ACÓRDÃO N.º
34/2010
Processo n.º1/CCE
Apenso n.º1-A
Plenário
ACTA
Aos vinte e seis dias do
mês de Janeiro de dois mil e dez, achando-se presentes o Excelentíssimo
Conselheiro
Após debate e votação, foi
ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:
ACÓRDÃO
N.º 34/2010
I. Relatório.
1.
No âmbito dos presentes autos, instaurados ao abrigo do disposto no n.º 2 do
art.103º-A da
«A.
Factos:
1.
Decorre dos elementos probatórios coligidos nos autos que:
Durante
o período da campanha eleitoral para as Eleições Legislativas, realizadas em 20
de Fevereiro de 2005, foram efectuadas, no Brasil e tendo em vista o Círculo de
Emigração de Fora da Europa, várias acções de propaganda política no âmbito da
candidatura do Partido Socialista, envolvendo meios financeiros com alguma
expressão financeira e que não estão reflectidas nas contas da campanha
eleitoral em causa, entregues, por este Partido, no Tribunal
Constitucional.
Estamos, pois,
perante factos supervenientemente conhecidos e
autónomos dos já verificados e sancionados no âmbito do processo normal de
prestação das contas da campanha eleitoral para essas eleições, no que ao
Partido Socialista diz respeito.
2.
Concretamente, essas acções de propaganda realizaram-se no Estado e cidade do
Rio de Janeiro e traduziram-se na:
a) -
contratação de 30 programas de rádio, em diversas emissoras na cidade do Rio de
Janeiro, com, pelo menos, quatro inserções do anúncio de propaganda por
programa, sendo o texto do anúncio do seguinte teor (que se encontra
documentado no CD-R junto aos autos):
“Você quer um Consulado de Portugal moderno e
eficiente,
Você quer a dignificação do emigrante português,
Se você quer ser tratado com igualdade com os portugueses
residentes em Portugal,
Se você quer ser um cidadão português no pleno
uso dos seus direitos…
Então vote em quem vai governar Portugal.
Por Portugal e pelos portugueses vote no Partido
Socialista. Vote PS.
Vote
b) -
divulgação diária de propaganda, paga, na Rede de Televisão Bandeirantes,
conforme vídeo documentado no DVD-R junto aos autos, e cujo texto do anúncio é:
“Você é emigrante português que vota nas eleições
de 20 de Fevereiro?
Vote no Partido Socialista para continuar a luta
pelas comunidades.
Vote Aníbal Araújo, Vítor Ramos e José Lello pedem o seu apoio.
Por Portugal e pelos portugueses vote no PS,
partido que defende o emigrante”;
Sublinhe-se
que as imagens que servem de suporte ao anúncio, se referem, a uma refeição em
que participam muitas pessoas, refeição essa, porém, que contou, ainda, com a
presença do Sr. Engenheiro José Manuel Lello Ribeiro
de Almeida, José Lello, durante as quais surgem os
símbolos que identificam o PS.
c) -
contratação e colocação de propaganda
em vários autocarros, na cidade do Rio de Janeiro, de que a fotografia de fls.
150 constitui exemplo, e onde se pode constatar que, na parte posterior de um
autocarro, que circula com matrícula do Rio de Janeiro, se encontra um anúncio
com o seguinte texto:
“Por Portugal e Pelos Portugueses no Brasil
Vota Partido Socialista” (seta a indicar o
símbolo do PS)
“Continua a luta pelas Comunidades
Aníbal Araújo com José Sócrates e José Lello”
(com
as fotografias de José Sócrates, Aníbal Araújo e José Lello);
d) -
contratação de transporte, de avião, sobrevoando as praias do Rio de Janeiro,
de faixas com conteúdo de propaganda a favor da candidatura do PS;
e) - montagem de uma central telefónica,
utilizada para contactar potenciais eleitores, convidando-os a votarem no
Partido Socialista, e, ainda, de uma frota para transportar os votos dos
eleitores, das residências destes até aos correios, onde eram despachados por
essa via.
B.
Enquadramento dos factos e enumeração de circunstâncias que relevam na
apreciação dos mesmos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da
prova.
3.
