ACÓRDÃO N.º 422/2005
Processo
n.º 572/05
2.ª
Secção
Relator:
Conselheiro Mário Torres
Acordam
na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A.
foi condenado, por acórdão de 16 de Outubro de 2003 da 7.ª Vara Criminal do Círculo
de Lisboa, pela prática, em co‑autoria, de um crime de furto, previsto e
punido pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão, com
suspensão da sua execução pelo período de um ano, suspensão subordinada a
regime de prova, tendo em conta os artigos 50.º, n.º 1, e 53.º do mesmo Código.
Por
despacho de 9 de Dezembro de 2004, a suspensão da execução da pena de prisão
foi revogada, com a seguinte fundamentação:
“Resulta
dos autos que o arguido não cumpriu o regime de prova a que ficou condicionada
a suspensão de execução da pena.
Assim,
logo em 22 de Dezembro de 2003, veio o IRS informar que o arguido não
compareceu à primeira entrevista marcada por aqueles Serviços com vista à
elaboração do Plano Individual de Recuperação (fls. 782).
O que
voltou a acontecer mesmo após diligência dos Serviços de contacto pessoal com
o arguido e ter o mesmo sido alertado das obrigações a que se encontra sujeito
(fls. 785).
Há
conhecimento de ter o arguido comparecido nos Serviços de Reinserção Social em
Fevereiro de 2004, tendo então sido marcada nova entrevista para 1 de Março de
2004, para elaboração de PIR – tendo o mesmo sido encaminhado para o Centro de
Emprego da área da sua residência (fls. 787).
Há
conhecimento de que o arguido, novamente, não compareceu em 1 de Março de 2004,
tendo comparecido em 27 de Abril de 2004, mediante mandados de detenção para o
efeito, e não tendo voltado a comparecer naqueles Serviços, mantendo, assim,
uma postura reiterada de não colaboração (fls. 804).
Posteriormente,
notificado para comparecer neste Tribunal a fim de se avaliar directamente da
situação e fazê‑lo sentir as consequências da sua não colaboração, o
mesmo não compareceu (fls. 823), quer através da notificação que lhe foi feita,
quer através dos mandados de detenção emitidos para o efeito (fls. 827 e 830
v.º).
De
acordo com o relatório recebido do IRS (fls. 839 e seguintes), o arguido não
voltou a comparecer naqueles Serviços desde 27 de Abril de 2004 (c/ mandados de
detenção), apesar das convocatórias para o efeito, sem qualquer colaboração
para o Plano Individual de Reabilitação a realizar, e demonstrando
constantemente uma atitude de recusa quanto a uma intervenção no sentido da
mudança dos seus comportamentos.
Assim
sendo, como se demonstra, é evidente que o arguido não cumpriu, minimamente, o
regime de prova a que ficou sujeita a suspensão da execução da pena de prisão
que lhe foi imposta – inviabilizando, inclusivamente, a elaboração de Plano
Individual de Readaptação Social – e as tentativas do Tribunal com vista à sua
comparência e esclarecimento dos motivos do seu incumprimento – sendo que se
tentou, novamente, a sua comparência com mandado de detenção, para o passado
dia 29 de Novembro de 2004 – o que novamente resultou infrutífero (fls. 855 e
857 verso).
O
Ministério Público teve vista nos autos, sendo de parecer que deve ser revogada
a suspensão da execução da pena.
Efectivamente,
o acórdão de 16 de Outubro de 2003 transitou em julgado em 31 de Outubro de
2003, o que significa que o período de suspensão de execução da pena se
esgotou, sem que o arguido tenha cumprido a condição respectiva (regime de
prova com vista à sua readaptação social).
Assim,
nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a),
do Código Penal, impõe‑se revogar a suspensão da execução da pena – até
porque não se vê qualquer utilidade em impor‑lhe deveres ou regras de
conduta, ou mesmo em prorrogar o período de suspensão (face ao que tem sido ao
longo de todo o tempo o comportamento do arguido).
Pelo
que, nos termos da citada disposição legal, se decide revogar a suspensão da
execução da pena de prisão que lhe foi oportunamente aplicada, com as legais
consequências, previstas no n.º 2 do artigo 56.º (cumprimento da pena de prisão
fixada).”
Este
despacho foi notificado, em 13 de Dezembro de 2004, ao defensor do arguido
“por via postal registada” e ao próprio arguido “por via postal simples com
prova de depósito”, endereçada à residência de sua irmã, no Feijó (indicada
como sua actual morada na entrevista de 12 de Fevereiro de 2004). Em 4 de
Fevereiro de 2005, foi expedida nova “notificação por via postal simples com
prova de depósito”, desta vez para a morada indicada pelo arguido na audiência
de julgamento e que era também a que constava do termo de identidade e
residência por ele prestado.
Por
despacho judicial de 9 de Março de 2005 foi determinada a emissão de mandados
de detenção para o arguido cumprir a pena de prisão que lhe foi aplicada. Esses
mandados foram executados em 24 de Março de 2005, tendo no acto o arguido sido
pessoalmente notificado do despacho de 9 de Dezembro de 2004, que revogou a
suspensão da execução da pena de prisão.
Em
1 de Abril de 2005, o arguido interpôs recurso desse despacho para o Tribunal
da Relação de Lisboa, recurso que não foi admitido, por despacho de 6 de Abril
de 2005, por extemporaneidade, por se entender que o despacho recorrido lhe
fora devidamente notificado em 4 de Fevereiro de 2005, pelo que era manifesto
o decurso do prazo de 15 dias para interposição de recurso.
Veio
então o arguido reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa
contra o despacho de 6 de Abril de 2005 do juiz da 7.ª Vara Criminal do Círculo
de Lisboa, que não admitiu, por extemporaneidade, recurso por ele interposto
contra decisão de revogação de suspensão de execução de pena de prisão. Nessa
reclamação aduziu o reclamante:
“O recorrente, ora reclamante, foi condenado na
pena de 12 meses de prisão, que ficou suspensa por um ano, por acórdão de 16 de
Outubro de 2003.
A
suspensão dessa mesma pena ficou subordinada a regime de prova.
Em
9 de Dezembro de 2004, a suspensão foi revogada por douta sentença, fixando‑se
na mesma o cumprimento da pena de prisão.
Nessa
data o reclamante não foi ouvido nem notificado da dita revogação, que implica
o cumprimento de uma pena efectiva, conforme se retira da conjugação dos
artigos 333.°, n.º 5, in fine, e
113.º, n.º 8, ambos do CPP.
A
sentença que revogou a suspensão da pena só foi notificada ao reclamante no
dia 24 de Março de 2005, dia da sua detenção.
Ora,
na verdade, entendemos que o despacho que revoga a suspensão da pena faz parte
integrante da sentença que, por via da revogação, foi modificada, e colide com
os direitos, liberdades e garantias.
Ora,
salvo o devido respeito por opinião contrária, o douto despacho reclamado
interpretou que a decisão que revoga a suspensão da pena de prisão basta-se com
uma «simples notificação», não sendo necessário a notificação pessoal.
Por
isso entende que o despacho de fls. 859 e segs., de que se interpôs recurso já
transitou com as notificações expedidas para as moradas constantes de fls. ...
Mas
entendemos sem razão.
Na
verdade, interpretar‑se que a decisão que, ao modificar uma sentença,
obriga o arguido/condenado a cumprir pena de prisão terá de ser pessoalmente
notificado, talqualmente o é a própria sentença.
Esta
é a melhor interpretação dos princípios constitucionais e do conhecimento
pessoal das decisões que afectam a liberdade de qualquer cidadão.
Assim,
o despacho recorrido fez uma interpretação inconstitucional dos artigos 411.º,
n.º 1, e 333.°, n.º 5, do CPP, conjugados com o artigo 56.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, ao interpretar
tacitamente que as decisões que revogam as suspensões das penas não precisam
ser notificadas pessoalmente aos arguidos, por violação, pelo menos, do artigo
32.°, n.º 1, da CRP, o que desde já se alega para os devidos efeitos legais.
