ACÓRDÃO N.º 256/2010
Processo n.º
375/09
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I.
Relatório
1. O Representante da República para a
Região Autónoma da Madeira requer, ao abrigo do artigo 281.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea
g), da Constituição da República
Portuguesa (CRP), a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral,
«das normas contidas nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, e
5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M, de 12 de Janeiro, que “Adapta à administração regional autónoma da Madeira a Lei n.º
12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de
carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas”»,
por «desconformidade com o artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira» (EPARAM).
2. O requerente
começa por fazer o enquadramento normativo da
matéria a sindicar nos seguintes termos:
«1. A Lei n.º 12-A/2008,
de 27 de Fevereiro, objecto da Declaração de Rectificação n.º 12-A/2008, publicada
no Diário da República, 1.ª
série, de 24 de Abril, e alterada pela
Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, “estabelece
os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que
exercem funções públicas” e, complementarmente, “define o regime jurídico-funcional
aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego”.
2.
O seu âmbito de aplicação objectivo é definido no artigo 3.º, cujo n.º 2
estabelece que “A presente lei é também
aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às
competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo
próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas”.
3.
E, na decorrência deste preceito, o Decreto Legislativo Regional n.º 26/2008/A,
de 24 de Julho, cuja bondade não cabe apreciar, adaptou aquela lei à
administração pública regional dos Açores.
(…)
7.
Ora, os n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º e o artigo 5.º do
decreto legislativo regional em apreço, introduzem, por confronto com a Lei n.º
12-A/2008, soluções inovatórias no tocante ao regime de manutenção e conversão
da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público aplicável
aos actuais trabalhadores da Administração Pública, assim como ao regime
atinente aos concursos de recrutamento e selecção, reclassificações e
reconversões profissionais de pessoal pendentes à data da sua entrada em vigor.
(…)
17.
Verifica-se assim, que da Lei n.º 12-A/2008, diferentemente
do que estabelece o n.º 1 do artigo 4.º do decreto em epígrafe, não resulta para
os trabalhadores nomeados definitivamente a manutenção do vínculo da nomeação
definitiva, com a possibilidade de opção pelo regime do contrato de
trabalho por tempo indeterminado. Os trabalhadores nomeados definitivamente que
exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º da
Lei n.º 12-A/2008 transitam necessariamente, sem outras formalidades, para a
modalidade de contrato por tempo indeterminado, não podendo manter o regime
de nomeação definitiva.
18.
Por outro lado, do artigo 89.º da Lei n.º 12-A/2008, decorre que os actuais
trabalhadores provisoriamente nomeados e em comissão de serviço durante o
período probatório transitam para a modalidade de nomeação definitiva em
período experimental, se exercerem funções nas condições referidas no artigo 10.º, e
para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em período experimental,
se exercerem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10º, sendo que a transição operou os seus efeitos a partir da data da
entrada em vigor do RCTFP (cfr. artigo 109.º, n.º 2 ,
e 118.º, n.º 7, da Lei nº 12-A/2008).
19.
Segundo o n.º 1 do artigo 91.º da Lei n.º 12-A/2008, os actuais trabalhadores
em contrato administrativo de provimento transitam, em conformidade com
a natureza das funções exercidas (nas mesmas condições ou em condições
diferentes das referidas no artigo 10.º) e com a previsível duração do
contrato: “a) para a modalidade de nomeação
definitiva, em período experimental”; “b) para a modalidade de nomeação
transitória”; “c) para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em
período experimental”; “d) para a modalidade de contrato a
termo resolutivo certo ou incerto”. A transição operou os seus
efeitos a partir da data de entrada em vigor do RCTFP (cfr.
artigo 109.º, n.º 2 , e 118.º, n.º 7, da Lei nº 12-A/2008).
20.
Por seu turno, o artigo 90.º da Lei n.º 12-A/2008 estabelece que os actuais
trabalhadores em comissão de serviço extraordinária para a realização de
estágio transitam para a modalidade de nomeação definitiva em período
experimental, se exercerem funções nas condições referidas no artigo 10.º e
para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em período experimental,
se exercerem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10º. A
transição operou os seus efeitos a partir da data da entrada em vigor do RCTFP
(cfr. o artigo 109.º, n.º 2 , e 118.º, n.º 7, da Lei
nº 12-A/2008).
21.
Ora, o n.º 2 do artigo 4.º
do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M, determina a transição, em
condições diversas das estabelecidas pela Lei n.º 12- A/2008, dos actuais
trabalhadores provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço durante o
período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a
realização de estágio ou em comissão de serviço extraordinária, findos os
respectivos períodos probatórios ou os estágios e reunidos os demais requisitos
de ingresso previstos nos regimes que lhes deram origem, para a modalidade
de nomeação definitiva.
22.
Por outro lado, e na decorrência do regime fixado pelo seu artigo 4.º, o artigo
5.º
do decreto legislativo regional em apreço estabelece, como já
se referiu, que “São válidos os
procedimentos relativos a concursos de recrutamento e selecção,
reclassificações e reconversões profissionais de pessoal pendentes à data da
entrada em vigor do presente diploma ou do RCTFP”.
23.