Importa, aqui, esclarecer que Aníbal Araújo (Aníbal de Oliveira Araújo), a que
se referem os suportes publicitários a que se acabou de fazer referência, foi
cabeça de lista do Partido Socialista nessas eleições, para o Círculo de Fora
da Europa, a convite de do Sr. Engenheiro José Manuel Lello
Ribeiro de Almeida, coordenador da campanha eleitoral do PS para as
legislativas de 2005 e mandatário do Partido Socialista no Círculo Eleitoral da
Europa e no Círculo Eleitoral de Fora da Europa.
Por
sua vez, Vítor Ramos (Fernando Vítor Ramos da Silva Serra), era o segundo candidato
da lista do PS para esse mesmo Círculo Eleitoral.
4.
De salientar, também, o ofício/carta, datado de 28 de Janeiro de 2005, assinado
por Oliveira Nunes, coordenador desta mesma campanha eleitoral, do Partido
Socialista no Rio de Janeiro, dirigido aos “Radialistas” Luso-Brasileiros,
autorizando a inserção na rádio dos anúncios de propaganda do PS, de quarenta e
cinco segundos cada, quatro vezes por programa, nos fins de semana de 29/30 de
Janeiro, de 5/6 de Fevereiro e de 12/13 de Fevereiro, de 2005.
Como
se pode ler no referido ofício/carta, do coordenador do PS, no Rio de Janeiro,
para estas eleições (cfr. fls. 149 dos autos), por
cada programa seria paga a quantia de quatrocentos reais, pagamento esse que
deveria ser agendado com a “Srª. Linda”, pelo
telefone nº 2495-9163.
5.
Ora, após diligências efectuadas pela Polícia Judiciária (PJ), através de
pesquisas livres na Internet, (cfr. fls 101), apurou-se que esse número de telefone pertence,
de facto, ao Partido Socialista no Rio de Janeiro, Brasil, com morada na R. Gildásio Amado, 55 Salas
Esta
é, pois, a morada da sede do PS no Rio de Janeiro (fls.103), sendo que o
edifício, em que a mesma se situa, pertence a Licínio Soares Bastos, filho de Desidério Bastos, Presidente de Honra da Secção PS do
Brasil (ver fls. 105), entretanto falecido.
6.
Sublinha-se, ainda, que Licínio Soares Bastos veio, mais tarde, a ser nomeado,
por despacho de 16 de Maio de 2006, do Sr. Secretário de Estado das Comunidades
Portuguesas,
No
entanto, por despacho de 3 de Setembro de 2007, proferido pelo Sr. Secretário
de Estado das Comunidades Portuguesas, foi revogada a sua nomeação para tal
cargo, após conhecimento público de notícias do envolvimento de Licínio Bastos
na chamada “Operação Furacão”.
A
investigação realizada no âmbito deste processo, que, no Brasil, desmantelou
uma rede de jogo ilícito, de branqueamento de capitais e de corrupção, veio a
colocar Licínio Bastos como um dos principais suspeitos pelo que este, depois
de ter andado foragido à justiça, acabou por vir a ser detido no âmbito da
mesma investigação.
7.
Destaca-se, também, que o subscritor da mencionada carta aos “Radialistas”,
Oliveira Nunes, de seu nome completo, Francisco José de Oliveira Nunes, foi membro
do Secretariado do Partido Socialista no Rio de Janeiro, desempenhando, à data
dos factos, o cargo de Presidente da Comissão Política da Secção do PS no Rio
de Janeiro.
Ora,
na altura dos factos em apreciação, o Sr. Oliveira Nunes apresentava-se como
coordenador da campanha do PS no Rio de Janeiro e era publicamente reconhecido
como tal.
8.
Não pode, por isso, deixar de se manifestar alguma estranheza, senão mesmo
completa estupefacção, com o depoimento do Sr. Eng. José Lello,
bem como do esclarecimento prestado a fls. 276 pelo PS, sobre os factos atrás
apontados.
Com
efeito, de ambos os esclarecimentos prestados pretende-se – embora se não veja,
concretamente, como, perante indícios tão concludentes – que resulte que o Sr.
Eng. José Lello se terá deslocado, apenas em viagem
privada ao Brasil, circunscrita a amigos, concretamente, ao Rio de Janeiro, no
fim de semana de 22 e 23 de Janeiro de 2005.
