ACÓRDÃO N.º
469/2007
Processo
n.º 710/06
2.ª
Secção
Relator:
Conselheiro Mário Torres
Acordam
na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1.
Relatório
1.1. A.
e B. interpuseram recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 20 de Abril de 2006 – que, concedendo provimento a
recurso de revista interposto por Rede
Ferroviária Nacional – REFER, EP, revogou o acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães, de 16 de Novembro de 2005 (que concedera parcial
provimento à apelação deduzida pelos ora recorrentes), ficando a subsistir o
decidido na sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, de 6 de Abril de
2005 –, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos
princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à
propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1,
25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado
pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, “quando
interpretadas no sentido que lhes é atribuído no impugnado acórdão, isto é, no
sentido de excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer
de mera equiparação directa ou analógica a uma tal classificação – e de
remeterem para a classe residual de solo para outros fins – os solos integrados
em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal
ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada
apresente elementos objectivos indicadores de potencialidade de
urbanização/construção – designadamente, (i) ser marginada por arruamento com baía de estacionamento e por caminho
público pavimentado, (ii) estar
inserida numa zona em que a construção existente é predominantemente de rés‑do‑chão
e andar e que beneficia de escolas, parques e outros equipamentos desportivos,
fazendo parte de aglomerado urbano e encontrando‑se nas imediações de
aglomerado industrial, (iii) dispor
de serviço das redes de energia eléctrica, telefónica, saneamento com ligação
a estação depuradora, abastecimento de água, etc., e (iv) ser destacada de imóvel que se encontra
parte em espaço urbanizável e parte na dita reserva e que confronta com
terrenos destinados a fins urbanísticos”.
1.2. A sentença do Tribunal
Judicial da Comarca de Braga, de 6 de Abril de 2005 – considerando resultar
dos factos provados que a parcela em questão se enquadra perfeitamente na
alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do
Código das Expropriações (por confrontar com caminho pavimentado, na extensão
de 122 metros, dispondo de rede de distribuição de energia eléctrica, rede
telefónica, rede de saneamento e rede de abastecimento de água, estando
inserida em aglomerado urbano), embora se encontrasse, à data da declaração de
utilidade pública, integrada, pelo Plano Director Municipal (PDM) em vigor, em
espaço agrícola integrado em Reserva Agrícola Nacional (RAN), mas sendo certo
que a expropriação se destinava à realização das obras da empreitada de
remodelação do troço Nine‑Braga, do itinerário ferroviário Porto‑Braga,
com vista à duplicação e electrificação da via e remodelação das estações e
apeadeiros, e que a parcela em concreto se destinava à instalação do terminal
de Braga, em Aveleda, para apoio ao Parque Industrial de Celeirós –, deu conta
de que esse Tribunal tinha vindo a decidir classificar este tipo de parcelas
como “solo apto para construção”. Nesse sentido apontariam a eliminação do
artigo 25.º do Código das Expropriações de 1999 (correspondente ao artigo 24.º
do Código de 1991) de disposição equivalente ao n.º 5 do artigo 24.º do Código
de 1991 (“Para efeitos de aplicação do
presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou
regulamento, não possa ser utilizado na construção”), de que resultaria
que, dada essa eliminação, o solo que reúna as características de alguma das
alíneas do artigo 25.º, ainda que por lei ou regulamento não seja edificável,
deverá ser considerado como “solo apto para construção” (neste sentido: Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2.ª edição,
2000, p. 97), devendo então utilizar‑se o critério do artigo 26.º, n.º 12
(neste sentido: Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, 2.ª
edição, 2001, pp. 82 e 92), normativo este que significativamente passou a
incluir, além dos solos classificados por plano de ordenamento do território
como zona verde ou de lazer, também os solos destinados a equipamentos
públicos. No entanto, o Tribunal de Braga, no presente caso, decidiu abandonar
o referido critério, que vinha adoptando, por entretanto ter sido publicado o
Acórdão n.º 275/2004 do Tribunal Constitucional, que, sem votos de vencido,
julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado
no artigo 13.º da CRP, as normas contidas nos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º
1, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de
incluir na classificação de “solo apto para construção” e, consequentemente,
de como tal indemnizar, o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação
de vias de comunicação. Foi por se subordinar a este juízo de inconstitucionalidade
que a referida sentença acabou por classificar a parcela expropriada como solo
“para outros fins”, sendo o valor da indemnização fixado, nos termos do n.º 3
do artigo 27.º do referido Código, em € 374 999,50 (valor actualizável de
acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação).
1.3. Desta sentença apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação de Guimarães, que,
por acórdão de 16 de Novembro de 2005,
concedeu parcial provimento ao recurso. Começou esse acórdão por salientar ter
a decisão arbitral, por unanimidade, dividido a parcela expropriada em duas
faixas distintas – uma com a área de 4530 m2, que classificou como
solo apto para construção, e uma outra, com a área de 16 316 m2,
que classificou como solo apto para outros fins, fixando a indemnização global
devida pela expropriação (valor da parcela, benfeitorias e desvalorização das
partes sobrantes) em € 480 386,00. Como os recursos interpostos do
acórdão arbitral visavam: o da expropriante, o valor da indemnização fixada,
mas concordando com a classificação feita quanto às duas faixas de terreno em
que dividiu a parcela; e o dos expropriados, o da classificação de uma das
faixas como solo apto para outros fins – entendeu a Relação ter‑se
constituído caso julgado do acórdão arbitral quanto à classificação como solo apto
para construção da faixa com a área de 4530 m2, pelo que não podia o
juiz a quo tê‑la reclassificado
como solo apto para outros fins, sendo de atribuir a essa faixa, de acordo com
o laudo unânime dos peritos, o valor de € 120 045,00. Passando à questão
da classificação da faixa de terreno com a área de 16 316 m2, o
Tribunal da Relação, reiterando o argumento já aludido de que da não
reprodução, no Código de 1999, da norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código de
1991, se pode retirar não existir obstáculo no Código vigente a que um terreno
classificado como área RAN ou REN possa vir a ser classificado como solo apto
para construção ou equiparado, e citando a doutrina do Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 114/2005, a que adere, concluiu:
“Tratando‑se no caso de expropriação de
parcela de terreno, com vista à instalação de infra‑estrutura e
equipamento público, que preenche os requisitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, somos levados
a classificá‑la como solo equiparado a solo apto para construção, para
efeitos do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e consequentemente
a determinar que a indemnização devida aos expropriados, no que respeita à
faixa de 16 316 m2, seja calculada em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada.
Posto isto, resta dizer que, em face de os Srs.
Peritos não se terem pronunciado sobre a avaliação da parcela expropriada, a
perspectiva da sua avaliação como solo equiparado a solo apto para construção,
tendo em conta o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações,
tem este Tribunal que anular parcialmente o julgamento para que se proceda à
dita avaliação, o que se decide ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 712.º
do Código de Processo Civil, devendo o Tribunal de 1.ª Instância, em face dessa
avaliação, fixar a justa indemnização a atribuir aos expropriados pela faixa de
16 316 m2 e pelas partes sobrantes.”
1.4. Deste acórdão (na parte em que decidiu classificar a faixa de
terreno de 16 316 m2 como solo equiparado a solo apto para
construção para efeito do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações e da que anulou a sentença com vista à avaliação pericial),
interpôs recurso de revista (com
fundamento em oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão da mesma Relação,
de 19 de Outubro de 2005, Proc. n.º 1410/05‑2, transitado em julgado) a
expropriante Rede Ferroviária Nacional –
REFER, EP, aduzindo, em síntese, que: (i) o acórdão recorrido é contraditório com outro do mesmo tribunal
e assenta em pressupostos não verificados à data da declaração da utilidade
pública da expropriação; (ii) a
parcela de terreno não poderá ser classificada como solo acto para construção
ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações; (iii) a desafectação de terrenos
integrados na reserva agrícola nacional para efeitos de expropriação com vista
ao melhoramento de uma via ferroviária não lhes traz maior potencialidade
edificativa; (iv) por se tratar de
realidades distintas, não é aplicável, extensiva ou analogicamente, aos terrenos
integrados na Reserva Agrícola Nacional, o n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações; (v) valorizar essas
diferentes realidades com base em critérios idênticos constitui violação do
princípio constitucional da igualdade.