Todavia, o artigo 110.º da Lei n.º 12-A/2008, inserto no Título VII
(Disposições finais e transitórias), que produziu efeitos na data de entrada em
vigor do RCTFP (cfr. o artigo 118.º, n.º 7, da Lei
n.º 12-A/2008), diferentemente, dispõe assim:
(…)
24.
Também diversamente da solução adoptada pelo artigo 5.º do
decreto regional, o artigo 111º da Lei n.º 12-A/2008, que produziu efeitos na
data de entrada em vigor do RCTFP (artigo 118.º, n.º 7, da Lei n.º 12-A/2008),
rege do modo seguinte:
(…)».
É
depois aduzida a seguinte fundamentação:
«1.
Por força do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, as
regiões autónomas têm o poder, a definir nos respectivos estatutos, de “Legislar no âmbito regional em matérias enunciadas
no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania”.
2.
Mas, em concomitância com o respeito pelo limite da reserva de competência dos
órgãos de soberania, há que tomar também em consideração, como parâmetro de
legalidade do regime em apreço, o Estatuto Político-Administrativo da Região
Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e alterado pelas Leis n.ºs
130/99, de 21 de Agosto, e n.º 12/2000, de 21 de Junho.
3.
Na verdade, como se extrai das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 112.º,
da alínea b) do n.º 2 do artigo 280.º e das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo
281.º da Constituição, os estatutos político-administrativos das regiões
autónomas são leis de valor reforçado, gozando de superioridade
relativamente aos restantes diplomas legais (…)
4.
Ora, na situação em apreço, e tendo em atenção o quadro normativo invocado como
credencial autorizadora no formulário inicial - artigo 227.º, n.º 1,
alínea a), da Constituição, e artigo 37.º, n.º 1, alínea c) do Estatuto
Político-Administrativo - importa, desde logo, ter presente o sentido e alcance
do artigo 79.º, n.ºs 1 e
2, do Estatuto Político-Administrativo da Região, com a epígrafe “Estatuto dos Funcionários”, preceito que
não pode deixar de se haver como materialmente estatutário, nos termos
do qual “A capacidade para o exercício de
funções públicas nos serviços regionais, o regime de aposentação e o estatuto
disciplinar são os definidos na lei geral” (n.º 1), e “As habilitações literárias, a formação técnica e o regime
de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços regionais regem-se pelos
princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado” (n.º
2) (sublinhados acrescentados).
E
parece manifesto que o nº 3 deste mesmo dispositivo “A legislação sobre o regime da função pública procurará ter em conta
as condicionantes da insularidade” não constitui credencial
justificativa da opção do legislador regional, dado que a matéria em apreço não
se apresenta com qualquer especial e particular condicionalismo derivado da
natureza arquipelágica da Região Autónoma.
5. Por força
destas normas estatutárias, os princípios fundamentais estabelecidos no regime
de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas, em particular os
que concernem ao regime de manutenção e conversão da modalidade de constituição
da relação jurídica de emprego público aplicável aos actuais trabalhadores da
Administração Pública e aos que poderiam adquirir essa qualidade em resultado
de concursos de recrutamento e selecção, reclassificações e reconversões
profissionais de pessoal pendentes à data da entrada em vigor daquele regime, haverão
de ser, no essencial, os mesmos para os funcionários dos quadros da
administração regional e da administração central.
6.
Tal imposição justifica-se, sob pena de fractura do direito à
intercomunicabilidade entre os funcionários da administração central e das
administrações regionais, com salvaguarda dos direitos adquiridos em matéria de
antiguidade e carreira, assegurado e garantido pelo artigo 80.º do Estatuto
Político-Administrativo. Na verdade, o efectivo exercício do direito à
mobilidade pressupõe a uniformidade de regime de vinculação dos
trabalhadores que exercem funções públicas, como corolário também do
direito à igualdade de que gozam estes trabalhadores.
E,
a não ser assim, não deixariam, por certo, de se suscitarem graves dificuldades
na transição entre os quadros da administração central e regional, de funcionários
integrados nas mesmas carreiras mas com distinta relação jurídica de emprego.
E
mais adiante: “Deve, por isso, reconhecer-se
não só que esta garantia de mobilidade corresponde a uma característica essencial
das administrações públicas regionais mas também que o Estatuto de cada uma das
Regiões é local adequado para ela se inserir, dada a força paramétrica das suas
disposições, que vinculam simultaneamente as Regiões e a República”.
8.
Deste modo, deverão considerar-se feridas do vício de ilegalidade, por colisão
com o artigo 79.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da
Madeira, as disposições contidas nos n.ºs 1 e 2 do
artigo 4.º e no artigo 5.º do decreto em apreço, na medida em
que delas resulta, para todos os trabalhadores nomeados definitivamente, a
manutenção do vínculo da nomeação definitiva, embora com a possibilidade de
opção pelo regime do contrato de trabalho por tempo indeterminado, enquanto
que, nos termos do artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, os trabalhadores nomeados
definitivamente que exercem funções em condições diferentes das referidas no
artigo 10.º da mesma lei, transitam necessariamente, sem outras
formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, não
podendo manter o regime de nomeação definitiva.
9.
Na verdade, como se viu, em concretização do princípio da igualdade e para
assegurar o exercício do direito à intercomunicabilidade entre os funcionários
da administração central e das administrações regionais, o artigo 79.º do
Estatuto Político-Administrativo impõe uma uniformidade de disciplina quanto
aos “princípios estabelecidos para os
funcionários do Estado”, sendo manifesto que a disciplina
contida naqueles preceitos reveste semelhante natureza e daí que as normas em
causa as contrariam violando assim o Estatuto Político-Administrativo da Região
Autónoma da Madeira.
