeito,
sempre será necessário ressalvar, pelo menos, a hipótese de a lei de alterações
reproduzir as normas organicamente inconstitucionais do decreto-lei submetido à
sua apreciação. Em tal caso, é inegável que a Assembleia da República assume ou
adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa e
inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser arguidas de
organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma
novação da respectiva fonte».
(…)
“Da
jurisprudência transcrita – que se não vê razão para inflectir e aqui se
reitera – retira-se que, tendo em conta “a função de controlo parlamentar da
decisão legislativa”, a aprovação de uma lei de emendas, ao abrigo do antigo
artigo 172.º da Constituição, tem como efeito a ininvocabilidade
futura da inconstitucionalidade orgânica de, pelo menos, as seguintes normas
constantes do decreto-lei alterado por essa mesma lei de emendas:
a) As normas
reproduzidas na lei parlamentar;
b) As normas
que a Assembleia da República não pode ter deixado de querer manter
inalteradas, porquanto constituem um pressuposto logicamente necessário e
indispensável de todas as restantes normas contidas no decreto-lei originário e
na própria lei de alteração;
c) As normas
que, durante o especial processo legislativo parlamentar, foram objecto de
propostas de alteração rejeitadas.
Ora, no que
toca à norma em análise, há que ter presente que a Lei n.º 30-G/2000 de 29 de
Dezembro revogou todo o título V da LGT e alterou o artigo 63º. O n.º 5 do
artigo 63º não foi, porém, alterado, tendo sido substituído por ponteado. Ora, os números não alterados da referida
norma devem ser tidos como confirmados e adoptados pela Assembleia da
República.
Assim, se
alguma inconstitucionalidade orgânica existia em relação a qualquer dos
preceitos do Decreto-lei n.º 398/98 que não foram alterados, tal
inconstitucionalidade desapareceu com a confirmação dos mesmos pela Assembleia
da República.
Foi, esse, de
resto, o juízo do Tribunal Constitucional no já referido Acórdão n.º 602/2005:
“depois da entrada em vigor da Lei nº 30-G/2000 – o eventual
vício de inconstitucionalidade orgânica de que padeceria se terá de ter como
ultrapassado.
Na verdade, a Assembleia da República, ao
editar aquela Lei, não só alterou a redacção dos próprios números 2 e 4, alínea
b) do artº 63º da Lei Geral Tributária, como lhe
aditou os números 6 e 7, indubitavelmente ligados ao procedimento de suprimento
judicial de autorização do contribuinte, como ainda introduziu o artº 63º-B.
Isto vale por dizer, sem que dúvidas a esse
respeito se suscitem, que assumiu o competente órgão legislativo – o Parlamento
– como válido aquele procedimento, pois manteve inalterado o nº 5 do aludido artº 63º (quando, com as alterações que em tal artigo
introduziu, se entendesse que esse preceito se não justificava, bem o poderia
alterar), o que revela, de forma inequívoca, uma intenção de novar a fonte legislativa que o consagrou.
Como
se referiu no Acórdão deste Tribunal nº 321/2004 (in
Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 2004) se a lei de alteração e
um decreto-lei vier a reproduzir normas organicamente inconstitucionais, “é
inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas
ao mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais
normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até
porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte”.
A doutrina extraível daquele aresto é
aplicável ao caso agora em apreço, pois que, como resulta do seu próprio texto,
no artº 13º da Lei nº 30-G/2000, que determinou, por
entre outras, alteração ao artigo 63º da Lei Geral Tributária, consignou que
este passaria a ter a seguinte redacção: –
Artigo
63.º
Inspecção
1 –
………………………………………………………………………………
2 – O acesso à informação
protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo
legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação
aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de
sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela
autorização.
3 –
…………………………………………………………………………….