No
entanto, nessa mesma altura – e de forma pouco ou nada consentânea com o
carácter privado de tal visita –, esteve presente num jantar de aniversário em Niteroi, numa visita a uma associação, foi entrevistado por
uma rádio da comunidade local e por um programa de televisão local.
9.
Por outro lado, o Sr. Aníbal Araújo, cabeça de lista do PS para o Círculo
Eleitoral de Fora da Europa, no depoimento que prestou, refere expressamente
que, durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2005, se deslocou ao Brasil,
Canadá e Estados Unidos da América para acções de campanha, entrevistas,
encontros com militantes, dirigentes associativos e comunidade emigrante em
geral, tendo sido acompanhado pelo Sr. Eng. José Lello.
Será, então, possível que o Sr. Aníbal Araújo estivesse em viagem oficial da
campanha, mas o Sr. Eng. José Lello em mera viagem
particular?
Possível,
será, mas tal argumentação afigura-se como pouco credível.
Acresce,
que, relativamente às acções de propaganda aqui em análise, menciona o Sr.
Aníbal Araújo, ter constatado, “in loco”, a sua
existência/ocorrência, pelo que não põe, sequer, em causa, a sua realização.
10.
Também o Sr. Carlos António Páscoa Gonçalves, pessoa que participou os factos
aqui em apreciação ao Partido Social Democrata, e que foi eleito deputado nas
eleições legislativas em causa, por este mesmo Partido, para o Círculo
Eleitoral de Fora da Europa, no depoimento que prestou, mencionou ter tido
conhecimento directo de todas as denunciadas acções de campanha, com excepção
das faixas transportadas por avião, e que, no período de tempo compreendido
entre 20 de Agosto de 2004 e 20 de Fevereiro de 2005, ou seja, nos seis meses
imediatamente anteriores à data do acto eleitoral (cfr.
art. 19º, nº 1, da
C.
Responsabilidade contra – ordenacional.
11.
Da análise efectuada aos elementos probatórios coligidos nos autos, resulta,
pois, inequívoca, a nosso ver, a ocorrência das acções de campanha aqui
denunciadas, com o intuito de promover a candidatura do Partido Socialista nas
Eleições Legislativas de 2005, no Círculo Eleitoral de Fora da Europa.
Destaca-se
a referência inequívoca, em todas as acções de campanha, ao Partido Socialista,
a José Sócrates e aos dois candidatos do PS no Círculo Eleitoral de Fora da Europa,
Aníbal Araújo e Vítor Ramos, bem como a José Lello,
destacado dirigente do PS, bem conhecido junto das comunidades portuguesas na
emigração, nomeadamente do Brasil, onde granjeou várias amizades e contactos,
sobretudo no Estado e cidade do Rio de Janeiro, desde o tempo em que
desempenhou as funções de Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.
12.
Acresce que, sempre que foi utilizado o meio gráfico para a propaganda, a
imagem é acompanhada do símbolo oficial do Partido Socialista e das fotografias
dos enunciados dirigentes e candidatos do PS.
13.
Por outro lado, importa sublinhar que todas estas acções de propaganda não
foram ocasionais ou fortuitas.
Pelo
contrário, tiveram uma incidência temporal reiterada, perduraram por vários
dias ao longo do período da campanha eleitoral em causa, com especial
incidência nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2005.
14.
Estamos, pois, sem margem para dúvida, perante acções de propaganda,
organizadas por quem estava à frente da estrutura do Partido Socialista no
Estado e cidade do Rio de Janeiro, em nome do Partido Socialista e com o
conhecimento dos seus dirigentes locais e nacionais, nomeadamente, do seu
mandatário para as Eleições Legislativas 2005, no Círculo Eleitoral da Europa e
no Círculo Eleitoral de Fora da Europa, Sr. Eng. José Lello.
15.
Convém, aqui, relembrar que as imagens, que servem de suporte ao anúncio de
propaganda do PS, divulgadas na Rede de Televisão Bandeirantes, documentadas no
DVD junto aos autos, cujo texto transcrevemos anteriormente (pág.2), com forte
apelo ao voto no PS e nos seus candidatos para o Círculo Eleitoral de Fora da
Europa, são de uma refeição com muitas pessoas, com a presença destacada do Sr.
Eng. José Lello, e com a focagem inequívoca em
símbolos que identificam o PS, ao mesmo tempo que o anúncio expressa o pedido
de apoio, do Sr. Eng. José Lello ao voto no PS e nos
seus candidatos.