Na
sequência da fundamentação exposta, conclui-se no sentido de que as normas
contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º e no artigo 5.º do
Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M, de 12 de Janeiro, que “Adapta à Administração Regional Autónoma da Madeira
a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os regimes de
vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções
públicas”, por desconformidade com o artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, são susceptíveis de
padecer do vício de ilegalidade».
3. Notificado
para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Presidente da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira sustentou, entre o mais, o seguinte:
«8. Da evolução constitucional descrita, o dado mais
relevante que se retira para o caso dos autos é, portanto, a eliminação da
categoria da lei geral da República e
do respeito pelos seus princípios
fundamentais.
Este
aspecto não pode, na verdade, deixar de ser tido em conta na própria
determinação do sentido e do alcance do artigo 79.º,
n.º 2, do EPARAM, onde se determina que «as habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e
carreiras dos funcionários dos serviços regionais» se regem «pelos princípios
fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado». Tenha-se
presente, efectivamente, que o EPARAM foi aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de
Junho, e que a última alteração legislativa que incidiu sobre o mesmo foi
efectuada através da Lei n.º 12/2000, de 21 de Junho, ou seja, antes da revisão
constitucional de 2004.
Esta
perspectiva dos dados normativos subjacentes permite evidenciar que aquilo que
hoje tende a surgir – e é como tal apresentado pelo Representante da República
para a Região Autónoma da Madeira – como um requisito material autónomo do
exercício da competência legislativa regional em matéria de estatuto dos
funcionários da administração regional perfilava-se, originariamente, como mero
corolário ou explicitação da necessidade de observância
dos princípios fundamentais das leis gerais da República. Necessidade essa que foi,
precisamente, eliminada na revisão constitucional de 2004, que erradicou do
nosso sistema constitucional a categoria das leis
gerais da República e prescindiu, como tal, da referência imprecisa
e equivoca aos respectivos princípios
fundamentais
Daqui
resulta, claramente, que a suposta relevância material autónoma do artigo 79.º,
n.º 2, do EPARAM, em que vem estribado o requerimento do Representante da
República para Região Autónoma da Madeira, tem de ser relativizada à luz do quadro
constitucional hoje vigente. Em causa não pode estar tanto descortinar os
elementos estruturais de todos e cada um dos diplomas legais aprovados pelos
órgãos de soberania a respeito das matérias elencadas naquele preceito legal –
e, em concreto, a respeito da Lei n.º 12- A/2008, de 27 de Fevereiro –, quanto
a questão de saber se o exercício da competência legislativa regional foi
exercida dentro dos parâmetros constitucionais actualmente aplicáveis e não pôs
em causa o princípio da mobilidade entre os quadros da administração regional e
da administração central, consagrado no artigo 80.º do EPARAM.
(…)
do cotejo da alínea c) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP com a alínea t) do n.º 1
do artigo 165.º é possível retirar-se a atribuição directa e genérica de
competência às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas para «desenvolver
para o âmbito regional os princípios ou as bases gerais» do regime e âmbito da
função pública.
Logo,
numa interpretação conforme ao sistema constitucional de repartição de
competências entre o Estado e as Regiões Autónomas consagrado em Portugal,
forçoso é reconhecer que, contanto que se conforme com o princípio da
mobilidade entre os quadros da administração regional e da administração
central, consagrado no artigo 80.º do EPARAM, a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira apenas está limitada, quando legisla em matéria de
função pública, pelas opções político-legislativas
fundamentais respeitantes à matéria e que estejam plasmadas em leis ou
decretos-leis autorizados de bases.
10. Em face do exposto, torna-se agora claro
que, interpretado correctamente o artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM, não se pode afirmar que
o Decreto Legislativo Regional 1/2009/M – ou, mais rigorosamente, as
disposições concretamente em apreço – violem os princípios fundamentais em matéria de habilitações
literárias, formação técnica e regime de quadros e carreiras dos funcionários
estabelecidos para os funcionários do Estado.
Com
efeito, e no essencial, tais disposições limitam-se a introduzir algumas
adaptações às regras transitórias de aplicação no tempo do regime instituído
pela Lei n.º 12-A/2008.
Do
que se trata, no fundo, é tão-somente de evitar a imediata conversão da modalidade de constituição da relação
jurídica de emprego público dos actuais funcionários da administração regional
e assegurando a validade dos procedimentos pendentes tendentes à admissão de
novos trabalhadores ou à prática de actos de administração e de gestão de
pessoal.
11. Subsidiariamente, para o caso de se
entender que o juízo decisivo a fazer é ainda sobre a caracterização dos
artigos da Lei n.º 12-A/2008 (derrogados pelo Decreto Legislativo Regional em
apreço) como acolhendo princípios
fundamentais desse mesmo diploma legal – hipótese que se admite, sem
conceder, como mera hipótese académica –, cumpre recordar que os artigos 4.º,
n.os 1 e 2, e 5.º do
mesmo Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M adaptam apenas as disposições daquela lei em matéria de
aplicação no tempo. Assim, a própria disciplina material da Lei n.º 12-A/2008
sai incólume desta iniciativa
legislativa regional.
