ACÓRDÃO N.º 234/2007
Processo n.º 270/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Por acórdão de 13 de Janeiro de 2005, o Tribunal da
Relação do Porto decidiu negar provimento ao recurso interposto por Estradas de Portugal, E.P.E. (ex-I.E.P. – Instituto das Estradas de Portugal,
por sua vez, ex-ICOR – Instituto Público
para a Construção Rodoviária), da decisão do 4.º Juízo Cível do Tribunal
Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão que, no âmbito do processo de
expropriação instaurado por aquele Instituto contra A. e mulher B.,
com vista à expropriação de uma parcela de terreno com a área de 400 m2
destinada à construção da obra Variante Nascente de Famalicão, julgou
parcialmente procedente o recurso da decisão arbitral interposto pelos
expropriados, e improcedente o interposto pelo expropriante, fixando a
indemnização devida pela expropriação da parcela em causa em 32,550,72 €
(trinta e dois mil, quinhentos e cinquenta euros e setenta e dois cêntimos).
Consequentemente, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão recorrida.
Pode ler-se nesse aresto:
«(...)
b) – O recurso de apelação.
É pelas conclusões que se
determina o objecto do recurso (art.ºs 684.°, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC),
salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com
trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.
1 – Relativamente à enunciação
dos princípios gerais que devem observar-se na atribuição da justa indemnização
em processo de expropriação a sentença encontra-se bem fundamentada no tocante
à doutrina e jurisprudência em que se apoiou e que são uniformes.
Precisemos, no entanto, mais
alguns aspectos:
O art.º 23.° do CE/99 (aplicável
aos presentes autos) “1-A justa indemnização não visa compensar o benefício
alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o
expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do
bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica
normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em
consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”,
tem merecido a seguinte análise:
A jurisprudência do Tribunal
Constitucional tem realçado que (Ac. n.° 422/2004 – Proc.462/2003 – DR – II série, de 4.11.2004, pág.16259)
«a justeza de um montante indemnizatório
por expropriação dependerá, em termos gerais, da circunstância de esse
valor “traduzir uma adequada restauração da lesão patrimonial”, o que implica
um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório. É que, se é no
mercado onde os actores económicos, através da oferta e da procura fixam o
valor dos bens transaccionados, não poderá ter-se por adequado um valor
completamente desfasado daquilo que corresponderia, nesse mesmo mercado, ao
valor de transacção do bem expropriado.
Quando se fala em um mínimo de
correspondência a referenciais do mercado, quer-se sublinhar que “valor do
mercado normativamente entendido” corresponde “a um valor de mercado normal ou
habitual em que não entram em linha de conta os factores especulativos ou
anómalos (cfr. Alves Correia - O Plano
Urbanístico e o Princípio da Igualdade – Coimbra - 1989, pág. 540 e 55».
2 – Dito isto e porque a
apreciação da apelação se vai debruçar sobre a questão da justeza da
indemnização por forma a não violar o princípio constitucional da igualdade,
dispensamo-nos de, por agora, tecer outras considerações gerais acerca do que
deve considerar-se em concreto a justa indemnização em processo de expropriação
e tanto mais que estes autos têm a particularidade de versar sobre uma parcela
que estava integrada em RAN, sendo desafectada ao abrigo do DL n.° 196/89, de
14 de Junho, para a construção da Variante Nascente de Famalicão.
3 – Relativamente às questões de
direito em causa, vamos agora analisá-las à luz das conclusões formuladas
concretamente na apelação.
O expropriante desenvolveu as suas
questões centrando a sua atenção na classificação do prédio donde foi destacada
a parcela expropriada, para daí concluir que «destinando-se a desanexação da Reserva Agrícola exclusivamente à
construção de uma via de comunicação – e não à transformação de prédio até
então legalmente “rústico” em “urbano” – a parcela de terreno expropriado não
passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão
edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via
pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação
edificativa do terreno expropriado. Como tal conclui o recorrente que o solo da
parcela em causa deve ser classificada como solo para outros fins e avaliada
nos termos do disposto no n.° 3 do art.º 27.° do CE/99».
Efectivamente no caso dos autos
(facto n.° 6 da matéria assente) o prédio dos expropriados está classificado na
Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal de V .N. Famalicão, como “Reserva Agrícola Nacional” (RAN).
A questão que agora se coloca é
a de saber se (tal como foi entendido na sentença e seguindo-se laudo dos
peritos maioritários) nas circunstâncias dos autos é possível sustentar que a
inclusão de um terreno na RAN (ou REN ) acarreta ou não necessariamente a
extinção da sua capacidade edificativa para efeitos de atribuição de
indemnização em expropriação quando se destina à construção de uma
infra-estrutura rodoviária, como é a Variante Nascente de Famalicão.
Trata-se de uma problemática que
foi objecto de múltiplas decisões no regime do Código de Expropriações de 1991,
sendo também já conhecidas algumas decisões no domínio do Código vigente de
1999, quer ao nível da jurisprudência dos tribunais comuns quer do Tribunal
Constitucional, como as que iremos identificar.
4 – Na vigência do CE de 1991
(aprovado pelo DL n.° 438/91, de 9 de Novembro) foi proferido o Ac. do TC n.°
267/97, de 19-03-1997 – BMJ n.° 465,
pág.236, e DR, II Série, de 21 de
Maio de 1997, onde se veio a declarar inconstitucional por violação dos
princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.° 5 do art.º 24.°
desse CE/91, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de
“solo apto para construção” os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
(RAN) expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola.
Posteriormente, porém, o TC não
manteve essa jurisprudência e já nos Acs. n.° 20/2000 – DR, II Série, de 28 de Abril de 2000, e n.º 172/2002, de 17-04-02,
decidiu “não julgar inconstitucional a norma do mesmo n.° 5 do art.º 24.° do
CE/91, por forma a excluir da classificação como “solo apto para construção”
solos integrados na RAN expropriados para implementação de vias de comunicação.
Esta Jurisprudência do TC
continuou a ser confirmada, entre outros, nos Acs. n.ºs 247/2000; 346/2003;
347/2003 e 425/2003 (disponíveis na Página do TC na Internet no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt.jurisprudência.htm)
e nos Acs. n.°s 219/2001; 243/2001; 172/2002; 121/2002; 155/2002; 417/2002;
419/2002; 333/2003 e 557/2003 (publicados no DR, II Série, respectivamente de 6 e 4 de Julho de 2001, 3 de Junho
de 2002, 12, 30, 17 e 31 de Dezembro de 2002, 17 de Outubro de 2003 e de 23 de
Janeiro de 2004).
Entretanto veio a ser publicado
o novo CE, que se encontra em vigor (DL n.° 168/99, de 18 de Setembro) onde já
não se encontra reproduzido no art.º 25.° o n.° 5 do anterior art.º 24.° do
CE/91, onde se declarava expressamente que “para efeitos de aplicação do
presente código é equiparado a solo para outros fins o que, por lei ou
regulamento não possa ser utilizado na construção”.
No entanto o novo CE em vigor
não apontou caminho de resolução para o caso dos terrenos que embora disponham
de infraestruturas a que se reporta a alínea a) do n.° 2 do art.º 25.° estão contudo integrados na RAN ou REN.
5 – Numa primeira análise
poder-se-ia argumentar (cfr. Ac. RC de 22-06-2004 – CJ – tomo II, pág.30 e ss.) que o legislador de 1999 conhecia a
polémica que estava gerada à volta da interpretação no CE/91 da classificação
dos terrenos integrados em RAN e das divergentes posições assumidas pelo TC
sobre esta matéria.
Por isso ao não reproduzir a
mesma norma do n.º 5 do anterior art.º 24.° no actual art.º 25.° terá deixado
caminho aberto para não limitar a atribuição da indemnização na classificação
do solo a terrenos que não obstante integrados em RAN ou REN disponham contudo
das infraestruturas a que se alude na citada alínea a) do n.° 2 do art.º 25.°.
Porém esta argumentação, com
respeito por opinião contrária, não é suficientemente válida, para se poder
reconhecer que o legislador quis colocar fim às interpretações divergentes que
surgiram na jurisprudência dos Tribunais comuns e do TC.
