ACÓRDÃO Nº 177/2010
Processo n.º 742/09
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
– Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que é recorrente o Município de Guimarães e recorrido A., S.A., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal, proferida a fls. 122 e s., na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), das normas do artigo 2.º do Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31.º da Tabela de Taxas do Município de Guimarães, quando interpretadas no sentido de incidirem sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, na medida em que concretizam a criação de verdadeiros impostos.
2. O presente recurso emerge de impugnação judicial da liquidação de “taxa de publicidade” no montante de 177,13 euros, proposta por A., S.A. contra o Município de Guimarães.
A “taxa” em causa foi cobrada pela renovação de uma licença de afixação de um reclamo luminoso com os dizeres “…”, afixado num prédio particular.
A decisão sob recurso, louvando-se, além do mais, no Acórdão n.º 92/2002 do Tribunal Constitucional, considerou que a “taxa de publicidade”, consagrada nas normas em causa, reveste a natureza de verdadeiro imposto, quando interpretada no sentido de incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada, e, como tal, essas normas, assim interpretadas, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
3. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«1ª) A taxa de licença para propaganda ou publicidade é, como o próprio nome indica, uma taxa por se tratar de uma prestação que se tem de pagar à Câmara Municipal como retribuição pela licença que esta lhe concede para afixar ou manter afixada uma mensagem publicitária visível da via pública.
2ª) O imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outra pessoa de direito público com vista à realização dos fins públicos.
3ª) Em defesa da tranquilidade pública, do sossego público, dos bons costumes, da segurança e, inclusive, da estética urbana compete ao Município regular a utilização, nas vias e logradouros públicos e, de um modo geral, nos lugares franqueados ao público ou visíveis da via pública, dos meios de propaganda ou publicidade, quando consistirem na emissão de sons ou ruídos, na instalação de mostruários ou na afixação de letreiros, painéis ou cartazes.
4ª) Em face do exposto tem de considerar-se que a taxa de publicidade não é um imposto, mas sim uma taxa.
5ª) Não é necessária a utilização de bens de dominialidade pública, semi-pública ou colectiva, para que as receitas obtidas pela remoção de um obstáculo à actividade dos particulares se possa qualificar como “taxa”.
6ª) A afixação ou inscrição de publicidade e propaganda comercial, quer seja instalada em suporte físico de pertença pública ou quer seja de pertença particular, carece de licenciamento pelo município da área dessa instalação, não distinguindo a lei, para este efeito, se tais mensagens se encontram afixadas ou inscritas em propriedade pública ou em propriedade particular, parecendo ter eleito um critério de fim ou funcional, tendo em vista a salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental na área desse município.
7ª) Dúvidas não restam, assim, que tal actividade de afixação de publicidade por particulares, quer em meios móveis ou imóveis, é relativamente proibida, consistindo o sinalagma na actividade de verificação das condições indispensáveis à remoção do limite jurídico a essa actividade pelo Município, e parecendo não exigir a lei a necessidade cumulativa de utilização de um bem público ou semi-público.
8ª) O Município exerce um poder de polícia sobre o uso de tais instrumentos de difusão, por cujo exercício poderá cobrar a respectiva taxa.
9ª) Tratando-se, como se trata, de um tributo decorrente da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, que é relativamente proibida - licença - é de a qualificar como taxa, ainda que os bens sobre que são instalados esses meios sejam privados que não públicos ou semi-públicos, por a lei o não exigir.
10ª) Tem se entendido que tem a natureza de taxa a (contrapartida) exigida pelo Município pela autorização de fixação de publicidade ou inscrição, em telhados e terraços dos edifícios privados, aplicada essencialmente para ser visível dos espaços públicos, porquanto representa a utilização individual concreta do espaço aéreo que é um bem público e do bem público “ambiente” que é modelado e salvaguardado essencialmente pelos municípios pela sua intervenção na área do urbanismo, do sossego, tranquilidade e saúde públicas, quer o direito de construir seja visto como uma autorização ou como faculdade co-natural do direito de propriedade.
11ª) In casu sucede isto mesmo porquanto o reclamo luminoso com os dizeres “…”, com a área de 11 m², destina-se, como é evidente, essencialmente, a ser visível dos espaços públicos.
12ª) Aliás, este sentido mais amplo de taxa, sem a necessidade da exigência cumulativa de utilização de um bem público ou semi-público tem consagração legal na Lei Geral Tributária (LGT), no seu art.° 4.º n.° 2, que refere que “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”.