(…) o princípio da mobilidade entre os
quadros da administração central e da administração regional não é incompatível
com alguma espécie de condicionamento, desde
que constitucionalmente fundado, como sucede no caso em apreço.
Acresce
a isto que, a existir, tal condicionamento se revelará, em qualquer caso, muito
ténue.
Em
primeiro lugar, a preservação do estatuto e dos direitos de que gozam os
actuais – e, sublinhe-se, apenas os actuais –
funcionários da administração regional, comparativamente com os demais
funcionários abrangidos pela Lei n.º 12-A/2008, não impede, naturalmente, a
mobilidade no sentido da deslocação destes últimos para os quadros da
administração regional. Tal circunstância não os beneficia, nem os prejudica.
Em
segundo lugar, da perspectiva da deslocação de funcionários da administração
regional para a administração central, o próprio artigo 80.º do EPARAM determina
que os seus direitos adquiridos em matéria de antiguidade e carreira não podem
ser afectados. Poderá objectar-se que, por isso mesmo, os órgãos e serviços de destino, na administração central,
tenderão a opor-se à transferência de funcionários da administração regional
que beneficiam de situação mais estável e, porventura, mais vantajosa do que os
trabalhadores da administração central da mesma carreira. Aqui, contudo, não
estamos, efectivamente, perante uma impossibilidade ou impedimento, mas apenas
perante uma circunstância condicionante potencialmente limitativa. Além disso,
mesmo neste último cenário, não se pode esquecer que os actuais funcionários
interessados na transferência para os quadros da administração central podem,
nos termos do artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto Legislativo
Regional em apreço, optar pelo regime do contrato por tempo indeterminado,
assim evitando quaisquer potenciais dificuldades na concretização da
transferência».
4. Debatido o
memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal Constitucional e fixada a
orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à distribuição
do processo, cumprindo agora formular a decisão.
II. Fundamentação
5. O Representante da República para a
Região Autónoma da Madeira requer a declaração de ilegalidade, com força
obrigatória geral, das normas contidas nos
artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, e 5.º do Decreto Legislativo
Regional n.º 1/2009/M, de 12 de Janeiro (diploma alterado e
republicado, entretanto, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 9/2010/M, de 4
de Junho).
As normas cuja
legalidade é questionada dispõem da seguinte forma:
«Artigo 4.º
(Manutenção e conversão da
relação jurídica de emprego público)
1
– Os actuais trabalhadores da administração regional autónoma nomeados definitivamente
mantêm a nomeação definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela transição para
o regime de contrato por tempo indeterminado, nos termos previstos na Lei n.º
12-A/2008, caso manifestem essa intenção por escrito, no prazo de 90 dias
contados da entrada em vigor do presente diploma ou do Regime do Contrato de
Trabalho em Funções Públicas (RCTFP).
2
– Os actuais trabalhadores provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço
durante o período probatório, bem como em contrato administrativo de provimento
para a realização de estágio ou em comissão de serviço extraordinária, findos
os respectivos períodos probatórios ou os estágios e reunidos os demais
requisitos de ingresso previstos nos regimes que lhes deram origem, transitam
para a modalidade de nomeação definitiva, aplicando-se o disposto na parte
final do número anterior.
(…).
Artigo 5.º
(Concursos, reclassificações e
reconversões)
São válidos os procedimentos
relativos a concursos de recrutamento e selecção, reclassificação e
reconversões profissionais de pessoal pendentes à data da entrada em vigor do
presente diploma ou do RCTFP».
Segundo
o requerente, estas normas do diploma que adapta à administração regional
autónoma da Madeira a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, que estabelece os
regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que
exercem funções públicas, violam o n.º 2 do artigo 79.º, do EPARAM, nos termos
do qual “as habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e
carreiras dos funcionários dos serviços regionais regem-se pelos princípios
fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado”.
Os
artigos da Lei n.º 12-A/2008 convocados pelo requerente têm a seguinte
redacção:
«Artigo 88.º
Transição de modalidade de constituição da relação
jurídica de
emprego público por tempo indeterminado
1
– Os actuais trabalhadores nomeados
definitivamente que exercem funções nas condições referidas no artigo 10.º mantêm
a nomeação definitiva;
(...)
4 –
Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente
que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm
os regimes de cessação da relação jurídica de emprego público e de
reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade
especial próprios da nomeação definitiva e transitam, sem outras formalidades,
para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.
Artigo 89.º
Conversão das nomeações provisórias e
das comissões
de serviço durante o período
probatório
1 – Os actuais trabalhadores
provisoriamente nomeados e em comissão de serviço durante o período probatório
transitam, nos condicionalismos previstos nos n.os 1 e 4 do artigo
anterior, conforme os casos:
a) Para a modalidade de nomeação definitiva, em período
experimental;
b) Para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em
período experimental.
(…).
Artigo 90.º
Conversão das comissões de serviço
extraordinárias
e de outras comissões de serviço
1 – Os actuais trabalhadores em
comissão de serviço extraordinária para a realização do estágio transitam, nos
condicionalismos previstos nos n.os 1 e 4 do artigo 88.º, conforme
os casos:
a) Para a modalidade de nomeação definitiva, em período
experimental;
b) Para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em
período experimental.