Por um lado há que ter presente
que “da jurisprudência do Tribunal Constitucional decorre que a norma do n.º 5
do artigo 24.° do Código das Expropriações de 1991 só foi julgada
inconstitucional num único caso em que a Administração classificou uma parcela
de terreno, dotada de todas as infra-estruturas, como de utilidade pública
agrícola e integrou-a, por isso, na RAN, para, posteriormente e uma vez
desvalorizada, vir a adquiri-la, pagando por ela um valor correspondente ao de
solo não apto para construção. Em todos os restantes casos citados em que
estavam em causa quer a construção de vias de comunicação, quer de diferentes
edifícios, o Tribunal pronunciou-se, sempre, no sentido da não
inconstitucionalidade. Ou seja, em todos os outros casos, mesmo naqueles em que
a expropriação se não destinou a implantação de vias de comunicação mas sim de
edifícios públicos – por exemplo escolas –, o Tribunal Constitucional, não
tendo dado conta de «qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida
em “manipulação das regras urbanísticas”, com vista a desvalorizar
artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o
adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações
urbanas de interesse público”, não
julgou a norma inconstitucional.
Por outro importa também
reconhecer que o novo CE/91, continuou a não estabelecer um critério para
proceder à fixação de uma indemnização de terrenos que dispondo das
infra-estruturas a que alude a alínea a)
do n.° 2 do art.º 25.° estão contudo integrados na RAN ou REN.
E neste aspecto há que desde já
referir que, como já resulta do disposto nos art.ºs 9.°, n.º 1, al. d), do Dec.-Lei n° 196/89 e 4.°, n.º 2,
al.s b) e d), do Dec.-Lei n.° 93/90, as restrições à edificação nos solos
integrados na RAN e na REN continuam a comportar desvios na medida em que a lei
prevê que estes solos possam ser desafectados para a construção de vias de
comunicação, seus acessos e outros empreendimentos de interesse público.
Acresce ainda que no que se
refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (ou na Reserva
Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional (tal como referido no Ac.
275/2004 que vimos acompanhando, também citado pelo recorrente nas suas
alegações) tem entendido que para efeitos da “justa indemnização” o que releva
não é o facto do terreno deixar de ter aptidão agrícola, ainda que expropriados
para que neles se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cfr. Acórdãos
n.ºs 333/2003 e 557/2003 já citados), uma vez continua a existir a proibição de
construir nos solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva
Ecológica Nacional.
Esta proibição é, segundo a
jurisprudência do TC, uma consequência da “vinculação situacional” da
propriedade que incide sobre os solos com tais características (cfr. Acórdão
n.º 347/2003, onde se refere que «... de acordo com o ordenamento jurídico que
rege a situação dos terrenos abrangidos pela RAN (DL n.º 196/89, de 14/6,
alterado pelos DL. n.ºs 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei
n.º 93/90, de 19 de Março) ou áreas non
aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de
Urbanização ou Planos de Pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é
possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram
necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos
agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio
ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições
constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros
interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma
situação jurídica...»
Essa impossibilidade de
construção, que é determinada por razões de interesse público (reservar para a
produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir
o equilíbrio ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra
justificação constitucional, respectivamente, no artigo 93.° da Constituição,
que consagra como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a
produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e gestão racionais dos
solos”, e no artigo 66.° também da Constituição, que prevê a criação de
reservas para “garantir a conservação da natureza”.
A proibição de construir (refere
o Ac. 275/2004 citado) em terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional,
imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim, do que
“uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo”
(cfr. também Acórdão n.º 329/99, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim
sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola
Nacional, não há que considerar, em princípio, para efeitos de cálculo do valor
da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa
que não existe, nem nasce com a expropriação (cfr. neste mesmo sentido os Acs.
desta Relação: Processo: 0435161-N.° JTRP00037324 - Ac. de 04-11-2004;
Processo: 0430098-JTRP00036845-Ac. de 26-02-2004 e Processo:
0336000-JTRP00036205-Ac. de 05-02-2004).
6 – Mas o facto de decorrer
deste entendimento que a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional
ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária, não significa que
forçosamente o valor do solo tenha de ser calculado inevitavelmente em função
do que se dispõe para “solo para outros fins”, nos termos previstos no art.º
27.° do CE/99.
Há que ter em conta a situação
particular de cada parcela expropriada e das suas envolventes para aferir se
existe ou não violação do princípio constitucional da igualdade na atribuição
da justa indemnização, em comparação com os restantes proprietários que se
situam na área da parcela expropriada e destacada da RAN ou REN.
7 – Repare-se que no caso dos
autos, esta parcela expropriada foi destacada do prédio dos expropriados para
aí ser construído um equipamento rodoviário, ocorrendo esse destacamento ao
abrigo do disposto no DL n.° do DL n.° 196/89 de 14/6.
Dispõe o n.° 12 do art.º 26.° do
CE/99 que “Sendo necessário expropriar
solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por
plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja
aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente, cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela
expropriada”.
Ora
passando a parcela expropriada a ficar numa situação idêntica à das que ali se
encontram previstas (por desafectação da
RAN foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária), nada impede
que se faça aplicação extensiva ou analógica desse art.º 26.°, n.° 12, por
força do disposto no art.º 10.° do CC (cfr. Ac. RC de 22.06.04-CJ-ano 2004, tomo III, pág.34 e Ac. RP
de 28. 11.2003-Proc. 231 da 3.ª secção - www.dgsi.pt).
Conforme refere Alves Correia – Código das Expropriações e outra Legislação,
pág. 23, referindo-se então ao n.° 2 do art.º 26.° do CE/91 (norma equivalente
ao actual n.° 12 do art.º 26.° do CE/99) “Aplaude-se o aparecimento desta
disposição já que ao prescrever um método de determinação do valor dos solos
classificados como zona verde ou de lazer por um plano urbanístico corta
quaisquer tentativas de manipulação das regras urbanísticas por parte da
Administração que poderiam traduzir-se na classificação dolosa por parte de um
município num plano urbanístico por si aprovado de um terreno com zona verde
desvalorizando-o para mais tarde o adquirir por expropriação pagando por ele um
valor correspondente ao do solo não apto para construção”.
8 – Se atentarmos que está
provado que “o prédio donde foi destacada a parcela expropriada confronta do norte com EN n.° 206/Av. do Brasil; do
nascente com restaurante Moutados de Baixo/António Alves Ribeiro; do sul com
linha de água e do Poente com Rio Pelhe e que
a parcela expropriada confronta do norte com EN n° 2061Av. do Brasil; do
nascente com restaurante Moutados de Baixo/António Alves Ribeiro; do sul
com linha de água e do Poente com Rio Pelhe e ainda que o prédio donde foi
destacada a parcela expropriada está
inserido no núcleo urbano da cidade de V .N. de Famalicão, sendo dotado de
um nível médio de equipamentos, serviços e comércio, dispondo, do lado norte da
EN 206/Av. do Brasil, de via pavimentada em tapete asfáltico, com a largura
média de 10 metros, devidamente infraestruturada, não pode deixar de concluir-se que aqui se justifica plenamente a
aplicação extensiva ou analógica do n.° 12 do art.º 26.° do CE/99 no tocante ao
cálculo do valor deste solo da parcela expropriada.
Seria incompreensível que esta
parcela não pudesse ser avaliada por critérios semelhantes aos de solo apto
para construção (como foi efectivamente realizado pelos peritos maioritários)
sobretudo quando está provado (facto n.° 8 da matéria assente) que esta parcela
com as infraestruturas referidas (não obstante o prédio de que foi destacada
estar classificado na Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal de V.N.
Famalicão, como “Reserva Agrícola Nacional”) se situa em local onde as parcelas
de terreno da área envolvente estão classificadas
na Planta de Ordenamento do PDM como: - “RAN”; - “REN”; - “Espaços de
Aglomerado - Tipo 4-2 pisos”; - “Espaços de Aglomerado-Tipo 3-2 pisos”; -
“Espaços de Expansão de Aglomerado - Tipo 1-6 pisos”; - “Espaço Verde Urbano e,
maioritariamente, como, - Espaços de Aglomerado Tipo 2-4 pisos”.
E se se atentar ainda na foto de
fls. 45 que nos evidencia a construção urbana com que confronta a nascente,
mais difícil seria não acolher aqui a possibilidade de avaliar esta parcela por
critérios próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para construção.
Segundo Alves Correia, no seu Código de Expropriações e Outra Legislação,
pág. 23, “a inovadora disposição do n.°
2 do art.º 26.° permite por esta via da expropriação de terrenos que estejam em
situações idênticas àqueles que eram contemplados nessa norma (hoje n.° 12 do
art.º 26.°) que se atenda no cálculo do valor dos respectivos solos, a factores
próximos para os terrenos aptos para a construção”.
9 – Foi esse o critério adoptado
pelos peritos maioritários e acolhido na sentença. E nestas circunstâncias
entendemos que essa avaliação está correcta já que, por analogia, o cálculo do
seu valor foi efectuado com os parâmetros de solo apto para construção nos
termos do referido art.º 26.° n.° 12, não sendo de seguir o laudo proposto pelo
perito do expropriante que não atendeu à realidade fáctica da parcela,
decidindo avaliá-la tão só em função da sua produção agrícola e propondo para os 400m2 desta parcela e com
tal situação os singelos 4.124,000.
