ACÓRDÃO N.º 522/2006
Processo nº 110/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Rui
Moura Ramos
Acordam na 1ª Secção do
Tribunal Constitucional
I- A causa
1.
A Caixa Geral de Aposentações recorre a fls. 167 – sendo recorrida A.
– para este Tribunal, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a) da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do Acórdão, constante de fls. 155/163vº, do
Supremo Tribunal de Justiça (STJ), indicando como norma recusada nesta decisão
o artigo 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo
Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei
nº 191-B/79, de 25 de Junho (o diploma será doravante designado EPS).
Para uma exacta compreensão do
que está em causa no presente recurso de constitucionalidade, importa relatar
sucintamente o percurso processual que conduziu o processo à presente fase
decisória.
1.1. Interpôs a ora recorrida (fls. 2/4), no Tribunal Judicial da
Comarca de Aveiro – e assim se iniciou o presente processo –, uma acção
ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo o reconhecimento por
esta entidade da sua (da aqui recorrida) situação de carência de alimentos e da
qualidade de herdeira hábil da pensão de sobrevivência, decorrente do falecimento
do seu “cônjuge de facto”, subscritor da referida Caixa.
Foi tal acção julgada
procedente (cfr. Fls. 82/87), consignando-se na Sentença ser “[a] pensão […]
devida desde o início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário (
artigo 36º, nº 3 [do] Decreto-Lei nº 322/90) […]” (transcrição de fls. 87).
1.1.1.
Inconformada, apelou a
Caixa Geral de Aposentações, delimitando o recurso ao trecho da decisão antes
transcrito (data do início do pagamento da pensão).
Decidindo o recurso, consignou
o Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdão de fls. 124/126), fundamentando a
confirmação da Sentença de 1ª instância:
“[…]
A base do
direito à pensão de sobrevivência não é o requerimento do respectivo pagamento,
mas a habilitação demonstrativa das condições.
É com a
habilitação que se adquire o reconhecimento do direito e quando o beneficiário
se apresenta, munido da sentença proferida na habilitação judicial, a requerer
o seu pagamento, vai executar esse direito.
Dito de
outro modo, é com a habilitação que se requer a pensão, funcionando aquela como
condição ou causa de pedir desta.
Concluímos:
o pronome «a» do inciso do texto «em que a requeira» da norma do artigo 41º, nº
2 do [EPS] refere-se à habilitação judicial e não ao requerimento do pagamento
da pensão a apresentar na CGA.
Assim
sendo, quanto ao pagamento da pensão, por analogia, secundada pelo princípio da
igualdade num ponto em que as situações díspares são legalmente identificadas,
deve aplicar-se o disposto no artigo 30º [do EPS] para a habilitação
administrativa:
- Se a
habilitação judicial for requerida no prazo de seis meses contados da data em
que se verificar o óbito do contribuinte, presumindo-se que a necessidade de
alimentos já existe no momento do óbito, a pensão de sobrevivência é devida
desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que ocorreu o óbito do contribuinte;
-
Só é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que foi requerida a
habilitação judicial, se esta, por inércia do sobrevivente ou por ocorrência
superveniente das condições da habilitação, for requerida depois de esgotado o
prazo de seis meses a contar do óbito do contribuinte.
[…]
Ora, no caso, tendo o óbito do subscritor da CGA [,,,] ocorrido em 10/08/2002 e
tendo sido instaurada a presente acção de habilitação judicial em 28/10/2002,
isto é, dentro do prazo de seis meses a contar daquele óbito, a pensão de
sobrevivência da autora é devida desde o dia 1 de Setembro de 2002, mês
seguinte àquele em que se verificou o óbito do contribuinte.
[…]”
[transcrição
de fls. 125vº/126]
1.1.2. Recorreu de novo a Caixa Geral de Aposentações, desta feita
de revista para o STJ (interposição a fls. 131, alegações a fls. 137/141),
originando tal recurso a prolação do mencionado Acórdão de fls. 155/163v, a
decisão ora recorrida, da qual apresentam interesse para o presente recurso de
constitucionalidade as seguintes passagens:
“[…]
a única questão colocada na revista é a de saber se, no caso concreto, o
direito à pensão de sobrevivência se conta a partir do 1º dia do mês seguinte àquele
em que se requeira tal prestação social, como pretende a recorrente, ou a
partir do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, como se decidiu na
sentença de 1ª instância e foi confirmado pelo acórdão recorrido.
[…]
Segundo
o disposto no artigo 41º, nº 2 do [EPS], [transcrição da norma].
Por
sua vez, o Decreto Regulamentar nº 1/94, que define as condições de atribuição
da pensão de sobrevivência aos casos de união de facto (na sequência do
Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, que consagrara a extensão do regime
jurídico da protecção da segurança social na eventualidade da morte aos
referidos casos de união de facto) estabelece no seu artigo 6º [transcrição da
norma].