(…)
Artigo 91.º
Conversão dos contratos
administrativos de provimento
1 – Sem prejuízo do disposto no
artigo 108.º, os actuais trabalhadores em contrato administrativo de provimento
transitam, em conformidade com a natureza das funções exercidas e com a
previsível duração do contrato:
a) Para a modalidade de nomeação definitiva, em período
experimental;
b) Para a modalidade de nomeação transitória;
c) Para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, em
período experimental;
d) Para a modalidade de contrato a termo resolutivo certo ou
incerto.
(…)
Artigo
110.º
Concursos
de recrutamento e selecção de pessoal
1 – As relações jurídicas de emprego público decorrentes de concursos de
recrutamento e selecção concluídos e válidos à data de entrada em vigor do
RCTFF constituem-se com observância das regras previstas no presente título.
2 – O disposto no número anterior aplica-se
ainda aos concursos de recrutamento e selecção pendentes à data de entrada em
vigor do RCTFP desde que tenham sido abertos antes da entrada em vigor da
presente lei.
3 – Caducam os restantes concursos de
recrutamento e selecção de pessoal pendentes na data referida no número
anterior, independentemente da sua modalidade e situação.
Artigo
111.º
Procedimentos
em curso relativos a pessoal
1 – Caducam os procedimentos em curso tendentes à prática de actos de
administração e de gestão de pessoal que, face ao disposto na presente lei,
tenham desaparecido da ordem jurídica.
2 –
Os procedimentos em curso tendentes à prática de
actos de administração e de gestão de pessoal cujos requisitos substanciais e
formais de validade e, ou, de eficácia, face ao disposto na presente lei, se
tenham modificado prosseguem, sendo procedimentalmente possível e útil, em
ordem à verificação e aplicação de tais requisitos».
6. O pedido
comporta duas questões de legalidade: a primeira tem
a ver com o regime de manutenção e conversão da relação jurídica de emprego
público (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/2009/M); a segunda refere-se aos concursos de
recrutamento e selecção, reclassificações e reconversões profissionais de
pessoal (artigo 5.º daquele decreto). Em ambos os casos, o parâmetro de
legalidade convocado é o artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM, face ao valor reforçado
do diploma (artigos 112.º, n.º 3, 280.º, n.º 2, alínea b),
e 281.º, n.º 1, alíneas c) e d), da CRP).
O
requerente alega que o legislador regional disciplinou de forma inovatória em
relação à mesma matéria, tal como regulada pela Lei n.º 12-A/2008, criando,
pois, em relação a certos aspectos, uma disciplina diferente para os
trabalhadores pertencentes aos serviços da administração regional da Madeira
por comparação com os restantes trabalhadores da função pública. Apesar de o
carácter inovatório da intervenção do legislador regional ser retirado do
confronto dos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, e 5.º do
diploma regional com os artigos 88.º a 92.º e 110.º e 111.º da Lei n.º
12-A/2008, para o requerente a ilegalidade decorre da violação do artigo 79.º,
n.º 2, do EPARAM. Concretamente por violação dos “princípios fundamentais
estabelecidos para os funcionários do Estado” na matéria em causa.
7. O requerente
fundamenta a ilegalidade dos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2,
e 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M na violação de uma das
normas do EPARAM. Sucede que, se é consensualmente aceite que as leis
estatutárias que contêm os estatutos político-administrativos das regiões
autónomas possuem valor reforçado – o qual decorre da conjugação dos artigos
112.º, n.º 3, 280.º, n.º 2, alíneas b) e c), e 281.º, n.º 1, alíneas c)
e d) – também é verdade que se tem
entendido que nem todas as normas estatutárias possuem esse valor reforçado e,
nessa medida, servem de parâmetro para ajuizar da legalidade de outras normas
legislativas. Isto mesmo já foi sublinhado por diversas vezes por este
Tribunal, numa posição em que é acompanhado pela generalidade da doutrina.
Assim, veja-se o que foi recentemente dito a este respeito no Acórdão n.º 525/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«Na
verdade, a Constituição permite que certas leis apresentem um valor
(absolutamente) reforçado quando, como é o caso, «devam ser respeitadas» pelas
outras leis (artigo 112.º, n.º 3 da Constituição). A força vinculativa das suas
normas determina a ilegalidade das normas inscritas em actos legislativos que
as violem (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição). Os
Estatutos das Regiões Autónomas são efectivamente leis especiais que a
Constituição gradua entre as leis constitucionais e as leis ordinárias (artigo
161.º alínea b) da Constituição) e, achando-se submetidas a um especial regime
de aprovação e de alteração, não podem ser modificadas senão pela forma
prevista no artigo 226.º, n.º 4 da Constituição. Esta circunstância impõe que
se reconheça às suas disposições normativas maior perenidade, não só em face da
rigidez do seu processo de alteração, mas também por ser uma lei onde se
desenvolvem os princípios constitucionais respeitantes à autonomia regional e
se concentram as bases dos poderes regionais (artigo 227.º, n.º 1 e 228.º, n.º
1 da Constituição).