Não
nos podemos esquecer que, nos termos dos artigos 492.º e 495.º do CPP, o
arguido deve ser ouvido, até por analogia do artigo 333.°, n.º 5, do CPP, e, ao
não sê‑lo, e havendo decisão sobre o «mérito da revogação», deve o arguido
ser notificado pessoalmente do despacho/sentença, logo que seja detido ou se
apresente voluntariamente.
Por
outro lado, seria uma incongruência legislativa ou interpretativa dos citados
artigos se se permitisse que uma decisão que revoga uma sentença na parte da
suspensão da pena, não fosse necessária a notificação pessoal do arguido,
afinal como o é a sentença que inicialmente decretou essa mesma suspensão.
Nestes
termos e nos mais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.a,
deve a presente reclamação ser considerada procedente por provada e revogar‑se
o despacho reclamado por outro que admita o recurso interposto do despacho de
fls. 859 e seguintes.”
A reclamação foi indeferida por despacho do
Vice‑Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Maio de 2005,
com a seguinte fundamentação:
“2.
A questão essencial para a decisão desta reclamação consiste em saber se o
arguido e aqui reclamante tinha que ser notificado pessoalmente da decisão que
revogou a suspensão da execução da pena.
E,
salvo o devido respeito por opinião contrária, consideramos que estamos perante
uma decisão em que a notificação pessoal ao arguido não é exigível, tal como
resulta do disposto no artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal.
E
não se vê que exista com esta forma de notificação qualquer violação do direito
constitucional, designadamente os direitos consagrados no artigo 32.º da
Constituição da República Portuguesa. Ao arguido são garantidos todos esses
direitos com a sua notificação e do seu defensor mesmo com a notificação por
via postal, desde que esteja demonstrado que essa notificação se realizou nos
termos previstos na lei. E é o que, em nosso entender, se verificou no caso dos
autos.
O
reclamante, enquanto arguido, estava sujeito ao termo de identidade e
residência. E ele expressamente indicou o local onde todas as notificações lhe
deviam ser efectuadas, nos termos do disposto no artigo 196.º, n.ºs 1 e 2, do
Código de Processo Penal (fls. 85). E foi para esta mesma morada indicada no
termo de identidade e residência que foi enviada a notificação por via postal
simples, com prova de depósito, ao mesmo tempo que foi também notificado o seu
defensor (fls. 50, 56 e 57), estando demonstrado o local exacto do depósito e a
data em que foi feito (9 de Fevereiro de 2005).
Nos
termos do disposto no artigo 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o
reclamante considera‑se notificado no 5.º dia posterior à data indicada
na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, constando esta cominação
do acto da notificação (fls. 56).
Considerando
que todas estas formalidades se mostram cumpridas, o reclamante considera‑se
devidamente notificado da decisão recorrida em 16 de Fevereiro de 2005. E como
o seu recurso foi interposto em 1 de Abril de 2005 (fls. 66), é manifesto que o
recurso é extemporâneo. E assim, muito bem esteve o M.mo Juiz da 1.ª Instância
ao não admiti‑lo.”
É
deste despacho que o reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo
ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas dos artigos 113.º, n.º
9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do Código de Processo Penal (CPP), conjugadas
com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b),
do Código Penal, “ao interpretar
tacitamente que as decisões que revogam as suspensões das penas não precisam
ser notificadas pessoalmente aos arguidos”, questão de
inconstitucionalidade suscitada na reclamação para o Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa.
No
Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, no termo das quais
formulou as seguintes conclusões:
“A
– Ao aplicar às notificações ao condenado o artigo 113.°, n.º 9, do CPP andou
mal o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
B
– O TRL, ao referir que o ora recorrente tinha prestado TIR, entendeu que o
mesmo se mantém mesmo após o trânsito em julgado da condenação.
C
– Na verdade, se, enquanto arguido, estava sujeito ao termo de identidade e
residência, após o trânsito em julgado da sentença condenatória tal medida ter‑se‑ia
que considerar extinta nos termos do artigo 215.°, n.º 1, alínea e), do CPP.
D
– E assim no processo mais não existia do que uma informação sobre o último
paradeiro do arguido, que como condenado já não estava sujeito ao TIR, sempre
salvo melhor e contrária opinião.
E
– Donde entendermos que o artigo 113.°, n.º 9, do CPP não poderia ser aplicado
ao recorrente para efeitos de se ter considerado como devidamente notificado do
despacho/sentença condenatório.
F
– Cremos que, em nome das garantias de defesa constitucionalmente consagradas,
a lei ordinária deve prescrever (ou nesse sentido devem ser interpretadas as
normas já existentes, ora em apreciação) a notificação pessoal ao condenado das
decisões condenatórias.
G
– Interpretar‑se que as decisões que revogam as suspensões das execuções
das penas não necessitam de ser notificadas pessoalmente aos condenados, pois
bastam‑se com a notificação postal simples, operada para a morada
constante do TIR, que como arguido prestou, violam as garantias de defesa em
processo criminal, mormente as notificações que colidem com direitos, liberdades
e garantias devem ser pessoalmente notificadas aos interessados.
H – Pelo que, nos termos do artigo
411.°, n.º 1, do CPP, o prazo para interposição do recurso deve contar‑se
a partir da notificação pessoal da decisão, não sendo, no caso concreto, de
aplicar as regras do TIR como arguido, sob pena de interpretar‑se
inconstitucionalmente a citada norma por violação do artigo 32.°, n.º 1, da
CRP.
I
– Assim deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 411.°, n.º 1, do
CPP, na interpretação que dele faz o tribunal recorrido, ao considerar que é a
partir da notificação nos termos do artigo 113.°, n.º 9, e não nos termos do
artigo 333.º, n.º 5, do mesmo diploma
ex vi artigo 113.°, n.º 1, alíneas a) e b),
do CPP, que se conta o prazo de recurso no caso de revogação de execução da
pena, nos termos do artigo 56.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal e que haja prestado TIR, enquanto arguido, nos
termos do artigo 196.°, n.ºs 1 e 2, do CPP, por violação do artigo 32.°, n.º 1,
da CRP.
Nestes
termos e nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V.
Ex.as, deve o presente recurso de apreciação concreta da constitucionalidade
dos artigos 113.°, n.° 9, 411.°, n.° 1, e 333.°, n.° 5, do CPP, conjugado com o
artigo 56.°, n.º 1, alínea a), do
Código Penal, ser considerado procedente por provado e, por via dele, ser
declarado inconstitucional, se interpretado de acordo com o douto despacho
recorrido, por violação, pelo menos, do artigo 32.°, n.° 1, da Constituição
Portuguesa, devendo os autos baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa para que o
mesmo reforme o despacho em conformidade com o julgamento sobre a questão da
inconstitucionalidade suscitada, admitindo o recurso interposto por
tempestivo, assim se fazendo a costumada e sã Justiça!”
O
representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional contra‑alegou,
concluindo:
“1 – Não é constitucionalmente
exigível que a notificação do despacho de revogação da suspensão de execução da
pena tenha que ser notificado ao arguido nos termos do n.° 1, alíneas a) ou b), do artigo 113.° do Código de Processo Penal.
2 – As garantias de defesa,
incluindo o recurso, ficam efectivamente asseguradas se tal despacho for notificado
ao defensor do arguido no processo e a este for dado conhecimento por via
postal simples para a morada – não alterada – que constava do termo de
identidade e residência, ainda que tal medida deva ser tida como extinta.
3 – Termos em que não deverá
proceder o presente recurso.”