13ª) Ou seja, sem distinguir se tal remoção pode incidir em bens que não sejam do domínio público ou semi-público, parecendo que também aos privados abrangerá, por os não limitar àqueles, o que só poderá significar que tal utilização de um bem do domínio público ou semi-público, não é caracterizador da figura da «taxa», antes sobre os bens privados também poderá incidir, perspectivada conceitualmente numa vertente funcional, que como acima se viu, parece ter sido o critério eleito pelo legislador ordinário no âmbito do seu poder de conformação.
l4ª) Assim, é de concluir que as quantias cobradas pelo Município de Guimarães, como contrapartida pela renovação da licença de afixação de painéis publicitários em edifícios privados, constitui uma verdadeira taxa e que, por isso, o Regulamento referido em f) dos factos provados não viola qualquer normativo constitucional.
15ª) A decisão recorrida violou, entre outras, a norma do artigo 4.º n° 2 da Lei Geral Tributária.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que julgue as normas do artigo 2° do Regulamento de Taxas e Licenças e do artigo 31° da Tabela de Taxas do Município de Guimarães conformes aos princípios constitucionais e, assim, julgue improcedente a impugnação, mantendo a liquidação da taxa de publicidade impugnada,
Isto para que uma vez mais se faça
JUSTIÇA!»
4. A recorrida não contra-alegou.
5. Por decisão do Presidente do Tribunal Constitucional, tomada com a prévia concordância deste Tribunal, foi determinado que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário, nos termos do artigo 79.º-A da LTC.
II −
Fundamentação
6. O artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e Licenças Municipais”, da Câmara Municipal de Guimarães para o ano de 2007 (aprovado por deliberação da Câmara de 9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal, em sessão de 24.11.2006), tem o seguinte teor:
«Artigo 2.º
Objecto
1.O presente Regulamento e Tabela anexa aplicam-se a todas as actividades dependentes de licenciamento ou autorização, pela prestação de serviços e por compensações devidas pelos particulares pelo exercício de actividades do seu interesse, e quando se não encontrem abrangidas por regulamento específico.
2. A Tabela anexa não inclui as taxas a cobrar pelo licenciamento de obras particulares e loteamentos e a taxa municipal de urbanização, que são objecto de Regulamento próprio.»
O artigo 31.º da “Tabela de Taxas” anexa ao citado Regulamento estabelece o seguinte:
«Artigo 31.º
1. Anúncios luminosos – por metro quadrado ou fracção e por ano €15,83 e)
2. Frisos luminosos, quando sejam complementares dos anúncios e não entrem na medição, por metro linear ou fracção e por ano €6,38 e)
e) Não sujeito a IVA»
No presente recurso está em causa a apreciação da constitucionalidade destas normas – concretamente do n.º 1 do artigo 2.º do “Regulamento de Taxas e Licenças Municipais” e do artigo 31.º da “Tabela de Taxas” a ele anexa – quando interpretadas no sentido de a taxa aí prevista incidir sobre o licenciamento de painéis publicitários instalados em propriedade privada.
É determinante para o sentido da decisão a qualificação da prestação coactivamente imposta por regulamento municipal aos particulares interessados na colocação de painéis publicitários: sendo manifesta a inobservância de exigências constitucionais em matéria de impostos, a inconstitucionalidade orgânica que daí alegadamente resulta só não se verifica se ao tributo em causa não couber tal designação.
As notas básicas do conceito de “taxa”, por contraposição às de “imposto”, encontram-se bem consolidadas, na doutrina e na jurisprudência. Aponta-se ao primeiro o carácter de bilateralidade, ao passo que a configuração do segundo se traduz pela unilateralidade. Com tais menções, pretende-se assinalar a diferenciada estrutura da relação obrigacional estabelecida com o ente público credor: a taxa tem como causa uma contraprestação específica a favor do sujeito a quem ela é exigida, enquanto que o imposto não está conexionado com uma actividade determinada, a cargo da entidade que o fixa, de que seja concretamente destinatário o contribuinte. As receitas produzidas com a arrecadação dos impostos visam antes o financiamento geral dos serviços públicos de que os cidadãos indiferenciadamente usufruem.
Mas, se dúvidas não há quanto a esta distinção de base, já oferece margem de controvérsia a exacta natureza da contraprestação pública constitutiva da relação de bilateralidade, sem a qual não há taxa. As divergências manifestam-se quanto ao tipo de actividades prestativas que podem valer, para esse efeito.
