ACÓRDÃO N.º 323/05
Processo
n.º 499/04
Plenário
Relator:
Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
1. O
Provedor de Justiça, no uso da competência prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 281.º da
Constituição, requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória
geral, do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 353-A/89, de 16 de
Outubro (estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e
agentes da Administração e a estrutura das remunerações base das carreiras e
categorias nele contempladas), aditado pelo artigo 27º do Decreto-Lei n.º
404-A/98, de 18 de Dezembro (estabelece regras sobre o regime geral da
estruturação de carreiras da Administração Pública), quando conjugado com os
Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de
30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos
diplomas.
O preceito legal onde se insere esta norma dispõe o seguinte (em itálico
a norma impugnada):
“Artigo
17.º
Escalão de
promoção
1
– A promoção a categoria superior da respectiva carreira faz-se da seguinte
forma:
a)Para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a
promoção;
b)Para o escalão a que na estrutura remuneratória da
categoria para a qual se faz a promoção corresponde o índice superior mais
aproximado, se o funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à
do escalão 1.
2 – Sempre que do disposto no número anterior resultar
um impulso salarial inferior a 10 pontos, a integração na nova categoria faz-se
no escalão seguinte da estrutura da categoria.
3 – Se a
remuneração, em caso de progressão, for superior à que resulta da aplicação dos
números anteriores, a promoção faz-se para o escalão seguinte àquele que lhe
corresponderia por força daquelas regras, excepto se o funcionário tiver mudado
de escalão há menos de um ano.”
O Provedor de Justiça desdobrou
expressamente o pedido em duas dimensões normativas:
- a constante da norma
do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353‑A/89, de 16 de
Outubro, aditada a este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98,
de 18 de Dezembro, na parte em que exclui do seu âmbito de aplicação os
funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano, quando conjugada
com os Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º
412-A/98, de 30 de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos
diplomas, na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de
posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública;
- a constante da mesma norma, quando conjugada com os
Anexos ao Decreto‑Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30
de Dezembro, que constituem partes integrantes dos respectivos diplomas,
igualmente na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão
de posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública.
2. Para fundamentar o pedido, desenvolveu o Provedor de
Justiça argumentação tendente a demonstrar, através de vários exemplos de
aplicação, que a referida norma, nuns casos pelo jogo da regra que o n.º 3 do
artigo 17.º estabelece, noutros por efeito da limitação contida na parte final
do preceito, conduz a situações em que funcionários com menor antiguidade na
categoria e, em algumas hipóteses, com menor antiguidade na categoria e na
carreira, fiquem a auferir remuneração superior à de funcionários da mesma
categoria, anteriormente a ela promovidos.
E concluiu nos termos seguintes:
A solução legal contida no artigo 17.º, n.º 3, do
Decreto-Lei n.º 353‑A/89, de 16 de Outubro, aditada ao diploma pelo
Decreto-Lei n.º 404‑A/89, de 18 de Dezembro, foi concebida pelo
legislador tendo em vista a correcção de distorções ao sistema remuneratório
dos funcionários da Administração Pública originadas pela aplicação conjugada
das regras dos n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, respeitantes à promoção à
categoria superior dentro da mesma carreira.
Sendo certo que a aplicação da norma viria a revelar
benefícios no sentido pretendido, a verdade é que a mesma norma – nalguns casos
em virtude da aplicação da excepção da mesma constante, que exclui do
respectivo âmbito de aplicação alguns funcionários mediante um critério de
natureza estritamente temporal, noutros casos em virtude da aplicação do
próprio regime que estabeleceu, sem condicionamentos – veio a desenvolver novas
distorções ao sistema, originando novas situações de inversões de posições
remuneratórias relativas de funcionários (ilustradas pelos exemplos
apresentados), sem que se vislumbre fundamento material bastante para a
diferenciação de tratamento operada por via da sua aprovação.
Nessa medida, isto é,
na medida em que da sua aplicação resultarem situações de inversão de
posições relativas de funcionários da Administração Pública, a norma constante
do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto‑Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, na
sua versão actual, revela-se contrária ao princípio da igualdade na
retribuição, ínsito nos artigos 59.º, n.º 1, alínea a), e 13.º da Lei Fundamental.
3.
Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3,
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC
-aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro), o Primeiro-Ministro respondeu,
argumentando do seguinte modo:
Nada no texto da norma cuja
constitucionalidade se impugna permite afirmar que o legislador discrimina
trabalhadores já que, pelo contrário, aquela norma «aplica-se a todos aqueles
que reúnam as condições aí previstas».
A norma questionada visa unicamente estabelecer regras
de reposicionamento de funcionários da Administração Pública nos escalões
salariais das respectivas carreiras, tendo em conta não apenas a antiguidade
nos seus vários contornos, mas ainda o critério do escalão de posicionamento de
origem quando tem lugar a promoção. O
novo sistema retributivo da função pública corresponde a um sistema misto de promoção (mudança de categoria) e progressão (mudança de escalão dentro de
cada categoria), que funciona de forma articulada e complementar de modo a que
a evolução por progressão se venha a reflectir, directamente, na evolução por
promoção.