Por
conseguinte temos em vigor dois regimes de segurança social, ambos garantindo
às pessoas que se encontrem nas condições previstas no artigo 2020º do Código
Civil a pensão de sobrevivência que ambos os regimes consagram.
O
regime do [EPS] aplica-se aos funcionários e agentes da Administração Pública,
enquanto o regime do Decreto-Lei nº 322/90, regulamentado pelo Decreto
Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, estabelece o regime geral da Segurança
Social.
Ora,
no que agora nos interessa, isto é, a partir de que momento é devida a pensão
de sobrevivência, há diferenças nos ditos 2 regimes, pois, enquanto no regime
geral a pensão é devida a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do
beneficiário, quando a pensão for requerida nos 6 meses posteriores ao trânsito
em julgado da sentença que reconheça o direito a alimentos, ou a partir do
início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se ele foi entregue
depois dos referidos 6 meses, no regime do [EPS], a pensão é devida, sempre a
partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.
É
certo que o artigo 30º, nº 1 do [EPS] contém regra semelhante à do artigo 6º do
Decreto Regulamentar nº 1/94, visto que, determina que a pensão “é devida desde
o dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificar o óbito do contribuinte
quando pedida no prazo de 6 meses contados a partir da mesma data, ou desde o
dia 1 do mês seguinte ao da apresentação do requerimento no Montepio quando
solicitado, a todo o tempo, depois de esgotado aquele prazo”.
Porém,
para que não surjam confusões, convém notar que este preceito não tem aplicação
aos casos de união de facto, para os quais existe o preceito específico do
artigo 41º, nº 2 [do EPS].
O
referido artigo 30º, nº 1 aplica-se a todos os casos em que a qualidade de
herdeiro hábil não está dependente de qualquer sentença judicial que reconheça
o direito a alimentos, isto é, aos casos em que essa qualidade resulta
directamente da lei, como é o caso do cônjuge sobrevivo, dos filhos,
descendentes e ascendentes (cfr. Artigo 40º).
O
artigo 41º […] aplica-se aos casos em que a qualidade de herdeiro hábil, para
efeitos de pensão de sobrevivência, só se adquire após sentença judicial que
reconheça o direito a alimentos, como é o caso do ex-cônjuge e das pessoas em
situação de união de facto.
Assim,
sendo o âmbito de aplicação do artigo 30º, nº1 e 41º, nº 2 completamente
distinto, não nos parece viável a interpretação sistemática levada a efeito
pelo acórdão recorrido.
Além
disso, a sentença judicial não se requer. É o resultado lógico e final da
instauração de uma acção, no caso, de simples apreciação.
O
que se requer, perante a Caixa Geral de Aposentações, depois de obtida a
sentença a reconhecer o direito a alimentos, é a pensão de sobrevivência, daí
que o pronome «a» contido na parte final do artigo 41º, nº 2 do EPS «… e a
pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em
que a requeira…», refere-se ao requerimento para a atribuição da pensão que
terá de ser entregue à entidade competente para o seu pagamento só depois de
obtida a referida sentença judicial a reconhecer o direito a alimentos de quem
se arroga o direito à pensão.
[…]
Não
se refere, pois, na nossa opinião o pronome «a» a qualquer habilitação judicial
que, aliás, não é exigida.
[…]
Posto
isto podemos concluir que, segundo o disposto no artigo 41º, nº 2 do [EPS],
diploma aplicável ao caso concreto, a pensão de sobrevivência […] só seria
devida a partir de 1 do mês seguinte àquele em que for requerida.
A
situação é, por isso, mais desfavorável do que no caso de o beneficiário e
companheiro falecido da A. Estivesse vinculado ao regime geral da Segurança
Social, caso em que a pensão seria devida a partir do início do mês seguinte ao
do falecimento do beneficiário, desde que a pensão seja requerida nos seis
meses posteriores ao trânsito da sentença proferida nestes autos.
Mas,
sendo assim, pareceria assistir razão à Ré [à Caixa Geral de Aposentações].
Não
tem sido essa a orientação […] dos nossos Tribunais Superiores, e não vemos
nenhuma razão para alterar tal entendimento.
De
facto, tem-se entendido que o artigo 41º, nº 2 do [EPS], interpretado no acima
aludido sentido, quando em confronto com o regime geral da Segurança Social […]
representa uma discriminação negativa dos funcionários e agentes da
Administração Pública, que nada justifica, violadora, portanto, do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa […].
De
facto seria pelo menos chocante que o companheiro sobrevivo (em união de facto
de beneficiário da Segurança Social, tenha direito a pensão de sobrevivência,
devida a partir de momentos diferentes, consoante o beneficiário falecido tenha
sido funcionário ou agente da administração pública ou estivesse vinculado ao
regime geral da Segurança Social, de modo que a aplicação dos dois regimes
diferentes, neste particular, acarretasse uma desvantagem no 1º caso e uma
vantagem no 2º.