Parte da doutrina, admitindo que a taxa pode traduzir-se na remoção de um obstáculo à actividade privada, sustenta que a qualificação só se justifica quando o levantamento desse obstáculo possibilite a utilização de um bem semipúblico. A remoção de um limite, só por si, desacompanhada daquele outro requisito cumulativo, não basta para ter como taxa a quantia paga para esse efeito, cabendo-lhe antes a qualificação de imposto. É esta a posição marcante, entre outros, de TEIXEIRA RIBEIRO. Definindo taxa como “a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semipúblicos”, o Autor rejeita expressamente a valência autónoma, como elemento da qualificação, da remoção de um obstáculo a certa actividade particular (“Noção jurídica de taxa”, RLJ 117.º, 289 s., 291-292).
7. Tem sido essa, também, a orientação perfilhada pelo Tribunal Constitucional, em numerosos arestos sobre a questão da constitucionalidade das taxas devidas pelo licenciamento de painéis publicitários colocados em propriedade privada. Pronunciando-se sobre normas de diversos regulamentos e posturas municipais de diferentes municípios, que prevêem o pagamento de uma taxa pela afixação de painéis publicitários, o Tribunal tem reiteradamente julgado organicamente inconstitucionais tais normas, por violação dos artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição.
Em síntese, o Tribunal tem rejeitado a configuração como taxas de receitas em que não se vislumbra que esteja em causa qualquer forma de utilização de um bem público ou semi-público e em que o ente tributador não “venha a ser constituído numa situação obrigacional de assunção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico”.
A esse respeito lê-se no Acórdão n.º 558/98, que julgou inconstitucional as normas do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais da Câmara Municipal de Guimarães, aplicável à data, referentes à utilização de veículos para publicidade:
«[…] 2. É sabido que a doutrina portuguesa - que, neste particular, tem tido acolhimento na jurisprudência que, a propósito, é seguida por este Tribunal - tem realçado que a diferença específica entre «imposto» e «taxa» se situa na existência ou não de um vínculo sinalagmático que é apontado à segunda. Assim, o encargo característico das «taxas» representa como que, para se utilizarem as palavras usadas no Acórdão nº 654//93 (ainda inédito) "o 'preço' do serviço ou da prestação de um serviço ou actividade públicas ou de uma utilidade de que o tributado beneficiará (e sem aqui se olvidar que esse 'preço' não tem, necessariamente, de corresponder à contrapartida financeira ou económica do serviço prestado)".
De outra banda, o «imposto», como se escreveu no Acórdão nº 313/92 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 18 de Fevereiro de 1993), "constitui, por si, uma receita estadual - ou até da entidade pública legalmente habilitada a cobrá-lo - que não é directamente destinada à satisfação das utilidades do tributado como contrabalanço do usufruto dessa satisfação" (cfr., sobre o tema, por entre outros, Teixeira Ribeiro "Lições de Finanças Públicas", 267 e segs., e na "Revista de Legislação e Jurisprudência", 117º, 3727, 289 e segs, Soares Martinez, "Manual de Direito Fiscal", 34 e segs., Cardoso da Costa, "Curso de Direito Fiscal", 4 e segs., Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, 43 e 44, Alberto Xavier, "Manual de Direito Fiscal", 1º vol., 42 e segs., Maria Margarida Mesquita Palha, Sobre o conceito jurídico de taxa, publicado em Centro de Estudos Fiscais - Comemoração do XX Aniversário - Estudos, 2º Vol., 582 e segs., Sá Gomes "Curso de Direito Fiscal", 92 e segs. e, mais recentemente, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, no artigo intitulado Os Conceitos de Taxa e Imposto a propósito de Licenças Municipais, publicado na revista FISCO, nº 51/52, 3 e segs.).
2.1. Como se viu, extrai-se do discurso empregue no aresto sob censura a ideia base de acordo com a qual o encargo consubstanciado no pagamento da «taxa» in specie traduz, ao fim e ao resto, uma contrapartida da actividade do ente público Câmara Municipal de Guimarães e consistente na remoção de um limite jurídico, qual seja o de proporcionar que o exercício da publicidade industrial ou comercial, que é uma actividade relativamente proibida (por isso que estando condicionada por razões de ordem urbana e ambiental, inculca o respectivo licenciamento), possa vir a ser levado a efeito num dado caso. E, como aquela actividade, que culmina na emissão de licença, implica uma verificação sobre se estarão a ser respeitados os princípios informadores que regem a publicidade (condensados, no que para o caso releva, nos artigos 6º a 22º-A do denominado Código de Publicidade aprovado pelo Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, que veio a sofrer alterações por intermédio dos Decretos-Leis números 74/93, de 10 de Março, 6/95, de 17 de Janeiro, e 61/97, de 25 de Março), não deixaria de haver, quer na ocasião da emissão da licença, quer nas renovações anuais, uma prestação de serviço que revertia em utilidade da recorrente, motivo pelo qual não deixava de haver aqui o signalagma característico da «taxa».