Nesse contexto, uma das preocupações
fundamentais do Governo foi salvaguardar as expectativas decorrentes da
progressão na carreira, garantindo que a promoção se faça para o escalão
seguinte àquele que resultaria das normas de promoção sempre que o escalão a
obter por progressão seja superior. É esse o motivo pelo qual existem índices
sobrepostos e a razão por que se prevêem ainda últimos índices da escala da
categoria inferior superiores aos primeiros da categoria imediatamente
superior, já que um funcionário que se encontre nos últimos escalões de
determinada categoria detém mais tempo e experiência que outro funcionário
dessa mesma categoria. A promoção deste funcionário terá que revelar a sua
situação de origem, estando ele situado nos primeiros escalões da categoria
antecedente, pelo que a promoção não poderá desvirtuar a «proporcionalidade
continuada» que o sistema quis imprimir relativamente à antiguidade detida pelo
outro na mesma categoria antecedente.
Assim, o novo sistema retributivo da
função pública acautela a posição desigual que os funcionários detinham na
origem, dando através das suas normas continuidade à protecção da antiguidade
nos seus vários contornos e que não passa unicamente pelo processo de promoção.
Deste modo, resulta salvaguardado o comando constitucional da igualdade que
impõe que se trate de modo igual situações de facto iguais e de modo desigual
situações de facto desiguais, ou seja, aportando em diferentes soluções em
função de situações de base com características diversas.
Assim,
a norma impugnada mostra-se materialmente fundada sob o ponto de vista da
segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade. Por
outro lado, o tertium comparationis
para efeitos de avaliação do princípio da igualdade não resulta apenas do critério da antiguidade na categoria, mas
ainda do critério do escalão de posicionamento de origem quando tem lugar a
promoção, assim se salvaguardando a «relação de proporcionalidade» entre as
responsabilidades de cada cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim,
a harmonia remuneratória entre cargos, que exige que a promoção – e respectiva
escala e índice salarial – não seja regulada em termos isolados, sem protecção
e garantia da situação de origem e da proporcionalidade aí existente. A norma
impugnada, mais do que uma «regra de transição», deverá ser interpretada como
uma «cláusula de salvaguarda» do próprio sistema retributivo.
Por fim, caso o Tribunal conclua pela inconstitucionalidade, deverá
ponderar se imperativos de segurança jurídica não justificarão o uso da
faculdade de restrição dos efeitos temporais da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos previstos no n.º
4 do artigo 282.º da Constituição.
4. Debatido
o memorando apresentado, nos termos
do artigo 63.º da LTC, pelo Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, por
delegação do Presidente, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da mesma
Lei, e fixada a orientação sobre as questões a resolver, cumpre agora formular
a decisão.
5. Impõe-se resolver uma questão preliminar
respeitante ao objecto do recurso que resulta de, como se relatou, o Provedor
de Justiça colocar à apreciação do Tribunal uma questão de constitucionalidade,
que incide sobre dois segmentos normativos aparentemente
distintos da norma sub judicio.
Efectivamente, o Provedor de Justiça impugna a constitucionalidade do
inciso da parte final («excepto se o funcionário tiver mudado de escalão há
menos de um ano») e, depois, a título autónomo (e não subsidiário ou
alternativo), de toda a parte restante do artigo. E fá-lo, num e noutro caso,
com o mesmo fundamento: violação do princípio constitucional da igualdade, na
medida em que da aplicação daqueles dois segmentos normativos resultarem
situações de inversão de posições remuneratórias relativas de trabalhadores da
Administração Pública.
Na economia do pedido, é
possível descortinar a pretensão de não pôr em causa a admissibilidade, em
abstracto, de «cláusulas de salvaguarda» da equidade do sistema e, por outro
lado, a intenção de não deixar subsistir qualquer hipótese normativa que
permita a inversão de posições remuneratórias entre funcionários públicos, o
que eventualmente sucederia se o Tribunal se limitasse a declarar a
inconstitucionalidade da parte final do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º
353-A/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 404-A/98. No fundo, o Provedor
pretende erradicar todas e quaisquer possibilidades de, por força do artigo
17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 404-A/98, se
criarem situações de inversão de posições remuneratórias.
Todavia, ao contrário do que poderia fazer crer a sua expressão literal
(«excepto se o funcionário...»), a
parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, na redacção do
Decreto-Lei n.º 404-A/98, não constitui, em sentido próprio, uma excepção, mas
antes uma delimitação do âmbito pessoal de aplicação do regime da norma em que
se integra. Não há uma excepção à regra da primeira parte, a ponto de se poder
dizer que se estabelecem dois regimes diferenciados. O segmento final do artigo
17.º, n.º 3, não possui autonomia normativa em relação ao primeiro trecho,
limitando-se a recortar o círculo de casos para os quais vale a consequência
jurídica enunciada naquele, pelo que não suscita um problema de
constitucionalidade autónomo. A eventual inconstitucionalidade da norma em
apreço, na medida em que dela resultem inversões de posições remuneratórias
entre funcionários, valerá exactamente nos mesmos termos quanto às duas
situações configuradas pelo requerente.
Tal circunstância não conduz,
naturalmente, ao não conhecimento do pedido. Este, na verdade, está formulado
de forma adequada e perfeitamente inteligível, solicitando cumulativamente a
declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de dois
segmentos da norma do artigo 17.º, n.º 3, aditado pelo Decreto-Lei n.º
404-A/98. O facto de se entender que um desses segmentos, tal como o pedido se
encontra formulado pelo requerente, não possui autonomia em relação ao restante
não pode levar o Tribunal a abster-se do seu conhecimento, já que um problema
de constitucionalidade lhe é colocado com clareza, num processo de fiscalização
abstracta sucessiva: aferir se viola o princípio da igualdade a norma do artigo
17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 404‑A/98,
na medida em que a mesma, intervindo ou não a limitação da sua parte final,
produza situações de inversão de posições remuneratórias entre funcionários.