A
aludida rigidez decorre da circunstância de a Constituição haver concedido às
Assembleias Legislativas das Regiões o exclusivo da iniciativa legislativa em
matéria de Estatutos, reservando, simultaneamente, de forma absoluta, à
Assembleia da República, a competência para a sua aprovação. O sistema permite
supor que as matérias com assento estatutário resultam tendencialmente de um
compromisso, pelo menos formal, entre cada uma das Regiões e a República, que
se materializa no respectivo Estatuto e que constitui o fundamento da restrição
ao poder de livre iniciativa legislativa na Assembleia da República.
Esta
restrição, no entanto, há-de ser aceite a título excepcional, pois não decorre
de um critério relativo à separação e interdependência dos poderes soberanos do
Estado, mas da adopção de um princípio de cooperação no relacionamento entre
órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio das Regiões.
E
a verdade é que o Tribunal já recusou carácter estatutário a normas inscritas
em preceitos dos Estatutos das Regiões. O Tribunal considerou, por exemplo, que
não podem haver-se como materialmente estatutárias as normas respeitantes a
matérias relativas ao direito eleitoral (Acórdão n.º 1/91), à organização e
funcionamento dos tribunais administrativos (Acórdão n.º 460/99) e às relações
financeiras entre a República e as Regiões Autónomas (Acórdãos n.ºs 567/04, 11/07, 581/07 e 238/08). Nestes casos, o
Tribunal verificou que as matérias tratadas se incluíam no âmbito da reserva de
competência legislativa da Assembleia da República, tendo concluído que a sua
inclusão nos Estatutos afecta essa reserva, por força da regra da iniciativa
originária exclusiva das assembleias legislativas das Regiões”. Mais à frente,
citando Jorge Miranda, é mencionado que “«competindo a iniciativa originária do
estatuto ou das suas alterações (como bem se compreende) à Assembleia
Legislativa Regional (art. 226.º), se o estatuto pudesse abarcar qualquer
matéria, ficaria, por esse modo, limitado o poder de iniciativa dos deputados,
dos grupos parlamentares, de grupos de cidadãos ou do Governo da República
(art. 167.º)” (…).
6.2. Mas o Tribunal também já reconheceu que
a disciplina jurídica de determinadas matérias há-de necessariamente incluir-se
nos Estatutos. É o caso do estatuto dos deputados regionais (os seus
específicos deveres, responsabilidades e incompatibilidades, assim como os seus
direitos, regalias e imunidades), matéria obrigatoriamente regulada nos
Estatutos, conforme dispõe o artigo 231.º, n.º 7 da Constituição (…).
6.3. O Tribunal tem também admitido que são
materialmente estatutárias as normas dos estatutos que se referem aos poderes
das Regiões Autónomas decorrentes do artigo 227.º da Constituição (…).
De facto, os Estatutos estão ancorados, como
explica Gomes Canotilho, «num princípio aberto: o princípio da autonomia
regional» (…) É no conteúdo aberto desse princípio autonómico e nas exigências
de adaptação dos estatutos às características próprias de cada região e não
numa definição das matérias estatutárias a priori e em abstracto que se deverá
procurar o critério de determinação do carácter estatutário de uma norma (…)».
8. Importa,
pois, começar por decidir se o artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM é uma norma de
valor paramétrico.
O
carácter materialmente estatutário desta norma, que já constava do texto
originário do EPARAM (artigo 60.º, n.º 3, da Lei n.º 13/91, de 5 de Junho), não
pode ser recusado com fundamento na reserva de competência legislativa dos órgãos
de soberania. Designadamente, porque não incide sobre matéria relativa às bases do regime da função pública (artigo 165.º, n.º 1,
alínea t), da CRP), já que “como tais devem
entender-se aquelas que, num acto legislativo, definam as opções político-legislativas fundamentais cuja concretização
normativa se justifique que seja ainda efectuada por via legislativa” (acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 620/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado,
aquela norma não versa sobre matéria que deva incluir-se no Estatuto, por força
de disposição constitucional expressa, nem tão pouco sobre matéria que se
refira aos poderes das regiões autónomas
decorrentes do artigo 227º da CRP.
O
artigo 79.º, n.º 2, estabelece, porém, uma regra à qual corresponde
uma característica da administração pública regional (Acórdão n.º
525/2008), na parte que se refere ao estatuto dos seus funcionários. A norma
insere-se num artigo sobre o Estatuto dos funcionários,
que integra o Capítulo que versa sobre a Administração pública
regional (Capítulo IV do Título II), de acordo com a qual as
habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e carreiras
dos funcionários dos serviços regionais se regem
pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado. A
lei estatutária é, por isso, o acto normativo adequado para, relativamente aos funcionários dos serviços regionais, estabelecer esta regra
de identidade de estatuto, o que confere valor paramétrico ao artigo 79.º, n.º
2.
9. Quanto à
questão de saber se os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, e 5.º
do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M violam o n.º 2 do artigo 79.º do
EPARAM, há que refutar, desde logo, a argumentação do autor da norma no sentido
de o legislador regional já não estar vinculado aos princípios
fundamentais a que se refere a norma estatutária.
Depois
de fazer uma breve descrição da evolução do quadro de competências legislativas
das regiões autónomas, concluiu que “da evolução constitucional descrita, o
dado mais relevante que se retira para o caso dos autos é, portanto, a
eliminação da categoria da lei geral da República
e do respeito pelos seus princípios fundamentais”,
vale dizer, da concomitante necessidade de observância dos princípios
fundamentais das leis gerais da República. “Necessidade
essa que foi, precisamente, eliminada na revisão constitucional de 2004, que
erradicou do nosso sistema constitucional a categoria das leis gerais
da República e prescindiu, como tal, da referência imprecisa e
equívoca aos respectivos princípios fundamentais.