Embora acompanhando em parte a ideia, perfilhada no acórdão prolatado no Supremo Tribunal Administrativo de cuja impugnação se cura, de que a actividade publicitária não é uma actividade plenamente livre, antes sendo uma actividade relativamente proibida, este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa não chega, porém, à mesma conclusão que aquela decisão arrancou no que tange à conformidade com a Lei Fundamental da normação em apreço.
Na verdade, das citadas disposições do Código da Publicidade (e ainda de outras que no mesmo, e até em legislação avulsa, se podem encontar), resulta que a publicidade (conceptualizada no seu artº 3º) e, mais concretamente, a actividade publicitária (esta conceptualizada no artº 4º), não é uma forma livre de comunicação. De facto, a mesma deverá ser pautada por determinados princípios que o legislador entendeu por bem estabelecer, e é passível de restrições da mais variada sorte (cfr. artigos 17º e seguintes; cfr., ainda, a nível de direito interno, e a título meramente exemplificativo, os diplomas reguladores da publicidade dos medicamentos, produtos farmacêuticos e produtos homeopáticos para uso humano - Decretos- -Leis números 72/91, de 8 de Fevereiro, 100/94, de 19 de Abril, e 94/95, de 9 de Maio - , dos géneros alimentícios - Decreto-Lei nº 170/92, de Agosto, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei nº 273/94, de 28 de Outubro -, dos brinquedos - Decreto-Lei nº 237/92, de 27 de Outubro -, do tabaco - Decreto-Lei nº 226/83, de 27 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis números 393/88, de 8 de Novembro, e 253/90, de 4 de Agosto, Decretos-Leis nº 52/87, de 30 de Janeiro, e 346/88, de 29 de Setembro -, da publicidade exterior junto de estradas municipais e dentro das áreas urbanas - Decreto--Lei nº 637/76, de 29 de Junho; a nível internacional convencional e por entre muito mais que se poderia citar, a Convenção Europeia sobre a Televisão Transfronteiras, maxime o que aí se dispõe nos seus artigos 11º e segiuntes, a Resolução do Conselho da Europa nº 543, de 17 de Maio de 1973, que adoptou os princípios estabelecidos na chamada Carta de Protecção do Consumidor, e a Directiva nº 84/450/CEE, de 10 de Setembro de 1984 do Conselho das Comunidades Europeias em matéria de publicidade enganosa).
Por outro lado, em face dessa relativa proibição sobre a actividade publicitária, mais propriamente sobre a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial, veio- -se a estipular no nº 1 do artº 1º da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, que a mesma, para poder ser exercida, carecia "de licenciamento prévio das autoridades competentes", comandando-se no seu nº 2 que, "[s]em prejuízo de intervenção necessária de outras entidades, compete às câmaras municipais, para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental, a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho" (cfr., também, sobre a publicidade nas áreas urbanas, em lugares públicos ou destes perceptível, e o cometimento do respectivo licenciamento às câmaras municipais, o mencionado Decreto-Lei nº 637/76, no qual - vide artº 3º, nº 2 -, se estabelece que as licenças são concedidas pelo prazo máximo de um ano, renovável a título precário).
2.2. Simplesmente, não será do simples facto de o licenciamento da actividade publicitária competir, na área dos respectivos municípios, às câmaras municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de propaganda, haja de ser considerado como uma «taxa».
Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado Acórdão nº 313/92, "mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)", acrescentando-se que, "[s]e este último condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos».
Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da «taxa», o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (cfr. Teixeira Ribeiro, ob. e local citados, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, também ob. e loc. cits.).
Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade - só pode configurar-se como «taxa» se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol. 1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros).
Neste contexto, e não olvidando que a norma sub specie se reporta a painéis publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico.
Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez Curso de Derecho Tributário, 1º Tomo, 208), o que é certo é que a doutrina nacional, quase diríamos sine discrepante, tem sustentado que tais contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser vistas diferenciadamente dos «impostos».
Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado - perspectivando o tributo em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular - que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento sui generis diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se nos anteolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos «impostos».