Tudo
visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Apesar de na reclamação endereçada
ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa o ora recorrente reportar a
questão de inconstitucionalidade que aí suscitou à interpretação das normas
dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5, do CPP, conjugados com o artigo 56.º,
n.º 1, alínea b), do Código Penal, e
de, quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade,
quer nas alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, passar a referir
também o artigo 113.º, n.º 9, do CPP (expressamente invocado na decisão ora
recorrida, que indeferiu aquela reclamação), entende‑se que a questão de
constitucionalidade suscitada mantém‑se a mesma: saber se é
constitucionalmente admissível que o prazo para interposição de recurso da
decisão de revogação da suspensão da execução de pena de prisão se conte a
partir da data em que se considera efectuada a notificação ao arguido por via
postal simples endereçada à morada indicada no termo de identidade e
residência por ele prestado, e não a partir da data em que esse despacho foi
pessoalmente notificado ao arguido na sequência de detenção efectuada para
efeitos de cumprimento da pena de prisão.
2.2. A suspensão da execução da pena de
prisão pode ser “simples” (artigo 50.º, n.º 1) ou condicionada ao cumprimento
de deveres (artigo 51.º) ou à observância de regras de conduta (artigo 52.º)
ou acompanhada de regime de prova (artigos 53.º e 54.º). Em todas essas
modalidades a suspensão fica sujeita a revogação se, no decurso do período por
que foi concedida, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e
revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por
meio dela, ser alcançadas (artigo 56.º, n.º 1, alínea b)). O não cumprimento culposo
dos deveres ou regras de conduta impostos ou o não acompanhamento, também
culposo, do plano individual de readaptação social em que assenta o regime de
prova, possibilita o tribunal a: (i)
fazer uma solene advertência; (ii)
exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; (iii) impor novos deveres ou regras de
conduta ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; ou (iv) prorrogar o período de suspensão
até metade do prazo inicialmente fixado (artigo 55.º). Só no caso de infracção grosseira ou repetida dos
deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de readaptação
social é que a suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada,
determinando a revogação o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença,
sem que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja prestado
(artigo 56.º, n.ºs 1, alínea a), e 2,
do Código Penal, como todos os anteriormente citados neste parágrafo).
Configurando
a imposição das medidas previstas no artigo 55.º e a revogação estabelecida no
artigo 56.º, ambos do Código Penal, alterações ao conteúdo decisório da sentença
condenatória, e tendo a referida revogação, como efeito directo, a privação da
liberdade do condenado, compreende‑se que o legislador tenha rodeado a
adopção dessas decisões de especiais cautelas, designadamente na perspectiva do
respeito do contraditório, que não podem deixar de estender‑se à
respectiva notificação. Assim, nos termos dos artigos 492.º e 495.º do CPP,
quer a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas
ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da pena de prisão,
quer a revogação dessa suspensão devem ser precedidas, para além de recolha de
prova e de parecer do Ministério Público, de audição do condenado. No presente caso, esta audição não ocorreu,
por não ter sido possível localizar o condenado, não vindo suscitada a este
respeito qualquer questão de inconstitucionalidade.
Mas
o que, no contexto do presente recurso, importa salientar é que, representando
a revogação da suspensão da execução da pena de prisão uma modificação do
conteúdo decisório da sentença de condenação e tendo por efeito directo a
privação de liberdade do condenado, surge como mais consentâneo com as
garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento
de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução
da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor. Isto é: justifica‑se,
no caso, a aplicação, não da regra da
parte inicial do n.º 9 do artigo 113.º do CPP (“As notificações do arguido ...
podem ser feitas ao respectivo defensor ...”), mas das ressalvas do segundo período desse n.º 9, que contemplam diversos
actos (acusação, decisão instrutória, designação de dia para julgamento,
sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, dedução do
pedido de indemnização civil – alguns, aliás, de menor gravidade pessoal para o arguido do que o presente), em que, a par
da notificação do defensor, se exige a notificação do arguido, contando‑se
o prazo para a prática do acto processual subsequente a partir da data da
notificação efectuada em último lugar.
Esse
foi, aliás, o entendimento das instâncias. O despacho de não admissão de
recurso considerou‑o extemporâneo por referência à notificação ao
arguido, em 4 de Fevereiro de 2005. E a decisão – ora recorrida – que
desatendeu a reclamação desse despacho, ao referir o n.º 9 do artigo 113.º do
CPP, fê‑lo para considerar não exigível a notificação pessoal do arguido, pois bastaria, para
assegurar os direitos constitucionalmente exigidos, a notificação por via postal, desde que esta se
mostrasse realizada nos termos previstos na lei, ou seja, no caso, por via
postal simples, com respeito pelas formalidades previstas nos termos do n.º 3
do mesmo artigo 113.º; por isso, considerou a notificação efectuada em 16 de
Fevereiro de 2005, 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo
distribuidor do serviço postal, donde a extemporaneidade de recurso interposto
apenas em 1 de Abril de 2005. Em suma, as instâncias não consideraram que
relevante para o início do prazo de interposição de recurso fosse a data da
notificação da decisão impugnanda ao defensor do arguido.
2.3. E – adiante‑se desde já –
este entendimento em nada colide com a jurisprudência deste Tribunal
Constitucional que, em determinadas situações, tem considerado bastante a
notificação de certas decisões, designadamente condenatórias, ao defensor do arguido.
Embora
no Acórdão n.º 59/99 o Tribunal
Constitucional tenha decidido “julgar
inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Lei Fundamental, a norma
constante do n.º 5 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, quando
interpretada no sentido de que a decisão condenatória proferida por um
tribunal de recurso pode ser notificada apenas ao defensor que ali foi nomeado
para substituir o primitivo defensor que, embora convocado, faltou à audiência,
na qual também não esteve presente o arguido em virtude de não ter sido, nem
dever ser, para ela convocado”, resulta da fundamentação desse aresto que
diferente seria o sentido da decisão se se tratasse do primitivo defensor. Na verdade, lê‑se nesse acórdão:
“(...) são configuráveis várias hipóteses que
apontam para que as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente
adquiridas se ao mesmo for dado um cabal conhecimento da decisão condenatória que
a seu respeito foi tomada.
Mas,
entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge‑se, sem violação
das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu
defensor – constituído ou nomeado oficiosamente –, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da
decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso.
Na
verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse
defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no
sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há‑de,
com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal
superior.
De
harmonia com tais deveres, há‑de concluir-se que o arguido, por intermédio
do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor)
ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado
como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena,
que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi.
Outrotanto,
porém, se não passa se se tratar de um defensor meramente nomeado para a
audiência em substituição do defensor que, para ela notificado, não compareceu.
Aqui,
esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e deontológicos que
lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido do resultado do julgamento
realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção processual se
«esgotou» na audiência e somente para tal intervenção foi nomeado.
Numa
tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica segundo a qual
norma constante do n.º 5 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, desse
jeito interpretada, se revela contrária ao n.º 1 do artigo 32.º da
Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo criminal
deve assegurar ao arguido.”
Ao
referido Acórdão foi aposto voto de vencido do respectivo Relator, Cons. Bravo
Serra, por entender ser constitucionalmente imposta a notificação pessoal ao arguido
das decisões condenatórias, sejam tomadas em primeira instância ou em recurso,
não havendo razão lógica para distinguir entre umas e outras para efeitos da
sua comunicação pessoal ao arguido, a fim de lhe possibilitar saber dos motivos
da condenação e eventualmente reagir contra ela [anote‑se que no Projecto
de Lei n.º 519/IX, do Partido Socialista, de revisão do Código de Processo
Penal (Diário da Assembleia da República,
IX Legislatura, 3.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 20, de 3 de
Dezembro de 2004), se propõe a inserção, no segundo período do n.º 9 do artigo
113.º, a seguir a “à sentença”, da
expressão “ao acórdão de recurso”];
e, por outro lado, embora reconhecendo a existência do dever deontológico de o
primitivo defensor (constituído ou nomeado) comunicar ao arguido o resultado
do decidido no tribunal de recurso, o certo é que, “se a comunicação não tiver lugar, objectivamente ficam postergados os
direitos de defesa do mesmo arguido, o qual, numa tal situação, ficou no total
desconhecimento dos motivos fácticos ou jurídicos que o levaram a ser
considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de
imposição de pena, que lhe foi imposta pelo Estado, ao exercitar o seu jus
puniendi”, pelo que, “perante essa e para
essa eventualidade, (...) em nome das garantias de defesa constitucionalmente
consagradas, a lei ordinária deve prescrever (ou nesse sentido deve ser
interpretada a norma, já existente, ora em apreciação) a notificação pessoal
do arguido da decisão condenatória tomada no tribunal de recurso”.