É
que as situações são, para o efeito, absolutamente iguais, dependendo a
atribuição da pensão dos mesmos requisitos substantivos, dos mesmos
pressupostos de prova e da mesma razão de ser.
[…]
Nesta
perspectiva, não é de aplicar o regime do artigo 41º, nº 2 do [EPS], no que se
reporta ao momento a partir do qual é devida a pensão de sobrevivência, por
inconstitucional, daí que tenha ao caso aplicação o regime geral da Segurança
Social, ou, mais exactamente, quanto ao assunto que nos ocupa, o artigo 6º do
Decreto Regulamentar nº 1/94, que representa, aliás, a vontade do legislador
manifestada em último lugar, logo, a mais recente, como se refere no já citado
aresto [menciona a decisão o Acórdão de 22/04/2004 do STJ, que, em passagem
aqui não transcrita, citara anteriormente].
Acresce
que vai nesse sentido a Lei nº 7/2001 de 11 de Março, que regula a situação
jurídica de duas pessoas que vivam em união de facto há mais de dois anos, já
que lhes confere, além de outros, o direito a «Protecção na eventualidade de
morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da
lei» (cfr. Artigo 1º, nº 1 e 3º alínea e)).
Ora,
nem será despiciendo encarar a hipótese de revogação tácita do artigo 41º, nº 1
do [EPS], na parte que agora nos ocupa, pelo referido artigo 3º alínea e)
da lei nº 7/2001.
É
que, por um lado, tal lei tem categoria hierárquica superior ao dito Estatuto e
por outro é posterior a ele, além de regular em geral as situações de união de
facto sem distinguir entre beneficiários funcionários ou agentes da
administração pública e quaisquer outros, a todos conferindo a protecção que
decorre do regime geral da segurança social.
[…]”
[transcrição
de fls. 157vº/163; sublinhado acrescentado]
1.2. Desta decisão recorreu a Caixa Geral de Aposentações para o
Tribunal Constitucional, nos termos já mencionados no item 1. supra. Aqui proferiu
o ora relator o seguinte despacho:
“ O processo prossegue
para alegações, convidando-se as partes a encararem a hipótese de existência,
na decisão recorrida, de um fundamento alternativo à recusa por
inconstitucionalidade do artigo 41º, nº 2, segunda parte, do Decreto-Lei nº
142/73, de 21 de Março (redacção do Decreto-Lei nº 191-B/79, de 21 de Junho), a
saber: a possibilidade de esta norma ter sido tacitamente derrogada pelo artigo
3º, alínea e) da Lei nº 7/2001, de 11 de Março […]. A considerar-se
prevalecente este possível fundamento alternativo, teria lugar uma decisão de
não conhecimento. […]”
[transcrição de fls.
174]
Apenas
a recorrente alegou (fls. 177/181), pugnando pela procedência do respectivo
recurso, omitindo qualquer tomada de posição sobre a questão suscitada no
Despacho de fls. 174. Das conclusões com que rematou tal recurso,
transcrevem-se, por condensarem o entendimento da recorrente, as seguintes:
“[…]
8º
Diferentemente do Tribunal a quo, entende a recorrente que não se afigura
inconstitucional a coexistência de vários regimes de pensões, cada um com
regras próprias (aliás, não se conhece um único país com um só regime de
pensões para todos os trabalhadores). E se o regime geral da segurança social
(aplicável à generalidade dos trabalhadores do sector privado) é,
eventualmente, mais generoso, o que é certo é que as pensões que atribui têm
valor muito inferior às que são pagas pelo regime gerido pela CGA (abrange os
funcionários públicos e alguns trabalhadores do sector privado);
9º Não é
admissível […] que se ensaie, por via jurisprudencial, uma fusão dos dois
regimes, aproveitando-se de cada um os aspectos julgados mais interessantes
para os pensionistas, não cuidando de saber se o regime de financiamento de
cada um comporta tão ousada ingerência do poder judicial numa esfera por
natureza e – o que não é despiciendo – por lei reservada ao poder legislativo,
natural e constitucionalmente mais vocacionado para efectuar tal ponderação;
10º Nada
autoriza o julgador – que deve resistir a todo o custo à tentação de se assumir
como criador – a compor um tertium genus a partir de sistemas
pré-existentes;
[…]”
[transcrição de fls. 180]
II- Fundamentação
2. A primeira questão que a abordagem do presente recurso convoca
foi enunciada no despacho de fls. 174 e, como aí se disse, se resolvida em
determinado sentido, conduzirá a uma decisão de não conhecimento, o que implica
a necessidade de a apreciar desde já. Trata-se de um problema de interpretação
do Acórdão recorrido, em termos de saber se este contém, no respectivo
pronunciamento decisório e enquanto ratio decidendi, a recusa de
aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, que constitui
pressuposto de um recurso fundado na alínea a) do nº1 do artigo 280º da
Constituição da República Portuguesa (CRP), ou seja, como a recorrente o
designou, de um recurso ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a) da LTC.