Os expropriados contra‑alegaram,
sustentando, em síntese: (i) a
questão da indemnização em que a recorrente faz assentar a sua discordância do
acórdão recorrido não é susceptível de apreciação no recurso de revista; (ii) o facto de a parcela expropriada
visar a construção de um terminal ferroviário é elemento decisivo de
diferenciação entre os casos versados no acórdão recorrido e no acórdão
fundamento, inexistindo identidade ou paralelismo entre os núcleos das
situações de facto apreciadas em cada um deles; (iii) dispõe de acessos pavimentados, serviço de redes de
abastecimento de água, de saneamento, de distribuição de energia eléctrica,
estação depuradora em ligação com rede de colectores de saneamento e rede
telefónica e está inserida num aglomerado urbano e nas imediações de um aglomerado
industrial; (iv) está inserida em
contexto de verdadeiro espaço urbano – núcleo urbano traduzido na existência na
sua envolvente imediata de todo um conjunto de moradias, edifícios urbanos e
espaços urbanizáveis – bastante para ser classificada de solo apto para a construção;
(v) a concretização do objectivo da
expropriação, que é a construção do terminal ferroviário, implica que os
terrenos previstos para a sua implantação sejam desafectados da reserva
agrícola nacional, com a consequente extinção das respectivas restrições e
condicionalismos; (vi) a parcela
expropriada tem características e beneficia de infra‑estruturas que
superam o exigido pelo n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, pelo
que deve ser classificada como solo apto para a construção; (vii) os princípios da igualdade e da
justa indemnização implicam a atribuição da classificação do solo apto para
construção ao terreno integrado na reserva agrícola nacional dela desafectado
com vista ao aludido terminal ferroviário; (viii)
valorar somente como solo agrícola a parcela de terreno em causa era infligir
redobrada penalização aos recorridos que já se viram patrimonialmente
prejudicados com a integração desses terrenos na reserva agrícola nacional sem
qualquer compensação indemnizatória.
Por acórdão de 20 de Abril de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao recurso da
expropriante, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:
“1. Comecemos pela delimitação do objecto do
recurso.
Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o
Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26.º
da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela
Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a
regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos
factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue
adequado (artigo 729.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, pode o
Supremo Tribunal de Justiça sindicar o erro na apreciação das provas e na
fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa
de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a
existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova
(artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode
conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando
esta deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei
indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito
das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no
nosso ordenamento jurídico de origem interna ou externa.
Por isso, o erro na apreciação das provas e a
consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da
matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador,
excede o âmbito do recurso de revista.
Em consequência, limitar‑nos‑emos, no
recurso, a considerar os factos que foram tidos por assentes no acórdão
recorrido, isto é, sem qualquer alteração ou modificação, e sem interferir na
decisão das instâncias no sentido da existência de caso julgado quanto ao
cálculo da indemnização concernente a um dos segmentos da parcela expropriada
em causa.
Assim, tendo em conta que este recurso só foi
admitido por virtude de contradição do acórdão recorrido com outro acórdão
proferido pela mesma Relação cerca de quinze dias antes sobre a mesma questão
fundamental de direito, ou seja, a de saber se o terreno integrado em zona de
reserva agrícola nacional que seja expropriado deve ou não ser avaliado como
sendo apto para construção, a tanto se cingirá o objecto da nossa análise.
2. Elaboremos agora a síntese do quadro de facto
relevante para a decisão do recurso em análise.
O objecto da declaração da utilidade pública da
expropriação foi uma parcela de terreno com a área de 20 848 metros
quadrados, a destacar de um prédio rústico sito na freguesia da Aveleda,
Município de Braga.
Destina‑se à realização de obras de
remodelação do troço do itinerário ferroviário que vai de Nine para Braga com
vista à duplicação da via, sua electrificação e remodelação de estações e
apeadeiros, designadamente do terminal de Aveleda, para apoio do Parque
Industrial.
O referido prédio, que consubstancia um extenso
prado quase plano resultante da junção de vários artigos, confronta a sul com
prédio dos expropriados, onde é marginado por um arruamento com baía de
estacionamento, e a nascente com um caminho público pavimentado.
A parcela de terreno expropriada está inserida numa
vasta propriedade agrícola, localizada à margem da via férrea, que com ela
confronta a norte/poente, numa zona que beneficia de escolas, parques e outros
equipamentos desportivos, em que a construção é predominantemente de rés‑do‑chão
e 1.º andar.
Confronta a nascente com o referido caminho público
com calçada à fiada de 122 metros, electricidade e telefone, e a sul com
terreno dos expropriados que se destinam a fins urbanísticos, e a norte
inflecte na direcção da via férrea com a qual confronta na extensão de 125
metros, vedada por muro de alvenaria de pedra com a altura de dois metros e
meio.
Está inserida no aglomerado urbano denominado do
Louredo e, nas imediações, além daquelas construções, existe o aglomerado
industrial do Parque Industrial de Celeirós, e à data da declaração da
utilidade pública da expropriação existiam junto dela redes de distribuição de
energia eléctrica, telefone, saneamento e de abastecimento de água.
O Plano Director Municipal de Braga, em vigor à
data da declaração da utilidade pública da expropriação, insere a parcela
expropriada em espaço agrícola integrado na reserva agrícola nacional, e os
terrenos com ela confrontantes a poente como espaços integrados nessa reserva e
urbanizáveis.
3. Atentemos, ora, brevemente no critério legal da
indemnização decorrente da expropriação.
Como corolário de que a todos é garantido o direito
de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da
Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com
base na lei mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62.º da
Constituição).
Mas o legislador constitucional, no que concerne à
determinação do conceito de justa indemnização, remeteu para a lei ordinária a
definição dos critérios atinentes à sua concretização.
O referido normativo é concretizado na lei
ordinária por via do artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, segundo o
qual a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela
entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém
da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com
o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da
publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
A determinação da indemnização em termos de
ressarcimento do referido prejuízo não pode deixar de atender ao valor de
mercado do terreno objecto da expropriação na altura da declaração da utilidade
pública da mesma, no quadro da equivalência de valores, excluídos os
especulativos que haja, ou seja, em termos de valor da posição de proprietário,
de usufrutuário ou de titular de outro direito real, conforme os casos.
4. Vejamos agora o regime legal de classificação de
solos para efeito da sua avaliação no quadro da expropriação.
Fragmentada a parcela expropriada em duas partes,
uma delas com a área de 16 316 metros quadrados, para efeito de cálculo do
valor da indemnização devida aos recorridos pela recorrente, o tribunal da 1.ª
instância considerou o solo apto para fins diversos da construção e a Relação
teve‑o por apto para a construção.
Ora, para efeitos do cálculo da indemnização por
expropriação, o solo é legalmente classificado em apto para construção ou apto
para outros fins (artigo 25.º, n.º 1, do Código das Expropriações).
O solo legalmente considerado apto para construção
é aquele que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água,
de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para
servir as edificações nele existentes ou a construir, o que apenas dispõe de
parte das referidas infra‑estruturas mas se integra em núcleo urbano
existente, o que está destinado, de acordo com instrumento de gestão
territorial, a adquirir as características mencionadas em primeiro lugar, e o
que, não estando abrangido por aquelas características, tem, todavia, alvará
de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de
utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da
data da notificação da resolução de a requerer (artigo 25.º, n.º 2, do Código
das Expropriações).
Por exclusão, a lei estabelece considerar‑se
solo para outros fins o que não se encontre em qualquer das situações acima
referidas (artigo 25.º, n.º 3, do Código das Expropriações).
A regra é a de que o valor do solo apto para a
construção é calculado por referência à construção que nele seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento
económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor e o disposto
nos números seguintes, sem prejuízo do que prescreve o n.º 5 do artigo 23.º
(artigo 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações).
Sendo necessário expropriar solos classificados
como zona verde, de lazer ou para instalação de infra‑estruturas e
equipamentos públicos por plano municipal ou de ordenamento do território
plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor
de tais solos será calculado em função do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela
expropriada (artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações).
Abrange, pois, este último normativo a expropriação
de solos classificados em plano municipal ou de ordenamento do território
eficaz como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra‑estruturas
ou equipamento públicos.
Dada a sua letra e o respectivo escopo finalístico,
a sua previsão restringe‑se a expropriações de terrenos adquiridos pelos
expropriados antes da entrada em vigor dos referidos planos directores
municipais ou de ordenamento do território, que se situem em zonas urbanizadas
ou urbanizáveis.
Visa salvaguardar as legítimas expectativas dos
expropriados adquirentes de prédios que na altura da respectiva aquisição
podiam utilizá‑los na construção de imóveis e em função disso porventura
tenham por eles pago o preço conforme com essas circunstâncias e que, por
virtude dos referidos planos, deixaram de lhes poder dar essa utilização.
Por isso, não interfere o mencionado normativo com
a avaliação dos terrenos em geral para efeito de expropriação, designadamente
em razão de restrições da sua utilização em termos de urbanização ou de
construção.
5. Atentemos agora no regime legal dos espaços
agrícolas decorrente do Plano Director Municipal de Braga, que é o aplicável na
espécie.