Bastaria atentar no laudo da
decisão arbitral onde estão identificadas as infraestruturas (acesso rodoviário
“faceia com EN206”, rede de abastecimento de água, rede de distribuição de
energia eléctrica em baixa tensão, rede de drenagem de águas pluviais e rede telefónica)
a que acresce a menção da pormenorização do local, que é aí identificado como
situando-se a cerca de 1 km do Centro de Vila Nova de Famalicão e ainda em toda
a classificação dos terrenos da área envolvente, para se poder concluir que, neste caso, o princípio constitucional da
igualdade só seria cumprido se a parcela tivesse uma avaliação como a que foi
adoptada pelos peritos maioritários, propondo uma indemnização no valor de
32.550.72€.
10 – Atente-se ainda que (cfr.
Ac. do TC n.° 275/2004) em respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula, não ocorre
aqui qualquer violação dos dois níveis de comparação, no âmbito relação interna
e no domínio da relação externa.
No âmbito da relação interna, o
princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de
cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os
particulares sujeitos a expropriação.
Neste aspecto os critérios de
cálculo do laudo maioritário são os legais e uniformes nestas situações.
No domínio da relação externa,
comparando-se os expropriados com os não expropriados, a indemnização por
expropriação fixada na forma em que o foi pelos peritos maioritários não leva a
que se possa considerar existir qualquer tratamento desigual entre estes dois
grupos, porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas
classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos
assentes.
Penalizar os expropriados nestas
circunstâncias quando o seu prédio foi sujeito a classificação de RAN, depois
desafectado dela nesta parcela por força do interesse público, nos termos das
limitações resultantes do artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho,
e continuar a considerá-lo como solo agrícola integrado na RAN para efeitos de
atribuição de indemnização por expropriação, quando a respectiva parcela
expropriada tem na sua envolvente solos classificados como os que constam no
n.° 12 do art.º 26.° do CE (solos para infra-estruturas), seria, no caso, desrespeitar o princípio constitucional da igualdade
que a justa indemnização postula.
Aqui não se trata de o proprietário, pela integração
do terreno na RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno desafectado e
destinado à construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu terreno dotada
de várias infraestruturas e que é destacada para uma infra-estrutura rodoviária
que se situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com potencialidade
edificativa, como o demonstra a própria confrontação da parcela e os factos
constantes do n.° 8 da matéria assente acima referida.
Portanto, neste caso, não se
configura uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas
contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, impondo-se,
sim, a aplicação da analogia com a norma do citado n.° 12 do art.º 26.° do
CE/99.
O art.º 26.°, n.ºs 1 e 12,
conjugado com o art.º 23.°, n.° 1 e 5, levam-nos a concluir que foi correcta a
avaliação efectuada pelos peritos maioritários e que foi acolhida na sentença,
merecendo esta, assim, o nosso acolhimento neste aspecto.
11 – No tocante às questões
suscitadas relativamente à forma de cálculo
do valor do solo em concreto entendemos também estar correcta a avaliação
efectuada pelos peritos maioritários quanto à aplicação do critério do custo de
construção e respectivos valores adoptados e justificados à data de Declaração
de Utilidade Pública da parcela expropriada, bem como a utilização da percentagem de 24% sobre os valores de
venda.
Há que realçar aqui que os
peritos maioritários justificam que os valores das transacções que estavam a
ser realizados na envolvente próxima, têm sido na referida percentagem sobre os
valores da venda e não sobre os valores da construção como indicia o n.° 4 do art.º
26.° do CE/99, tendo considerado não haver lugar à aplicação de qualquer factor
correctivo, pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade
construtiva.
Portanto esta argumentação
técnica satisfaz a justificação do critério adoptado e para este caso dos autos
(parcela de 400 m2, onde se equaciona a possibilidade de construção de 1 e 2
pisos respectivamente abaixo e acima da cota soleira) não se coloca o alegado
risco da actividade de construção nos termos invocados pelo expropriante, como
seriam os custos de organização, marketing, impostos, promoção imobiliária,
emolumentos, etc.
12 – Finalmente e relativamente
às questões de servidões, tal como é
referido na sentença os peritos maioritários não referiram que tal pudesse
influir na determinação da área onde era possível realizar a construção nos
termos definidos.
Da mesma forma nestes autos não existe qualquer
referência a classificações de espaço
canal (conclusão 15.ª), como é referido agora nas alegações do recorrente.
Concluiu-se, pois, que não houve
na sentença violação dos art.ºs 13.° e 62.° da CRP, bem como os art.ºs 1.° e
23.° a 25.°, 26.° e 27.° do CE/99, confirmando-se, por isso, a mesma.»
Notificado do teor desse acórdão, o
recorrente/expropriante requereu a sua reforma, por entender que nesse aresto
não se acolheu o pressuposto de que o terreno expropriado se encontrava
integrado na RAN (Reserva Agrícola Nacional).
Responderam os expropriados defendendo a
improcedência do pedido de reforma, pugnando pela manutenção do acórdão proferido
em 13 de Janeiro de 2005.
Por acórdão, tirado em conferência em 24
de Fevereiro de 2005, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu o referido
pedido de esclarecimento e reforma, pelos seguintes fundamentos:
«Com respeito por opinião
contrária, pensamos que o acórdão é claro no sentido de não permitir a
conclusão de que se entendeu a parcela como desanexada (em sentido técnico), em
termos de ter deixado de se considerar como tendo sido integrada num prédio
classificado de RAN.
Do acórdão ressalta esse
pressuposto e o trecho reproduzido no requerimento de reforma terá de ser
analisado e integrado no desenvolvimento da lógica argumentativa quanto aos
princípios gerais sobre a questão da RAN para depois se vir a efectuar a
caracterização da situação particular da parcela dos autos.
Consta como assente que o prédio
dos expropriados donde foi destacada a parcela expropriada está classificado na
Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal de V.N. Famalicão, como
“Reserva Agrícola Nacional”. Mas o que aconteceu foi que este Tribunal, tal
como resulta dos factos provados relevou a situação da parcela em face das
parcelas de terreno situadas na área envolvente, cujo perímetro exterior se
situa a 300 metros (ou menos) do limite da parcela expropriada e que estão
classificadas na Planta de Ordenamento do PDM como: - “RAN”; - “REN”; -
“Espaços de Aglomerado - Tipo 4 - 2 pisos”; - “Espaços de Aglomerado - Tipo 3-2
pisos”; - “Espaços de Expansão de Aglomerado - Tipo 1 - 6 pisos”; - “Espaço
Verde Urbano e, maioritariamente, como, - Espaços de Aglomerado Tipo 2 - 4
pisos”.
Desse modo relevou-se o facto de
ter ocorrido uma desafectação do
terreno (sem ter o sentido técnico que o reclamante lhe pretende conferir,
embora como reconhece também tenha utilizado no seu recurso a expressão de
“desanexação”) correspondente à parcela em causa, ao abrigo da faculdade
prevista no art.º 9.° do DL n.° 196/89, de 14/6, conceito este que assim foi
referido no laudo arbitral (fls.16), sendo que a aquisição foi efectuada para construção
da Variante Nascente de Famalicão.
Acontece que esse equipamento
rodoviário ao qual se destinou a parcela assim utilizada da RAN, se situa em
local que tem nas suas envolventes terrenos com potencialidades construtivas. E
daí que pela aplicação do princípio da analogia e do cumprimento do princípio
constitucional da igualdade que a justa indemnização postula, se tenha feito a
aplicação, para efeitos de cálculo da mesma, do disposto no art.º 26.°, n.° 12,
do CE.
Portanto, a jurisprudência
invocada não é pertinente para o caso, tal como analisado.
Não se verificou, pois, falta de
análise do pressuposto de classificação do terreno como RAN, mas nas suas
circunstâncias concretas, aceitou-se como correcta a forma de cálculo do seu
valor nos termos do art.º 26.°, n.° 12, do CE, tal como de resto foi efectuada
pelos Srs. Peritos maioritários, princípios que aliás também haviam sido
observados no laudo arbitral.
Foi essa a razão pela qual no
final do acórdão, que deve ser entendido nesse contexto, que argumentámos que “Aqui não se trata de o proprietário, pela
integração do terreno na RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno
desafectado e destinado à construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu
terreno dotada de várias infraestruturas e que é destacada para uma
infra-estrutura rodoviária que se situa em local que tem nas suas envolventes
terrenos com potencialidade edificativa, como o demonstra a própria
confrontação da parcela e os factos constantes do n.° 8 da matéria assente
acima referida.