16.
É, assim, notório e óbvio que o conjunto de acções de propaganda, aqui em
apreciação, teve como intuito beneficiar a candidatura do Partido Socialista,
não podendo este Partido alhear-se, agora, das mesmas, invocando, nomeadamente,
o facto de se terem desenrolado fora do território nacional.
17.
Com efeito, mesmo que a iniciativa destas sucessivas acções tenha pertencido a
terceiros, como também é alegado pelo PS, o certo é que as acções foram
realizadas em nome do Partido Socialista, com o conhecimento dos seus
responsáveis locais e nacionais, nomeadamente, do mandatário do PS para o
Círculo Eleitoral onde as mesmas decorreram e com a participação dos referidos
responsáveis em muitas dessas acções e iniciativas.
Aliás,
a candidatura do Partido Socialista não repudiou tais acções; pelo contrário,
aceitou-as e delas beneficiou eleitoralmente.
18.
Por todas estas razões, as despesas decorrentes das acções de propaganda melhor
especificadas na Parte A desta promoção, não podem deixar de ser imputadas à
candidatura do Partido Socialista.
Porém,
tais despesas não foram reflectidas nas contas da campanha eleitoral para as
Eleições Legislativas de 2005, apresentadas pelo PS no Tribunal Constitucional.
De
igual modo, das contas apresentadas nada se infere quanto às receitas da
campanha que tenham custeado tais acções.
19.
Como tal, as contas de campanha não identificam as receitas, nem as despesas
associadas a estas acções de campanha, o que coloca em causa a fidedignidade
das contas apresentadas e a possibilidade de o Tribunal fiscalizar o
cumprimento dos limites das despesas estipulados no art. 20º, o que viola o
disposto no art. 15º, nº 1, ambos da
20.
Outrossim, o incumprimento do dever de reflectir as receitas e despesas,
relativas a estas acções de campanha, nas contas da campanha entregues no
21.
Ora, o Partido Socialista, dada a experiência que detém na realização de
sucessivos actos eleitorais, não podia desconhecer a importância e relevância
do cumprimento destes deveres para a comprovação das contas da campanha e do
seu financiamento, nem que o seu incumprimento é expressamente sancionado pelo
art. 31º, nº 2, da
Consequentemente,
o incumprimento dessas obrigações deve ser imputado ao Partido Socialista, a
título de dolo, atenta a ausência de motivos justificativos em contrário.
22.
Pelo que, promovemos, nos termos do art. 103º - A, nº 2, parte final, da
2.
Notificado da promoção do Ministério Público, veio o Partido Socialista
responder-lhe nos seguintes termos:
“O
Partido Socialista (PS), com sede no Largo do Rato, nº 2 em Lisboa, notificado
para responder à promoção do Ministério Público proferida nos autos de
apreciação das contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas
realizadas em 20 de Fevereiro de 2005, à margem identificados, vem expor o
seguinte:
1 –
Pelo Acórdão nº 563/2006, o
2 –
No âmbito dessa apreciação considerou o Tribunal verificadas determinadas
irregularidades e ilegalidades, devidamente discriminadas a fls.
3 –
Reconhecendo esse Acórdão a existência de casos de violação de determinados
deveres estipulados pela
4 –
Pelo Acórdão nº 417/2007, o
5 –
Paralelamente, pelo Acórdão nº 405/2009, veio o
6 –
Os Acórdãos em causa foram proferidos no âmbito de um processo especial de
apreciação e fiscalização das contas das campanhas eleitorais, regulado pela
7 –
Como é sabido este processo especial comporta duas fases: na primeira o
Tribunal aprecia a regularidade e legalidades das contas, na segunda, procede à
aplicação de coima sempre que as ilegalidades são susceptíveis de aplicação de
coima.
8 –
A aplicação de coima não pode ser efectuada sem que o Tribunal tenha
previamente considerado verificada determinada irregularidade/ilegalidade.
9 –
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 23º da
10 –
Só após essa pronúncia é que o Ministério Público pode promover a aplicação de
coima.
8 -
Conforme resulta dos autos, a presente promoção não foi precedida de qualquer
Acórdão proferido pelo doutro Tribunal, nos termos do qual se tenham declarado
verificadas as irregularidades pelas quais o Ministério Público promove a
aplicação de coima.