6.
Uma outra questão deve desde já enfrentar-se porque, embora não seja de
natureza processual, poderia conduzir a
que o sistema devesse ser interpretado como comportando uma “cláusula de
salvaguarda” que, facultando aos interessados requerer a correcção casuística,
fosse idóneo para, em último termo, evitar ou corrigir as distorções que o
Provedor de Justiça aponta à norma impugnada.
Referimo-nos ao n.º 5 do artigo 21.º
do Decreto-Lei n.º 404-A/98, que dispõe que « [o]s recursos apresentados com
fundamento na inversão das posições relativas detidas pelos funcionários ou
agentes à data da publicação do presente
diploma e que violem o princípio da coerência e da equidade que presidem ao
sistema de carreiras serão resolvidas por despacho conjunto dos Ministros da
tutela, das Finanças e do membro do Governo responsável pela Administração
Pública» [itálico acrescentado].
Sucede que, como se vê pela
expressão destacada, o mecanismo de correcção estabelecido por este preceito é
restrito a situações balizadas por um referente temporal, enquanto a norma do
n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89 é de efeitos permanentes, o
que basta, sem necessidade de examinar outras objecções, para afastar a
possibilidade de vislumbrar nele o antídoto seguro, no plano da legalidade,
para as inversões das posições relativas que são atribuídas à norma impugnada.
Aliás, a resposta do Primeiro-Ministro mostra que também assim o não encara, ao
notar que cada alteração de posição por referência a um caso idêntico vai
provocar a mudança em relação a outras situações anteriormente em equilíbrio,
desencadeando reclamações em espiral a que, no seu entender, urge pôr termo.
7. Posto isto, começa por recordar-se que a
norma impugnada pertence a um complexo normativo em que avultam os seguintes
elementos legislativos principais:
-
O Decreto-Lei
n.º 184/89, de 2 de Junho, que definiu os princípios gerais em matéria de
emprego público, remunerações e gestão de pessoal da Administração Pública,
alterado pelo Decreto-Lei n.º 62/92, de 21 de Abril, pela Lei n.º 30-C/92, de
28 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 77/94, de 9 de Março, pelo Decreto-Lei n.º
45/95, de 2 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 50/96, de 16 de Maio, pelo
Decreto-Lei n.º 107/98, de 24 de Abril, pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, pela
Lei n.º 77/2001, de 5 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março,
pelo Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março, e, mais recentemente, pelas Leis
n.ºs 10/2004 e 23/2004, de 22 de Março e de 22 de Junho, respectivamente.
-
O Decreto-Lei
n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, que estabelece regras sobre o estatuto
remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura
das remunerações-base das carreiras e categorias nele contempladas, rectificado
pela Declaração publicada no Diário da
República, I Série, Suplemento, de 30 de Dezembro de 1989, e alterado pelo
Decreto-Lei n.º 393/90, de 11 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 167/91, de 9 de
Maio, pelo Decreto-Lei nº 204/91, de 7 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 420/91,
de 29 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 137/92, de 16 de Julho, pelo Decreto-Lei
n.º 109/96, de 1 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro,
pelo Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, pelo Decreto Regulamentar n.º
30-A/98, de 31 de Dezembro, pelo Decreto Regulamentar nº 30-B/98, de 31 de
Dezembro, pelo Decreto Regulamentar n.º 30-C/98, de 31 de Dezembro, pelo
Decreto-Lei n.º 498/99, de 19 de Novembro, pelo Decreto Regulamentar n.º
5/2000, de 27 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, e pelo
Decreto Regulamentar n.º 13/2001, de 30 de Junho.
-
O Decreto-Lei
n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, que estabelece regras sobre o regime geral de
estruturação de carreiras da Administração Pública – e onde se insere a
alteração ao artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, ora impugnada – alterado
pela Lei nº 44/99, de 11 de Junho, pelo Decreto‑Lei n.º 77/2001, de 5 de
Março, pelo Decreto-Lei n.º 141/2001, de 24 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º
23/2002, de 1 de Fevereiro, pelo Decreto‑Lei n.º 149/2002, de 21 de Maio,
pelo Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março, e, finalmente, pelo Decreto-Lei
n.º 57/2004, de 19 de Março.
-
Por último, o
Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, que procede à adaptação à
administração local do decreto-lei que estabelece as regras sobre o ingresso,
acesso e progressão nas carreiras e categorias do regime geral, bem como as
respectivas escalas salariais, foi rectificado pela Declaração n.º 7-E/99, de
25 de Fevereiro, publicada no Diário da
República, I Série-B, n.º 49, 2.º Suplemento, de 27 de Fevereiro de 1999, e
alterado pelo Decreto-Lei n.º 498/99, de 19 de Novembro, e pelo Decreto‑Lei
n.º 207/2000, de 2 de Setembro.
O Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de
Outubro, no desenvolvimento do regime jurídico definido pelo Decreto-Lei n.º
184/89, veio estabelecer regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários
e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações-base das
carreiras e categorias nele contempladas, o designado novo sistema retributivo. Das diversas alterações que sofreu,
destaca-se a introduzida pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro,
publicado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 77/98, de 19
de Novembro, que veio estabelecer regras sobre o ingresso, acesso e progressão
nas carreiras e categorias de regime geral, bem como as respectivas escalas
salariais e de que emerge a norma agora em apreciação.