Portanto, neste caso, não se configura uma situação de desigualdade entre
os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados
com a expropriação, impondo-se, sim a aplicação de analogia com a norma do
citado n.° 12 do art.º 26.° do CE/99”.»
2.O recorrente veio então interpor o presente recurso de
constitucionalidade ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo no
requerimento de recurso:
«1. O presente recurso é
interposto ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.° 28/82, de 15
de Novembro) – cfr., também, al. b)
do n.° 1 do art.º 280.° da Constituição da República Portuguesa.
2. No acórdão recorrido,
reconhecendo-se como válida a jurisprudência deste Tribunal Constitucional no
que respeita à avaliação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional e
na Reserva Ecológica Nacional, afirmou-se (fls. 9-verso, 1.°§):
“(...) a integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional ou na
Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o
proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de
qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser
destinado à construção imobiliária (...)”
3. Simplesmente, considerou-se
que esse entendimento “não significa que
forçosamente o valor do solo tenha de ser calculado inevitavelmente em função
do que se dispõe para ‘solo para outros fins’, nos termos previstos no art.º
27.º do CE/99”.
4. Em função dessa perspectiva,
depois de transcrever a norma do n.° 12 do art.º 26.° do CE, decidiu-se:
“Ora passando a parcela expropriada a ficar numa situação idêntica à
das que ali se encontram previstas (por
desafectação da RAN foi expropriada para infra-estrutura pública rodoviária),
nada impede que se faça aplicação extensiva ou analógica desse art.º 26.°, n.°
12, por força do disposto no art.º 10.° do CC (...)”.
5. Assim, na óptica do acórdão
sob recurso, é idêntica a situação dos solos classificados como “zona verde, de
lazer ou para a instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do
território” (ou pelo menos destes últimos, atento o sublinhado), daqueles
solos que se encontram integrados na RAN ou REN.
6. Em apoio da tese da
“aplicação extensiva ou analógica” do n.° 12 do art.º 26.° do CE ao caso dos
autos, invocou-se:
“Aqui não se trata de o proprietário, pela integração do terreno na
RAN, não ter expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à
construção, mas sim ver destacada uma parcela do seu terreno dotada de várias
infraestruturas e que é destacada para uma infra-estrutura rodoviária que se
situa em local que tem nas suas envolventes terrenos com capacidade
edificativa, como o demonstra a própria confrontação da parcela e os factos
constantes do n.° 8 da matéria acima referida”.
7. Mais se considerou que a
aplicação da norma do n.° 12 do art.º 26.° ao caso dos autos não determinaria a
violação do princípio da justa indemnização, nem no âmbito da relação interna
nem no âmbito da relação externa, esta última porque:
“No domínio da relação externa, comparando-se os expropriados com os não expropriados, a
indemnização por expropriação fixada na forma em que o foi pelos peritos
maioritários não leva a que se possa considerar existir qualquer tratamento
desigual entre estes dois grupos, porquanto as parcelas de terreno envolventes
não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta
dos factos assentes”.
8. Ao decidir dessa forma, o
douto aresto (mesmo que venha a considerar-se que o fez de forma indirecta)
interpretou as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.° e n.º 1 do artigo 26.°
do CE, no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção”
e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da
declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de
comunicação.
9. A recorrente suscitou a
questão da inconstitucionalidade de tais normas, nessa interpretação, quer no
requerimento do recurso da decisão arbitral quer nas alegações de apelação,
onde deixou escrito:
«O Tribunal Constitucional, por
Acórdão proferido em 20 de Abril de 2004, teve ocasião de pronunciar-se (crê-se
que pela primeira vez à luz do actual Código das Expropriações) sobre a questão
da classificação de solos integrados em Reserva Agrícola Nacional – Acórdão n.º 275/2004, publicado no DR, II Série, de 8 de Junho de 2004,
cuja cópia se junta (doc.1).
Nele se decidiu “julgar inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.° da Constituição, as normas
contidas no n.° 1 do artigo 23.° e n.° 1 do artigo 26.° do Código das
Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na
classificação de ‘solo apto para a construção’, e consequentemente, de como tal
indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para
implantação de vias de comunicação”.
Na verdade, ao contrário do que
na douta sentença foi entendido, para que determinado solo seja classificado
como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias
enumeradas nas quatro alíneas que integram o n.º 2 do art.º 25.° do CE.
Isto mesmo se decidiu no douto
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.07.2003, proferido no processo n.°
1424/03-3, em que era parte o aqui apelado, e de que foi relator o Ilustre Juiz
Desembargador Manuel Ramalho.
A questão a decidir pode
reconduzir-se à seguinte pergunta: como devem classificar-se os solos cujo destino efectivo ou possível
– numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e
condições de facto – não pode ser a
construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor?
O legislador, ao distinguir o
solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou “um critério
abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o
solo, incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –,
mas antes um critério concreto de potencial idade edificativa” – cfr. Alves
Correia in Introdução ao Código das
Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública,
Aequitas, Editorial Notícias, 1992.
A interpretação integrada das
regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das
Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para
outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível – numa utilização
económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto –
não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor.
E assim será mesmo que,
relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n.°
2 do art.º 25.° do CE.
Na verdade, nos termos do n.° 1
do art.º 23.° do CE/99, a justa
indemnização visa “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou
possível numa utilização económica normal, à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto
existentes naquela data” – sublinhado nosso.
Assim, as regras de
classificação dos solos vertidas no art.º 25.° do CE/99 têm de ser conjugadas com o princípio geral do n.° 1 do art.º 23.°
citado.
A aplicação, que diríamos
“cega”, das regras constantes do art.º 25.° do CE/99, nos casos em que a construção não é possível face às leis e
regulamentos em vigor, (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não
constitua o aproveitamento económico normal) conduziria à violação desse
princípio geral, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor
real e corrente do bem, “de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa
utilização econ6mica normal”.
Aliás, mesmo o n.° 1 do art.º
26.° do CE/99, impõe que:
“O valor do solo apto para a
construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as
leis e os regulamentos em vigor” (sublinhado nosso).
A própria redacção da al. a) do n.° 2 do art.º 25.° reforça a
interpretação que se vem sustentando, ao exigir que o acesso rodoviário e
demais infraestruturas nela referidas tenham “as características adequadas para
servir as edificações nele existentes
ou a construir”.
Não basta, assim, para a classificação de um determinado solo como apto
para construção, a simples verificação de alguma das situações previstas no n.°
2 do art.º 25.° do CE.
Necessário se torna que, na prática, de acordo com as
leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta
constitua o seu aproveitamento económico normal.
É o que resulta da regra geral
imposta pelo n.° 1 do art.º 23.° do CE/99,
conjugada e confirmada pela redacção dada ao n.° 1 do art.º 26.° desse
código.»
10. Nas conclusões da apelação,
aliás, a recorrente incluiu as seguintes conclusões:
“5.ª A eliminação da norma constante do n.º 5 do
artigo 24.º do CE/91, com a entrada em vigor do novo Código, não implicou
nenhuma alteração no entendimento segundo o qual os solos integrados em RAN
devem ser avaliados como solos para outros fins, que continua válido à luz da
regra geral imposta pelo n.º 1 do art.º 23.º do CE/99, conjugada e confirmada
pela redacção dada ao n.º 1 do art.º 21.º desse Código.
6.ª Sempre seriam inconstitucionais, por violação do princípio da justa
indemnização por expropriação, as normas do n.º 1 do art.º 23.º e n.º 1 do
art.º 26.º do CE/99, quando interpretadas por forma a incluir na classificação
de “solo apto para a construção” solos em que, de acordo com as leis e
regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é
permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico
normal, quando expropriadas para a construção de vias de comunicação”.
11. Tal interpretação viola
frontalmente o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação,
condensado no art.º 62.°/2 da CRP, bem como o princípio da igualdade plasmado
no seu art.º 13.°.
12. Por outro lado, a
classificação e avaliação da parcela como “solo apto para a construção” foi
efectuada no douto acórdão por “aplicação extensiva ou analógica” do n.° 12 do
art.º 26.° do CE – pela primeira vez, já que na douta sentença se havia
considerado ser essa norma directamente aplicável;
13. Em todo o caso, a recorrente
suscitou a questão da inconstitucionalidade da aplicação da norma do n.° 12 do
art.º 26.° do CE ao caso dos autos (em que a parcela expropriada se encontra
integrada na RAN) nas alegações de apelação, onde deixou escrito:
«Defende-se na douta sentença em
crise, secundando a opinião maioritária dos peritos, que tem aplicação ao caso
dos autos a regra avaliatória contida no n.° 12, do art.º 26.°, do CE/99, que dispõe:
“Sendo necessário expropriar
solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do
território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em
vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”.