A nova versão do Plano Director Municipal de Braga,
com a natureza de regulamento administrativo, foi ratificado pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 9/2001, de 30 Janeiro.
No que concerne ao regime do solo classificado como
espaço agrícola, o regime legal que resulta do mencionado regulamento
administrativo é essencialmente o seguinte.
Em função do seu uso dominante, o solo é
classificado, entre o mais, como espaço urbanizável ou agrícola (artigo 34.º,
alíneas a), b) e e)).
O primeiro consubstancia‑se em áreas
estrategicamente localizadas, com capacidade construtiva, capazes de assegurar
a expansão urbana a curto ou a médio prazos, geralmente correspondentes à
evolução dos espaços urbanos já consolidados (artigo 54.º).
O último, por seu turno, envolve os que têm
características agrícolas e, como tal, se destinam predominantemente a essa
actividade, englobando as áreas integradas na reserva agrícola nacional (artigo
87.º).
Neste se identificam as categorias de reserva
agrícola nacional, constituída por áreas de maior potencialidade para a
actividade agrícola, e espaço agrícola constituído por áreas que, apesar de não
estarem integradas naquela reserva, possuam utilização agrícola predominante
(artigo 88.º).
Os espaços integrados na reserva agrícola nacional
regem‑se por legislação específica e a respectiva edificação só é
permitida nas áreas autorizadas para o efeito pela entidade gestora, nos casos
previstos naquela legislação, nomeadamente o Decreto‑Lei n.º 196/89, de
14 de Junho, mas desde que não haja afectação das características ambientais e
paisagísticas da envolvente, em razão da sua implantação ou volumetria, e não
contribua para a dispersão dos aglomerados e existam ou se criem infra‑estruturas
básicas (artigo 90.º).
Quanto aos restantes espaços agrícolas é
privilegiado esse uso, embora se admitam outros usos complementares daquele,
desde que justificados e se verifiquem as condições referidas no artigo 90.º
(artigo 92.º, n.º 1).
Poderá, excepcionalmente, admitir‑se a
edificabilidade nesses espaços desde que a mesma se destine à habitação ou
construção de instalações de apoio agrícola, ou a equipamentos de iniciativa
pública ou privada, designadamente a equipamentos turísticos e
estabelecimentos de restauração e bebidas, apoio a transformação, embalagem e
comercialização dos produtos agrícolas da respectiva exploração, a vias de
comunicação, equipamentos e infra‑estruturas de interesse público ou a
empreendimentos de interesse municipal (artigo 92.º, n.º 2).
6. Vejamos agora mais especificamente o regime
legal dos terrenos integrados em zona da reserva agrícola nacional.
O direito de propriedade individual pode sofrer
restrições em função da realização do interesse público, designadamente no
quadro da necessidade de racionalização do uso do solo por virtude da sua
natureza ou localização (artigos 62.º da Constituição e 1305.º do Código
Civil).
É o caso, por exemplo, dos terrenos integrados nas
zonas legalmente classificadas de reserva agrícola nacional.
A defesa e a protecção das áreas de maior aptidão
agrícola e a garantia da sua afectação à agricultura, de forma a contribuir
para o seu pleno desenvolvimento e para o correcto ordenamento do território,
consta do Decreto‑Lei n.º 196/99, alterado pelos Decretos‑Leis n.ºs
274/92, de 12 de Dezembro, e 278/95, de 25 de Outubro (artigo 1.º).
Nesse quadro, a lei definiu a reserva agrícola
nacional como o conjunto das áreas que, em virtude das suas características
morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentem para a
produção de bens agrícolas (artigo 3.º, n.º 1).
A regra é no sentido de que os solos da reserva
agrícola nacional devem ser exclusivamente afectos à agricultura e de que são
proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades
agrícolas, por exemplo, obras hidráulicas, construção de edifícios, aterros e
escavações (artigo 8.º, n.º 1, alínea a)).
As licenças, concessões, aprovações e autorizações
administrativas relativas a utilizações não agrícolas dos terrenos integrados
na reserva agrícola nacional carecem de parecer favorável das comissões regionais,
sob pena de nulidade dos concernentes actos administrativos (artigos 9.º, n.º
1, e 34.º).
O referido parecer só pode, porém, ser concedido
quando estejam em causa:
– obras com finalidade exclusivamente agrícola,
quando integradas e utilizadas em explorações agrícolas viáveis, desde que não
existam alternativas de localização em solos não incluídos na reserva agrícola
nacional ou, quando os haja, a sua implantação nestes inviabilize técnica e
economicamente a construção;
– habitações para fixação em regime de residência
habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não
existam alternativas válidas de localização em solos não incluídos na reserva
agrícola nacional;
– habitações para utilização própria e exclusiva
dos seus proprietários e respectivos agregados familiares, quando se encontrem
em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de
habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para os interesses
tutelados pelo presente diploma;
– vias de comunicação, seus acessos e outros
empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja
alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou
localização;
– exploração de minas, pedreiras, barreiras e
saídas, ficando os responsáveis obrigados a executar o plano de recuperação
dos solos que seja aprovado;
– obras indispensáveis de defesa do património
cultural, designadamente de natureza arqueológica;
– operações relativas à florestação e exploração
florestal quando decorrentes de projectos aprovados ou autorizados pela
Direcção‑Geral das Florestas;
– instalações para agro‑turismo e turismo
rural, quando se enquadrem e justifiquem como complemento de actividades
exercidas numa exploração agrícola;
– campos de golfe declarados de interesse para o
turismo pela Direcção‑Geral do Turismo, desde que não impliquem
alterações irreversíveis da topografia do solo e não se inviabilize a sua
eventual reutilização agrícola (artigo 9.º, n.º 2, alíneas a) a i)).
Independentemente do processamento das contra‑ordenações
e da aplicação das coimas, as comissões regionais da reserva agrícola podem
ordenar a cessação imediata das acções desenvolvidas em violação do disposto
no presente diploma, implicando o incumprimento da ordem o cometimento de crime
de desobediência (artigo 39.º).
As referidas restrições inviabilizam a faculdade
dos proprietários dos terrenos incluídos nas áreas de reserva agrícola
nacional de os destinarem à construção de edifícios urbanos.
Trata‑se, pois, de restrições ao direito de
propriedade individual que visam propiciar o desenvolvimento da actividade
agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos, por via das
quais, por força da lei, se exclui a potencialidade edificativa, antes ou
depois de alguma expropriação que haja.
7. Atentemos agora se, para o efeito em causa, se
deve ou não considerar o referido segmento da parcela de terreno expropriado
como solo apto para a construção.
Conforme resulta dos factos assentes e do Plano Director
Municipal de Braga, cuja natureza é a de regulamento administrativo, a parcela
expropriada está incluída em zona classificada de reserva agrícola nacional.
Assim, a conclusão é necessariamente no sentido de
que a referida parcela não pode ser considerada inserida em zona urbana ou
susceptível de urbanização, pelo que, em termos práticos, estavam os
recorridos impossibilitados de a afectar à construção de edifícios urbanos.
A desafectação de terrenos incluídos na reserva
agrícola nacional para efeitos de expropriação, ainda que com vista ao
melhoramento de vias de comunicação, não lhes transmite potencialidade
construtiva, porque a mesma não tem a virtualidade de lhe alterar a natureza
jurídica.
Assim, o facto de a expropriação em causa haver visado
o melhoramento de uma infra‑estrutura pública consubstanciada em via de
comunicação ferroviária não transmite ao respectivo objecto aptidão
edificativa.
Em consequência, ao invés do que é entendido pelos
recorridos e foi considerado no acórdão da Relação, não obstante os elementos
indiciadores de potencialidade de urbanização que resultam dos factos provados,
a parcela de terreno em causa não se integra nos parâmetros do n.º 2 do artigo
25.º do Código das Expropriações para efeito de ser qualificada de solo apto
para a construção.
Verifiquemos agora se a referida parcela de terreno
deve ou não ser considerada, para o efeito, a solo equiparado a solo apto para
construção, à luz do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações.
Entre os terrenos que algum plano director
municipal ou de ordenamento do território qualifique de zona verde ou de lazer
ou destine a infra‑estruturas ou equipamentos públicos, a que se reporta
o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, e os terrenos legalmente
qualificados de reserva agrícola nacional, ocorre significativa diferença.
Com efeito, no primeiro caso, não releva só por si
ausência de aptidão edificativa, que se verifica no segundo, porque naquele,
um dos concernentes pressupostos consiste em que o solo já haja sido
classificado de apto para construção e que essa natureza jurídica tenha sido
excluída por força do próprio Plano.