A evolução remuneratória do pessoal
da Administração Pública a que o novo
sistema retributivo se aplica resulta de progressão, que se faz por mudança de escalão nas categorias em
função de módulos de tempo, e de promoção
a categoria superior da carreira (ou de nova carreira, nos casos de
intercomunicabilidade vertical). A evolução remuneratória na carreira é,
portanto, fruto de um sistema misto, em função quer da antiguidade ou tempo de
serviço (embora não em absoluto, porque o demérito ou
mérito insuficiente obsta à progressão – cf. n.º 3 do
artigo 19.º do Decreto-Lei nº 353‑A/98 e artigos 7.º e 23.º, n.º 2, da
Lei n.º 10/2004), quer do mérito (embora a promoção dependa também de um tempo
mínimo efectivo na categoria imediatamente inferior – cf. n.º 4 do artigo 27.º
do Decreto-Lei n.º 184/89 e os requisitos de recrutamento para as diversas
carreiras a que se refere o Decreto-Lei n.º 404-A/98). Outro
aspecto fundamental e caracterizador do sistema retributivo, que importa desde
já reter, consiste na sua estruturação de tal modo que aos últimos escalões de
cada categoria correspondem índices salariais superiores aos primeiros da categoria
imediatamente superior.
E, por outro
lado, o regime de acesso à categoria superior não exige que o interessado tenha
atingido o último escalão da categoria
de origem, pelo que podem ser promovidos à mesma categoria funcionários
que, na categoria anterior, se apresentavam posicionados em escalões com
índices remuneratórios diferentes e a quem a promoção garante uma melhoria
mínima de 10 pontos indiciários.
Deste modo – mesmo sem considerar o
efeito da norma agora sujeita a fiscalização – pela articulação do sistema
retributivo dos trabalhadores da Administração Pública com o regime de
desenvolvimento das respectivas carreiras, a trabalhadores com a mesma
categoria em determinada carreira, portanto com o mesmo conteúdo funcional,
correspondem remunerações diversificadas em função do tempo de serviço de cada
um na categoria ou, em menor grau, do nível remuneratório atingido na categoria
anterior (que é essencialmente função do tempo de serviço nela) e que
condiciona o escalão de ingresso de cada funcionário na nova categoria e que
trabalhadores da categoria inferior nos últimos escalões possam ser remunerados
por índice mais elevado do que alguns da categoria superior (embora sem a
potencialidade de evolução que a estes assiste).
No que respeita ao posicionamento nos
escalões de promoção, o artigo 17.º, na redacção inicial do Decreto-Lei n.º
353-A/89, estabelecia as seguintes regras para a promoção a categoria superior
dentro da mesma carreira: a promoção faz-se para o escalão 1 da categoria
superior [artigo 17.º, n.º 1, alínea a)];
(2) ou para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual
se faz a promoção corresponde o índice superior mais aproximado, se o
funcionário vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1 [artigo
17.º, n.º 1, alínea b)]; (3) em
qualquer caso, nunca pode resultar para o funcionário, da promoção realizada,
uma valorização inferior a 10 pontos indiciários (artigo 17.º, n.º 2).
O Decreto-Lei n.º 404-A/98, em cujo preâmbulo o legislador afirma que
com esse diploma não visava «a criação de um novo sistema de carreiras, nem um
novo sistema retributivo para a função pública», mas sim «introduzir mais
justiça relativa no sistema vigente, dando-lhe coerência e equidade, e
melhorando as condições para um acesso mais fácil no percurso da carreira dos
funcionários», veio aditar um n.º 3 àquele dispositivo, cujo teor se recorda: «[S]e a remuneração, em
caso de progressão, for superior à que resulta da aplicação dos números
anteriores, a promoção faz-se para o escalão seguinte àquele que lhe
corresponderia por força daquelas regras, excepto se o funcionário tiver mudado
de escalão há menos de um ano».
É fácil descortinar a ratio da inovação, havendo, sobre isso e
sobre a bondade da intenção legislativa primária, concordância entre o Provedor
de Justiça e o Primeiro-Ministro: a referida regra teve como propósito imediato
obstar a que os funcionários promovidos à categoria superior viessem,
designadamente por aplicação das regras constantes dos n.ºs 1, alínea b), e 2, do artigo 17.º do Decreto-Lei
n.º 353‑A/89, a perceber remuneração inferior à que obteriam se
permanecessem na categoria inferior e nela progredissem.
Compreende-se, pois, a intenção do legislador em alterar
as regras do posicionamento nos escalões no caso de promoção, através da actual
redacção do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353‑A/89, por forma a
que o regime deixasse de se revelar mais benéfico para o funcionário que não
concorresse à promoção, aguardando que a progressão na mesma categoria lhe
trouxesse uma valorização salarial maior. No fundo, optou o legislador, no
âmbito do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, por ficcionar a
progressão para o escalão seguinte – que ocorreria caso não se tivesse
entretanto dado a promoção –, premiando desta forma o esforço e desempenho do
funcionário que foi promovido, num exercício que tutela a expectativa deste na
ideia de que a promoção trará sempre benefícios, designadamente em termos salariais,
face à opção de permanência na mesma categoria e de evolução através da mera
progressão, e o interesse do empregador público na motivação e selecção dos
mais aptos para as tarefas presumivelmente de maior exigência dentro de cada
carreira.