4 – …………………………………………………………………………….
a)
………………………………………………………………………………
b) A consulta de elementos
abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de
sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de
derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente
admitidos;
c)
………………………………………………………………………………
d)
………………………………………………………………………………
5 –
………………………………………………………………………………
6 – A notificação das
instituições de crédito e sociedades financeiras, para efeitos de permitirem o acesso elementos
cobertos pelo sigilo bancário, nos casos em que exista a possibilidade legal de
a administração tributária exigir a sua derrogação, deve ser instruído com os
seguintes elementos:
a) Nos casos de acesso
directo em que não é facultado ao contribuinte o direito a recurso com efeito
suspensivo, cópia da notificação que lhe foi dirigida para o efeito de
assegurar a sua audição prévia;
b) Nos casos de acesso
directo em que o contribuinte disponha do direito a recurso com efeito
suspensivo, cópia da notificação referida na alínea anterior e certidão emitida
pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e
Impostos Especiais sobre o Consumo que ateste que o contribuinte não interpôs
recurso no prazo legal;
c) Nos casos em que o
contribuinte tenha recorrido ao tribunal com efeito suspensivo a ainda nos
casos de acesso aos documentos relativos a familiares ou a terceiros, certidão
da decisão judicial transitada em julgado ou pendente de recurso com efeito
devolutivo.
7. As instituições de
crédito e sociedades financeiras devem cumprir as obrigações relativas ao
acesso a elementos cobertos pelo sigilo bancário nos termos e prazos previstos
na legislação que regula o procedimento de inspecção tributária.
Vale
isto por dizer que o órgão parlamentar, em face da forma como deu a nova
redacção ao artº 63º, de forma inequívoca, «fez seu»
(ou seja, assumiu como manutenção inalterada), no que agora importa, o nº 5,
que, por isso, novou como vontade legislativa.
O raciocínio agora efectuado não se ancora,
pois, na mera republicação da Lei Geral Tributária (a que o recorrente alude,
mas visando a Lei nº 15/2005)”.
Esta mesma
orientação foi seguida no também já citado Acórdão n.º 675/2006, que confirmou
que o teor da norma impugnada foi expressamente recebido pela Lei n.º
30-G/2000, de 29 de Dezembro, “tendo-se verificado,
assim, uma novação da respectiva fonte”.
Termos em que
se considera que o n.º 5 do artigo 63.º da LGT, ao regulamentar os termos em
que o levantamento do sigilo bancário dos contribuintes pode ser autorizado,
não padece de inconstitucionalidade orgânica.
9.3.
Invoca por fim o recorrente, embora sem o justificar cabalmente, que a referida
norma, ao regulamentar os termos em que o levantamento do sigilo bancário dos
contribuintes pode ser autorizado, viola ainda os artigos 26.º e 103.º da CRP.
Ora, também aqui improcedem as suas alegações.
Desde logo,
não se compreende em que dimensão – nem o recorrente logra explicar – é que o
artigo 103.º da Constituição, que consagra os princípios gerais do sistema
fiscal, é posto em causa por uma norma que visa regular a forma de suprimento
do consentimento do contribuinte para levantamento do sigilo bancário.
Por outro
lado, também a invocação de violação do artigo 26.º se mostra imprestável no
presente caso. Desde logo, porque o n.º 5 do artigo 63.º tem uma dimensão
puramente adjectiva, visando apenas regular a forma processual idónea para a
Administração Fiscal obter o acesso aos dados cobertos pelo sigilo em caso de
recusa de consentimento por parte do contribuinte. A norma em causa não diz
respeito ao acesso em si à informação protegida pelo
sigilo bancário pelos órgãos competentes da Administração Fiscal – caso em que
se poderia discutir a relevância do direito à reserva pela vida privada. Sobre
essa matéria regem o n.º 2 do artigo 63.º da LGT ou o artigo 63.º-B da mesma
lei, que confere à Administração tributária o poder de aceder directamente aos
documentos bancários nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização
para a sua consulta – normas que não constituem o objecto do presente recurso.
Mas ainda
assim, sempre se dirá, com o Acórdão n.º 602/2005:
“(…) no tocante a este problema, de um
primeiro passo, hipotiza-se que a matéria de sigilo bancário, no seu
reflexo de apuramento da realidade tributária dos contribuintes (e não
olvidando que a obtenção de dados por parte da administração fiscal também está
coberta pelo dever de reserva), possa ser perspectivada como sendo respeitante
a direitos, liberdades ou garantias, na medida em que, como tem sido sustentado
por alguma doutrina, a situação económica dos cidadãos espelhada nas
respectivas contas bancárias fará parte do âmbito de protecção do direito à
reserva da intimidade da vida privada, constituindo o segredo bancário um
corolário dessa reserva, por constituir uma súmula do relacionamento entre o
banqueiro e o seu cliente e respectiva conta, através da qual, em geral, são
processados dados de onde se pode retirar boa parte do giro económico do
particular que, muitas vezes, reflecte dados relacionados com a sua vida
privada [cfr. Gomes Canotilho
e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pp.