Salvo o devido respeito, não
pode ser assim, pelas razões que a seguir se sintetizam. Desde logo, porque a
norma em causa pressupõe que o terreno não esteja sujeito a outras
condicionantes, para lá da classificação do PDM como “espaço-canal”, o que não
sucede no caso em apreço, como vimos.
Aliás, refira-se que nem sequer
resulta dos autos que o terreno da parcela estivesse, no PDM, em
“espaço-canal”...
O âmbito de aplicação da regra
avaliatória constante do n.° 12 do art.º 26.° do CE/99, restringe-se aos casos
em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, e deixaram de
tê-la em consequência da prossecução do interesse público – o interesse subjacente
à sua classificação como zona verde, de lazer ou “espaço-canal” para instalação
de infra-estruturas e equipamentos públicos.
Independentemente da
classificação como “espaço-canal”, a parcela já não possuía capacidade
construtiva, em virtude da sua integração em RAN e das outras restrições a que
se aludiu.
Dito de outra forma, a parcela nunca perderia a sua
aptidão construtiva em consequência da sua classificação por plano municipal
como “espaço-canal” – integrando-se em RAN e sujeita a outras servidões, a sua
classificação como “espaço-canal” não implicaria quaisquer restrições
singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo
(preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinassem uma limitação
significativa na sua utilização.
A aplicação do n.° 12 do art.º
26.° do CE/99 a terrenos sem aptidão
construtiva, além de absurda, redundaria numa clara violação do princípio da
igualdade constitucionalmente consagrado.
Na verdade, colocados na mesma
situação dois proprietários de terrenos integrados em RAN, aquele que fosse
expropriado seria claramente beneficiado relativamente ao não expropriado.
De facto, o primeiro veria o seu
terreno ser avaliado “em função do valor médio das construções existentes ou
que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo
perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”; enquanto
que o segundo, não expropriado, continuaria a ser dono de um terreno cujo
valor, em condições normais de mercado, nunca poderia reflectir qualquer
aptidão edificativa.
Não foi isto, naturalmente, que o legislador pretendeu
quando estabeleceu a regra constante do n.° 12, do art.º 26.°, do CE/99.
Embora a norma não o diga
expressamente (seria preciso dizê-lo?) o seu âmbito de aplicação está limitado
àquelas situações em que os terrenos possuíam potencialidade edificativa antes
da sua classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos».
14. Ao considerar aplicável ao
caso dos autos a regra avaliatória constante do n.° 12 do art.º 26.° do CE, o
douto aresto em crise violou, igualmente, o princípio constitucional da justa
indemnização por expropriação, condensado no art.º 62.°/2 da CRP, bem como o
princípio da igualdade plasmado no seu art.º 13.°.
15. Pretende-se, assim, que o
Tribunal Constitucional aprecie:
a) a
inconstitucionalidade das normas contidas nos n.ºs 1 do artigo 23.º e n.º 1 do
artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no sentido
de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da
declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de
comunicação;
b) a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 12 do art.º 26.º do
Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos
integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para
implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função “do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do
limite da parcela expropriada”.»
Admitidos os autos no Tribunal Constitucional foram as
partes notificadas para alegar, tendo a recorrente concluído pela seguinte
forma as suas:
«1.ª Constitui consolidada jurisprudência deste
Tribunal Constitucional que os terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional
não têm aptidão construtiva, de acordo com o respectivo ordenamento jurídico
(DL. n.º 196/89, de 14/6, alterado
pelos DLs. N.ºs 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10).
2.ª Trata-se de uma restrição que se mostra necessária
e funcionalmente adequada para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que
propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, restrição
constitucionalmente legítima e que não viola, nem o princípio da justa
indemnização, dada a sua “vinculação situacional”, nem os princípios da igualdade
e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e interessados que
estão, concreta e/ou abstractamente, dentro da mesma situação jurídica.
3.ª A integração de um terreno na Reserva Agrícola
Nacional determina, na prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele
vir a construir edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa
razoável de desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à
construção imobiliária.
4.ª Essa impossibilidade, que é determinada por razões
de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para
tal, tenham melhor aptidão), encontra justificação constitucional no artigo 93°
da Constituição.
5.ª Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos
integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de
cálculo do valor da indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer
potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.
6.ª O âmbito de aplicação da regra avaliatória
constante do n.º 12 do art.º 26.º do CE/99, restringe-se aos casos em que os
terrenos tinham, abstractamente, aptidão construtiva, antes da sua
classificação como zona verde, de lazer ou “espaço-canal” para instalação de
infra-estruturas e equipamentos públicos e deixaram de tê-la em consequência da
prossecução do interesse público – o interesse subjacente àquelas
classificações.
7.ª O critério de cálculo do valor de indemnização
constante dessa norma, assenta na consideração dos terrenos referidos neste
preceito como terrenos aptos para construção enquanto, directa, incindível e
inelutavelmente ligados à obrigação de realização das infra-estruturas que o
planeamento urbanística impõe e cuja satisfação visa directamente cumprir.
8.ª Os terrenos integrados na RAN nunca perdem a sua
aptidão construtiva em consequência da sua classificação por plano municipal
como “espaço-canal”, pela simples razão de que a não possuíam antes – essa sua
classificação não implica quaisquer restrições singulares às possibilidades
objectivas de aproveitamento do solo (preexistentes e juridicamente
consolidadas) que determinem uma limitação significativa na sua utilização.
9.ª A inclusão no critério de cálculo do valor do solo
previsto no n.º 12 do art.º 26.º do CE/99
de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a
implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais
parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados,
conduzindo a um “ocasional locupletamento injustificado” dos primeiros em
relação aos segundos.
10.ª Enquanto que os expropriados seriam indemnizados
com base em tal critério específico de cálculo do valor de solo apto para
construção, necessariamente superior ao valor de mercado, os proprietários não
expropriados que pretendessem alienar os seus terrenos nunca alcançariam, no
mercado, um tal valor por virtude da limitação edificativa legalmente
estabelecida para os solos integrados na RAN e da falta de previsão, em relação
a eles, do critério de equivalência estabelecido no art.º 26.º/12 do CE.
11.ª A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a
um único estatuto jurídico sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva,
em função do qual o legislador conformou o critério que concretiza o valor da
justa indemnização exigida constitucionalmente como contrapartida da
expropriação.
12.ª Assim, a aplicação (mesmo que extensiva ou
analógica) do n.º 12 do art.º 26.º do CE/99
a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias
que, para terrenos situados fora da RAN, o art.º 25.º, n.º 2, do CE/99 releva como elementos
qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara violação do
princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
13.ª Dar-se tratamento jurídico-económico diferente
sob o ponto de vista do critério de aferição do valor da indemnização devida em
caso de expropriação a terrenos que, embora estejam todos incluídos na RAN (e
que, por via disso, não podem ser destinados (ou aptos para) a construção –
equivaleria a introduzir um elemento simplesmente formal ou materialmente
irrelevante (do ponto de vista da aptidão para a construção) para fundar uma
destrinça no aspecto indemnizatório.
14.ª Desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a
sua aptidão efectiva ou conjectural para a construção é exactamente a mesma,
concorram ou não concorram outras circunstâncias que a lei releve para
considerar como terrenos para construção terrenos que estão situados fora da
RAN e como tal sujeitos a outro estatuto jurídico.
15.ª Ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN
possam ser indemnizados como se foram terrenos aptos para construção, dentro do
regime próprio estabelecido no n.º 12 do art.º 26.º do CE de 1999, só pelo
simples facto de serem expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio
da igualdade, na sua vertente externa.
16.ª Em caso de transmissão onerosa, num mercado em
que não entrem factores anómalos e especulativos, jamais será possível ao proprietário
não expropriado aspirar a uma valoração correspondente à conseguida através da
sua expropriação e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de
indemnização constante do n.º 12 do art.º 26.º do CE de 1999.
17.ª São inconstitucionais as normas contidas nos n.ºs
1 do artigo 23.º e n.º 1 do artigo 26.º do CE, quando interpretadas no sentido
de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da
declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de
comunicação;
18.ª É inconstitucional a norma contida no n.º 12 do
art.º 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de
permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública,
expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em
função “do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 m do limite da parcela expropriada”.