8. Na análise subsequente não tem o Tribunal de
ensaiar, no seio das diversas categorias e dos diversos escalões, todas as
disparidades indiciárias que decorram da aplicação da norma em apreciação,
indagando casuisticamente todas as potenciais situações de desigualdade por ela
geradas. O Tribunal irá recorrer a alguns exemplos‑padrão, especialmente
ilustrativos dos efeitos disfuncionais da norma, colhidos na argumentação do
Provedor de Justiça e, aliás, não contestados, na sua materialidade, na
resposta do Primeiro-Ministro.
Tal não contende com a natureza própria da fiscalização abstracta da
constitucionalidade, pelas razões já aduzidas no Acórdão n.º 405/03:
«(...) não tem o Tribunal de ensaiar, no
seio das diversas categorias e dos diversos escalões, todas as disparidades indiciárias que decorrem da aplicação
conjugada das normas sub judicio,
indagando casuisticamente todas as
potenciais situações de desigualdade geradas pela aplicação daquelas normas
(...). A aproximação vai ser feita a partir da descoberta “tópica” de exemplos de situações de desigualdade,
sem necessidade de esgotar todo o universo das potenciais disparidades que as
normas em apreço produzam.
Tal não equivale a dizer (...) que o
diploma em apreço só será eventualmente inconstitucional quando aplicado (as applied) a casos ou situações
particulares, mas já não em si mesmo considerado (on its face), que é a dimensão que releva no plano da fiscalização
abstracta sucessiva da constitucionalidade.
(...) as virtualidades aplicativas das normas
sub judicio inscrevem‑se ainda
no enunciado normativo das disposições em causa (...). E o recurso a exemplos‑padrão
(...) não subverte o sentido e a lógica da fiscalização abstracta da
constitucionalidade, servindo tão‑só para ilustrar que as normas em
apreço conduzem – mas, em simultâneo, contêm em si mesmas, na respectiva
previsão – a uma inversão de posições entre funcionários, susceptível de
afrontar o princípio constitucional da igualdade e sua projecção no domínio
laboral – “a trabalho igual, salário
igual” (artigo 59.º, n.º 1, alínea a),
da Constituição).
(...) a demonstração de que a indagação
dos efeitos das normas impugnadas cabe ainda no domínio do controlo abstracto
de constitucionalidade é dada pelo Tribunal, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs
254/00 e 356/01, já citados. Para o Tribunal poder concluir pela existência de
uma diferenciação injustificada entre funcionários teve, naturalmente, de
verificar se os efeitos da estatuição normativa conduzem a tal resultado.
Porém, como é óbvio, tal não equivale a extravasar do domínio do controlo
abstracto de constitucionalidade, mas a proceder a um teste do princípio da
igualdade (...)».
9. Comecemos por representar situações em que a
inversão de posições remuneratórias opera por efeito da delimitação do âmbito
de aplicação realizada na parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei
n.º 353-A/89.
Assim, e para usar uma situação real descrita pelo requerente, pode
dar-se o seguinte exemplo: duas funcionárias, A e B, progrediram,
em 1996, para o 4.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª classe, a
que correspondia o índice 485 (cf. Anexo n.º 1 ao Decreto-Lei n.º
353-A/89). Em 16 de Abril de 1998, A foi nomeada técnica superior
principal, tendo B sido opositora no mesmo concurso mas não tendo ficado
colocada nos lugares a prover. A funcionária A foi posicionada no 1.º
escalão da categoria de técnico superior principal, a que correspondia o índice
500. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 404-A/98, reportada a 1
de Janeiro de 1998 (art.º 34.º, n.º 1), e por aplicação das regras de transição
aí previstas, a funcionária A foi primeiramente posicionada, com efeitos
reportados a 1 de Janeiro de 1998, no 3.º escalão da categoria de técnico
superior de 1.ª classe, com o índice 500, e reposicionada, com efeitos
reportados a 16 de Abril de 1998 (data da promoção), no 1.º escalão da
categoria de técnico superior principal, com o índice 510 (cf. Anexo ao
Decreto-Lei n.º 404-A/98). A funcionária B é posicionada, com efeitos
reportados a 1 de Janeiro de 1998, no 3.º escalão da categoria de técnico
superior de 1.º classe, com o índice 500. Em Abril de 1999, um ano após
a promoção da funcionária A, a funcionária B é promovida à
categoria de técnico superior principal. Nesta data, por aplicação precisamente
da regra aqui em discussão, contida na parte final do n.º 3 do art.º 17.º do
Decreto-Lei n.º 353-A/89, aditado pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, a funcionária B
é posicionada no 2.º escalão da categoria a que foi promovida, com o índice 560,
portanto um escalão à frente da funcionária A, que está apenas há um ano
no primeiro escalão e aí se manterá por mais dois. Se não existisse o requisito
constante da parte final do referido n.º 3 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º
353-A/89, a funcionária A teria, com a entrada em vigor do Decreto-Lei
n.º 404-A/98, e com efeitos reportados a 16 de Abril de 1998, data em que foi
promovida, sido colocada, não no 1.º escalão (como sucedeu, já que não tinha,
nesse momento, completado ainda um ano no escalão em que se encontrava na
anterior categoria), mas no 2.º escalão da categoria superior. Assim sendo, a
promoção, um ano depois, da funcionária B não teria provocado a
distorção acima assinalada, e as posições relativas ter-se-iam mantido
intocadas.