2.1. A recusa de aplicação de uma norma que se considere infringir
o disposto na Constituição – o acto em que se consubstancia o acesso dos juízes
à Constituição (artigo 204º da CRP) – pressupõe a plena vigência da norma
objecto dessa recusa. Ora, se o que se diz (se o que se decide) vai no sentido
de a norma considerada inconstitucional ter cessado, por verificação de
qualquer dos fundamentos do artigo 7º do Código Civil, a respectiva vigência, a
questão da recusa deixa de ter qualquer cabimento: só se recusa aplicar –
repete-se – o que é aplicável e não o que, por estar revogado, deixou de o ser.
Justificam-se estas
considerações em função do carácter ambíguo do texto do Acórdão recorrido, no
que respeita a uma possível revogação da norma objecto do presente recurso, o
artigo 41º, nº2 do EPS. Decorre esta ambiguidade da circunstância de tal decisão
aparentar conter um pronunciamento de recusa dessa norma (ao dizer: “[…] não é
de aplicar o regime do artigo 41º, nº2 do EPS […]”) e, simultaneamente, o
entendimento de que ela, essa mesma norma, já estaria revogada (dizendo, desta
feita: “[…] nem será despiciendo encarar a hipótese da revogação tácita do
artigo 41º do EPS, na parte que agora nos ocupa, pelo referido artigo 3º da Lei
7/2001 […]”). Ora, parecendo querer esgrimir (cumulativamente) com um argumento
de confirmação de um argumento anterior que determinou o sentido da decisão
(“Acresce que vai nesse sentido a Lei 7/2001, de 11 de Março […]”), acaba o
Acórdão recorrido por introduzir, contraditoriamente, um argumento que não é
cumulável com o anterior, porque só poderia actuar relativamente a ele numa
lógica (alternativa) de exclusão dessa decisão: como anteriormente se disse, se
uma norma foi objecto de revogação tácita deixou de existir e não pode,
obviamente, ser recusada por desconformidade à Constituição.
2.1.1. Induz esta ambiguidade argumentativa do Acórdão um impasse
interpretativo que urge ultrapassar, tornando claro o real alcance do
pronunciamento decisório do STJ. Pressupõe esta ultrapassagem, como de seguida
veremos, o aprofundamento da compreensão do texto da decisão recorrida, situando
as respectivas afirmações ambíguas – ambíguas porque determinam consequências
(jurídicas) não compagináveis entre si –, no contexto em que se integram, ou
seja, na decisão encarada, enquanto acto de comunicação, no seu todo
significante.
Preliminarmente, porém, importa sublinhar que o que aqui está em
causa – e é isso o que pretendemos expressar ao falar em ambiguidade
argumentativa – não é propriamente uma questão de ambiguidade da linguagem, mas
antes de ambiguidade de conceitos. Com efeito, aquela – a ambiguidade da
linguagem – consiste “[n]uma associação sistemática de uma sequência sonora a
dois ou mais significados distintos mas específicos […]” [v. a entrada Ambiguidade,
in “Enciclopédia Einaudi (Linguagem – Enunciação)”, Vol. 2, Lisboa, 1984, p.
252], enquanto que a ambiguidade de conceitos se refere à multiplicidade de
significados relevantes dentro de um “código comunicacional” particular: neste
caso, o “código” integrado pela linguagem e os conceitos jurídicos [v., sobre a
articulação entre o conceito de “código” e o de “linguagem”, a entrada Código,
in “Enciclopédia Einaudi (Signo)”, Vol. 31, Lisboa, 1994, pp. 98/102]. Só neste
contexto, o dos conceitos expressos pela linguagem jurídica, no qual uma norma
não pode estar revogada e, simultaneamente, ser recusada por ofensa ao texto
constitucional, adquire significado o impasse argumentativo antes referido, e é
em tal âmbito que a necessidade da sua ultrapassagem se torna evidente, já que
“[…] a eliminação da ambiguidade [corresponde] à necessidade de lógica das
linguagens científicas [pois] à ambiguidade opõe-se a coerência […]” ( Ambiguidade,
cit., p. 283).
É neste sentido que a ambiguidade da
linguagem é encarada, em sede de interpretação jurídica, como um obstáculo,
constituindo as legis artis interpretativas o meio da sua ultrapassagem
[v. Aharon Barak, Purposive Interpretation in Law, Princeton, 2005, p.
100; cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso
Legitimador, Coimbra, 1983, pp. 175/176. A interpretação jurídica é encarada
nos sistemas continentais como respeitando, essencialmente, à interpretação de
normas (“interpretação das leis”), ao passo que nos sistemas de common law,
na base do entendimento de que todos os “textos jurídicos” (leis, contratos,
testamentos e decisões judiciais) formam um continuum e colocam
basicamente, embora em planos distintos, os mesmos problemas interpretativos,
tende-se a formular critérios comuns de interpretação (v. Aharon Barak, ob.
Cit., p. 184). Neste caso – interpretação de uma decisão judicial –, as regras
interpretativas a observar são no essencial as mesmas que a ultrapassagem de
uma situação de ambiguidade semântica num trecho normativo convocaria (v.,
quanto à ambiguidade de normas, Baptista Machado, ob. Cit., p. 189)].
Frequentemente a ultrapassagem
da ambiguidade é possível – e é o que sucede no presente recurso – situando o
trecho ambíguo no seu contexto. A apreciação deste convoca, na procura de uma
efectiva compreensão do texto, tudo aquilo que neste antecede, sucede ou ocorre
simultaneamente a determinada unidade linguística e que assume significado
relativamente à realização dessa unidade. Situar um determinado trecho no
respectivo contexto, significa, assim, observá-lo na dupla vertente do conjunto
dos elementos constantes do próprio texto (contexto intrínseco; o texto
encarado na sua globalidade) e dos elementos exteriores a este que se mostrem
relevantes para a sua compreensão (contexto extrínseco), o que engloba os
elementos históricos, doutrinais, jurisprudenciais, etc., que o entendimento
racional do texto convoque (Aharon Barak, ob. Cit., p. 101). É a esta luz que
importa interpretar a decisão recorrida, fixando qual a sua efectiva ratio
decidendi.
2.1.1.1. Em sede de apreciação do contexto intrínseco do Acórdão
recorrido, ressalta, desde logo, uma afirmação expressa no sentido da recusa da
norma objecto do presente recurso: “[…] Nesta perspectiva, não é de aplicar o
regime do artigo 41º, nº 2 do EPS, no que se reporta ao momento a partir do
qual é devida a pensão de sobrevivência, por inconstitucional […]” (fls.
162vº). Esta afirmação culmina, na parte da decisão relativa à fundamentação,
um percurso argumentativo tendente a demonstrar que, contrariamente ao que fora
entendido pelo Tribunal da Relação (que julgara aplicável o artigo 30º, nº 1 do
EPS), a norma fixando o momento do vencimento do direito à pensão é a constante
do referido artigo 41º, nº 2. Quanto a esta disposição – aquela que contém a
norma considerada aplicável pelo STJ –, na base de um exercício de comparação
com a situação paralela do chamado Regime Geral da Segurança Social (decorrente
do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro), detecta o Acórdão recorrido
uma violação do princípio constitucional da igualdade, assim chegando à já
mencionada recusa de aplicação do artigo 41º, nº 2 do EPS.
Paralelamente, parecendo
procurar a confirmação deste mesmo entendimento, surge, no texto da decisão, a
já anteriormente transcrita referência – que, por ser contraditória com esse mesmo
entendimento, introduz a ambiguidade – a uma possível “revogação tácita” da
norma recusada pelo artigo 3º, alínea e)
da Lei nº 7/2001, afirmando-se não ser “despiciendo” encarar tal possibilidade.
2.1.1.2. É neste aspecto que o recurso aos elementos exteriores ao
texto por ele convocados (o contexto extrínseco) se afigura particularmente
importante, permitindo compreender a intencionalidade subjacente à decisão e,
assim, ultrapassar a sua ambiguidade. De facto, é o próprio Acórdão recorrido
que remete para a jurisprudência de tribunais superiores (cfr. Trecho final
constante de fls. 163), procurando nesta argumentos de confirmação do
respectivo entendimento. Ora, analisando os casos jurisprudenciais citados pela
decisão recorrida (Acórdão do STJ de 22/04/2004, Colectânea de Jurisprudência – STJ, Ano
XII, Tomo II/2004, pp. 38/41, também disponível em www.dgsi.pt/jstj; Acórdão da Relação de
Évora de 9/11/2000, Colectânea
de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo V/2000, pp.257/260), verifica-se estarem
invariavelmente em causa decisões de recusa, por desconformidade
constitucional, do artigo 41º, nº2 do EPS, na parte em que este fixa que “[…] a
pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em
que [o interessado] a requeira […]”.