E daí que a norma impositora do encargo em apreciação, porque criada por diploma não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente credenciado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica. […]»
A jurisprudência fixada neste aresto foi reiterada nos Acórdãos n.ºs 63/99, 32/2000, 346/2001, 92/2002, 436/2003, 437/2003 109/2004 e 166/2008, que julgaram organicamente inconstitucionais as normas dos correspondentes “Regulamentos sobre Publicidade” e “Tabela de Taxas” dos Municípios de Lisboa, do Porto e de Cascais, relativas à taxa devida pela afixação de reclamos luminosos em telhados de ou nos próprios prédios pertencentes a particulares.
8. Esta orientação restritiva entronca na conceptologia própria da ciência das finanças públicas, como os seus defensores reconhecem. TEIXEIRA RIBEIRO, por exemplo, aponta essa matriz, quando declara que houve que “pedir às Finanças Públicas o conceito de taxa”, na ausência de uma definição legal (ob. cit., 291).
Acontece, porém, que essa situação se alterou com a promulgação da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro). Na verdade, o artigo 4,º, n.º 1, desse diploma veio explicitar que «as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares». De igual modo, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 117/2009, de 29 de Dezembro), que aprova o regime geral das taxas das autarquias locais, consagra, no artigo 3.º, idêntica categorização.
Perante esta enumeração tripartida das categorias de prestação pública que dão causa e servem de contrapartida à prestação exigível a título de taxa, é incontroverso que o legislador não acolheu aquela concepção restritiva, tendo antes considerado a remoção de um obstáculo jurídico como pressuposto autosuficiente da figura. A própria formulação utilizada sugere isso mesmo, pois a disjuntiva que antecede a referência final corta toda a ligação conectiva com os dois tipos de contraprestação antes expressos. E não faria, na verdade, qualquer sentido que o enunciado legal previsse um terceiro grupo de situações, em alternativa às duas outras anteriormente previstas, para se concluir que não se chega, afinal, a ultrapassar o âmbito da “utilização de um bem do domínio público”, pois só conta a remoção que a ela conduza.
Não pode extrair essa conclusão um intérprete obrigado a presumir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). A não valer por si mesma, sem mais, a previsão do último tipo de situações qualificadoras da taxa seria inteiramente dispensável e enganadora. Até porque a utilização de um bem público implica sempre uma prévia permissão ou autorização dessa conduta, sem a qual a utilização está vedada. No quadro dessa previsão, os dois pressupostos estão sempre interligados, sendo manifestamente inapropriada a criação de uma outra hipótese de contraprestação, com um âmbito aplicativo inteiramente coincidente com o de outra já prevista. Pode até concluir-se, tendo em conta esse factor sistemático de interpretação, que o espaço de operatividade autónoma, em face da previsão anterior, da modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico é precisamente dado por aqueles casos em que essa remoção não está funcionalizada à utilização de um bem público.
Esta noção mais ampla de taxa não representa, aliás, uma inovação, por via legislativa, pois o legislador limitou-se a perfilhar uma orientação, contraposta à acima referida, já anteriormente presente num significativo sector da doutrina portuguesa. Na verdade, a classificação tripartida, sem qualquer restrição, das modalidades de taxas já era advogada por autores como ALBERTO XAVIER, Manual de direito fiscal, I, Lisboa, 1974, 42-43 e 48-53, BRAZ TEIXEIRA, Princípios de direito fiscal, I, Coimbra, 1985, 43, e SOUSA FRANCO, Finanças públicas e direito financeiro, II, 4.ª ed., 1992, 64.
9. Mas a adopção, pelo legislador ordinário, deste conceito de taxa, posto que não deva ser desconsiderada, não resolve a questão de constitucionalidade.
Trata-se, na verdade, de um conceito vigente na ordem infraconstitucional, sem qualquer garantia “automática” de aplicabilidade no plano da Constituição. Como logo se afirmou, a este propósito, no Acórdão n.º 346/2001, e foi reiterado em arestos posteriores, o princípio da constitucionalidade opõe-se a que os preceitos e princípios constitucionais sejam interpretados “em função do direito infraconstitucional em vigor”. Em face do conceito da lei ordinária, há que aferir se esse é também o conceito pressuposto pelas normas constitucionais que submetem as taxas a um tratamento diferenciado, em relação aos impostos. E não é de afastar que tal conceito se revele inapto a definir adequadamente o âmbito de incidência da não aplicação das exigências constitucionais referentes aos impostos, o mesmo é dizer, que tenha cabimento um conceito “constitucional” de taxa, mais restritivo do que o fixado na Lei Geral Tributária.