9 –
Como se estabelece no nº 1 do artigo 103º/A da Lei da Organização Funcionamento
e Processo do Tribunal, só após a verificação de alguma irregularidade/ilegalidade
por parte do
10 –
Em termos semelhantes o nº 3 do artigo 43º da
11 –
Não tendo a promoção do Ministério Público sido precedida de Acórdão, a mesma é
nula pela violação da Lei.
12 –
Acresce que, o
3.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
4.1.
Conforme sabido é, a
O
novo regime da fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas
eleitorais instituído pela
O
regime processual instituído pela
4.2.
Sob a epígrafe «aplicação de coimas em matéria de contas dos partidos
políticos», o
«1.
Quando, ao exercer a competência prevista no n.º 2 do artigo 13º da
2.
Quando, fora da hipótese contemplada no número anterior, se verifique que
ocorreu incumprimento de qualquer das obrigações nele referidas, o Presidente
do
3.
Promovida a aplicação de coima pelo Ministério Público, o Presidente do
Tribunal ordenará a notificação do partido político arguido, para este
responder, no prazo de 20 dias, e, sendo caso disso, juntar a prova documental
que tiver por conveniente ou, em casos excepcionais, requerer a produção de
outro meio de prova, após o que o Tribunal decidirá, em sessão plenária».
Uma
vez que a norma adjectiva correspondente ao n.º 2 do
Ora,
o problema apenas constituirá verdadeiramente um problema se se considerar que a possibilidade de instauração de um
processo para conhecer supervenientemente dessas
eventuais infracções se encontra dependente da possibilidade de interpretar actualisticamente a norma do n.º 2 do art. 103º - A,
estendendo ao processo relativo às contas das campanhas eleitorais a regra do
conhecimento superveniente que se encontra expressamente prevista para o
processo referente às contas dos partidos e obstando desse modo a uma dualidade
de regimes para a qual seria difícil de encontrar o necessário fundamento
racional.
Todavia,
não é assim.
A
solução normativa constante do n.º 2 do
Em
qualquer um dos referidos domínios, em se tratando de um conjunto de infracções
atribuíveis ao mesmo agente e todas praticadas antes do julgamento de qualquer
delas, a circunstância de certa(s) ter(em) sido já julgada(s) e de somente
essa(s) o haver(em) sido apenas é susceptível de precludir
a possibilidade de julgamento da(s) restante(s) sob convocação dos institutos
da prescrição e do caso julgado.
É
portanto esta regra e não o resultado da interpretação extensiva da norma do
n.º 2 do
Assim
sendo, a instauração de tal procedimento é viável sem mais.
5.1.
Do ponto de vista da sistematização das infracções previstas na Lei n.º19/2003
em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a primeira distinção
classificativa possível diz respeito à natureza
do dever violado.
De acordo
com este critério, aquelas infracções são agrupáveis em duas distintas
categorias (para além da correspondente ao incumprimento puro e simples do
dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao
Tal
contraposição – especialmente relevante, conforme se verá, para perceber, no
plano das infracções com conexão possível à hipótese acusatória, aquela que
integra o objecto do processo definido através do despacho de promoção – tem
por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à
inobservância do regime das receitas e despesas em sentido estrito – ou seja,
do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento
depende a regularidade de cada acto (cfr. arts.16º,
n.º s 1 e 3, 19º, n.º 3, e 20º da
Uma
segunda distinção classificativa possível diz respeito ao tipo de
responsabilidade que é associada à violação dos deveres impostos no Capítulo
III da
A
partir do regime sancionatório instituído pela
No
plano do sancionamento da violação dos deveres estabelecidos no Capítulo III da
Seguindo
aquele primeiro critério, verifica-se que a responsabilidade criminal é
privativa das infracções correspondentes à violação
das regras respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente
dito, não se estendendo à ausência ou insuficiência de discriminação
e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral. Neste âmbito,
a responsabilidade cabível é apenas de tipo contra-ordenacional e isto seja qual for a pessoa jurídica
susceptível de ser responsabilizada.