Com efeito, no caso do Acórdão
do STJ de 22/04/2004, confirmou-se em sede de revista uma decisão do Tribunal
da Relação de Lisboa contendo essa recusa de aplicação do artigo 41º, nº2 do
EPS, aderindo-se expressamente ao entendimento jurisprudencial que considera
esta norma, quando colocada em confronto com a disciplina decorrente do artigo
6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, materialmente
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade. Da mesma forma, no
caso do Acórdão da Relação de Évora de 9/11/2000 o Tribunal emitiu um juízo
expresso de inconstitucionalidade do mesmo preceito ( “[…] acordam em não
aplicar, porque materialmente inconstitucional na medida em que viola o
princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, o segmento do artigo
41º, nº2 do DL 142/73, na redacção introduzida pelo DL 191-B/79, onde se dispõe
[…] que «a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês
seguinte àquele em que o requeira…» […]”).
Note-se que estas duas
decisões, que o Acórdão ora recorrido cita enquanto precedentes persuasivos,
contêm referências ao regime geral da união de facto, decorrente,
sucessivamente, das Leis nº 135/99, de 28 de Agosto e nº 7/2001, de 11 de Maio.
Tais menções (reportadas à lei vigente ao tempo de cada uma dessas decisões)
ocorrem, porém, num contexto argumentativo em que se procura ilustrar, tão só,
a existência de um plano legislativo comum de cobertura do “viúvo de facto”
pelo regime de segurança social, enquanto argumento de igualdade e não enquanto
critério de determinação da lei vigente. Lê-se, com efeito, nesses dois
arestos: “[d]e sublinhar que a Lei nº 135/99, de 28 de Agosto, cujo objecto é a
regulação da situação jurídica das pessoas que vivem em união de facto, parece
apontar no sentido de uma uniformização ao dispor no seu artigo 3º, f)
que «quem vive em união de facto tem direito a protecção na eventualidade de
morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da
lei»” (Acórdão da Relação de Évora de 9/11/2000); “[…] o legislador ordinário,
manifestando-se claramente pelo progresso social […], tem vindo a dar […]
sinais de evolução social, progressiva e gradualista, nesta área, alargando o
espaço de cobertura social da união de facto, particularmente agora, com a Lei
nº 7/2001, de 11 de Maio, que refere expressamente o regime de segurança social
a benefício do «companheiro» sobrevivente […]” (Acórdão do STJ de 22/04/2004).
Ora, encarando a decisão em
causa neste recurso, não se nos afigura, pese embora a ambiguidade antes
referida, que se tenha pretendido, relativamente aos casos jurisprudenciais
citados como abonação, proferir uma “decisão-outra”, fundada numa linha
argumentativa (inovatória relativamente a esses casos) que excluísse a recusa
de aplicação, fundada em argumentos de desconformidade constitucional, do
trecho final do nº2 do artigo 41º do EPS.
Assim entendido, contém o
Acórdão recorrido, indubitavelmente, a decisão de recusa que possibilita o
recurso interposto pela ora recorrente – um recurso da alínea a) do nº1
do artigo 70º da LTC – e que permite ao Tribunal Constitucional,
consequentemente, avançar para a apreciação da constitucionalidade da norma
recusada.
2.2. Está em causa – e assim entramos na apreciação da questão de
fundo – a norma constante do artigo 41º, nº2 do EPS (o Decreto-Lei nº 191-B/79,
de 25 de Junho, que conferiu à norma a redacção aqui em causa, foi objecto da
rectificação decorrente da Declaração publicada no Diário da República – I
Série, nº193, de 22/08/1979). Esta norma, sob a epígrafe “[e]x-cônjuge e
pessoa em união de facto”, dispõe o seguinte:
Artigo
41º
1-
- - - - - -
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
- - - .
2-
Aquele que
no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo
2020º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão
de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos
e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte
àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito.
Desta norma interessa ao presente
recurso, tão só, o segmento (que se sublinhou na transcrição) respeitante ao
momento a partir do qual a pensão, devida àquele que já obteve a sentença
judicial referida na primeira parte do preceito, deve ser satisfeita, ou seja,
o trecho que diz que tal pensão vence a partir do dia 1 do mês subsequente
àquele em que foi requerida.