Mas o tratamento da questão, no específico plano jurídico-constitucional, não pode ignorar este dado legislativo, pois o que urge saber, ao fim e ao cabo, é se há fundamento para nos afastarmos do conceito de direito ordinário. Não havendo, nesta matéria, uniformidade de posições doutrinais, “o mais” da consagração legislativa de uma das duas orientações em confronto, sem ser decisivo, deve contar, na apreciação a fazer quanto à noção de taxa presente na disciplina constitucional. E, nesta perspectiva, não é descabido considerar que o ónus da argumentação incide com peso acrescido sobre os que entendem ser aquele conceito imprestável, no plano da normatividade constitucional. Importaria deixar a claro que, com a noção mais extensiva de taxa, ficam libertos das exigências constitucionais respeitantes à imposição de impostos tributos que, de acordo com a teleologia própria dessas exigências, a elas deveriam ficar submetidas.
Ora, não vemos que tenha sido avançado, nem na doutrina, nem na jurisprudência, qualquer argumento no sentido de que a noção de taxa, tal como estabelecida no artigo 4.º, n.º 1, da LGT, e no artigo 3.º da RGTAL, contemplando como modalidade autónoma a prestação exigível pela remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, “não serve” ao princípio da legalidade no domínio fiscal, por comprometer as valorações que lhe subjazem.
Não só isso não foi feito como, pelo contrário, já se argumentou convincentemente no sentido da adequação do conceito de direito ordinário às razões constitucionais de diferenciação do tratamento das duas espécies de tributos.
Essa ideia já encontra eco na declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues, apensa aos Acórdãos n.º 436/2003 e n.º 34/2004, onde se salienta que, com a qualificação dos tributos em causa como taxas, seguramente que não saem “postergadas as exigências garantísticas que fundamentam a distinção funcional dos conceitos”.
Mais recentemente, pode ler-se em CARDOSO DA COSTA, “Ainda sobre a distinção entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, 547 s., 570-571:
«Por seu turno, o ponto de vista do direito constitucional, ao distinguir entre dois tipos fundamentais de receitas públicas, é naturalmente outro: é antes o da diferente onerosidade de umas e outras para os obrigados ao respectivo pagamento – a implicar um tratamento mais estrito e exigente (em particular no que concerne ao princípio da legalidade) para aquelas receitas que correspondem a uma pura “exacção”, sem que o seu sujeito passivo obtenha qualquer utilidade específica (uti singuli) com o respectivo pagamento: aí, há que acautelar mais intensamente (para nos restringirmos à consideração do mencionado princípio e das suas funções), seja o direito de propriedade daquele contra exacções desnecessárias ou exorbitantes, seja a legitimidade e a transparência democrática da decisão que estabelece e fica a fundamentar tal exacção. Ora, há-de reconhecer-se que, quando certa receita pública é exigida para que um particular possa desenvolver determinada actividade ou praticar determinado acto, que sem isso lhe estaria vedado, do pagamento dessa receita deriva sempre, para quem o faz, uma utilidade do tipo antes referido (uma vantagem), traduza-se ela em, ou implique ela ou não a utilização de um bem semipúblico».
Acompanhamos inteiramente estas considerações, que levaram o Autor a propender, hoje, para acolher o critério fixado no artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
10. Por detrás do conceito restritivo de taxa, estão razões pragmáticas, ligadas à preocupação legítima de obstar a que, sob o rótulo enganador de “taxas”, se obtenham verdadeiras receitas fiscais, receitas a que é de atribuir essa qualificação por não se vislumbrar que o obstáculo a remover tutele um interesse público que não seja esse mesmo, de ordem estritamente financeira. E há que reconhecer que a noção ampla de taxa potencia o risco de verificação dessas situações, em que a exigência de licença é uma “mero estratagema para obter receitas” (CASALTA NABAIS, Direito fiscal, 5.ª ed., Coimbra, 2009, 15, n. 27).