Daqui resultando, claramente, que a suposta relevância material autónoma do
artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM, em que vem estribado o requerimento do
Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, tem de ser
relativizada à luz do quadro constitucional hoje vigente”.
O
que há a dizer quanto a esta argumentação é que ela parte de um pressuposto
errado, que é o de que os “princípios fundamentais” do artigo 79.º, n.º 2, do
EPARAM são os mesmos “princípios fundamentais das leis gerais da República”
introduzidos no texto constitucional em 1997. Basta ver que já no texto
originário do EPARAM (Lei n.º 13/91, de 5 de Junho), no seu artigo 60.º, n.º 3,
se dispunha exactamente da mesma forma, aí se referindo, pois, a necessidade de
respeitar os “princípios fundamentais”.
O
desaparecimento da fórmula “princípios fundamentais das leis gerais da
República” não implica a mencionada relativização da norma estatutária. Não há
motivos para rejeitar a necessária vinculação do legislador regional aos
princípios fundamentais a que se refere o n.º 2 do artigo 79.º do EPARAM, não
podendo pretender-se que a competência legislativa regional esteja limitada
apenas pelo “dever de observância das opções políticas fundamentais adoptadas
pelas leis de bases em matéria de função pública”. Trata-se de uma exigência
que está presente desde o texto originário deste Estatuto, justificável quer
por a CRP ter reservado à Assembleia da República as bases do regime da função
pública, quer por estar em causa uma matéria – fundamentalmente, a natureza
jurídica da relação de emprego na função pública – em que o princípio da
unidade do Estado e o princípio da igualdade, a ele subjacente, impõem
claramente uma igualdade de tratamento, quer, ainda, por ser a regra que melhor
se harmoniza com a garantia de mobilidade consagrada no artigo 80.º do EPARAM.
De
acordo com o que aqui se dispõe, os actuais trabalhadores da administração
regional autónoma nomeados definitivamente mantêm a nomeação
definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela transição para o regime de
contrato por tempo indeterminado; os actuais trabalhadores
provisoriamente nomeados ou em comissão de serviço durante o período
probatório, bem como em contrato administrativo de provimento para a realização
de estágio ou em comissão de serviço extraordinária, transitam
para a modalidade de nomeação definitiva, sem prejuízo de poderem optar pela
transição para o regime de contrato por tempo indeterminado. A
questão está, pois, em saber se este regime viola ou não os “princípios
fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado” em matéria de
manutenção e conversão da relação jurídica de emprego público.
Tais
princípios hão-de ser os que se extraem da Lei n.º 12-A/2008 – aplicável, com
as necessárias adaptações aos serviços das administrações regionais (artigo
3.º, n.º 2) –, diploma que veio definir e regular “os regimes de vinculação, de
carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas” e,
“complementarmente”, definir “o regime jurídico-funcional
aplicável a cada modalidade de constituição da relação jurídica de emprego
público” (artigo 1.º).
Um
dos aspectos mais marcantes da reforma operada pela Lei n.º 12-A/2008 é o da
consagração do contrato como modalidade regra da constituição da relação
jurídica de emprego público, quedando-se a nomeação como uma modalidade de
natureza excepcional (artigos 9.º, 10.º e 20.º). Este novo regime é aplicável
àqueles que no momento da entrada em vigor daquela lei já eram trabalhadores da
função pública, sem que lhes ser dada a faculdade de manterem o título jurídico
definidor da relação de trabalho (artigos 88.º a 92.º).
Pode,
pois, extrair-se do regime transitório estabelecido na Lei n.º 12-A/2008, no
tocante à manutenção e conversão da relação jurídica de emprego, que o
legislador ordinário estabeleceu para os funcionários do Estado, como princípio
fundamental, o da transição imediata para a modalidade regra
de contrato por tempo indeterminado, sem qualquer possibilidade de
opção por parte deles.
Este
princípio foi desrespeitado pelos n.ºs 1 e 2 do
artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M, na medida em que, por
força deles, os trabalhadores da administração regional autónoma não transitam
imediatamente para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado. Mantêm a nomeação definitiva ou transitam
para a modalidade de nomeação definitiva, fora dos casos previstos
no artigo 10.º da Lei n.º 12-A/2008, sem prejuízo de poderem
optar pela transição para o regime de contrato por tempo
indeterminado.
Não
pode aceitar-se, pois, como invoca o autor da norma, que estão em causa meras
“adaptações às regras transitórias de aplicação no tempo do regime instituído
pela Lei n.º 12-A/2008”, que se trata de “evitar a imediata
conversão da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público
dos actuais funcionários”, e que “a própria disciplina material da Lei n.º
12-A/2008 sai incólume desta iniciativa
legislativa regional”, apenas se dando “o alargamento, no domínio da
administração regional, do universo de funcionários que, de alguma forma,
beneficiam da manutenção do estatuto jurídico anterior”. Com efeito, por força
do cumprimento dos dois diplomas (o nacional e o regional), destinatários
diferentes embora em idêntica situação vêem-lhes ser aplicados regimes
jurídicos diversos, que vão afectar o seu estatuto profissional. Para os
actuais trabalhadores da administração regional, a nomeação foi instituída como
modalidade regra da relação jurídica de emprego, enquanto que para a grande
maioria dos restantes (actuais) trabalhadores passa a ser a do contrato de
trabalho em funções públicas, daqui decorrendo consequências jurídicas
distintas.