TERMOS EM QUE,
deverá dar-se provimento ao presente recurso, devendo
o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o juízo de
inconstitucionalidade:
a) das normas contidas nos n.ºs 1 do artigo 23.º e n.º 1
do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no
sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado na RAN à data da
declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de
comunicação;
b) da norma contida no n.º 12 do art.º 26.º do Código
das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos
integrados na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriados para
implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função “do valor
médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas
situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do
limite da parcela expropriada”.»
Por sua vez, concluem os recorridos:
«1 – O n.º 12
do artigo 26.º do Código das Expropriações consagra o princípio da igualdade de
tratamento da mesma realidade.
2 – E visou apenas evitar que por actos de gestão
territorial pudessem ser adulteradas as realidades físicas, económicas e de
real desenvolvimento e profunda expectativa.
3 – Consagrou os princípios da igualdade e da justa
indemnização, pelo que
4 – Terá de ser concluir pela sua conformidade
constitucional, porquanto
5 – Descendo ao caso concreto que temos em mãos, temos
de comparar aquilo que pode ser comparável, nomeadamente
6 – A parcela expropriada dotada de várias
infra-estruturas, no núcleo urbano da cidade de Vila Nova de Famalicão e que
foi destacada para a construção de uma infra-estrutura rodoviária situa-se em
local que tem na sua envolvente terrenos, na sua maioria, com potencialidades
edificativas, como o comprovam a própria confrontação da parcela e os factos
assentes nos autos, com especial relevo para o facto 8 da matéria dada por
provada.
7 – A única solução admissível, para comparar
expropriados e não expropriados, é restringir tal comparação aquilo, que, pela
sua natureza é compatível, não podendo misturar situações distintas entre as
regras que ditam os valores da expropriação e as regras porque se regem os
agentes económicos num mercado aberto, que se resume à “lei da oferta e da
procura” que poderá conduzir a preços não equivalentes de terrenos com a mesma
aptidão e características
8 – A proximidade até 300 metros de terrenos com
capacidade edificativa, pode gerar, como gera, fundadas expectativas de
valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo.
9 – Por último, a suposta afirmação do direito de
terceiros não parte na relação expropriada (os proprietários de parcelas não
expropriadas) não pode servir para a entidade expropriante lograr obter a
diminuição do valor ao expropriado, não obstante o sacrifício que lhe impõe.
Nestes termos e nos melhores de direito deve a decisão
recorrida ser mantida e lavrado acórdão que julgue improcedente por não provado
o presente recurso, como é de DIREITO E JUSTIÇA!»
Cumpre apreciar e decidir.
II.
Fundamentos
3.Resulta dos autos que o tribunal a quo assentou a sua decisão no artigo 26.º, n.ºs 1 e 12, do Código
das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro), conjugado
com o artigo 23.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo Código: indemnizou, avaliando “com os
parâmetros de solo apto para construção nos termos do referido art.º 26.° n.°
12” (com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou
que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo
perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada), terreno
integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN). Diz-se, com efeito, no acórdão
recorrido, que o “art.º 26.°, n.ºs 1 e 12, conjugado com o art.º 23.°, n.° 1 e
5, levam-nos a concluir que foi correcta a avaliação efectuada pelos peritos
maioritários e que foi acolhida na sentença, merecendo esta, assim, o nosso
acolhimento neste aspecto”. Para chegar a tal conclusão, o tribunal a quo, aplicou analogicamente a norma do
n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, que tem o seguinte teor:
“Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo apto para a construção
( … )
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados
como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos
públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz,
cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será
calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 m do limite
da parcela expropriada.”
Por sua vez, no requerimento de recurso, o recorrente
indica como objecto do presente recurso a apreciação da inconstitucionalidade
de duas dimensões normativas: “das normas contidas nos n.ºs 1 do artigo 23.º e
n.º 1 do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas
no sentido de incluir na classificação de
‘solo apto para a construção’ e, consequentemente, de como tal indemnizar, solo
integrado na RAN à data da declaração de utilidade pública, expropriado
para implantação de vias de comunicação”; e “da norma contida no n.º 12 do
art.º 26.º do Código das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir que solos integrados na RAN à data
da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de
comunicação, possam ser avaliados em função ‘do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada’” (itálicos aditados).
Pelo Acórdão n.º 275/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
este Tribunal julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade
consagrado no artigo 13.° da Constituição, as normas contidas no n.° 1 do
artigo 23.° e no n.° 1 do artigo 26.° do Código das Expropriações, quando
interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a
construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na
RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação. Todavia, não pode, no
presente recurso, conhecer-se da constitucionalidade da dimensão normativa
correspondente. Com efeito, a primeira dimensão normativa identificada no
requerimento de recurso não foi aplicada pelo tribunal a quo, já que neste se não classificou o solo a expropriar como
“solo apto para a construção”, antes aplicou analogicamente o artigo 26.º, n.º
12, do Código das Expropriações ao prédio em causa e avaliou-o de acordo com os
critérios nele previstos.
Só se tomará, pois, conhecimento do recurso quanto à
interpretação do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, no sentido
de permitir que solos integrados na RAN à data da declaração de utilidade
pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser
avaliados em função ‘do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada’”.
4.No Acórdão n.º 114/2005 (também disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
este Tribunal apreciou a conformidade aos princípios da igualdade e da justa
indemnização, este último consagrado no artigo 62.º da Constituição, da norma
do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, quando
interpretado no sentido de ser indemnizável
como “solo apto para construção” terreno integrado na RAN com aptidão
edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º
do mesmo Código, e concluiu pela não inconstitucionalidade. Pode ler-se
na respectiva fundamentação:
«(…)
9. Importa, então, saber se a norma segundo a
qual “é de determinar segundo a regra do artigo
26º, nº 12, do CE 1999 o solo incluído na RAN quando saiam satisfeitos em
relação a ele os critérios enquadráveis na al. a) do nº 2 do artigo 25º de
proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 metros), de envolvência
(inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso por via púbicas, expropriado para
fins de implantação de vias de
comunicação” ofende o princípio constitucional da justa indemnização por
desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da
igualdade, considerada a sua vertente externa.
O nº 12 do artigo 26º do CE 1999 estabelece o critério
específico de cálculo do valor do solo para os casos em que “seja necessário
expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação
de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento
do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em
vigor”, determinando que em tais casos “o valor de tais solos será calculado em
função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 m do limite da parcela expropriada”.
Será tal norma efectivamente violadora dos princípios
da igualdade e da justa indemnização?
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece,
porém, fundar‑se num juízo sobre uma hipotética não indemnização nos
mesmos termos de proprietários em idênticas condições a expropriar futuramente.
No entanto, o próprio princípio da igualdade somente impõe a comparação de
realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com
fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem
não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da
igualdade por quem, nas mesmas circunstâncias, não viesse efectivamente a
beneficiar de uma indemnização idêntica – veja‑se o Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 194/97, publicado no Diário
da República, II Série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
Ora, num Estado de Direito,
tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos
públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que
compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure “uma adequada
restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado” (cf. o citado
Acórdão nº 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II
série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o
equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por
outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados
colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de
tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é
constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma
“onerosidade forçada e acrescida” sem que exista justificação material para a
diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão nº 131/88); – recte, do ponto de vista constitucional,
é inadmissível, por exemplo, que, “em regra, se atenda ao valor real e corrente
dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.os 1
e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos
casos, um valor abaixo do real e corrente” (cf. o Acórdão nº 109/88, publicado
no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988).
Mas não é esse o caso de que agora se trata. A
invocação pela Administração da violação da igualdade fundamenta-se apenas em
que não será possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às
existentes e possíveis de edificar na zona envolvente e assim na previsão de
que outros expropriados não serão tratados equitativamente, eventualmente pela
interpretação subjacente à solução aplicada ser incorrecta. Contra esta
consideração, milita desde logo a circunstância de o terreno objecto de
expropriação no caso concreto satisfazer as condições do artigo 25º, nº 2,
alínea a) do Código das Expopriações
de 1999.
Mas, a consideração de que, de acordo com o critério
normativo sob análise, não será exigível a possibilidade de realizar no solo
expropriado construção semelhante às existentes pressupõe que a Constituição
concebe a justa indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que
o legislador possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com
semelhante expressão no valor da indemnização.
Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual
esta solução viola a igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão
dela não pode ser pertinente, não podendo a igualdade aferir‑se pelo
confronto com situações hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para
alcançar o valor da indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma
comparação automática com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente
expropriáveis, de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não
foram expropriadas, quer considerando a indemnização por uma eventual futura
expropriação quer o valor de mercado que os proprietários obterão se porventura
decidirem vender os prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo
62º, não configura deste modo restritivo o dever de indemnizar, em que está em
causa acautelar a compensação do expropriado pela ablação do seu direito em
nome do interesse público. Só perante uma manifesta desproporção entre o valor
fixado e o valor do bem, o que não está em questão nos presentes autos ou que
pelo menos o Tribunal Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto
só poder surgir com uma dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá
colocar um problema de eventual ultrapassagem da justa indemnização por
excesso.»