Simplesmente, a solução vai longe demais, sendo patentemente desproporcionada à prossecução do objectivo de combater a criação de verdadeiros impostos sem os resguardos e as garantias constitucionalmente exigidos. Ela, na verdade, leva a tratar igualitariamente (como impostos) todas as prestações exigidas pelo levantamento de um obstáculo jurídico a uma actividade privada, se esta não se traduzir na utilização de um bem semipúblico, sem levar em conta a natureza finalística desse obstáculo, a razão de ser da sua existência e a concomitante configuração real do interesse protegido. Esta orientação não separa aquilo que pode e deve ser separado, já que todas as “taxas” devidas por licenças que não se projectem na utilização de um bem semipúblico são tratadas como licenças fiscais, apagando a autonomia e a especificidade, sob o ponto de vista constitucionalmente relevante, das chamadas licenças administrativas ou policiais – aquelas, no dizer de ALBERTO XAVIER (ob. cit., 53), “estabelecidas predominantemente por razões gerais de ordem administrativa”.
A distinção a fazer não é, assim, entre as remoções que facultam e as que não facultam a utilização de um bem semipúblico, mas entre as que afastam um obstáculo real, ditado por um genuíno interesse administrativo, e as que eliminam um obstáculo artificialmente erguido para, através da remoção, propiciar à administração a cobrança de uma receita (cfr., quanto a esta distinção, CASALTA NABAIS, ob. cit., 14-15, Autor que, no entanto, considera “verdadeiras licenças fiscais” as taxas relativas à publicidade através de anúncios).
O tratamento, de modo constitucionalmente adequado, das prestações devidas pela concessão de licenças municipais não exige a diferenciação que o critério restritivo de taxa propugna, mas uma outra, decorrente do indispensável controlo sobre a verdadeira funcionalidade do obstáculo cujo levantamento justifica a contrapartida pecuniária. O modo de combater a “fuga” para o regime mais benévolo das taxas, sem que a natureza substancial da relação com o administrado o legitime, passa, como acentua CARDOSO DA COSTA, por esse meio – o do «teste de verosimilhança, destinado (…) a afastar a qualificação de “taxa” nos casos em que ela se ligue à remoção de um obstáculo “artificial”, criado apenas para se proporcionar a cobrança de uma receita (dito por outras palavras, nos casos em que à criação do obstáculo não vá subjacente um interesse “administrativo” autónomo, mas unicamente um interesse “fiscal”» (ob. loc. cit.).
11. Assente que há prestações conexas, sem mais, ao licenciamento de um comportamento dos particulares, a que cabe, também do ponto de vista das valorações constitucionais, a qualificação como taxa, cumpre ajuizar, por último, se o tipo de situações de que o caso vertente é exemplo se integra nessa categoria.
Está em causa, como já vimos, a colocação de um anúncio luminoso num prédio particular. Seja qual for a materialidade concreta desse reclamo e o modo do seu posicionamento no prédio – matéria sobre a qual não há elementos nos autos - não sofre dúvidas de que o local de implantação do suporte físico da publicidade se situa em domínio privado, num imóvel de propriedade privada. Mas isso não invalida que, pelo seu modo funcional de ser, a actividade publicitária assente em painéis ou inscrições se projecte visualmente no espaço público, interferindo conformadoramente na configuração do ambiente de vivência urbana das colectividades locais. A fixação do âmbito de incidência da taxa em questão leva em conta isso mesmo, pois só são taxados “os anúncios que se divisem da via pública” (observação 1), aplicável às normas do Capítulo IV, em que se integra a do artigo 31.º, da Tabela de Taxas anexa ao Regulamento em causa).
Na busca da máxima perceptibilidade e do maior impacto da respectiva mensagem junto dos potenciais consumidores ou utentes dos produtos ou serviços publicitados, o anunciante utiliza, com muita frequência, formas agressivas de comunicação, em termos luminosos, gráficos ou, até, de dimensão e destaque físicos, pelo que a visualização tem verdadeiros efeitos intrusivos, no ambiente de vida comunitária.
Contrariamente ao que transparece de algumas apreciações, a questão não se resolve, pois, pela simples demarcação “física” dos espaços privado e público, determinando-se a legitimidade da qualificação como taxa pela “ocupação” de um ou de outro, por parte da fonte emissora da mensagem publicitária. «É que – faz-se notar na referida declaração de voto do Conselheiro Benjamim Rodrigues – a utilidade essencial e determinante na óptica do utilizador que o obrigado do tributo obtém pela via do pagamento do tributo não é propriamente a utilidade traduzida na afixação ou inscrição dos anúncios nos bens do domínio privado mas sim, essencialmente, a utilidade dos mesmos poderem ser visíveis e tidos em conta por quem circula nos espaços públicos planificados pelos municípios e cuja preservação como ecologicamente sadios principalmente lhes compete».