Relativamente
a esta norma do diploma regional não se vê como é que ela possa desrespeitar
“princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado” naquela
matéria, não obstante as disposições transitórias que se contêm nos artigos
110.º e 111.º da Lei n.º 12-A/2008.
O
artigo 5.º procede tão-somente a um ajuste temporal da disciplina relativa aos
concursos de recrutamento e de selecção de pessoal e a actos de administração e
gestão de pessoal, tendo o legislador regional obedecido, porventura, a um
interesse objectivo relacionado com a gestão autónoma dos serviços regionais,
ponderando razões e interesses de natureza administrativa e financeira
específicos desses mesmos serviços.
III.
Decisão
Pelo
exposto, decide-se:
a)
Declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional
n.º 1/2009/M, de 12 de Janeiro, por violação do artigo 79.º, n.º 2, do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira;
b)
Não declarar a ilegalidade da norma contida no artigo 5.º do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/2009/M, de 12 de Janeiro.
Lisboa,
23 de Junho de 2010
Maria
João Antunes
João
Cura Mariano
Joaquim
de Sousa Ribeiro
Vítor
Gomes
Ana
Maria Guerra Martins
José
Borges Soeiro
Maria
Lúcia Amaral
Benjamim
Rodrigues
Carlos
Pamplona de Oliveira – vencido quanto à alínea a)
da
decisão, conforme declaração em anexo.
Rui
Manuel Moura Ramos
Tem
voto de conformidade do Senhor Vice-Presidente, Senhor Conselheiro Gil Galvão,
que não assina por não estar presente.
Maria
João Antunes
DECLARAÇÃO DE VOTO
A minha discordância resume-se ao
julgamento que o Tribunal adoptou do Ponto 10. do
acórdão, do qual decorre a alínea a) da decisão
quanto à declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, das normas
contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º do Decreto
Legislativo Regional n.º 1/2009/M de 12 de Janeiro, por violação do artigo 79.º
n.º 2 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Vejamos: o parâmetro de legalidade
invocado, o n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto da Madeira, não proíbe a
intervenção legislativa regional nesta área da função pública, conforme
claramente decorre da leitura do preceito. O n.º 1 do artigo 79.º – "A
capacidade para o exercício de funções públicas nos serviços regionais, o
regime de aposentação e o estatuto disciplinar são os definidos na lei
geral." – fixa um quadro de matérias, relativas ao estatuto dos
funcionários, onde não é possível
haver legislação própria regional. A redacção da norma é clara ao impor a
submissão do funcionalismo regional, em matéria de capacidade
para o exercício de funções públicas, de aposentação
e de estatuto disciplinar, à disciplina da
"lei geral"; o n.º 2 – "As habilitações literárias, a formação
técnica e o regime de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços regionais
regem-se pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do
Estado." – fixa um outro quadro de
matérias onde é já possível a intervenção legislativa regional, embora
submetida ao dever de respeitar os princípios fundamentais da legislação nacional. Deve, por isso,
interpretar-se este n.º 2 do artigo 79.º do Estatuto Político-Administrativo da
Região Autónoma da Madeira, num sentido não totalmente coincidente daquele que
o Tribunal usou; o que o preceito quer significar é que, ao contrário do que se
impõe no n.º 1, em matéria de habilitações literárias,
de formação técnica e de regime de quadros e carreiras dos funcionários dos serviços
regionais é possível uma regulamentação regional
própria, distinta da lei geral, embora respeitadora dos princípios
fundamentais nesta fixados. Ora os n.ºs 1
e 2 do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 1/2009/M de 12 de
Janeiro, que essencialmente estabelecem regras transitórias próprias face ao
regime fixado na Lei n.º 12-A/2008, não se reportam, sequer, a habilitações literárias, formação técnica
e regime de quadros e carreiras dos funcionários,
razão pela qual não têm virtualidade para ofender o disposto na já referida
norma. Mas, para além disso, e mesmo que pudesse admitir-se que tratam de matéria
nela incluída, a verdade é que nunca poderia entender-se que a regulamentação
regional ofende princípios fundamentais da regulamentação geral, por não estar demonstrado que o
específico critério, transitório, de aplicação do novo regime constitua, ele
próprio, um princípio jurídico fundamental, ainda
por cima inscrito num diploma – Lei n.º 12-A/2008, aprovada ao abrigo da
competência genérica da Assembleia da República, prevista na alínea c) do artigo 161º da Constituição – que se afirma aplicável,
com as necessárias adaptações, às
administrações regionais (artigo 3.º n.º 2).
Divirjo, em suma, do julgamento
adoptado pelo Tribunal quando entende que o regime transitório estabelecido na Lei n.º 12-A/2008 no tocante à
manutenção e conversão da relação jurídica de emprego estabelece um princípio fundamental quanto a habilitações literárias, à
formação técnica e ao regime de quadros e carreiras, e que tal princípio não é
respeitado pela legislação regional, nas normas impugnadas.
Carlos Pamplona de Oliveira