Já o Acórdão n.º 145/2005 (disponível também em www.tribunalconstitucional.pt)
julgou inconstitucional a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das
Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada no
sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela
expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo
25.º, n.º 2, do mesmo Código. Disse-se nesse aresto, quanto à questão de saber
“se a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido, para além de não
satisfazer o apontado objectivo de evitar a manipulação das regras
urbanísticas, conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado,
desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação e
conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados na área classificada como ‘espaço canal’
que não tenham sido contemplados com a expropriação”, que “a resposta a esta
questão fundamental deve ser afirmativa”, fundamentando-se:
«Salientou-se, a este propósito, no acórdão n.º
275/2004, de 20 de Abril (publicado no Diário da República, II Série, n.º 134,
de 8 de Junho de 2004, p. 8866 ss), em que também não estava em causa uma
actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras
urbanísticas:
“[...]
9. A situação que ora se nos oferece representa como
que o espelho da situação anterior, sem que igualmente se questione “qualquer
actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras
urbanísticas” a que atrás se fez referência. Isto é, quando anteriormente se
considerava inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código
das Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação
de «solo apto para a construção» o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado, nomeadamente, para implantação de vias de comunicação,
entende-se, agora, interpretar as normas do n.° 1 do artigo 23° e do n.° 1 do
artigo 26° do Código das Expropriações (1999) por forma a incluir na
classificação de «solo apto para a construção» e, consequentemente, a
indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional,
expropriado, precisamente, para implantação de vias de comunicação.
[...]
A questão de constitucionalidade que vem submetida à
consideração deste Tribunal pode, assim, formular-se do seguinte modo: é
inconstitucional a interpretação das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no
n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na
classificação de «solo apto para a construção» e, consequentemente, a
indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional,
expropriado para implantação de vias de comunicação?
[...]
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela
interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio
da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da “justa
indemnização” postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade
desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber: no âmbito da relação interna
e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da
igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da
indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares
sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os
expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação
ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois
grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu «justo valor» – para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado –, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação.
[...]
Pelo exposto, há que considerar que a interpretação
das normas contidas no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das
Expropriações (1999), que conduz a incluir na classificação de «solo apto para
a construção» e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na
Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação,
viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da Constituição.
[...].”.
No presente recurso, não estando embora
em causa um solo integrado na Reserva Agrícola Nacional, ocorreu, tal como no
recurso de que emergiu o acórdão acabado de transcrever, a expropriação de um
solo onde, por força de uma classificação constante de um plano municipal de
ordenamento do território, não era possível construir. E, tal como sucedeu
nesse recurso, também no caso presente não resultou minimamente demonstrada a
manipulação das regras urbanísticas. Com efeito, em ambos os processos o
tribunal recorrido prescindiu da averiguação da aptidão objectiva para a
edificabilidade do solo a que a parcela expropriada diz respeito. Mais
precisamente, no caso destes autos, o tribunal recorrido decidiu que, para
efeitos da aplicação do artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações, a
aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos
objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do mesmo Código.
Assim sendo, são para aqui plenamente
transponíveis, sem necessidade de mais desenvolvimentos acerca da eventual
violação de outros preceitos constitucionais, as considerações tecidas nesse
acórdão a propósito da violação do princípio da igualdade, no domínio da
relação externa, para elas se remetendo.
Na verdade, considerar-se como terreno apto para
construção (como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada
a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas) um terreno onde o
proprietário não pode construir, por força da sua integração em área afectada à
“implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos”, sem averiguação
da aptidão objectiva para a edificabilidade do terreno expropriado – isto
é, sem que na averiguação da aptidão edificativa do terreno expropriado se
tenham em conta os elementos objectivos definidos no artigo 25º, n.º 2, do
Código das Expropriações –, conduz a uma intolerável desigualdade em relação a
todos os restantes proprietários de terrenos integrados em tais zonas que não
tenham sido sujeitos a expropriação.
Procedem, assim, as conclusões das
alegações de recurso que, assentes no pressuposto da adopção de um critério de
valorização da parcela expropriada pelo tribunal recorrido, censuram a violação
do princípio constitucional da igualdade por parte da interpretação normativa
ora em apreciação (nomeadamente, as conclusões I, VI, VII, XI, XII, XIV e XV, supra,
7.).»
Entende-se, porém, como se diz na declaração de voto
aposta (pelo Cons.º Rui Manuel Moura Ramos) a este Acórdão n.º 145/2005 (e na
sequencia, aliás, já do entendimento expresso, para um caso próximo, no citado
Acórdão n.º 114/2005), que a norma referida – substancialmente paralela à que
ora está em causa, em que a aptidão edificativa da parcela expropriada também
não foi fundamentada com os elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º
2, do Código das Expropriações, antes se procedendo a aplicação extensiva ou
analógica do n.° 12 do art.º 26.° desse Código para cálculo do valor deste solo
da parcela expropriada – não viola o
princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República
Portuguesa, nem a garantia de justa indemnização, prevista no artigo 62.º, n.º
2, do mesmo diploma básico. Antes, “tratando-se de determinar a conformidade
constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub
judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados – a análise
da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação – não
deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é
uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários
não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes”.
Importa, com efeito, atender aos fundamentos
adiantados, na declaração de voto referida, para fundamentar a posição no
sentido da inexistência de inconstitucionalidade:
«(…)
1.2. Preliminarmente, porém, há que ter
presente a circunstância de, recentemente, no Acórdão n.º 114/05 da 2.ª Secção,
este Tribunal ter apreciado a constitucionalidade da norma aqui em causa – face
aos princípios da igualdade e da justa indemnização – concluindo, então, pela
conformidade constitucional da referida norma.
Não obstante entender que este anterior
pronunciamento do Tribunal (no sentido da não inconstitucionalidade) deveria
ter sido o adoptado igualmente na presente situação, cumpre sublinhar a
existência de uma importante dissemelhança entre ambos os casos, em termos tais
que a questão de constitucionalidade configurada não pode ser considerada a
mesma nas duas situações.
Com efeito, estando em causa aplicações
da mesma norma, assentou cada uma delas em interpretações distintas. É que, no
presente caso, o artigo 26.º, n.º 12, do CE, enquanto norma objecto do recurso,
é apreciado quando interpretado no sentido de prescindir da determinação
concomitante da aptidão edificativa da parcela expropriada, através dos
critérios do artigo 25.º, n.º 2, do CE. Diversamente, na situação apreciada
pelo Acórdão n.º 114/05, a aptidão edificativa (sempre determinada nos termos
desse artigo 25.º, n.º 2) era encarada como pressuposto do cálculo do valor do
terreno com base no critério estabelecido no n.º 12, do artigo 26.º, do CE.
Estando, embora, em causa interpretações
diversas da mesma norma ou, por outras palavras, aplicações dessa norma
baseadas em interpretações distintas, não creio, porém, salvo melhor
entendimento, que o resultado em termos de conformidade constitucional deva
ser, na presente situação, não obstante as especificidades interpretativas dos
dois casos, contrário ao alcançado no citado Acórdão n.º 114/05.
2. A
primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao sentido que o
Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da
expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do
n.º 12, do artigo 26.º, do CE, “conduz à atribuição de uma indemnização
excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício
representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em
relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área
classificada [...] que não tenham sido contemplados com a expropriação” (item
11 do Acórdão).
Para responder afirmativamente a esta
questão (existe desigualdade relativamente aos não expropriados) o Tribunal
acaba por ponderar – implicitamente, pelo menos – o valor que obteriam estes
(os “que não tenham sido contemplados com a expropriação”) se procedessem à
venda das respectivas parcelas, concluindo que esse valor, não se verificando
os elementos do artigo 25.º, n.º 2, do CE, nunca seria o de um “solo apto para
a construção” (o “do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada”, como diz o n.º 12,
do artigo 26.º, do CE). Esta conclusão, porém, não se nos afigura evidente, por
assentar na comparação entre realidades intrinsecamente distintas: as regras,
normativas, de cálculo da indemnização no caso de expropriação, e as regras de
comportamento dos agentes actuando no mercado.