2.2.1. Trata-se – a inconstitucionalidade deste
trecho final do nº2 do artigo 41º do EPS –
de questão com a qual o Tribunal Constitucional já foi confrontado, mas
relativamente à qual nunca chegou a tomar posição. Com efeito, contrariamente
ao que aqui (pela primeira vez) sucede, a prévia apreciação da conformidade
constitucional da primeira parte do artigo 41º, nº2, sempre tem funcionado como
obstáculo a que o Tribunal se pronuncie sobre a questão (logicamente
subsequente) do momento a partir do qual a pensão era devida, já que todas
essas situações anteriores resultaram no reenvio dos respectivos processos para
determinação do preenchimento das condições previstas nessa primeira parte do
nº2 do artigo 41º do EPS (v., por todos, o Acórdão nº 644/05, disponível, tal
como os adiante indicados, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
Ora, neste caso, a questão do direito à
pensão de sobrevivência por parte do “viúvo de facto” já foi resolvida,
estando, por isso, ultrapassada, não interferindo, contrariamente ao que até
agora tem sucedido na jurisprudência deste Tribunal, com a aplicação do trecho
final da norma, que fixa o momento a partir do qual a pensão é devida. Deixou,
assim, de estar em causa – e trata-se de um elemento importante na subsequente
indagação de constitucionalidade – uma questão que convoque, para aferição do
respeito pelo princípio da igualdade, qualquer comparação dos regimes
decorrentes do casamento e da união de facto [a evolução do entendimento do
Tribunal Constitucional, relativamente a esse (outro) problema, pode ser
apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos nºs 88/04 (Diário da
República – II Série, de 16/04/2004, pp.5962/5967), 159/05 (Diário da
República – II Série, de 23/12/2005, pp. 18056/18062) e 614/05 (Diário
da República – Série, de 29/12/2005, pp.18116/18118)]. Trata-se aqui,
portanto, de comparar as situações de quem, como sucede com a recorrida, já viu
judicialmente reconhecidos os pressupostos do direito à pensão de
sobrevivência, por morte daquele com quem viveu em união de facto, restando
apenas determinar o momento a partir do qual tal pensão é devida.
Sublinha-se com esta caracterização um
elemento específico que a abordagem deste recurso, na perspectiva do princípio
da igualdade, implica, traduzido na convocação de um “par de comparação”,
distinto daquele que os citados Acórdãos nºs 88/04 e 159 e 614/05 convocavam.
Comparam-se aqui, interessa não o esquecer, situações sempre respeitantes à
união de facto, nas quais o controlo da observância do mencionado princípio só
relaciona quem, tendo vivido “[…] em união de facto há mais de dois anos”
(artigo 1º, nº1 da Lei nº 7/2001), obteve o reconhecimento judicial desse
facto, enquanto pressuposto específico do direito a receber a prestação
consubstanciada na pensão de sobrevivência.
2.2.2. Tendo presentes estes elementos, importa
avançar para a concreta comparação que o princípio da igualdade neste caso
pressupõe. Está em causa, nos termos em que a decisão recorrida coloca a
questão e sempre no quadro geral da união de facto, relacionar a situação
daqueles que, tendo adquirido o direito a auferir uma pensão de sobrevivência
por morte do respectivo cônjuge de facto, se diferenciam, tão só, pela
circunstância de essa pensão se gerar por morte de um funcionário ou agente da
Administração Pública (situação em causa no presente recurso), ou por morte de
um beneficiário do denominado Regime Geral da Segurança Social.
No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é a
mesma devida, nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte
àquele em que tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do
Regime Geral, a mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em
pressupostos de facto substancialmente idênticos – é devida, nos termos do
artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos
seis meses posteriores ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal
direito, “[…] a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do
beneficiário […]”. Sendo distintos os momentos fixados em cada caso para o
começo das prestações (mais cedo relativamente aos beneficiários de pensão
gerada no Regime Geral), coloca-se a questão da observância do princípio
constitucional da igualdade relativamente a quem, fora do quadro desse Regime
Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo que conduziriam à primeira
hipótese prevista no artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94. É esta, enfim,
a questão de igualdade que aqui importa dilucidar.
2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e
reiterada deste Tribunal a caracterização do princípio da igualdade, decorrente
do artigo 13º da CRP, como proibição do arbítrio (cfr. O Acórdão nº 232/03,
publicado no Diário da República – I Série-A, de 17/06/2003, pp.
3514/3531). Com tal sentido, nas palavras do Tribunal Constitucional, “[o]
princípio [da igualdade] não impede que, tendo em conta a liberdade de
conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de
tratamento, «razoável, racional e objectivamente fundadas», sob pena de, assim
não sucedendo, «estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do
acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores
constitucionalmente relevantes» […]. Ponto é que haja fundamento material
suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada […]”
(Acórdão nº 319/00, publicado no Diário da República – II Série,
de18/10/2000, pp. 16785/16786).
Na sugestiva formulação do Tribunal
Constitucional alemão (cit. Por Robert Alexy, Theorie der Grundrechte,
Frankfurt, 1986, p. 370) o carácter arbitrário de uma diferenciação legal
decorre da circunstância de “[..]não ser possível encontrar […] um motivo razoável,
que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja
concretamente compreensível[…]”. Daí que “[n]ão exista razão suficiente para a
permissão de uma diferenciação [legal] se todos os motivos passíveis de ser
tomados em conta tiverem de ser considerados insuficientes. É justamente o que
sucede, quando não se logra atingir uma fundamentação justificativa da
diferenciação […]. A máxima de igualdade implica, assim, um ónus de
argumentação justificativa para tratamentos desiguais” (Robert Alexy, ob. Cit.,
p. 371).