São também concebíveis situações em que um funcionário mais antigo,
quer na categoria, quer na carreira, seja ultrapassado por um outro funcionário
menos antigo (quer na categoria, quer na carreira).
Na realidade, de acordo com a
situação hipotética apresentada pelo Provedor de Justiça:
«Imagine-se, por exemplo, no âmbito das tabelas
salariais aprovadas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 404-A/98 (vd.
Anexo ao diploma), que o funcionário G progride para o 3.º escalão da
categoria de técnico superior de 1.ª classe em 1 de Janeiro de 2002. Em 1 de
Dezembro do mesmo ano é promovido à categoria de técnico superior principal.
Ora, pela aplicação da regra aqui em discussão, será G colocado no 1.º
escalão desta categoria superior, com o índice 510. Por outro lado, o
funcionário H progride para o referido 3.º escalão da categoria de
técnico superior de 1.ª classe em 1 de Junho de 2002. Em 1 de Julho de 2003 é
promovido à categoria de técnico superior principal, e por aplicação da mesma
regra, é colocado no 2.º escalão, com o índice 560, portanto à frente de G,
mais antigo na carreira, e que só alcançará aquele mesmo escalão em 1 de
Dezembro de 2005.
Se o requisito ínsito na parte final do art.º 17.º,
n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89 não existisse, manter-se-iam, nos casos
apontados, as posições relativas dos funcionários em causa».
O Provedor de Justiça apresenta
mesmo uma hipótese extrema, em que a mera diferença de um dia na data da
promoção tem reflexos significativos na remuneração dos funcionários: «se o
funcionário I, com a mesma antiguidade do funcionário J, e tendo
ambos progredido para 3.º escalão da categoria de técnico superior de 1.ª
classe em 1 de Janeiro de 2002, é promovido no dia 31 de Dezembro de 2002, será
colocado no 1.º escalão da categoria de técnico superior principal, com o
índice 510; se o funcionário J for promovido, por hipótese, um dia
depois, no dia 1 de Janeiro de 2003, à mesma categoria, já será colocado no
escalão 2, com o índice 560».
Para fundamentar o seu pedido na
vertente que apresenta como outra dimensão da norma, sustenta o requerente que,
mesmo sem interferência da sua parte final, o n.º 3 do artigo 17.º do
Decreto-Lei n.º 353-A/89 é susceptível de gerar situações de inversão de
posições remuneratórias relativas de funcionários da Administração Pública.
Ilustra essa possibilidade com o
seguinte exemplo:
«(...) dois funcionários, L e M, ambos
da carreira de desenhador, do grupo de pessoal técnico-profissional a que alude
o Anexo II ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro – que adaptou à
administração local as regras do Decreto-Lei n.º 404-A/98, mandando aplicar a
norma aqui em discussão, constante deste último diploma, às escalas salariais
que aprovou.
L e M
estão ambos colocados na categoria de técnico profissional especialista. L
é mais antigo na categoria que M, tendo progredido para o 3.º escalão da
mesma, com o índice 285, em 1 de Junho 1999, sendo que M progrediu para
o referido 3.º escalão seis meses mais tarde, em 1 de Dezembro de 1999.
O funcionário L é entretanto promovido, dentro
da referida carreira, à categoria de técnico profissional especialista
principal, em 1 de Junho de 2001, ficando colocado no escalão 2, com o índice
315.
O funcionário M, pelas regras normais da
progressão, é colocado, em 1 de Dezembro de 2002, no escalão 4 da categoria de
técnico profissional especialista, com o índice 305. Um ano mais tarde, em 1 de
Dezembro de 2003, é promovido à categoria superior, de técnico profissional
especialista principal, ficando colocado no escalão 3 da nova categoria, com o
índice 330, posição remuneratória que o funcionário L [por lapso, diz
“J”] mais antigo na categoria e carreira, só conseguirá atingir, pela via da
progressão, em 1 de Junho de 2004».
Ante o caso exposto - em que, note-se, é afectado um funcionário mais
antigo não apenas na categoria mas também na carreira –, conclui o requerente:
«[R]epare-se como, no exemplo acima dado, em que não há interferência da
excepção consignada na parte final do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º
353-A/98, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98 – os
funcionários L e M beneficiaram ambos da previsão da norma sem
quaisquer condicionamentos, isto é, sem a excepção constante da sua parte
final, já que ambos tinham mais de um ano de permanência no escalão anterior –,
também se verificam situações de inversão das posições remuneratórias, passando
funcionários menos antigos na categoria e na carreira a auferir remuneração
superior à de funcionários mais antigos, anteriormente promovidos à categoria
superior».
É, portanto, exacto que a norma
contida no n.º 3 do artigo 17.º comporta a possibilidade real de gerar
situações de inversão de posições relativas da remuneração de funcionários das
carreiras da Administração Pública a que se aplica ou, melhor dito, permite que
funcionários com menos tempo de serviço na mesma categoria da mesma carreira
passem a auferir remuneração superior à de funcionários anteriormente
promovidos a essa categoria.