Trata‑se, pois, de solos que, não fosse a sua
nova afectação por algum dos referidos planos gerais, regionais ou municipais
de ordenamento do território, integrar‑se‑iam, dadas as suas
componentes objectivas, na classificação de solo apto para a construção.
Em consequência, por virtude da não verificação da
necessária similitude situacional, não pode aplicar‑se à avaliação da
parcela de terreno expropriada em causa, por analogia, o normativo do n.º 12
do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Não está, pois, a referida parcela de terreno
abrangida pelo disposto nos artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações.
Como na parcela expropriada se não pode implantar a
construção imobiliária, o seu valor de expropriação há‑de ser
determinado em função da classificação da mesma como solo apto para outros
fins, nos termos dos artigos 25.º, n.ºs 1, alínea b), e 3, e 27.º do Código das Expropriações.
Por isso, inexiste fundamento legal para equacionar
a problemática da constitucionalidade ou não, por violação ou não do princípio
da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, das normas dos artigos
23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações quando interpretadas
no sentido de incluir na classificação de solo apto para construção e,
consequentemente, de como tal indemnizar o solo integrado na reserva agrícola
nacional expropriado para implantação de vias de comunicação, que o Tribunal
[Constitucional] decidiu em sentido contrário nos Acórdãos n.ºs 114/2005, de 1
de Março, e 145/2005, de 16 de Março.
8. Vejamos agora se a solução mencionada sob 7.
envolve a violação do princípio da igualdade ou outro princípio constitucional.
Conforme acima se referiu, por um lado, a
Constituição não fixa qualquer critério para a determinação da justa
indemnização decorrente da expropriação, antes remetendo para a lei ordinária.
E, por outro, o direito de propriedade individual
pode sofrer restrições em função da realização do interesse público,
designadamente no quadro da necessidade de racionalização do uso do solo por
virtude da sua natureza ou localização (artigos 62.º da Constituição e 1305.º
do Código Civil).
É o caso, por exemplo, conforme acima se expressou,
dos terrenos integrados nas zonas legalmente classificadas de reserva agrícola
nacional.
Com efeito, trata‑se de restrições
necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar reserva de terrenos
agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio
ecológico e outros interesses públicos, que a Constituição salvaguarda, além
do mais, nos artigos 66.º, n.º 2, alínea b),
e 93.º, n.º 2.
Quanto ao princípio da igualdade que decorre do
artigo 13.º da Constituição, conforme tem sido reiteradamente considerado pelo
Tribunal Constitucional, ele implica o tratamento igual de situações
objectivamente iguais, e o tratamento adequadamente diverso de situações
objectivamente diferentes, o que se traduz em tratar por igual o que é
essencialmente igual e de modo diferente o que é essencialmente diferente.
Assim, o referido princípio constitucional não
proíbe que a lei ordinária estabeleça distinções, mas tão‑só as
distinções arbitrárias, em quadro de previsão e estatuição, isto é, as que não
tenham fundamento material bastante.
São essencialmente diferentes as situações de
proprietários de terrenos com aptidão para a construção urbana e de
proprietários de terrenos apenas com vocação agrícola, ainda que integrados em
zonas de restrições de interesse público como as que são classificadas de
reserva agrícola nacional.
Acresce que os expropriados, antes da expropriação,
não tinham alguma expectativa razoável sobre a potencialidade edificativa da
parcela de terreno em causa, já que sabiam ou podiam saber que, segundo o Plano
Director Municipal de Braga então vigente, a não podiam afectar à edificação
urbana.
Em consequência, a interpretação das normas dos
artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, e 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações no referido sentido não viola o referido princípio da igualdade
nem o direito de propriedade.
9. Sintetizemos finalmente a solução para o caso
espécie decorrente dos factos provados e da lei.
A decisão no recurso assenta exclusivamente nos
factos considerados provados no acórdão recorrido.
A parcela de terreno expropriada não pode ser
qualificada como terreno apto para a construção além do mais porque está
integrada em zona de reserva agrícola nacional, integração que inviabiliza, só
por si, o cálculo da indemnização à luz do n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações.
O direito à indemnização dos recorridos no
confronto da recorrente, no que concerne à área de 16 316 metros quadrados da
referida parcela de terreno, deve ser concretizado por via da sua qualificação
de terreno apto para outros fins.
A referida solução não envolve interpretação
contrária aos princípios constitucionais da igualdade ou da propriedade
consagrados nos artigos 13.º e 62.º, n.º 1, da Constituição.
Procede, por isso, o recurso, com a consequência da
revogação do acórdão recorrido e da subsistência da sentença proferida no
tribunal da 1.ª instância.”
1.5. É contra este acórdão que, como
inicialmente se referiu, vem interposto o presente recurso pelos expropriados A. e B.,
pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios
constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à propriedade
privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, das normas constantes dos
artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, “quando interpretadas no sentido (…) de
excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer de mera
equiparação directa ou analógica a uma tal classificação – e de remeterem para
a classe residual de solo para outros fins – os solos integrados em Reserva Agrícola
Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal ferroviário
para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos
objectivos indicadores de potencialidade de urbanização/construção”
Neste
Tribunal Constitucional, os recorrentes apresentaram alegações (acompanhada de
parecer jurídico), que culminam com a formulação das seguintes conclusões:
“1.
Aquilo que se censura no impugnado acórdão é o facto de nele as normas dos
artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do CE serem
interpretadas no sentido de que a mera circunstância de a parcela expropriada
se encontrar integrada em RAN – ainda que seja expropriada para a construção de
um terminal ferroviário (equipamento urbano), possua características indicadoras
de potencialidade de urbanização/construção e beneficie do serviço da maioria
das infra‑estruturas urbanas –, exclui ou inviabiliza em absoluto quer a
sua classificação como solo apto para construção, quer a possibilidade de que lhe
seja aplicado, sequer por analogia, o critério de cálculo do valor do solo
previsto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
2.
O quadro factual dado por assente na presente demanda demonstra à saciedade que
a parcela expropriada possui características e dispõe de infra‑estruturas
que superam largamente as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, do Código
das Expropriações, devendo, por isso, receber a classificação de solo apto para
construção e ser avaliada por aplicação directa ou analógica do critério de
cálculo do valor do solo previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações.
3.
Um juízo de conformidade/desconformidade das normas objecto deste recurso – ou
mais exactamente da interpretação que dessas normas foi feita no recorrido
aresto – com a Lei Fundamental não dispensa, antes impõe, que seja dada
especial atenção aos elementos de facto implicados na referenciação da solução
interpretativa adoptada, na definição do sentido e limites das normas e na
salvaguarda da sua compatibilização sistémica, contextual e hierárquica.
4.
Nos casos em que foi chamado a pronunciar‑se sobre questões afins às
discutidas na presente demanda, o Tribunal Constitucional sempre envolveu na
elaboração das suas soluções jurisprudenciais a ponderação das características
típicas e dos elementos de diferenciação das situações de facto analisadas, bem
como dos aspectos associados com a finalidade da própria expropriação.
5.
O que bem se exemplifica com o Acórdão n.º 267/97, de 19 de Março, publicado no
Diário da República, II Série, de 28
de Abril de 2000, e com o Acórdão n.º 155/2002, de 17 de Abril, publicado no Diário da República, II Série, de 30 de
Dezembro de 2002 – estudados no parecer jurídico do Ilustre Jurisconsulto A.
Vassalo Abreu ora junto –, nos quais se cristaliza um vector recorrente do
pensamento subjacente à produção jurisprudencial deste Tribunal que, ainda que
por reporte à vigência de diferentes diplomas legais (Código das Expropriações
de 1991 e Código das Expropriações de 1999), abordou o referenciado problema e
levou à construção e explicitação conceitual do critério da mais próxima ou
efectiva aptidão edificativa decorrente do facto de a entidade expropriante
utilizar ou afectar os terrenos expropriados à construção urbana.
6.
As razões de fundo pelas quais no Acórdão n.º 155/2002, de 17 de Abril, se recusa o
reconhecimento de potencialidade edificativa a terrenos situados em RAN/REN e
expropriados para a construção de uma unidade de incineração de resíduos e
aterro sanitário — razões essas basicamente reconduzíveis ao facto de tal
equipamento ser incompatível com a inserção em meio urbano e com quaisquer fins
urbanísticos – são exactamente as mesmas pelas quais se impõe o reconhecimento
de potencialidade edificativa à parcela de terreno versada nos presentes
autos, igualmente situada em RAN, mas expropriada para a construção de um
terminal ferroviário, dado que neste último caso, ao invés do primeiro, aquilo
que está em causa é um equipamento que pela sua própria natureza só encontra
justificação e utilidade em meio urbano e é em si mesmo potenciador de
dinâmicas de desenvolvimento e expansão urbana e do uso urbanístico dos solos.