No
Acórdão n.º 109/99, o Tribunal
Constitucional não julgou inconstitucional a norma, extraída da leitura
conjugada dos artigos 411.º, n.º 1, e 113.º, n.º 5 (correspondente ao actual
n.º 9), do CPP, segundo a qual com o depósito da sentença na secretaria do
tribunal o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em
que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar‑se
notificado do seu teor para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo
para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu
mandatário. Segundo o entendimento do Tribunal, tal norma não importava “um encurtamento inadmissível das
possibilidades de defesa do arguido”, porquanto:
“De facto, estando o defensor do arguido presente na
audiência, em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na
secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de
uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato –
pode, nos dias que se seguirem, relê‑la, repensá‑la, reflectir,
ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor
recurso da mesma.
Assim
sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de
interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que,
propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este
pode decidir se deve ou não defender‑se, interpondo, se quiser, em prazo
contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode
tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar
pressionado por qualquer urgência.
O
processo continua, pois, a ser a due
process of law, a fair process.”
Por
seu turno, no Acórdão n.º 378/2003,
o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º,
n.º 3, conjugado como o artigo 113.º, n.º 7 (correspondente ao actual n.º 9),
do CPP, ambos na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto,
interpretados no sentido de que o arguido, que estivera presente na audiência
de julgamento e fora notificado da data da leitura da sentença, mas faltara a
esta sessão de leitura, se considera notificado com a leitura da sentença feita
perante o primitivo defensor nomeado ou perante advogado constituído. Nesse
aresto, depois de se reproduzirem as partes essenciais da fundamentação dos
Acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99 e de se rebater alegação de violação do princípio
da igualdade, consignou‑se:
“8.
Por fim, o argumento de que «o arguido não toma conhecimento pessoal em momento
algum da censura penal resultante da condenação e, designadamente, dos termos
condicionais em que lhe é concedido o perdão» só poderia valer se se
desconsiderassem os deveres funcionais e
deontológicos que impendem sobre o defensor do arguido, como,
correctamente, se sublinhou nos citados acórdãos n.ºs 59/99 e 109/99. E isto,
acrescente‑se agora, apenas se se considerasse que o arguido, ciente que
estava de ter praticado um facto punível – de resto, no caso concreto,
confessado –, e de que a sentença seria proferida em data determinada,
revelava em relação a esta indiferença.
Porém,
mesmo somadas estas duas condições, ainda daí não resultaria uma violação das
garantias de defesa constitucionalmente consagradas, porque delas não resulta
que a inércia e a indiferença perante as decisões judiciais possam ser
transformadas em vantagens. Como escreveu o Ministério Público neste Tribunal:
«é
evidente que, no caso ora em apreciação, o arguido sabia perfeitamente em que data
exacta iria ocorrer a leitura da sentença, já que, no termo da audiência de
julgamento em que esteve presente, foi notificado da data em que viria [a]
ocorrer a leitura da sentença – ao contrário do que ocorre com a leitura do
acórdão no Tribunal Superior, em que (...) o arguido não tem (sem a efectiva colaboração do defensor) conhecimento da data em que tal decisão
é publicitada.
Ora,
neste circunstancialismo, discorda‑se inteiramente da argumentação
expendida na decisão recorrida, já que o arguido dispôs de plena oportunidade para ter acesso à decisão condenatória contra si
proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de seguida à data em que
bem sabia que tal decisão iria ser proferida, quer o seu defensor (que bem
conhecia) quer a própria secretaria judicial.
O
hipotético e eventual desconhecimento
do exacto teor da sentença só poderá radicar, neste circunstancialismo, numa grosseira negligência do próprio
arguido, que bem sabendo que, em certa data, ia ser publicitada (e lhe era
plenamente acessível) o teor de tal sentença, se desinteressou totalmente (e injustificadamente) do sentido e
conteúdo da mesma.»
Ora
esta eventual negligência e desinteresse não merece, certamente, tutela ao
abrigo das garantias de defesa reconhecidas ao arguido.”
Já
no Acórdão n.º 476/2004 o Tribunal
Constitucional julgou inconstitucionais
os artigos 113.º, n.º 9, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal,
interpretados no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória
relevante para a contagem do prazo de interposição de recurso seria a
notificação ao defensor, independentemente, em qualquer caso, da notificação
pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento
pessoal da decisão condenatória. Para fundamentar esta decisão, desenvolveu o
referido Acórdão a seguinte fundamentação:
“5. Jurisprudência anterior sobre questão
normativa muito próxima da que é formulada neste processo foi definida,
sobretudo, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 59/99 e,
posteriormente, nos Acórdãos n.ºs 109/99 (Diário
da República, II Série, de 15 de Junho de 1999) e 378/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Nesses arestos estava em causa a contagem do prazo para a interposição do
recurso a partir da notificação ao defensor do arguido ou do depósito da
sentença na secretaria do Tribunal, em situações em que o arguido não assistira
justificadamente à leitura pública da sentença.
Os
critérios decisórios desses arestos conjugaram duas perspectivas: a de que uma
garantia efectiva do direito ao recurso pressupõe que ao arguido seja dado
conhecimento da decisão que foi tomada (na medida em que o arguido deve ter
oportunidade de organizar a sua defesa); e a de que tal garantia não é posta em
causa pelo facto de a notificação da decisão ser feita na pessoa do defensor
(ou de este, estando presente na leitura da sentença, ter adquirido
conhecimento do conteúdo decisório), na medida em que, desse modo, são criadas
as condições para o defensor «ponderar e
decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso»
(Acórdão n.º 109/99).
Assim,
na linha de uma abundante jurisprudência anterior, o Tribunal Constitucional
tem reconhecido um princípio de «oportunidade»
de acesso pessoal do arguido ao conteúdo do que foi decidido, em ordem a poder
organizar posteriormente a sua defesa (sobre esta linha decisória, cf. o
Acórdão n.º 199/86 – Diário da República,
II Série, de 25 de Agosto de 1986, em que se afirmou peremptoriamente «Dispensar a notificação de decisões
condenatórias ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem
conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes os suspeitassem
sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio
geral contido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa,
pois os interessados vêem‑se assim privados de lançarem mão de uma
instância de recurso»; e ainda o Acórdão n.º 41/96, de 23 de Janeiro,
inédito, em que se realça que o direito ao recurso exige uma oportunidade
efectiva de este ser exercido).
Em
todos os casos precedentes, embora as decisões tenham sido ora de
inconstitucionalidade ora de não inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional
atendeu sempre à efectiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e
ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório
que o afecta na concretização dessa oportunidade.
Se é verdade
que, na jurisprudência deste Tribunal, se admitiu, por vezes, que o
conhecimento do defensor poderia ser bastante, também é certo que nesses casos
se entendeu sempre que a comunicação entre o defensor e o arguido seria meio
adequado e normal de o arguido tomar conhecimento do conteúdo decisório que
lhe respeitava e que, de todo o modo, não estava posta em causa, em concreto, a
referida oportunidade de o arguido poder, perante o conhecimento desse
conteúdo, decidir ponderadamente sobre o exercício do direito ao recurso.
6. A
especialidade do presente processo resulta, porém, de ter sido colocada
perante o tribunal recorrido a questão da inconstitucionalidade do critério
normativo segundo o qual a garantia do direito ao recurso se basta sempre e só
com a contagem do prazo para a sua interposição a partir da notificação ao
defensor, mesmo que a comunicação entre defensor e arguido não tenha tido
lugar.