10. Assente que a norma conduz a situações em
que funcionários com menos tempo de serviço na categoria e, até, na categoria e
na carreira, fiquem posicionados em índice remuneratório superior ao de outros
que hajam sido promovidos à mesma categoria em momento anterior, importa lembrar
que o Tribunal Constitucional já teve ensejo de se pronunciar sobre algumas
situações que apresentam similitudes com a que agora é posta à sua
consideração. Assim, para só referir a jurisprudência mais directamente
pertinente:
- No Acórdão
n.º 584/98 (Diário da República, II
Série, de 30 de Março de 1999), o Tribunal decidiu julgar inconstitucional –
por violação do artigo 53.º, n.º 1, alínea a),
da Constituição – a norma constante do artigo 2.º do Decreto‑Lei n.º
347/91, de 19 de Setembro, enquanto restringe o descongelamento na progressão
nos escalões das categorias e carreiras do pessoal docente do ensino superior
e de investigação, mas tão‑só na medida em que o limite temporal de
antiguidade na categoria, ali estipulado para a primeira e segunda fases do
descongelamento, implique que funcionários mais antigos na mesma categoria
passem a auferir uma remuneração inferior à de outros, de menor antiguidade e
idênticas qualificações;
- No Acórdão n.º 254/2000 (Diário da República, I Série-A, de 23 de
Maio de 2000), o Tribunal decidiu, na esteira de anteriores decisões em
processos de fiscalização concreta da constitucionalidade (Acórdãos n.ºs
180/99, 409/99 e 410/99, publicados no Diário
da República, II Série, de 28 de Julho e 10 de Março de 1999), declarar inconstitucionais, com força obrigatória
geral, por violação do disposto na alínea a)
do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, enquanto corolário do princípio da
igualdade consagrado no seu artigo 13.º, as normas constantes do n.º 1 do artigo
3.º do Decreto‑Lei n.º 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do
Decreto‑Lei n.º 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, limitando o seu
âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento
de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
- No Acórdão
n.º 356/2001 (Diário da República, I
Série-A, de 7 de Fevereiro de 2001), o Tribunal decidiu declarar a inconstitucionalidade,
com força obrigatória geral, da norma contida no n.º 1 do artigo 11.º do
Decreto‑Lei n.º 373/93, de 4 de Novembro, relativa à carreira de
bombeiros sapadores, na parte em que, limitando o seu âmbito a funcionários
promovidos após 1 de Outubro de 1989, permite o recebimento de remuneração
superior por funcionários com menor antiguidade na categoria;
- No Acórdão n.º 426/2001 (Diário
da República, II Série, de 16 de Novembro de 2001), o Tribunal decidiu
julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado nos
artigos 13.º, 47.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, as normas dos artigos 27.º, n.º 3, do Decreto‑Lei
n.º 184/89 e 17.º, n.º 1, alínea b),
do Decreto‑Lei n.º 353‑A/89, interpretados no sentido da
atribuição aos funcionários melhor classificados num concurso para progressão
na carreira, imediatamente promovidos a categoria superior, de vencimento
inferior ao que vem a ser atribuído aos outros funcionários que ficaram
inicialmente fora das vagas postas a concurso e que, por isso, permaneceram na
categoria inferior, só ulteriormente vindo a ser promovidos, no âmbito do mesmo
concurso, a que todos se apresentaram posicionados no mesmo escalão.
- No Acórdão n.º 405/2003 (Diário
da República, I Série-A, de 15 de Outubro de 2003), o Tribunal decidiu
declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do
artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade
consagrado no seu artigo 13.º, das normas conjugadas dos artigos 16.º, alínea b), 85.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, do
Decreto‑Lei n.º 564/99, de 21 de Dezembro, e do mapa III constante do
anexo II ao mesmo diploma, na medida em que permitem, na carreira de técnico de
diagnóstico e terapêutica, o recebimento de remuneração superior por
funcionários com menor antiguidade na categoria;
- No
Acórdão n.º 646/2004 (Diário da
República, II Série, de 16 de Dezembro de 2004), o Tribunal decidiu julgar
inconstitucional, por violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição, enquanto corolário do
princípio da igualdade consagrado no seu artigo 13.º, a norma constante n.º 4
do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, na medida em
que, limitando o seu âmbito apenas a funcionários cuja promoção ocorreu em 1997, permite o recebimento de remuneração
superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.
Não seria, porém, legítimo concluir,
como pressupõe a argumentação do Provedor de Justiça, pela existência de uma
jurisprudência consolidada no sentido de que a mera percepção de remuneração
superior por funcionários com menor antiguidade na categoria acarreta, só por
si e inelutavelmente, a inconstitucionalidade da norma que a isso conduz, por
violação do princípio “a trabalho igual, salário igual”, de tal modo que apenas
restasse transpô-la, sem mais ponderações, para o caso agora sujeito a
apreciação.
Importa, com efeito, salientar que todas as hipóteses
sobre que versaram estes arestos, excepto aquela que foi objecto do Acórdão n.º
426/2001, apresentam uma particularidade de que a norma agora examinada não
comunga e é nesse contexto que a sua doutrina deve ser entendida e com esse
limite que deve ser transposta. Em todas elas se verificava a interferência de
um factor anómalo, de circunstância puramente temporal, estranho à equidade
interna e à dinâmica global do sistema retributivo e sem relação com a natureza
do trabalho ou com as qualificações ou experiência dos funcionários
confrontados, que era responsável pela inversão das posições remuneratórias: o
faseamento do descongelamento dos escalões (Acórdão n.º 584/98), ter a promoção ocorrido antes ou depois de
certa data (Acórdãos n.ºs 254/2000,
356/2001 e 646/2004) ou o modo de operar a transição perante sucessão de
regimes estatutários (Acórdão n.º 405/2003).