7.
Existe, portanto, entre ambos os casos uma contraposição definida por
referência relativa à compatibilidade/incompatibilidade com a inserção em meio
urbano e com a susceptibilidade de induzir/repelir o uso urbanístico dos solos,
pelo que é legítimo concluir que a ser mantida pelo Tribunal Constitucional a
adesão às razões de decidir invocadas,
entre outros, no Acórdão n.º 155/2002, de 17 de Abril, não poderá este Tribunal
deixar de vir a censurar no recorrido acórdão a desconformidade constitucional
da interpretação normativa ao abrigo da qual foi recusada a classificação e
valoração da parcela expropriada como solo com potencialidade edificativa.
8.
De acordo com a matéria factual que foi dada como provada nos autos, a parcela
expropriada dispõe de acessos pavimentados e do serviço da rede de
abastecimento de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia
eléctrica, estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de
saneamento e rede telefónica e encontra‑se inserida num aglomerado urbano
e nas imediações de um aglomerado industrial.
9.
Muito embora seja certo que de acordo com o PDM de Braga, em vigor à data da
DUP, a parcela expropriada estava incluída em espaço agrícola integrado em RAN,
não é menos verdade que a parte sobrante do imóvel objecto de expropriação se
encontrava classificada como espaço urbanizável e RAN, tal como sucedia com os
terrenos que confrontavam com a parcela expropriada a poente, sendo o
coeficiente de ocupação dos solos urbanizáveis situados na envolvente, segundo
o mesmo PDM, de 0,4 m2/m2.
10.
Na realidade, a parcela expropriada encontra‑se inserida num contexto de
verdadeiro espaço urbano (núcleo urbano de Louredo e núcleo industrial de
Celeirós), que se traduz na existência na sua envolvente imediata de todo um
conjunto de moradias, edifícios urbanos e espaços urbanizáveis.
11.
Para além disso, os elementos constantes dos autos atestam que a parcela
expropriada se destina à implantação do terminal ferroviário de Braga, o que
equivale a dizer que se destina a uma específica finalidade construtiva, a
construção de um equipamento urbano, que em si mesmo é um factor de potenciação
das dinâmicas de expansão e desenvolvimento urbano, sendo certo que a escolha
de tal parcela para a implantação de um terminal ferroviário só é compreensível
em função da inserção dessa mesma parcela no contexto de um espaço urbano e em
directa articulação de proximidade com o espaço industrial (Parque Industrial
de Celeirós) que de forma mais mediata pretende servir.
12.
Assim sendo, o elemento situacional diferenciador que importa reter e destacar
para ser tido em conta na posterior apreciação do processo de interpretação
dos normativos invocados no âmbito da classificação e avaliação do solo da
parcela expropriada para efeitos indemnizatórios, é o de que no processo
expropriativo em apreço se assume expressamente que essa parcela é destinada a
uma específica finalidade construtiva, mais precisamente, à construção de um
equipamento urbano, um terminal ferroviário.
13.
Na interpretação que faz das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3,
26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, o douto acórdão recorrido
envereda por uma concepção radicalista e que ofende abertamente os princípios
constitucionais da igualdade, da justa indemnização e o direito à propriedade
privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, na medida em que
absolutiza as constrições à edificabilidade decorrentes do regime jurídico da
RAN, em termos tais que redundam na total negação de potencialidades edificativas,
ao mesmo tempo que afasta ou rejeita a ponderação de elementos situacionais e
de diferenciação a que o próprio legislador atribui relevância em sede de
expropriação por utilidade pública (i. e.,
características e infra‑estruturas da parcela expropriada, finalidade ou
nova afectação visada pelo processo expropriativo, etc.).
14.
Semelhante entendimento parte de uma abordagem incorrecta e abusiva do regime
jurídico da RAN e tem implicações que constituem uma intolerável violação do
direito à propriedade privada, além do mais, por acarretar para esse direito
(com assento e dignidade constitucional) um gravame e detrimento que não pode
obter justificação plausível em nenhum interesse público conflituante, nem pode
ser sancionado à luz de critérios de necessidade, adequação e
proporcionalidade.
15.
Por outro lado, a exigência de ponderação dos elementos relativos à situação,
características e infra‑estruturas da parcela expropriada e à finalidade,
destino ou nova afectação decorrente do próprio processo expropriativo, no
âmbito da classificação e avaliação de solos para efeitos de indemnização, está
directamente conexionada com o reconhecimento de que a determinação do valor
real e corrente de um imóvel, numa situação normal de mercado, envolve ou é
susceptível de envolver a necessidade de ponderação de um conjunto complexo de
factores de natureza diversa e de importância variável.
16.
Encarado sob este ponto de vista, o douto acórdão recorrido é igualmente
inconciliável com os princípios constitucionais da igualdade e da justa
indemnização, na exacta medida em que, com os pressupostos acolhidos nesse
aresto, nunca o valor apurado a título de indemnização se aproximará ou tenderá
a aproximar do valor real do bem no mercado, como sempre reclamaria o respeito
pelo princípio da justa indemnização, do mesmo passo que se ofende o princípio
da igualdade, nomeadamente no que contende com a exigência de tratamento
desigual dos casos expropriativos desiguais (vertente interna, dimensão negativa)
e no que se refere a impedir ou eliminar um tratamento desigual entre
expropriados e não expropriados (vertente externa).
17.
Com efeito, à luz do princípio da igualdade jamais poderá ser visto como
aceitável que se considere que a integração em área de RAN faça com que (i) seja indiferente saber se a parcela
expropriada se destina à passagem de uma via de comunicação, à construção de um
aterro sanitário ou de construção de um equipamento urbano (e. g., central de camionagem, gare,
terminal ferroviário, etc.) ou que (ii)
seja irrelevante que a parcela expropriada se situe ou não em aglomerado
urbano, possua ou não características indicadoras de potencialidade de
urbanização/construção e beneficie ou não do serviço da maioria das infra‑estruturas
urbanas; e, outrossim, se considere que a integração em área de RAN faça com
que (iii) seja indiferente saber qual
o valor real de outros imóveis com características similares, mas não bafejados com a expropriação, para os
agentes que actuam no mercado.
18.
Acrescente‑se igualmente que, face aos invocados princípios constitucionais
da igualdade e da justa indemnização e do direito à propriedade privada, a
interpretação normativa que aqui se critica é tanto mais reprovável quanto é
certo que ela corresponde a impor a valoração tão‑somente como solo
agrícola de uma parcela de terreno declaradamente expropriada para a edificação
de um terminal ferroviário, dotada de características indicadoras de potencialidade
de urbanização/construção e beneficiando do serviço da maioria das infra‑estruturas
urbanas, o que em si mesmo constitui uma forma de infligir uma redobrada
penalização aos recorrentes, que já se viram patrimonialmente prejudicados com
a integração desses terrenos em RAN, sem que por esse facto tenham recebido
qualquer compensação indemnizatória.
19.
Vale isto por dizer que se não fosse essa integração em RAN, tais terrenos,
que já em data muito anterior pertenciam aos recorrentes, teriam mantido
intocada a sua potencialidade edificativa, circunstancialismo mais do que
suficiente para justificar e impor, por exigência mínima dos invocados
princípios constitucionais, a aplicação directa ou porventura analógica ao caso
sub judice – pela
equivalência ou estreita semelhança da configuração situacional – do critério
de cálculo do valor do solo previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações.
20.
Por tudo o que supra ficou alegado haverá forçosamente que reconhecer e
declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs
2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, na interpretação que
lhes foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no impugnado acórdão, uma vez
que a mesma viola o princípio da igualdade, o princípio da justa indemnização e o direito à propriedade privada,
consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, entendimento que melhor e mais
sabiamente se fundamenta no parecer jurídico que o Ilustre Jurisconsulto A.
Vassalo Abreu elaborou sobre a matéria em questão e que aqui se acompanha e se
dá por integralmente reproduzido.”
A recorrida
REFER não contra‑alegou.
Tudo visto,
cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1.
Embora
da fórmula decisória utilizada no acórdão ora recorrido possa parecer ter‑se
procedido à revogação total do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e à
repristinação, também total, da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de
Braga, é, porém, seguro, face ao exposto no n.º 1 da sua parte III, atrás
transcrito, que apenas estava em causa, no recurso de revista, a questão da
qualificação da faixa de terreno com a área de 16 316 m2 como
“solo para outros fins” (como sustentava a expropriante então recorrente) ou
como “solo equiparado a solo apto para a construção, para efeitos do disposto
no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações” (como decidira o acórdão
da Relação), sendo de assinalar que os expropriados não interpuseram recurso
deste acórdão, sequer subordinadamente, na parte em que entendeu que a faixa
de terreno em causa não podia ser classificada directamente como “solo apto
para a construção”, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º, nem, consequentemente,
a determinação do valor da indemnização devia atender aos critérios dos n.ºs 1
a 11 do artigo 26.º do referido Código. Ficou, assim, excluído do âmbito do
recurso de revista a parte do acórdão da Relação que, por entender haver‑se
constituído caso julgado quanto à qualificação, pelo acórdão arbitral, da faixa
de 4530 m2 como “solo apto para a construção”, revogou a sentença
da 1.ª instância na parte em que esta reclassificou essa faixa como “solo para
outros fins”.