E, na
verdade, os recorrentes alegam precisamente que não tiveram conhecimento
pessoal do acórdão de que pretendiam recorrer, na data da notificação ao seu
defensor, pois na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
do despacho de não recebimento do recurso do acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães, referem, precisamente, que apenas tomaram conhecimento do teor do
acórdão da Relação através de uma notificação recebida em data posterior (27
de Outubro de 2003) e não na data da notificação à respectiva defensora.
Ora,
não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar‑se sobre as
circunstâncias concretas do caso quanto à veracidade daquela alegação, nem
sequer sobre se o recorrente, segundo o Direito aplicável, teria o ónus de provar
uma tal alegação ou se, tendo‑o, o terá cumprido. Todavia, no plano das
suas competências próprias, o Tribunal Constitucional terá de decidir a questão
normativa suscitada, considerando a resposta dada à mesma pelo tribunal recorrido.
Assim,
o Tribunal Constitucional entende que foi suscitada pelo arguido a
inconstitucionalidade de um critério de contagem do prazo do recurso a partir
da notificação do conteúdo decisório de um acórdão ao defensor sem o
conhecimento, no mesmo momento, pelo arguido do respectivo conteúdo e que,
perante tal questão, a resposta dada pelo despacho recorrido foi a de que tal
conhecimento efectivo pelo arguido seria irrelevante.
O
tribunal recorrido não definiu o Direito aplicado de acordo com critérios
relacionados com a pertinência da alegação do recorrente, mas entendeu como
bastante o critério normativo segundo o qual a comunicação ao defensor do
conteúdo decisório definiria o momento a partir do qual se contaria o prazo
para a interposição do recurso, sem quaisquer outras condições ou requisitos.
Firmada
esta interpretação do objecto do recurso, quer na óptica do recurso interposto
quer na perspectiva da decisão recorrida, o Tribunal Constitucional considera
que aquele critério, ao considerar irrelevante o efectivo conhecimento pelo
arguido do conteúdo decisório de uma decisão judicial, não cumpre plenamente a
garantia efectiva do direito ao recurso consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição. Assim, não pode ser indiferente para a plenitude daquela
garantia, constitucionalmente consagrada, que o recorrente não tenha tido
conhecimento pessoal do conteúdo decisório no momento a partir do qual se
iniciaria o prazo para ponderar o exercício do direito ao recurso.
Não
se pronuncia o Tribunal Constitucional sobre se, no presente caso, tal situação
efectivamente se verificou ou se o recorrente a provou cabalmente, mas apenas
sobre a afectação do direito ao recurso por um critério que considere
irrelevante a ponderação de circunstâncias que impeçam o recorrente de tomar
conhecimento pessoal do conteúdo decisório da decisão de que poderá recorrer e
que, assim, afaste a possibilidade de discutir a verificação das mesmas
circunstâncias. É, consequentemente, esse o plano em que o presente juízo de
constitucionalidade se situa e é também esse o critério que deverá presidir à
reforma da decisão recorrida, a qual deverá aplicar ao caso concreto, de acordo
com as suas circunstâncias, o presente juízo de inconstitucionalidade.”
O
entendimento sustentado no Acórdão n.º 476/2004 foi reiterado, por último, pelo
Acórdão n.º 418/2005, num caso em
que fora “posta ao Tribunal
Constitucional a questão da inconstitucionalidade da norma segundo a qual a
garantia do direito ao recurso «se basta sempre e só com a contagem do prazo
para a sua interposição a partir da notificação ao defensor, mesmo que a
comunicação entre defensor e arguido não tenha tido lugar»”.
Deste
excurso sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional emitida a propósito
da notificação das decisões penais condenatórias resulta que no presente caso
(pressupondo a extensão desse regime à notificação das decisões de revogação
da suspensão de execução de pena de prisão) não se verificam aqueles
condicionalismos que foram considerados relevantes para ter como suficiente a
notificação ao defensor do arguido.
Resulta
da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 59/99, 109/99 e 378/2003 que se deu por
adquirido um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre defensor
oficioso (desde que se tratasse do defensor primitivo) ou mandatário
constituído e arguido, que tornavam segura a efectiva comunicação por aqueles a
este do conteúdo das decisões que lhes foram notificadas ou a cuja leitura
assistiram; quando a efectivação dessa comunicação foi posta em crise, como
ocorreu nos casos sobre que versaram os Acórdãos n.ºs 476/2004 e 418/2005, já
aquela notificação ou leitura perante o defensor ou mandatário não foi tida
como suficiente. No presente caso, não só o recorrente afirma apenas ter tido
conhecimento da decisão que pretendeu impugnar quando ela lhe foi notificada
com a sua detenção para cumprimento de pena, do que resulta de forma implícita
mas inequívoca que o defensor oficioso não lhe terá transmitido a notificação
por ele recebida, como também essa alegação surge como perfeitamente plausível,
atentas as reconhecidas dificuldades e mesmo impossibilidade de localização do
recorrente sentidas por parte do tribunal, das autoridades policiais e dos
serviços de reinserção social, que dispunham de mais meios do que o defensor
oficioso nomeado (que, ao contrário do que sucederia se se tratasse de
mandatário constituído, nada indicia manter relacionamento directo com o
recorrente).
Por
outro lado, e diferentemente da situação sobre que versou o Acórdão n.º
378/2003 – em que o arguido sabia antecipadamente a data da leitura da
sentença, pelo que, ao não tomar a iniciativa de contactar, a seguir a essa
data, nem o seu defensor nem a secretaria do tribunal, manifestou negligência
e desinteresse que não mereceriam tutela ao abrigo das garantias de defesa –,
no presente caso o recorrente não tinha nenhuma possibilidade de “adivinhar” a
data da prolação do despacho de revogação da suspensão da execução de pena de
prisão, em ordem a, nos dias imediatos, procurar informar‑se do seu
conteúdo.
É,
assim, claro que, no presente caso, não seria constitucionalmente tolerável que
o recorrente se considerasse notificado do despacho em causa na data em que o
mesmo foi notificado ao seu defensor oficioso. Não foi esse – repete‑se –
o entendimento acolhido pelas instâncias, que consideraram o prazo para
interposição de recurso iniciado com a notificação por via postal simples ao
arguido e não com a notificação ao defensor. Mas as considerações tecidas
neste ponto justificam‑se para afastar, desde já, uma eventual via (que
algumas passagens da contra‑alegação do Ministério Público parecem
admitir) no sentido da emissão de um juízo de não inconstitucionalidade da
admissão da notificação do arguido por via postal simples com o argumento de
que nem essa era exigível por bastar a notificação ao defensor.
2.4. Assente a exigibilidade da notificação ao arguido da
decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a questão de
constitucionalidade que se coloca é a de saber se a notificação por via postal
simples é, no caso, admissível, tendo em vista os objectivos perseguidos por
esse acto de comunicação.
Na
sua redacção originária, o artigo 113.º do CPP, para além das notificações por
“contacto pessoal com o notificando”
e por “editais e anúncios”,
consagrava como única modalidade de notificação por “via postal” a feita através de carta
expedida com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, que só
podia ser assinada pelo destinatário, previamente identificado com anotação
dos elementos constantes do bilhete de identidade ou outro documento oficial
que permitisse a identificação. Se o destinatário se recusasse a assinar ou a
receber a carta, o funcionário do serviço postal lavrava nota do incidente,
valendo o acto como notificação; mas se o destinatário não fosse encontrado, o
funcionário do serviço postal procedia à devolução da carta, dando conta do
ocorrido, seguindo‑se a notificação mediante contacto pessoal.
Na
revisão operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi suprimida a exigência
de aviso de recepção, mas manteve‑se a regra de a notificação por via
postal ser feita por carta ou aviso
registados, admitindo‑se a via postal simples apenas “nos casos expressamente previstos”
(artigo 113.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPP), não se encontrando nenhuma
previsão de notificação ao arguido por essa via (o artigo 277.º, n.º 4, alíneas
b) e c), apenas previa essa modalidade para a notificação do despacho de
arquivamento do inquérito ao denunciante com a faculdade de se constituir
assistente e a quem tivesse manifestado o propósito de deduzir pedido de
indemnização civil ou quando o inquérito não corresse contra pessoa
determinada). Continuou a recusa do destinatário em assinar o registo ou em
receber a carta, incidentes a anotar pelo agente dos serviços postais, a valer
como notificação, e passou a admitir‑se a entrega da carta a pessoa que
habitasse com o destinatário ou a pessoa por este indicada que com ele
trabalhasse (artigo 113.º, n.º 4, alíneas a),
b) e c), do CPP).