181 e 182, ao analisarem em que consiste e como se deve analisar o direito à
intimidade da vida privada; J. M. Serrano Alberca,
Comentários a la Constituicion,
Madrid, Civitas, 1985, p.353; Parecer n.º 138/83 do
Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, in
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, p. 161; Alberto Luís, Direito
Bancário, Coimbra, 1985; e, porventura com uma posição um tanto divergente,
Saldanha Sanches, Segredo Bancário, segredo fiscal: uma perspectiva funcional, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e
Económico-Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, p. 57 e
seguintes, para quem, porque existe uma “proibição que incide sobre os membros
da Administração fiscal de dar conhecimento a terceiros da situação fiscal (e
por isso patrimonial)”, o fundamento do segredo bancário, para os efeitos em
causa, residiria na esfera da privacidade e não da intimidade da vida privada,
pelo que não estaríamos “e isto deve ser afirmado com muita clareza, perante
uma norma destinada a tutelar a nossa intimidade: pela razão pura e simples que
num Estado‑de‑Direito a devassa da
intimidade (buscas domiciliárias, escutas telefónicas, filmagens ou gravações
que registem todos os movimentos de uma certa pessoa) só pode ter lugar para
investigação de crimes graves e mediante a devida decisão judicial (…). Se o
segredo fiscal tutela a intimidade, então parece que os cidadãos se encontram
obrigados a entregar periodicamente à Administração Fiscal e sempre que esta o
exija – mediante qualquer acto administrativo tributário que pode ser produzido
por qualquer funcionário – dados referentes à sua intimidade. Dados referentes
à intimidade dos cidadãos que estes estariam obrigados a facultar à
Administração fiscal e cujo conhecimento deveria ser confinado aos serviços de
finanças e aos inúmeros funcionários da Administração fiscal mas que estes não
poderiam – fraco consolo – partilhar com mais ninguém”, e que o “controlo da conta bancária como
poder administrativo que constitui uma restrição ao direito do cidadão de manter
longe de vistas e curiosidades externas toda a sua situação pessoal (e qualquer
restrição a este direito exige uma específica legitimação) é uma decisão
secundária. Decisão secundária no preciso sentido de ser resultado de uma
outra: o dever das pessoas singulares de declarar anualmente os seus
rendimentos e a obrigação das pessoas colectivas de franquear permanentemente
os seus registos comerciais ao controlo da Administração fiscal.”]
De todo o
modo, como este Tribunal já teve ocasião de discretear, tal como o sigilo
profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se
admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem
ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos
(cfr. Acórdão n.º 278/95, publicado na II Série do
Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que “o segredo
bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela
necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos. Na verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente
protegidos pode tornar necessário, em certos casos, o acesso aos dados e
informações que os bancos possuem relativamente às suas relações com os
clientes. Assim sucede com os artigos 135.º, 181.º e 182.º do actual Código de
Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação ponderada e
harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente protegido da
investigação criminal, reservando ao juiz a competência para ordenar apreensões
e exames em estabelecimentos bancários”.
Sendo o
controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, como
método de avaliação da sua situação fiscal, uma realidade recente (ou, como diz
Saldanha Sanches, ob. cit., que “são esses dados contidos nas contas bancárias
e nos seus movimentos (ou na aquisição de um bem sujeito a registo como um
prédio ou um automóvel) que permitem o controlo da declaração tributária do
sujeito passivo e que constituem a condição sine qua non de um controlo eficaz, na
fase actual da evolução da relação jurídico-tributária”),
e postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível
– o conhecimento das respectivas operações, não se poderá deixar de concluir
que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente protegido da
distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever
fundamental de pagar os impostos, a procura da consagração de uma articulação
ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao
menos da reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo
bancário e dos interesses decorrentes dos citados dever e direito”.
Assim, mesmo
que se considere que a presente norma interfere com o direito à reserva da vida
privada, protegido pelo artigo 26.º da CRP, ainda assim se deve considerar
existir justificação bastante para a limitação do referido direito em nome dos
interesses públicos prosseguidos, tais como a distribuição equitativa da
contribuição para os gastos públicos e o dever fundamental de pagar impostos.
III. Decisão
Em suma, o
Tribunal decide negar provimento ao recurso.
Custas pelo
recorrente, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta
Lisboa, 24 de
Outubro de 2011.- Carlos Pamplona de
Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel
Moura Ramos.