Por outro
lado, está documentalmente provado nos autos (cf. certidão de habilitação de
herdeiros, de 21 de Janeiro de 1982, a fls. 91 a 94), que os expropriados, ora
recorrentes, adquiriram por herança o prédio onde se integrava a parcela
expropriada, por morte de sua mãe, a 20 de Dezembro de 1981, e de seu pai, a 29
de Dezembro de 1981.
A questão de
constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso consiste, assim,
em apurar se é constitucionalmente conforme, designadamente face aos princípios
da igualdade e aos direitos de propriedade privada e de justa indemnização
(artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP), a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1,
25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado
pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, no sentido – aplicado no acórdão
recorrido – de que o valor da indemnização devida pela expropriação, para
construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente
preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação
como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na RAN por
instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos
expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo
27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido
no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código.
2.2. A questão que constitui objecto do
presente recurso, ou outras suas próximas, tem sido objecto de diversas
decisões deste Tribunal, sendo possível identificar duas linhas de orientação
divergentes.
A primeira,
iniciada pelo Acórdão n.º 275/2004 e prosseguida pelos Acórdãos n.ºs 145/2005,
398/2005, 417/2006 e 118/2007:
1) julgou
inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.º da CRP: (i) “as normas contidas
no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações
(1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de «solo
apto para a construção» e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo,
integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de
comunicação” (Acórdão n.º 275/2004);
(ii) “a norma do n.º 12 do artigo
26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de
Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a
aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir‑se pelos
elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código” (Acórdão n.º 145/2005); (iii) “o artigo 26.º, n.º 12, do Código
das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, quando
interpretado no sentido de ser indemnizado como solo apto para construção terreno
integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos
definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código” (Acórdão n.º 417/2006); e (iv)
“a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei
n.º 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser
indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do
valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa
segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo
Código” (Acórdão n.º 118/2007); e
2) não
julgou inconstitucional “a norma do n.º 3 do artigo 25.º do Código das
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada
com o sentido de excluir da classificação de «solo apto para a construção»
solos integrados na RAN ou na REN expropriados para implantação de vias de
comunicação” (Acórdão n.º 398/2005).
Diversamente,
esta 2.ª Secção sempre seguiu orientação diferente. Primeiro, no Acórdão n.º 114/2005 – que não julgou
inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de
1999 considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN,
expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam
satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo
Código, de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 m), de
envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares)
e de acesso por vias públicas –, onde se desenvolveu a seguinte fundamentação:
“9. Importa, então, saber se a norma
segundo a qual «é de determinar segundo a regra do artigo 26.º, n.º 12, do
Código das Expropriações de 1999 o solo incluído na RAN quando saiam
satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º de
proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 metros), de envolvência
(inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso
por vias públicas, expropriado para fins de implantação de vias de comunicação»
ofende o princípio constitucional da justa indemnização por desrespeito de
alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade,
considerada a sua vertente externa.
O n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações
de 1999 estabelece o critério específico de cálculo do valor do solo para os
casos em que «seja necessário expropriar solos classificados como zona verde,
de lazer ou para a instalação de infra‑estruturas e equipamentos públicos
por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja
aquisição seja anterior à sua entrada em vigor», determinando que em tais casos
«o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada».
Será tal norma efectivamente violadora dos
princípios da igualdade e da justa indemnização?
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece,
porém, fundar‑se num juízo sobre uma hipotética não indemnização nos
mesmos termos de proprietários em idênticas condições a expropriar
futuramente. No entanto, o próprio princípio da igualdade somente impõe a
comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação
com fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação
poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da
igualdade por quem, nas mesmas circunstâncias, não viesse efectivamente a
beneficiar de uma indemnização idêntica – veja‑se o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 194/97, publicado no Diário
da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
«Ora,
num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente
perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela
expropriação tem que compensar‑se com o pagamento de uma indemnização que
assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’
(cf. o citado Acórdão n.º 52/90 e o Acórdão n.º 381/89, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de
Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que
a igualdade postula.
O
princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico
desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo
estabelecer‑se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento
material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns
expropriados se imponha uma ‘onerosidade forçada e acrescida’ sem que exista
justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão n.º
131/88); – recte, do ponto de vista
constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, ‘em regra, se atenda ao valor
real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos
n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (de 1986) se
considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente’ (cf. o Acórdão
n.º 109/88, publicado no Diário da
República, II Série, de 1 de Setembro de 1988).»
Mas
não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela Administração da
violação da igualdade fundamenta‑se apenas em que não será possível realizar
no solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de
edificar na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não
serão tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à
solução aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a
circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer
as condições do artigo 25.º, n.º 2, alínea a),
do Código das Expropriações de 1999.
Mas,
a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não
será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção
semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa
indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador
possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante
expressão no valor da indemnização.
Por
outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a
igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser
pertinente, não podendo a igualdade aferir‑se pelo confronto com
situações hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o
valor da indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação
automática com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis,
de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram
expropriadas, quer considerando a indemnização por uma eventual futura
expropriação quer o valor de mercado que os proprietários obterão se porventura
decidirem vender os prédios.
Finalmente,
a Constituição, em particular o artigo 62.º, não configura deste modo
restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação
do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só
perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que
não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal
Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com
uma dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de
eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
Improcede,
portanto, o presente recurso de constitucionalidade.”
Nesta linha
se inserem os Acórdãos n.ºs 234/2007 e
239/2007, tendo ambos decidido não julgar inconstitucional a norma do
artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro, no sentido de permitir que solos integrados na
Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública,
expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em
função “do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 m do limite da parcela expropriada”. Estes Acórdãos, para além de
invocarem a fundamentação do Acórdão n.º 114/2005, atrás transcrita, aderiram
à argumentação desenvolvida na declaração de voto aposta pelo Conselheiro Rui
Manuel Moura Ramos ao Acórdão n.º 145/2005, declaração essa do seguinte teor:
Considero, com efeito, que,
tratando‑se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição
do CE com as características da norma sub
judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados – a análise
da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação – não
deve realizar‑se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o
mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes
proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos
destes.
Por outro lado, entendo ainda
que o Tribunal deduz de uma questão interpretativa respeitante à norma (saber
se a sua ratio é apenas a indicada
por Alves Correia no estudo citado no item 9 do Acórdão) um argumento de
inconstitucionalidade, quando não tenho por evidente que a interpretação pressuposta
pelo Tribunal encerre o verdadeiro e único sentido interpretativo do artigo
26.º, n.º 12, do CE.
Estas divergências relativamente
à posição que fez vencimento carecem de uma maior explicitação que, sem
prejuízo do carácter sucinto do presente voto, procurarei efectuar.
1.2. Preliminarmente, porém,
há que ter presente a circunstância de, recentemente, no Acórdão n.º 114/2005
da 2.ª Secção, este Tribunal ter apreciado a constitucionalidade da norma
aqui em causa – face aos princípios da igualdade e da justa indemnização –
concluindo, então, pela conformidade constitucional da referida norma.
Não obstante entender que este
anterior pronunciamento do Tribunal (no sentido da não inconstitucionalidade)
deveria ter sido o adoptado igualmente na presente situação, cumpre sublinhar
a existência de uma importante dissemelhança entre ambos os casos, em termos
tais que a questão de constitucionalidade configurada não pode ser considerada
a mesma nas duas situações.
Com efeito, estando em causa
aplicações da mesma norma, assentou cada uma delas em interpretações
distintas. É que, no presente caso, o artigo 26.º, n.º 12, do CE, enquanto
norma objecto do recurso, é apreciado quando interpretado no sentido de
prescindir da determinação concomitante da aptidão edificativa da parcela expropriada,
através dos critérios do artigo 25.º, n.º 2, do CE. Diversamente, na situação
apreciada pelo Acórdão n.º 114/2005, a aptidão edificativa (sempre determinada
nos termos desse artigo 25.º, n.º 2) era encarada como pressuposto do cálculo
do valor do terreno com base no critério estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º
do CE.