A
generalização do uso da notificação por via postal simples só veio a ocorrer
pela alterações introduzidas no CPP pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000,
de 15 de Dezembro, editado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela
Lei n.º 27‑A/2000, de 17 de Novembro. Esta Lei teve na sua génese a
Proposta de Lei n.º 41/VIII (Diário da
Assembleia da República, VIII Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, II Série‑A,
n.º 59, pp. 1891‑1898), em cuja “Exposição de motivos” se lê:
“1 –
Pretende ajustar‑se o Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto‑Lei
n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, alterado pelos Decretos‑Leis n.º 387‑E/87,
de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho, e 317/95, de 28 de Novembro, e pela
Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a uma das prioridades da política da justiça,
a saber, o combate à morosidade processual.
2 – A
aplicação das normas do Código de Processo Penal revela que ainda persistem
algumas causas de morosidade processual, que comprometem a eficácia do direito
penal e o direito do arguido «ser julgado no mais curto prazo compatível com as
garantias de defesa», nos termos do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da
República Portuguesa, tornando‑se, assim, imperioso efectuar algumas
alterações no processo penal de forma a alcançar tais objectivos.
3 –
Para a consecução de tais desígnios introduz‑se uma nova modalidade de
notificação do arguido, do assistente e das partes civis, permitindo‑se
que estes sejam notificados mediante via postal simples sempre que indicarem à
autoridade policial ou judiciária que elaborar o auto de notícia ou que os ouvir
no inquérito ou na instrução a sua residência, local de trabalho ou outro
domicílio à sua escolha, ou, caso residam ou forem residir para fora da comarca
onde o processo corre, uma pessoa que, residindo nesta, tome o encargo de
receber as notificações que lhes devam ser feitas, e não tenham comunicado a
mudança da morada indicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa
por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr
nesse momento.
Nestes
casos, o distribuidor do serviço postal deposita o expediente na caixa de
correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o
local exacto desse depósito, e envia‑a de imediato ao serviço ou ao
tribunal remetente, considerando‑se a notificação efectuada na data
indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação
esta que deverá constar do acto de notificação.
Com
efeito, nestas situações não se justifica a necessidade de notificação do
arguido mediante contacto pessoal ou via postal registada, já que, por um lado,
todo aquele que for constituído arguido é sujeito a termo de identidade e
residência (artigo 196.º, n.º 1), devendo indicar a sua residência, local de
trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou, caso resida ou for residir para
fora da comarca onde o processo corre, uma pessoa que, residindo nesta, tome o
encargo de receber as notificações que lhe devam ser feitas (artigo 196.º, n.º
2). Assim sendo, como a constituição de arguido implica a sujeição a esta medida
de coacção, justifica‑se que as posteriores notificações sejam feitas de
forma menos solene, já que qualquer mudança relativa a essa informação deve ser
comunicada aos autos, através de requerimento entregue ou remetido por via
postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse
momento.
Deste
modo, assegura‑se a veracidade das informações prestadas à autoridade
judiciária ou policial pelo arguido, regime que deve ser aplicável ao
assistente e às partes civis, porque estes têm todo o interesse em desburocratizar
as suas próprias notificações.”
No
subsequente debate parlamentar, perante dúvidas suscitadas com base no risco de
a notificação por via postal simples não garantir, ao menos, a
cognoscibilidade, por parte do destinatário, e em especial do arguido, do acto
notificado, foi salientado, designadamente em intervenções do Deputado Jorge
Lacão e do Ministro da Justiça (Diário da
Assembleia da República, VIII Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, I
Série, n.º 10, de 13 de Outubro de 2000, pp. 373 e 374), que o sistema proposto
se mostrava adequado, atentos, por um lado, os deveres de o funcionário
judicial averbar em cota a data e o domicílio precisos para onde foi enviada a
notificação e de o distribuidor postal averbar, para remeter ao tribunal, a
data e o local precisos da entrega da carta, e, por outro lado – e
decisivamente – o dever de o arguido prestar termo de identidade e residência,
não se podendo ausentar da residência por mais de cinco dias sem indicar ao
tribunal a nova morada. Foi, assim, determinante para a adopção desta medida a
constatação de que, surgindo, à partida, como fidedignas as indicações efectuadas
pelos funcionário judicial e pelo distribuidor do serviço postal, a eventualidade
de o destinatário não tomar conhecimento da notificação só a ele ser imputável,
por incumprimento do dever, assumido aquando da prestação de termo de
identidade e residência, de “não mudar de
residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova
residência ou o lugar onde possa ser encontrado” (alínea b) do n.º 2 do artigo 196.º do CPP).
Esta
ligação entre prestação de termo de identidade e residência e admissibilidade
de notificação por via postal simples resulta da conjugação dos n.ºs 3 e 4 do
artigo 113.º com os n.ºs 2 e 3, alínea c),
do artigo 196.º do CPP, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000,
de 15 de Dezembro. Este último preceito, que versa sobre a prestação de termos
de identidade e residência, prevê no n.º 2 que “Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos
da alínea c) do n.º 1 do artigo
113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro
domicílio à sua escolha”, e no n.º 3 que “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: (...) c) De que as posteriores notificações serão
feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o
arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por
via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr termos
nesse momento”. Passaram, assim, estes a constituir “casos expressamente previstos” em que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, a
notificação se pode efectuar por via postal simples, cujos trâmites são
especificados nos subsequentes n.ºs 3 e 4, a saber: (i) o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a
indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada;
(ii) o distribuidor do serviço postal
deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração
indicando a data e confirmando o local exacto do depósito e envia‑a de
imediato ao serviço ou tribunal remetente; (iii)
a notificação considera‑se efectuada no 5.º dia posterior à data indicada
na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação essa que
deverá constar do acto de notificação; (iv)
se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa do correio, o
distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe‑lhe a data e
envia‑a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
2.5. As alterações introduzidas no CPP
sobre esta matéria pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de
Dezembro, surgiram na sequência de similares modificações registadas no Código
de Processo Civil (CPC) pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto,
que, com o aditamento do artigo 236.º‑A e a alteração de redacção do
artigo 238.º, veio estabelecer a possibilidade de “citação por via postal simples” em duas situações: nas acções para
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a
escrito e nos casos de frustração de citação por via postal por meio de carta
registada com aviso de recepção. Na primeira hipótese, a citação era feita
mediante o envio de carta simples, dirigida ao citando e endereçada para o
domicílio ou sede que tivesse sido inscrito naquele contrato para identificação
da parte (excepto se esta tivesse expressamente convencionado um outro local
onde se devesse considerar domiciliada ou sediada para efeitos de realização da
citação em caso de litígio). Na segunda hipótese, a secretaria obtinha
informação sobre a residência, local de trabalho ou, tratando‑se de
pessoa colectiva ou sociedade, sobre a sede ou local onde funcionava
normalmente a administração do citando, nas bases de dados dos serviços de
identificação civil, da segurança social, da Direcção‑Geral dos Impostos
e da Direcção‑Geral da Viação, e, então, das duas uma: ou existia
coincidência entre os endereços da carta registada enviada e os constantes de
todas as bases de dados, caso em que se procedia à citação por via postal
simples para esse local; ou não existia essa coincidência, caso em que a
citação por via postal simples devia ser feita para cada um dos locais
constantes dessas bases. As formalidades da citação eram similares às previstas
para o processo penal: (i) o
funcionário judicial lavrava uma cota no processo com a indicação expressa da
data da expedição da carta simples ao citando e do domicílio ou sede para a
qual foi enviada; (ii) o distribuidor
do serviço postal procedia ao depósito da referida carta na caixa de correio
do citando e lavrava uma declaração indicando a data e confirmando o local
exacto desse depósito, remetendo‑a de imediato ao serviço ou tribunal
remetente. A notificação considerava‑se efectuada no dia em que o distribuidor
do serviço postal tivesse depositado a carta na caixa postal do citando ou na
caixa postal do endereço indicado nas bases de dados, data que era indicada na
declaração remetida ao tribunal, e tinha‑se por efectuada na pessoa do
citando.