No
que em especial diz respeito ao tipo de responsabilidade associável à violação das regras respeitantes ao
financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, a concatenação da
previsão normativa dos arts. 28º, 31º e 32º da
O
primeiro dos tipos penais consagrados é o do financiamento ilícito das campanhas eleitorais, encontrando-se
definido nos n.º s 3 e 4 do art. 28º da
O
segundo dos ilícitos penais previstos corresponde ao desrespeito pelos limites das despesas da campanha eleitoral e
encontra-se igualmente definido nos n.º s 3 e 4 do art. 28º da
Do ponto de vista contra-ordenacional, os ilícitos configuráveis são
parcialmente coincidentes com os acabados de referir.
O
primeiro diz respeito ao financiamento
ilícito da campanha eleitoral e encontra-se definido no art. 30º, n.º s 1,
2, 3, e 4, da
O
segundo ilícito contra-ordenacional corresponde ao desrespeito pelos limites das despesas da
campanha eleitoral, encontrando-se definido no n.º 1 do art. 30º da
No
plano da relação que intercede entre os dois tipos de responsabilidade previstos,
em particular dos termos em que estes se articulam, quer entre si, quer com o
elenco dos deveres susceptíveis de serem violados, a sistematização do regime
jurídico instituído pela
No
que diz respeito ao financiamento ilícito
da campanha eleitoral (em violação do regime do art. 16º) da
- o
mandatário financeiro é responsabilizável criminalmente.
- os
dirigentes partidários são responsabilizáveis criminalmente.
- os
partidos políticos são responsabilizáveis contra-ordenacionalmente.
- as
pessoas colectivas são responsáveis contra-ordenacionalmente.
- as
pessoas singulares e os administradores das pessoas colectivas que pessoalmente
participem nas infracções são responsabilizáveis criminal e contra-ordenacionalmente.
Circunscrevendo-se
a competência do
a) o recebimento, por
parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de
formas não consentidas pela
b) o incumprimento,
por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral
fixados no artigo 20.º da
c) o incumprimento,
por parte das pessoas singulares, pessoas colectivas e respectivos
administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no
artigo 16.º da
d) a ausência ou
insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da
campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros,
candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e
primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores – artigo 31.º da
e) o incumprimento do
dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao
5.2.
Concluída a sistematização das infracções previstas na
De
acordo com o despacho de promoção, a candidatura do Partido Socialista não
inscreveu nas contas da campanha eleitoral para as eleições legislativas de
2005 que apresentou no
Trata-se,
portanto, de uma infracção incluída na categoria daquelas correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação
e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral a que se refere
o art. 31º da
É
esta – e não outra – a infracção que constitui o objecto do presente processo.
Pela
contra-ordenação consistente na ausência
ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da
campanha eleitoral referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005, prevista
no art. 31º da
A
actividade contra-ordenacionalmente relevante
imputada ao Partido Socialista no âmbito de tal condenação consistiu na
ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e
despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005
(art. 31º da
i) dever de
apresentação das contas das estruturas regionais, distritais ou autónomas, ou,
em alternativa, de proceder à consolidação das contas da campanha, de forma a
permitir apurar a totalidade das receitas e despesas das estruturas da
candidatura, previsto nos arts. 12º, n.º 4, ex vi do art. 15º, n.º
ii) dever de apresentação das receitas decorrentes do
produto de actividades de angariação de fundos, em lista própria, anexa à contabilidade
da campanha, com identificação do tipo de actividade e data de realização,
previsto no artigo 12.º, n.º 7, alínea b), ex
vi do artigo 15.º, n.º
iii) dever de reflectir nas contas da campanha as
contribuições partidárias, previsto no artigo 15.º, n.º 1, da
iv) dever de comprovar devidamente as receitas de campanha,
por inclusão nas contas da campanha de receitas recebidas em data posterior ao
acto eleitoral, sem que se tenha logrado comprovar que respeitam efectivamente
à campanha eleitoral, sendo tal dever elemento integrante do dever genérico de
organização referido no artigo 12.º, n.º 1, ex
vi do artigo 15.º, n.º
v) dever de perceber as receitas e pagar as despesas
da campanha através da conta bancária especificamente constituída para esse
efeito, em violação do disposto no artigo 15.º, n.º 3, da
A
configuração da violação de cada um dos referidos deveres teve, por seu turno,
como fundamento a consideração dos factos que, pela mesma ordem, seguidamente
se enumeram:
i) as contas financeiras
da campanha não reflectem a totalidade da actividade das estruturas
descentralizadas, designadamente as despesas de campanha realizadas na Região
Autónoma dos Açores;
ii) no
âmbito da prestação de contas, o PS declarou ter recebido €
iii) o PS disponibilizou fundos para a campanha
eleitoral em montante superior ao da contribuição declarada, não espelhando
esses fundos (€ 1.936.912,30) nas contas da campanha por via do mecanismo de
adiantamentos e reembolsos.