Estando, embora, em causa
interpretações diversas da mesma norma ou, por outras palavras, aplicações
dessa norma baseadas em interpretações distintas, não creio, porém, salvo
melhor entendimento, que o resultado em termos de conformidade constitucional
deva ser, na presente situação, não obstante as especificidades interpretativas
dos dois casos, contrário ao alcançado no citado Acórdão n.º 114/2005.
2. A primeira divergência
refere‑se, como anteriormente disse, ao sentido que o Tribunal atribui
ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da expropriação. Ou
seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do n.º 12 do artigo
26.º do CE «conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado,
desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação
e conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados na área classificada [...] que não tenham
sido contemplados com a expropriação» (item 11 do Acórdão).
Para responder afirmativamente
a esta questão (existe desigualdade relativamente aos não expropriados) o
Tribunal acaba por ponderar – implicitamente, pelo menos – o valor que
obteriam estes (os «que não tenham sido contemplados com a expropriação») se
procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que esse valor, não se
verificando os elementos do artigo 25.º, n.º 2, do CE, nunca seria o de um
«solo apto para a construção» (o «do valor médio das construções existentes ou
que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo
perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada», como diz
o n.º 12 do artigo 26.º do CE). Esta conclusão, porém, não se nos afigura
evidente, por assentar na comparação entre realidades intrinsecamente
distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no caso de
expropriação, e as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado.
Este – o mercado – «é a
interacção do conjunto dos vendedores e compradores, actuais ou potenciais,
que se interessam pela transacção de determinado produto» (Fernando Araújo, Introdução à Economia, vol. I, 2.ª ed.,
Coimbra, 2004, pág. 232) e funciona com base numa lógica insusceptível de
assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos.
Significa isto que, não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um
terreno no mercado concorrencial, constrangimentos administrativos à construção,
estes não excluem que, em função de múltiplos factores (desde logo das
possíveis expectativas de ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes,
por exemplo, da evolução previsível do statu
quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos aptos para
construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a procura produza
preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos elementos elencados
no n.º 2 do artigo 25.º do CE, seriam alcançados com base no n.º 12 do artigo
26.º do CE.
É certo que este Tribunal, em sede
de controlo da relação externa da expropriação, afasta habitualmente possíveis
objecções deste tipo, falando em «valor de mercado do bem [expropriado] normativamente
entendido», o que expressaria «a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se
este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os
factores especulativos» (Fernando Alves Correia, caracterizando a
jurisprudência do Tribunal Constitucional, no estudo: «Propriedade de Bens
Culturais – Restrições de Utilidade Pública, Expropriações e Servidões
Administrativas», in Direito do
Património Cultural, Lisboa, 1996, pág. 407). Porém, descontados esses
factores, ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não
é certo) que esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de
mercado e, consequentemente, a comparação entre quem é expropriado – que queira
ou não o é – e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois
já não expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
A solução não é, obviamente,
prescindir de toda a comparação entre expropriados e não expropriados, mas
restringir tal comparação ao que, pela sua natureza, é susceptível de uma
comparação efectiva. Foi o que sucedeu no Acórdão n.º 422/2004 (poderíamos
citar igualmente os Acórdãos n.ºs 314/95 e 86/2003), no qual o Tribunal
procedeu ao controlo da relação externa da expropriação comparando expropriados
com não expropriados no que diz respeito à sujeição daqueles e destes a
encargos públicos. É que a Contribuição Autárquica ou o Imposto Municipal Sobre
Imóveis (em causa no Acórdão n.º 422/2004) pagavam‑no, efectivamente,
tanto o proprietário expropriado como aquele que o não era, podendo‑se
quantificar – e por isso comparar – os encargos reais de um e de outro. Aqui,
diversamente, o que se compara é o que existe (a expropriação daquele concreto
bem num determinado momento) com o que só hipoteticamente existiria e, mesmo
assim, produziria efeitos – e são estes efeitos que o Tribunal pretende
comparar – com base em modelos que, por não expressarem realidades normativas,
actuam de forma e com resultados substancialmente distintos.
Daí que, citando as palavras
do mencionado Acórdão n.º 114/2005, da 2.ª Secção, entendamos, também na
situação sub judicio, que «o [...]
princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes,
extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância
de outros proprietários poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos
mesmos termos».
3. A isto acresce – e
abordamos agora a outra divergência relativamente à posição da maioria – que a
caracterização da norma em termos de pretender obstar às chamadas
«classificações dolosas» (classificação de certa área como zona verde,
expropriando‑a como terreno não apto para construção, destinando‑a
posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a classificação, a uma
mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia, Código das Expropriações, Lisboa, 1992, pág. 23; cf. José Osvaldo
Gomes, Expropriações por Utilidade
Pública, Lisboa, 1996, pág. 195), tal caracterização, dizíamos, não esgota
o sentido possível da norma e não justifica, por isso, a «redução teleológica»
que o Tribunal efectua, assente na interpretação de Fernando Alves Correia («A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código de Expropriações de 1999», in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, págs. 53/54)
e que se expressa na seguinte passagem do Acórdão:
«[...]
Tendo o tribunal recorrido
prescindido da averiguação da aptidão ou vocação objectiva para a
edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada – ou, dizendo de
outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão edificativa da
parcela expropriada não tem de aferir‑se pelos elementos objectivos
definidos no artigo 25.º, n.º 2, do CE –, conclui‑se que a norma do n.º
12 do artigo 26.º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o
raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfez, em boa verdade, o
objectivo de ‘evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das
regras urbanísticas por parte dos planos municipais’.
[...]»
Suscita‑nos esta
interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as características
da do n.º 12 do artigo 26.º do CE possa fundar‑se igualmente numa ratio distinta, a saber: a proximidade
até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode
implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo
(mesmo sem as características indicadas no n.º 2 do artigo 25.º do CE) –
expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a
ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém
intactas essas expectativas – que, traduzindo um elemento não irrelevante na
relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do
sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas
expectativas. Atente‑se em que na formação dos preços, as expectativas
relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos
agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v.
Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics,
Nova Iorque, 2000, pág. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na
formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações
do estatuto fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo
rural para solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4.ª ed., Nova Iorque, págs.
370/373).
Nada nos permite excluir este
sentido como um dos possíveis relativamente à norma apreciada. Bem vistas as
coisas, ao atender‑se, na procura de um valor justo para a compensação do
sacrifício decorrente da expropriação, à extinção de expectativas (que, note‑se,
persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar‑se‑á
ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados.
4. Como nota final, e sem
prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora quanto ao sentido do
princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP (norma
que se refere ao direito de propriedade privada), temos também sérias reservas
quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito constitucional serem inviabilizadas
normas que garantam uma indemnização que, não sendo inferior ao valor do bem,
possa ser considerada (ao abrigo de algum critério) como mais ampla que um
valor «aceitável» desse bem.
Perturba‑nos, enfim, e
não temos por seguro que o artigo 62.º, n.º 2, da CRP o autorize, que a suposta
afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os
outros proprietários não expropriados) possa servir ao expropriante para lograr
a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe
impõe.
A prossecução da igualdade
entre expropriados e não expropriados deve, assim, salvo melhor entendimento,
assentar em bases distintas daquelas que conduziram ao presente juízo de
inconstitucionalidade.”
A estas
considerações aditaram os referidos Acórdãos n.ºs 234/2007 e 239/2007 mais as
seguintes:
“5. As considerações que antecedem, constantes da
declaração de voto referida, são procedentes, e conduzem, no presente caso, a
uma solução de não inconstitucionalidade, quer em face do princípio da
igualdade (artigo 13.º), quer quanto à garantia de justa indemnização em caso
de expropriação (artigo 62.º, n.º 2, também da Constituição).
Com efeito, a indemnização por expropriação por
utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem, e nada
na Constituição da República Portuguesa proíbe que na determinação da aptidão
edificativa da parcela expropriada para a construção de vias de comunicação,
integrada na Reserva Agrícola Nacional, seja tomado em consideração o valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do
limite da parcela expropriada.
Essa proibição não resulta, por um lado, do princípio
da igualdade, desde logo
porque, mesmo aceitando a comparação com hipotéticos expropriados na mesma situação, se
não sabe se idêntica interpretação e procedimento não serão também seguidos quanto a eles. Aliás, não está no presente
recurso em questão uma comparação entre proprietários de terrenos integrados na
área classificada, «porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão
todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos
assentes», e se pode ler na decisão do tribunal a quo.