É
conhecida a polémica que esta inovação suscitou quer entre os profissionais
forenses, quer a nível doutrinário, com base na alegada insegurança, não só do
conhecimento, mas da própria cognoscibilidade do acto de citação por parte do
destinatário. Carlos Lopes do Rego
(“Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade
dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José
Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, 2003, pp. 835‑859) aponta, a este
propósito, como aspectos criticáveis: (i)
quanto ao primeiro grupo de situações (acções emergentes de contratos
escritos): 1) a suficiência da mera indicação
da residência ou sede do citando constante do contrato escrito (não se
exigindo – como no “Regime dos procedimentos destinados a exigir
o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não
superior à alçada do tribunal de 1.ª instância”, aprovado pelo Decreto‑Lei
n.º 269/98, de 1 de Setembro – a convenção
pelas partes do local onde se consideram domiciliadas para efeito de
realização de citação ou notificação em caso de litígio); 2) a aplicabilidade
do regime independentemente do valor da causa; e 3) a não exigência de uma
primeira tentativa de citação por via postal registada (como ocorria nesse Regime); (ii) quanto ao segundo grupo de situações (acções que não tenham
como causa de pedir um contrato em que se haja inscrito o domicílio ou a sede
do réu): a criação de um verdadeiro domicílio judicial necessário, assente nos
elementos que constem, em alternativa, das quatro bases de dados referidas, a
que a secretaria passa a ter acesso sem necessidade da autorização judicial
prevista no artigo 519.º‑A do CPC; (iii)
quanto a ambos os grupos de situações: a manutenção integral dos efeitos
cominatórios e preclusivos associados à revelia do réu, cuja gravidade “pressupõe necessariamente uma certeza
prática no conhecimento ou cognoscibilidade do acto de citação e uma efectiva e
real possibilidade de arguir os vícios que, porventura, inquinem tal acto”,
condições que “não se mostram
suficientemente asseguradas pelo regime estabelecido para a citação por via
postal simples, já que o simples depósito de uma carta no receptáculo postal de
um domicílio presumido não assegura, em termos bastantes, aquela
cognoscibilidade”.
A
primeira decisão que o Tribunal Constitucional proferiu sobre o regime da
citação por via postal simples recaiu numa hipótese em que, em acção
declarativa subsequente a procedimento de injunção em que se frustrara a
notificação por carta registada com aviso de recepção do requerido, não tendo
as partes estipulado um domicílio no contrato de cujo incumprimento emerge a
acção, o réu foi imediatamente citado, por via postal simples, para a
residência indicada pelo credor, sem que o tribunal averiguasse previamente a
coincidência dessa residência com as constantes das bases de dados
referenciadas no n.º 1 do artigo 238.º do CPC. Trata‑se do Acórdão n.º 287/2003, no qual o Tribunal
Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa do n.º 2 do
artigo 238.º do CPC em causa, e, no qual, após recordar anterior jurisprudência
sobre o princípio da proibição de indefesa, designadamente em citações e
notificações no domínio do direito processual civil (Acórdãos n.ºs 271/95 e
333/95), consignou o seguinte:
“Recentemente, disse‑se no
Acórdão n.º 508/2002, de 2 de Dezembro de 2002, in Diário da República, II Série, de 26 de Fevereiro de 2003:
«O direito de defesa do réu ou demandado
judicialmente, ou o chamado princípio da proibição da indefesa é indiscutivelmente um direito de natureza
processual ínsito no direito de acesso aos tribunais, constante do artigo 20.º
da Constituição, e cuja violação acarretará para o particular prejuízos
efectivos, decorrentes de um impedimento ou um efectivo cerceamento ao
exercício do seu direito de defesa.»
E,
mais adiante, escreveu‑se que «(...)
o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado
indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao
processo. Há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em
jogo, nomeadamente os do contraditório e da referida proibição da indefesa com
aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da
segurança e da paz jurídica, que são valores e princípios de igual relevância
e constitucionalmente protegidos» e não permitir que o processo «se arraste indefinidamente em investigações
exaustivas e infindáveis ou que as mesmas se possam reabrir ou efectuar
novamente a qualquer momento no decurso do processo, o que poderia ter consequências
desestabilizadoras e frustrar assim o alcance da justiça».
7 –
Ora, no caso em apreço, seguindo esta linha jurisprudencial, o que importa
decidir é se, no balanceamento daqueles princípios e interesses, referidos no
acórdão que se acabou de transcrever, a solução legislativa em causa – tal como
o julgador a interpretou – ofende desproporcionadamente
os direitos de defesa do demandado, pela forma adoptada de comunicação da
propositura da acção, nomeadamente se ela oferece as garantias mínimas de segurança e fiabilidade em termos de se não tornar impossível ou excessivamente
difícil a ilisão da presunção de efectivo recebimento da citação, defendendo‑se
contra a eventualidade de ausências ocasionais.
E
recorde‑se, uma vez mais, que a interpretação judicial em causa –
afastada por inconstitucionalidade – se configura nos seguintes termos:
Em
caso de cobrança de um crédito inferior à alçada da 1.ª instância, emergente de
um contrato escrito, sem domicílio convencionado, a citação do demandado, na
acção subsequente ao processo de injunção em que se frustrou a notificação por
carta registada endereçada para o domicílio indicado pelo autor, deve fazer‑se
por via postal simples, sem prévia consulta às bases referidas no artigo
238.º, n.º 1, do CPC.
Entende‑se
que esta «norma» ofende o disposto no
artigo 20.º da Constituição.
Tem,
com efeito, razão o recorrente quando sustenta que deste modo se confere uma
tutela desproporcionada ao interesse da celeridade no andamento dos processos «desvalorizando, concomitantemente, as
exigências de segurança e justiça e o cabal cumprimento da regra do
contraditório».
De
facto, tal «norma» acaba por fazer
aplicar aos casos em que não há domicílio convencionado – e, consequentemente,
não há por parte do devedor o dever de informar o credor das alterações do
domicílio, nem a obrigação de controlar periodicamente o correio depositado no
receptáculo postal do domicílio – o regime previsto para as situações de
domicílio pactuado.
Com
este regime, em que não há qualquer comprovação de exactidão do dado referente
ao domicílio do réu (não se consultam as bases referidas no artigo 283.º, n.º
1, do CPC), torna‑se extremamente onerosa ou mesmo impossível a ilisão
da presunção de depósito da carta simples no receptáculo postal daquele
domicílio (a prova de um facto negativo), sendo certo que a certificação do
depósito é feita pelo distribuidor do servidor postal que, como diz o recorrente,
«não pode considerar-se um funcionário
público provido de fé pública».
Trata‑se,
pois, de uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento da petição,
por parte do réu, quando o depósito da carta simples não representa um índice
seguro da sua recepção e difícilmente pode ser ilidido. Tudo com a consequência
de a falta de contestação gerar a condenação de preceito consagrada no artigo
2.º do «Regime dos Procedimentos»
anexo ao Decreto‑Lei n.º 269/98 e a subsequente execução do réu.
Mostra‑se,
assim, violado o princípio constitucional da «proibição da indefesa» e a
exigência de um «processo equitativo»,
ínsitos no artigo 20.º da CRP.”