A colocação, em prédios de propriedade privada, de anúncios de natureza comercial tem directa e muito marcante incidência “externa”, que extravasa da esfera dominial do respectivo titular. Pela natureza do efeito útil pretendido, ela contende necessariamente com o espaço público, cuja gestão e disciplina compete à edilidade exercitar. Justifica-se, assim, que a actividade publicitária seja relativamente proibida (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 558/98), ficando sujeita a um licenciamento prévio pelas câmaras municipais, “para salvaguarda do equilíbrio urbano e ambiental” (artigo 1.º da Lei n.º 97/88 de 17 de Agosto, alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto).
De forma alguma este regime pode ser perspectivado como um obstáculo jurídico arbitrário, como uma intervenção abusivamente limitadora do jus utendi de um bem privado, com o único fito de obter receitas. Independentemente da posição adoptada quanto a saber se a iniciativa publicitária corresponde ou não ao gozo de uma faculdade contida no direito de propriedade privada, não sofre dúvida de que tal regime se encontra objectivamente legitimado pela tutela de reais interesses públicos, cuja preservação é condição indispensável da “qualidade ambiental das povoações e da vida urbana”, nos termos constitucionalmente exigidos (alínea e) do artigo 66.º da CRP).
12. Mas a conexão privado-público, que se estabelece por força da afixação e inscrição de mensagens de publicidade em prédios privados, não deve representar-se apenas segundo um “modelo de limites”, traduzindo a ideia simples de que ao privado cumpre respeitar as restrições que advêm da intangibilidade de interesses públicos.
Se assim fosse, poderia ter cabimento a orientação que valora diferentemente a taxa devida pela concessão da licença, como acto administrativo praticado em dado momento temporal, das sucessivas renovações dessa taxa, das prestações periodicamente reiteradas, em função da manutenção, ao longo do tempo, da publicidade. Poderia sustentar-se, deste ponto de vista, que é apenas a colocação da publicidade que requer, como contrapartida, a actividade administrativa prévia de verificação da observância dos deveres negativos do obrigado tributário, os quais dão conteúdo aos critérios de licenciamento enunciados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88. Uma vez prestado, esse serviço público não se renova, pelo que não se divisa a existência de qualquer contrapartida específica para a remuneração periódica da mera permanência do reclamo (assim, o Acórdão n.º 437/2003; cfr. ainda o Acórdão n.º 166/2008, onde se salienta que, estando em causa – como acontece nos presentes autos – a renovação da licença e não o licenciamento ex novo, «mais reforça a ausência de correspectividade/sinalagmaticidade entre a taxa devida e o serviço a prestar pelo município, na medida em que a publicidade em causa já se encontra devidamente afixada no imóvel pertencente à recorrida, não se vislumbrando que serviços concretos poderia aquele município ser forçado a praticar, por força da mera renovação da licença»).
Afigura-se-nos que esta orientação, para além de se apoiar numa compreensão restritiva do conceito de taxa, denegatória da autonomia da modalidade consistente na remoção de um obstáculo jurídico, é excessivamente redutora do conteúdo da relação estabelecida entre o anunciante e a administração local. Não está em causa apenas o interesse de integridade dos valores, ambientais, urbanísticos e outros, que poderiam ser afectados por causa da actividade publicitária, interesse esse acautelado através da intervenção administrativa de fiscalização do cumprimento dos deveres específicos de omissão enumerados no artigo 4.º da Lei n.º 97/88. A emissão da licença, o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar (pati) uma actividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma activa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da generalidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.º 437/2003). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado – o anunciante – introduz, através da actividade publicitária, mudanças qualitativas na percepção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, “moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário.
Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da actividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal actividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença.
Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários. Já defendida na doutrina (cfr. P. PITTA e CUNHA/J. XAVIER DE BASTO/A. LOBO XAVIER, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, Fisco, ano 5 (1993), 3 s., 6-7), esta tese ignora a especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis.
III −
Decisão
Pelo exposto, acordam em:
a) Não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Taxas e Licenças (aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Guimarães, de 9.11.2006 e sancionado pela Assembleia Municipal, em sessão de 24.11.2006) e do artigo 31.º da Tabela de Taxas àquele anexa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Maio de 2010
Joaquim de Sousa Ribeiro
Catarina Sarmento e Castro
João Cura Mariano
Vítor Gomes (revendo posição)
Ana Maria Guerra Martins (revendo posição)
José Borges Soeiro
Maria Lúcia Amaral
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão (revendo posição)
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos. Revendo a posição assumida nos acórdãos n.ºs 436/2003 e 437/2003