Mas também não resulta, por outro lado, da garantia,
consagrada no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, de justa indemnização. Pode, desde logo, duvidar‑se
de que esta garantia proíba (embora não seja isso que está decisivamente em
causa na presente dimensão normativa) que – considerando o sacrifício
imperativamente sofrido pelo expropriado – o Estado entenda valorizar a parcela
expropriada mesmo em montante considerado superior ao que lhe poderia vir a ser
atribuído pelo jogo do mercado. Mas, de todo o modo, o que é certo é que essa
garantia não imporá certamente uma limitação da indemnização em nome da
«suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação
expropriativa (os outros proprietários não expropriados)», e da igualdade com
eles, assim possibilitando ao expropriante «lograr a diminuição do valor a
satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe». Não se verifica,
pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 62.º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa, como pretende a recorrente.
Falham, assim, ambos os fundamentos invocados pela
recorrente. E não se divisando outros, que possam justificar um juízo de
inconstitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações,
interpretada no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola
Nacional à data da declaração de utilidade pública, expropriados para
implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função «do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do
limite da parcela expropriada», há que negar provimento ao presente recurso.”
Por
último, o Acórdão n.º 276/2007,
também desta 2.ª Secção (este, como todos os anteriormente citados, com texto
integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não julgou
inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.ºs 1
e 12, do Código das Expropriações de 1999, “quando
interpretadas no sentido de incluírem na classificação de «solo apto para a
construção, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste
n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano
Director Municipal que os integrou em «Zona de Salvaguarda Estrita», «RAN» e
«Espaço Florestal» e expropriados para a implantação de «áreas de serviço» de
auto‑estradas”. Este juízo de não inconstitucionalidade foi alcançado
por uma dupla via: para quem comunga da orientação traçada pelos Acórdãos n.ºs
114/2005, 234/2007 e 239/2007, por directa aplicação do critério aí tido por
constitucionalmente conforme; mas mesmo para quem não defenda a tese que fez
vencimento nesses arestos, por se entender que “a edificação das «áreas de serviço» e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não
representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do
CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de
edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não
deixa de corresponder a uma forma de «evitar a manipulação das regras
urbanísticas por parte dos planos municipais» (cf. Fernando Alves Correia, “A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade
Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)”;
e, assim, “numa tal situação, a
expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não
expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico
«situacional»”, donde se conclui “que
a norma questionada não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o
princípio da igualdade, na sua vertente externa”.
2.3. As considerações que têm levado
esta 2.ª Secção a não julgar inconstitucionais os critérios normativos,
aplicados nas decisões então recorridas, que consideram aplicável o regime do
n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 à determinação da
indemnização por expropriação de terrenos que preencham os requisitos elencados
no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação dos solos como aptos para a
construção mas que venham a ser integrados na RAN por instrumento de gestão
territorial posterior à aquisição do terreno pelos expropriados justificam que,
inversamente, se julgue inconstitucional o critério normativo, aplicado na
decisão ora recorrida, que considerou inaplicável aquele regime a situação
similar.
É esta uma
conclusão que, por pura coerência lógica, se impõe, desde logo, a quem perfilhe
o entendimento sufragado nos Acórdãos n.ºs 114/2005, 234/2007 e 239/2007; mas
também a quem, no último acórdão citado, fundou o juízo de não
inconstitucionalidade aí emitido na consideração de que “a edificação das «áreas de serviço» e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não
representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do
CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de edificabilidade,
pelo que a valoração do solo como sendo para construção não deixa de
corresponder a uma forma de «evitar a manipulação das regras urbanísticas por
parte dos planos municipais» (cf. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do
Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código
das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)”; e, assim, “numa tal situação, a expectativa do
expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não expropriados
que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico «situacional»”,
donde se conclui “que a norma questionada
não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade,
na sua vertente externa”. Estas considerações são extensíveis ao presente
caso, em que a parcela expropriada não se destina directamente à construção de
uma via de comunicação, mas antes à edificação de um terminal ferroviário, para
apoio a um parque industrial.
Apenas haverá
que salientar que, neste contexto, surge como desprovida de fundamento
constitucionalmente relevante, perante situações estruturalmente idênticas –
expropriação de parcela de terreno que, pelas suas características objectivas,
por preencher os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º, merecia, à partida, a
qualificação como “solo apto para a construção”, mas que é privada dessa
potencialidade edificativa por instrumento de gestão territorial superveniente
à aquisição do terreno pelos proprietários expropriados –, a discriminação do
critério para determinação do valor da indemnização consoante esse instrumento
de gestão haja classificado o terreno como zona verde, de lazer ou para
instalação de infra‑estruturas e equipamentos públicos (hipótese em que
se aplica o regime do n.º 12 do artigo 26.º, calculando‑se o valor do
solo em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível
edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se
situe a 300 m do limite da parcela expropriada) ou o haja integrado em RAN
(hipótese em que se considera relevante o regime do artigo 27.º, que, no caso,
por ser impossível aplicar o critério do n.º 1, a sentença da 1.ª instância,
neste ponto confirmada pelo acórdão ora recorrido, entendeu ser de atender ao
definido no n.º 3 desse artigo 27.º, todos do Código das Expropriações de
1999).
Salvo o
devido respeito, contrariamente ao que o acórdão recorrido parece subentender,
o terreno ora em causa detinha, à data da declaração de utilidade pública, tal
como os directamente previstos no n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações de 1999, capacidade edificativa objectiva, dado que preenchia os
requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. A lesão que à “posição de
vantagem” que os seus proprietários detinham, na perspectiva do futuro
aproveitamento económico do terreno para edificação urbana, resultou do
superveniente cerceamento dessa possibilidade por força da integração desse terreno
na RAN merece um tratamento similar ao dos proprietários de terrenos cujo valor
edificativo foi afectado por superveniente classificação como zona verde, de
lazer ou para instalação de infra‑estruturas e equipamentos públicos.
Com esta
equiparação não se está a criar simultaneamente uma nova situação de
desigualdade, desta feita entre proprietários de terrenos com capacidade
edificativa objectiva integrados na RAN que foram expropriados e os
proprietários de idênticos terrenos que não foram expropriados. É que, quanto
aos primeiros, com a expropriação desaparece irremediavelmente a eventualidade
de virem a beneficiar de posterior alteração da classificação dos solos, atenta
a mutabilidade dos instrumentos de gestão territorial e a conhecida tendência
de alargamento das áreas urbanas em detrimento das rústicas, potencialidade
esta que se mantém incólume quanto aos que conservam a propriedade dos
terrenos, como, aliás, já se salientou no transcrito voto de vencido aposto ao
Acórdão n.º 145/2005.
E saliente‑se,
por fim, que não se trata de equiparar a presente situação à dos “solos aptos para a construção”,
definidos no artigo 25.º, n.º 2, a que são aplicáveis os critérios de
determinação do valor da indemnização descritos nos n.ºs 1 a 11 do artigo 26.º
do Código das Expropriações de 1999. Apesar de este Código aparentemente
assentar numa divisão dicotómica dos solos expropriados – entre “solo apto para a construção” e “solo para outros fins” –, a situação
agora contemplada no n.º 12 do artigo 26.º representa uma situação específica
relativamente à qual o legislador tem hesitado em a considerar uma subespécie
do solo apto para outros fins (como fazia no Código de 1991, em que a norma
correspondente ao actual n.º 12 do artigo 26.º surgia como n.º 2 do então
artigo 26.º, dedicado ao “cálculo do
valor do solo para outros fins”) ou uma subespécie do solo apto para a
construção (como resulta da sua inserção sistemática actual). Instituindo um tertium genus, a que corresponderá
indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos
elevada que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa, a previsão
do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, alargada às
situações de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a
construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do
direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da
igualdade.
3. Decisão
Em face do
exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação
do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos
artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, acolhida no
acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida pela
expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que
objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a
qualificação como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na Reserva
Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua
aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios
definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com
o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código; e, em
consequência,
b) Conceder provimento ao recurso,
determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o
precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa,
25 de Setembro de 2007.
Mário
José de Araújo Torres
Benjamim
Silva Rodrigues
Joaquim
de Sousa Ribeiro
João
Cura Mariano (Com declaração de voto que
junto)
Rui
Manuel Moura Ramos
DELARAÇÃO DE VOTO
Votei
favoravelmente a decisão de inconstitucionalidade apenas por entender que o
cálculo da indemnização, efectuado de acordo com os critérios definidos no
artigo 27.º do Código das Expropriações para os “solos aptos para outros fins”
e não de acordo com os critérios definidos para os “solos aptos para a construção”,
violava o direito a uma justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2,
da CRP, uma vez que a expropriação em causa visava a construção de um terminal
ferroviário, o que resulta num reconhecimento implícito de que os terrenos
expropriados têm aptidão edificativa.
João Cura Mariano