Este – o mercado – “é a interacção do
conjunto dos vendedores e compradores, actuais ou potenciais, que se interessam
pela transacção de determinado produto” (Fernando Araújo, Introdução à
Economia, Vol. I, 2ª. ed., Coimbra, 2004, pág. 232) e funciona com base
numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa
através de conteúdos normativos. Significa isto que não sendo irrelevantes, na
formação dos preços de um terreno no mercado concorrencial, constrangimentos
administrativos à construção, estes não excluem que, em função de múltiplos
factores (desde logo das possíveis expectativas de ulterior alteração desses
constrangimentos, decorrentes, por exemplo, da evolução previsível do statu
quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos aptos para construção),
no mercado, a interacção entre a oferta e a procura produza preços equivalentes
aos valores que, sem a verificação dos elementos elencados no n.º 2, do artigo
25.º, do CE, seriam alcançados com base no n.º 12, do artigo 26.º, do CE.
É certo que este Tribunal, em sede de
controlo da relação externa da expropriação, afasta habitualmente possíveis
objecções deste tipo, falando em “valor de mercado do bem [expropriado]
normativamente entendido”, o que expressaria “a quantia que teria sido paga
pelo bem [...] se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e
venda descontados os factores especulativos” (Fernando Alves Correia,
caracterizando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no estudo:
“Propriedade de Bens Culturais – Restrições de Utilidade Pública, Expropriações
e Servidões Administrativas”, in Direito do Património Cultural,
Lisboa, 1996, pág. 407). Porém, descontados esses factores, ou
quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é certo) que
esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado e,
consequentemente, a comparação entre quem é expropriado – que queira ou não o é
– e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não
expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
A solução não é, obviamente, prescindir
de toda a comparação entre expropriados e não expropriados, mas restringir tal
comparação ao que, pela sua natureza, é susceptível de uma comparação efectiva.
Foi o que sucedeu no Acórdão n.º 422/04 (poderíamos citar igualmente os
Acórdãos n.ºs 314/95 e 86/03) no qual o Tribunal procedeu ao controlo da
relação externa da expropriação comparando expropriados com não expropriados no
que diz respeito à sujeição daqueles e destes a encargos públicos. É que a
Contribuição Autárquica ou o Imposto Municipal Sobre Imóveis (em causa no
Acórdão n.º 422/04) pagavam-no, efectivamente, tanto o proprietário expropriado
como aquele que o não era, podendo-se quantificar – e por isso comparar – os
encargos reais de um e de outro. Aqui, diversamente, o que se compara é o que
existe (a expropriação daquele concreto bem num determinado momento) com o que
só hipoteticamente existiria e, mesmo assim, produziria efeitos – e são estes
efeitos que o Tribunal pretende comparar – com base em modelos que, por não
expressarem realidades normativas, actuam de forma e com resultados
substancialmente distintos.
Daí que, citando as palavras do
mencionado Acórdão n.º 114/05, da 2ª Secção, entendamos, também na situação sub
judicio, que “o [...] princípio da igualdade somente impõe a comparação de
realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com
fundamento na circunstância de outros proprietários poderem não vir a beneficiar
de uma indemnização nos mesmos termos”.
3. A isto acresce – e abordamos agora a
outra divergência relativamente à posição da maioria – que a caracterização da
norma em termos de pretender obstar às chamadas “classificações dolosas”
(classificação de certa área como zona verde, expropriando-a como terreno não
apto para construção, destinando-a posteriormente a fim diverso que conduziria,
não fora a classificação, a uma mais elevada indemnização; v. Fernando Alves
Correia, Código das Expropriações, Lisboa, 1992, pág. 23; cfr. José
Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1996, pág.
195), tal caracterização, dizíamos, não esgota o sentido possível da norma e
não justifica, por isso, a «redução teleológica» que o Tribunal efectua, assente
na interpretação de Fernando Alves Correia (“A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de
Expropriações de 1999”, in Revista de Legislação e Jurisprudência
Ano 133, págs. 53/54) e que se expressa na seguinte passagem do Acórdão:
“[...]
Tendo o tribunal recorrido prescindido
da averiguação da aptidão ou vocação objectiva para a edificabilidade do solo a
que respeitava a parcela expropriada – ou, dizendo de outro modo, tendo o
tribunal recorrido decidido que a aptidão edificativa da parcela expropriada
não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º
2, do CE –, conclui-se que a norma do n.º 12 do artigo 26º do mesmo Código foi
aplicada num sentido que, seguindo o raciocínio de Fernando Alves Correia, não
satisfez, em boa verdade, o objectivo de «evitar as classificações dolosas de
solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos
municipais».
[...]”
Suscita-nos esta
interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as características
da do n.º 12 do artigo 26.º do CE possa fundar-se igualmente numa ratio distinta,
a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível
construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio
ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas no nº 2 do artigo 25º do
CE) – expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a
ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém
intactas essas expectativas – que, traduzindo um elemento não irrelevante na
relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do
sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas
expectativas. Atente-se em que na formação dos preços, as expectativas
relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos
agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v.
Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, pág. 104),
o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade
imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário,
através da projecção de futuras transferências de solo rural para solo urbano
(v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4ª ed., Nova Iorque,
págs. 370/373).
Nada nos permite
excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à norma apreciada. Bem
vistas as coisas ao atender-se, na procura de um valor justo para a compensação
do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de expectativas (que,
note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar-se-á
ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados.
4. Como nota final, e
sem prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora quanto ao sentido do
princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62º, nº 2 da CRP (norma que
se refere ao direito de propriedade privada), temos também sérias reservas
quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito constitucional serem
inviabilizadas normas que garantam uma indemnização que, não sendo inferior ao
valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum critério) como mais
ampla que um valor «aceitável» desse bem.
Perturba-nos, enfim,
e não temos por seguro que o artigo
62º, nº 2 da CRP o autorize, que a suposta afirmação dos direitos de
terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não
expropriados) possa servir ao expropriante para lograr a diminuição do valor a
satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe.
A prossecução da
igualdade entre expropriados e não expropriados deve assim, salvo melhor
entendimento, assentar em bases distintas daquelas que conduziram ao presente
juízo de inconstitucionalidade.»
5.As considerações que antecedem, constantes da
declaração de voto referida, são procedentes, e conduzem, no presente caso, a
uma solução de não inconstitucionalidade, quer em face do princípio da
igualdade (artigo 13.º), quer quanto à garantia de justa indemnização em caso
de expropriação (artigo 62.º, n.º 2, também da Constituição).
Com efeito, a indemnização por
expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo
que sofrem, e nada na Constituição da República Portuguesa proíbe que na
determinação da aptidão edificativa da parcela expropriada para a construção de
vias de comunicação, integrada na Reserva Agrícola Nacional seja tomado em
consideração o valor médio das construções existentes ou que seja possível
edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se
situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
Essa proibição não resulta, por um lado,
do princípio da igualdade, desde logo
porque, mesmo aceitando a comparação com hipotéticos
expropriados na mesma situação, se não sabe se idêntica interpretação e
procedimento não serão também seguidos
quanto a eles. Aliás, não está no presente recurso em questão uma comparação
entre proprietários de terrenos integrados na área classificada, “porquanto as parcelas de terreno envolventes
não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta
dos factos assentes”, e se pode ler na decisão do tribunal a quo.
Mas também não resulta, por outro lado,
da garantia consagrada no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição, de justa indemnização. Pode, desde logo,
duvidar-se de que esta garantia proíba (embora não seja isso que está
decisivamente em causa na presente dimensão normativa) que – considerando o
sacrifício imperativamente sofrido pelo expropriado – o Estado entenda
valorizar a parcela expropriada mesmo em montante considerado superior ao que
lhe poderia vir a ser atribuído pelo jogo do mercado. Mas, de todo o modo, o
que é certo é que essa garantia não imporá certamente uma limitação da
indemnização em nome da “suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte
na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados)”, e da
igualdade com eles, assim possibilitando ao expropriante “lograr a diminuição
do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe”. Não se
verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 62.º, 2,
da Constituição da República Portuguesa, como pretende a recorrente.
Falham, assim, ambos os fundamentos invocados pela recorrente.
E não se divisando outras, que possam justificar um juízo de
inconstitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações, interpretada no sentido de permitir que solos integrados na
Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública,
expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em
função “do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 m do limite da parcela expropriada”, há que negar provimento ao presente
recurso.
III.
Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional
decide:
a)
Não julgar
inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações,
no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola Nacional à data
da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de
comunicação, possam ser avaliados em função “do valor médio das construções
existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área
envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”;
b)
Consequentemente,
negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que à questão
de constitucionalidade respeita
Lisboa, 30 de Março
de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo
Torres
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
(vencido pelas razões constantes da declaração de voto aposta ao Ac. n.º
114/05)
Rui Manuel Moura
Ramos