iv) os serviços
centrais da candidatura não acompanharam directamente ou validaram as acções
desenvolvidas pelas estruturas descentralizadas, de forma a assegurar que a totalidade
daquelas acções foi efectivamente reportada para efeitos de registo pela
estrutura central e, consequentemente, considerada na informação financeira
submetida ao
v) o PS
liquidou diversas despesas de campanha – inclusivamente em data posterior a 1
de Janeiro de 2005, momento em que entrou em vigor a
Perante
os referidos dados processuais, a questão que importa começar por resolver
prende-se naturalmente com a determinação dos efeitos do caso julgado
associáveis ao Acórdão n.º 417/06, consistindo em saber se o mesmo deverá
considerar-se preclusivo da possibilidade de julgamento dos factos que o
Ministério Público imputa ao Partido Socialista no âmbito dos presentes autos.
Para lhe responder, algumas
considerações relativas à estruturação da infracção contra-ordenacional
tipificada no art. 31º da
Deste
ponto de vista, pode dizer-se que a jurisprudência do
O
que acaba de dizer-se permite precisar a questão a que se procura aqui
responder nos seguintes termos: uma vez que a obrigação de reflectir nas contas
de campanha entregues ao
Atentemos
no contexto dogmático em que o problema deve ser respondido.
Segundo
o disposto no art. 29º, n.º 5, da
Este princípio, extensível às contra-ordenações por
um argumento de identidade de razão, encontra-se neste domínio expressamente
consagrado através do
Sob a epígrafe «alcance da decisão definitiva e do
caso julgado», dispõe-se aí o seguinte:
1 – O carácter definitivo da decisão da autoridade
administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como
crime precludem a possibilidade de reapreciação de tal facto como contra-ordenação».
2 – O trânsito em julgado da sentença ou despacho
judicial que aprecie o facto como contra-ordenação preclude
igualmente o seu novo conhecimento como crime».
A propósito do significado da proibição contida no
do n.º 5 do art. 29º da Constituição, J.J. Gomes Canotilho/Vital
Moreira escrevem o seguinte
«O n.° 5 dá dignidade constitucional ao
clássico princípio non bis in idem.
Também ele comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não
ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo
tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste
direito (direito de defesa negativo);
(b) como princípio constitucional
objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga
fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição
do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos
pelo mesmo facto.
Para a tarefa de densificação semântica” do
princípio é particularmente importante a clarificação do sentido da expressão
“prática do mesmo crime (…)” (
Deste
ponto de vista, a questão a resolver consistirá em saber se a contra-ordenação
que o Ministério Público imputa ao Partido Socialista no âmbito dos presentes
autos é a mesma que já foi julgada pelo
Acórdão n.º 417/07, ou seja, se é recondutível à
unidade comportamental representada pela ausência ou insuficiência de
discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral
descrita no art.º 31 nº 1 da
A
resposta deve ser afirmativa.
A
omissão concretamente imputada nos presentes autos – não inscrição nas contas
da campanha referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005
apresentadas pelo Partido Socialista no
É certo que o foi sem a consideração daquela específica e particular
«ausência» de discriminação.
Contudo, essa particular «ausência» reconduz-se, como modalidade de uma execução típica comum, ao mesmo tipo contra-ordenacional segundo um princípio de unidade de
infracção.
Com
o sancionamento do Partido Socialista pela “ausência ou insuficiência de
discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das
eleições legislativas de Fevereiro de 2005 (art. 31º da
III. Decisão
6.
Por tudo o que fica exposto, decide-se declarar extinto, pela verificação da
excepção de caso julgado, o procedimento contra-ordenacional
instaurado no âmbito dos presentes autos.
Maria
Carlos Pamplona de Oliveira
Joaquim de Sousa Ribeiro
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Rui