Posteriormente,
pelos Acórdãos n.ºs 91/2004 e 243/2005, o Tribunal Constitucional viria a não
julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 238.º do CPC, mas salientando
que a situação era diversa na apreciada no Acórdão n.º 287/2003 (nos casos de
que emergiram os recursos onde foram proferidos aqueles dois Acórdãos, havia
sido inicialmente tentada a citação através de carta registada com aviso de
recepção, que resultou frustrada por a carta não ter sido reclamada pelo
destinatário, e a secretaria procedera a pedidos de informação às entidades
oficiais e a consulta das aludidas bases de dados, tendo sido expedidas cartas
postais simples para todos os endereços apurados), e não deixando de sublinhar,
por reprodução do afirmado no Acórdão n.º 335/95, que:
“(...)
nos processos cíveis – normalmente quando estão essencialmente em causa
pretensões de natureza patrimonial e as partes são, para a lei, perfeitamente
iguais – o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo
fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e
chamado ao processo. Tratando‑se de processos de diferente natureza, por
exemplo em processos de natureza penal, as preocupações de evitar que o
processo fique parado à espera de localização do arguido levam à consagração de
outros mecanismos, sendo perfeitamente compreensível que o grau de exigência
quanto a tais mecanismos seja superior, dados os interesses em causa,
nomeadamente a regra constitucional de que o processo penal assegura todas as
garantias de defesa (veja‑se o instituto da contumácia em processo
penal).”
Como
é sabido, no âmbito do processo civil, a possibilidade de citação por via
postal simples, consagrada pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, foi revogada
pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, sendo agora regra a de que a
citação postal se faz por meio de carta registada com aviso de recepção (artigo
236.º) e de que, frustrando‑se essa via postal, é efectuada mediante
contacto pessoal do solicitador de execução com o citando (artigo 239.º).
2.6. Revertendo ao caso do presente
recurso, há que atentar, antes de mais, em que, como salienta o recorrente, o
termo de identidade e residência por ele prestado se extinguiu com o trânsito
em julgado da sentença condenatória (artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do CPP). A partir deste trânsito
deixou o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da
aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência
nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova
residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artigo 196.º, n.º 1, alínea b), do CPP).
É
certo que, no presente caso, tendo a suspensão da execução da pena de prisão
sido acompanhada da imposição de regime de prova, e não contendo a decisão
condenatória o plano individual de readaptação social, incumbia aos serviços de
reinserção social a sua elaboração (artigo 494.º, n.º 3, do CPP), o que
pressupunha a colaboração pessoal do condenado, até porque, por regra, tal
plano devia obter o seu acordo (artigo 54.º, n.º 1, do Código Penal). Porém,
não há que confundir este dever de colaboração do condenado com as obrigações
específicas do arguido sujeito à medida de coacção de prestação de termo de
identidade e residência, obrigações estas que, como se referiu, se extinguiram
com o trânsito em julgado da sentença de condenação. A falta de colaboração do
condenado, ao tornar‑se incontactável para efeitos de elaboração do plano
de readaptação, pode vir a determinar a revogação da suspensão da execução da
pena de prisão (como no presente caso ocorreu), mas é juridicamente insustentável
que ele seja considerado como continuando a estar sujeito à medida de coacção
de prestação de termo de identidade e de residência (acarretando o desrespeito
das correspondentes obrigações a possibilidade de lhe ser aplicada medida de
coacção mais grave).
Como
se assinalou (cf. supra, n.º 2.4), a
introdução da via postal simples como modalidade de notificação ao arguido foi
considerada como justificada, pelo legislador, atento o dever de o arguido
prestar termo de identidade e residência e de desta prestação decorrer a
obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco
dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado. Uma
vez que, no presente caso, estavam juridicamente extintas essa medida de
coacção e esta última obrigação, não carece o Tribunal Constitucional de tomar
posição sobre se é constitucionalmente conforme a admissibilidade de
notificação ao arguido por via postal simples enquanto subsistirem tais medida
e obrigação [no Projecto de Lei n.º 519/IX, atrás aludido (cf. supra, n.º 2.3), é proposta a revogação
do n.º 2 e da alínea c) do n.º 3 do
artigo 196.º do CPP, que são justamente as disposições que prevêem a
possibilidade do uso da notificação por via postal simples aos arguidos que
hajam prestado termo de identidade e residência]. Do que se trata, pois, é de
apurar da constitucionalidade de tal solução legal quando já se extinguiu a
medida de coacção de termo de identidade e residência. Ora, assim
perspectivada, esta questão não pode deixar de ter como resultado a emissão de
um juízo de inconstitucionalidade.
Na
verdade, a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência
declarada e da comunicação imediata da sua alteração torna intolerável que se
continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo
postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo
de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade
do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem
por efeito directo a privação da liberdade do notificando.
Acresce
que, no presente caso, como também já se referiu, a decisão de revogação da
suspensão da execução da pena de prisão foi tomada sem prévia audição do condenado,
não dispondo ele de qualquer indicação da data em que iria ser proferida tal
decisão. Daqui decorre que, por um lado, ele não pode ser censurado (e “penalizado”)
por, sabendo antecipadamente a data em que iria ser tomada uma decisão que o
afectava pessoalmente, se desinteressou totalmente de a ela aceder (como
ocorria no caso sobre que incidiu o Acórdão n.º 378/2003), e que, por outro
lado, a situação se assemelha aos casos em que o arguido esteve ausente,
justificada ou injustificadamente, na audiência de julgamento, casos em que o
n.º 5 do artigo 333.º e o n.º 6 do artigo 334.º do CPP, ambos na redacção do
Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, mandam que a sentença lhe seja
pessoalmente notificada logo que seja detido ou se apresente voluntariamente,
contando‑se desta notificação o prazo para a interposição de recurso pelo
arguido (hipótese diversa é aquela em que o arguido esteve presente na
audiência mas não compareceu na data designada para a leitura da sentença,
apesar de ter sido notificado desta data, caso em que o arguido se considera
notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado
ou constituído – artigo 373.º, n.º 3, do CPP). O Tribunal Constitucional,
aliás, nos Acórdãos n.ºs 274/2003, 278/2003 e 503/2003 determinou que as normas
dos artigos 334.º, n.º 8, e 113.º, n.º 7, na versão da Lei n.º 59/98
(correspondentes aos artigos 334.º, n.º 6, e 113.º, n.º 9, na versão do Decreto‑Lei
n.º 320‑C/2000), conjugadas com a do artigo 373.º, n.º 3, todos do CPP,
fossem interpretadas no sentido de que consagram a necessidade de a decisão
condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo,
enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto
recurso ou requerido novo julgamento, e no Acórdão n.º 312/2005 decidiu
interpretar as normas dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5, do CPP no
sentido de que o prazo para a decisão de recurso da decisão condenatória do
arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do
depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal
ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis.
Admitir
que, em situações como a presente, em que foi proferida decisão de revogação da
suspensão da execução de pena de prisão sem prévia audição do condenado, o
prazo de interposição de recurso dessa decisão se conta a partir da data da
notificação por via postal simples (5.º dia posterior à data indicada pelo
distribuidor do serviço postal como sendo aquela em que procedeu ao depósito da
carta na caixa do correio do endereço nela mencionado), efectuada para morada
indicada em termo de identidade e residência juridicamente insubsistente, é solução
que manifestamente não garante a cognoscibilidade pelo interessado de decisão
que alterou in pejus a sentença
condenatória, tendo como efeito directo a sua privação de liberdade para
efeitos de cumprimento da pena de prisão.
Para
respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo
32.º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição,
pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma
possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no
presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal
simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a
cognoscibilidade da decisão impugnanda.
3. Decisão
Em
face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucionais, por
violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as
normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e 335.º, n.º 5, do Código
de Processo Penal, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, interpretadas no
sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo condenado, de decisão
que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta da data em que
se considera efectivada a sua notificação dessa decisão por via postal
simples; e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso,
determinando‑se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com
o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem
custas.
Lisboa,
17 de Agosto de 2005.
Mário
José de Araújo Torres
Maria
Fernanda Palma
Rui
Manuel Moura Ramos