2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade
fáctica a circunstância, comum aos dois termos da comparação, de o direito à
pensão de sobrevivência ter sido adquirido em função do reconhecimento judicial
de uma situação de união de facto com um beneficiário ou subscritor falecido.
Este elemento, não expressando uma situação de igualdade fáctica absoluta, já
que compara pensões geradas no chamado Regime Geral com pensões geradas no
âmbito do Regime dos funcionários e agentes da Administração Pública, permite,
no entanto, a qualificação da situação de ambos como essencialmente igual, isto
em função de uma expressiva preponderância de elementos comuns. De facto,
apreciando os dois regimes (o Geral e o da Administração Pública), constata-se
ocorrer em ambos, de forma substancialmente idêntica, a projecção da “relação
jurídica de segurança social” (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito
da Segurança Social, Coimbra, 1996, pp. 299/309) na situação de união de
facto, expressando esta (a união de facto), nos dois regimes e na base dos
mesmos pressupostos, “[…] a relação jurídica de vinculação, que assegura a
ligação jurídica dos interessados ao sistema […]” (Ilídio das Neves, ob. Cit.,
p. 308).
A este propósito cumpre sublinhar não
colher o argumento – que parece ser o único argumento da recorrente – segundo o
qual um alegado (e hipotético) “valor muito inferior” (conclusão 8ª das
alegações; cfr. Fls. 180) das pensões pagas pelo Regime Geral, justificaria a
diferenciação decorrente da norma ora em causa. Desde logo, porque o montante
das pensões de sobrevivência pagas nos dois regimes varia em função de
elementos cuja multiplicidade e coerência, dentro de cada um desses regimes,
torna descabida uma comparação (dos dois regimes) assente na variável “valor da
pensão” (v., quanto ao cálculo das pensões aqui em causa nos dois regimes, o
artigo 28º do EPS e os artigos 24º e 25º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de
Outubro, ex vi do disposto no artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 1/94,
de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal elemento (“valor da pensão”) deixa
intocada a já referida expressiva preponderância de elementos comuns, ou seja,
não descaracteriza as duas situações como sendo de igualdade essencial: em
ambas se adquire o direito à pensão com base nos mesmos pressupostos e através
de procedimentos substancialmente idênticos.
Nesta situação, que – repete-se – é de
igualdade naquilo que expressa a essência relevante para a comparação,
quaisquer especificidades do chamado Regime Geral de Segurança Social,
relativamente ao Regime de Segurança Social dos funcionários e agentes da
Administração Pública, porque referidas, como já se indicou, a elementos não
relevantes para esta comparação concreta, perdem sentido e deixam de justificar,
quanto à fixação do momento a partir do qual a pensão é devida, um tratamento
menos vantajoso, como o decorrente do segmento final do nº2 do artigo 41º do
EPS, comparativamente ao artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94. Não
obstante, relativamente a essas (possíveis)
especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar-se-á que o “programa
constitucional” assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de
segurança social – “[i]incumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança
social unificado […]” (artigo 63º, nº2 da CRP) – e que, em tal quadro, a
procura de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de “valor
reforçado” no plano da convergência entre os regimes de protecção social da
função pública e “ […] os regimes do sistema de segurança social quanto ao
âmbito material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações”
(artigo 124º da Lei nº 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do
sistema de segurança social).
Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada
diferenciação – e assim alcançamos uma conclusão – decorre a ofensa ao
princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP) e, consequentemente,
a correcção da recusa de aplicação da norma em causa por parte da decisão
recorrida. Resta, por isso, confirmá-la.
III – Decisão
3.
Nestes termos, na
improcedência do recurso, o Tribunal Constitucional decide:
A)
Julgar
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13º, nº1 da
CRP), a norma constante do trecho final do artigo 41º, nº2 do Estatuto das
Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março,
na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, na parte
em que determina que “a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1
do mês seguinte àquele em que [tal pensão tenha sido] reque[rida]”;
B)
E,
consequentemente, confirmar, no que à questão de constitucionalidade diz
respeito, o Acórdão recorrido.
Lisboa, 26 de Setembro de 2006
Rui Manuel Moura Ramos
Maria João Antunes
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira – com
declaração
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei
a decisão. Entendo, contudo, que o acórdão recorrido não enferma de
ambiguidade, seja argumentativa, seja decisória, razão pela qual não subscrevo
o que se afirma no Ponto 2.1. do
presente aresto; aliás, o Tribunal tem mantido a regra de não suscitar oficiosamente questões de carácter
prévio que se revelam improcedentes, às quais não confere, em suma, qualquer
relevo.
Quanto
ao fundo, tenderia a analisar a natureza da pensão em causa, pois,
independentemente do problema de igualdade de tratamento legislativo que se
levanta, entendo que a solução consagrada na norma é desadequada ao fim a que
se destina.
Carlos Pamplona de Oliveira