Não
é desta natureza a norma agora em apreço, que desenvolve uma característica do
sistema retributivo da função pública que consiste em a evolução remuneratória
na carreira se processar por mudança de categoria (promoção) e mudança de
escalão dentro de cada categoria (progressão),
de forma articulada e complementar de modo a que a evolução por progressão
venha a reflectir-se na evolução por promoção.
Aliás, mesmo quanto ao Acórdão n.º
426/2001, há que ter em conta que o Tribunal se encontrava aí sujeito às
limitações cognitivas de um recurso de fiscalização concreta incidente sobre
uma decisão de recusa de aplicação da norma que veio a ser julgada
inconstitucional, não lhe cabendo averiguar os factos ou a melhor interpretação
do direito ordinário, não deixando, todavia, o acórdão de inserir, no
considerando final que antecede a decisão, um parêntesis em que se faz
referência à possibilidade de os funcionários com maior antiguidade na
categoria que haviam sido ultrapassados porventura terem também «antiguidade na
carreira idêntica ou maior».
11. Argumenta o Primeiro-Ministro que a norma
em causa introduz uma diferenciação constitucionalmente legítima, materialmente
fundada, porque reflecte a posição desigual que os funcionários detinham na categoria
de origem, dando continuidade à protecção da antiguidade nos seus vários
contornos, que não passa exclusivamente pelo processo de promoção, aportando em
diferentes soluções em função de situações de base com características
diversas. E defende que a violação do princípio da igualdade não pode ser
aferida apenas pelo critério de
antiguidade na categoria, mas também pelo critério do escalão do posicionamento de origem quando tem lugar a promoção,
traduzindo a ideia de proporcionalidade continuada, com valoração combinada da
antiguidade e do mérito, que se quis imprimir à evolução retributiva dos
trabalhadores da Administração Pública.
Esta justificação
só em parte pode ser acolhida, na perspectiva da conformidade da referida norma
com a Constituição, que é o que ao Tribunal compete apreciar.
Como o Tribunal disse no acórdão n.º
584/98 :
«O artigo 59.º, n.º 1, alínea
a), da Constituição da República
Portuguesa – ao preceituar que “todos os trabalhadores [ ...] têm direito à
retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade,
observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a
garantir uma existência condigna” – impõe que a remuneração do trabalho obedeça
a princípios de justiça.
Ora a justiça exige que quando
o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a
remuneração. E reclama (nalguns casos apenas consentirá) que a remuneração seja
diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de
serviço. Deste modo se realiza a igualdade
pois que, como se sublinhou no Acórdão n.º 313/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constituconal, 13.º
vol. T. II, pp. 917 e segs.), do que no preceito constitucional citado se trata
é um direito de igualdade.
Escreveu-se neste aresto:
“O direito de que aqui se
trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade material que exige que
se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam
– e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cf. Francisco Lucas
Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra,
1975, pp. 62 e segs.).
Uma justa retribuição do
trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito visam
assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma
existência condigna e a trabalho igual – igual em quantidade, natureza e
qualidade – deve corresponder salário igual.
O princípio ‘para trabalho
igual salário igual’ não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho
seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por
pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço,
pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais
tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira
diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais
habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as
discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque
assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de
remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente
fundadas e não discriminatórias [...]».
A esta luz, não será constitucionalmente vedado ao legislador, face ao
referido princípio, ordenar o sistema retributivo por forma a reflectir, na
determinação da remuneração dos trabalhadores da Administração Pública, o tempo
de serviço na carreira, ainda que daí resulte o recebimento de remuneração
superior por funcionários com menor antiguidade na categoria.
Com efeito, a carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às
quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso
de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional
(cf. n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 248/85, de 19 de Abril; definição
que já não será inteiramente exacta porque dos anexos ao Decreto-Lei n.º
404-A/98 e 412-A/98 resulta a existência de carreiras unicategoriais). Embora
se diferenciem em exigência, complexidade e responsabilidade (carreiras
verticais) ou apenas pela maior eficiência na execução das respectivas tarefas
(carreiras horizontais), as categorias da função pública, designadamente
aquelas a que se aplica o n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89,
partilham a identidade funcional correspondente a uma dada profissão.
Deste modo, não se apresenta
como solução normativa destituída de fundamento material face ao princípio da
igualdade, a diferenciação remuneratória na categoria superior, mesmo que
implique o recebimento de remuneração superior pelo funcionário menos antigo
nessa categoria, que resulte do
diferente posicionamento atingido nos escalões da categoria de origem, desde que isso corresponda a um factor
objectivo, susceptível de repercutir-se nas características do trabalho
prestado ou nas capacidades e qualificações profissionais dos trabalhadores em
causa, como sucede com a maior antiguidade
na carreira. Face à substancial homogeneidade do conteúdo funcional das
diversas categorias que a compõem, a valorização da experiência profissional
inerente ao maior tempo de serviço na carreira não colide com os parâmetros da
igualdade retributiva da alínea a) do
n.º 1 do artigo 59.º da Constituição visto que não é desrazoável presumir que
essa maior experiência global se possa traduzir num melhor desempenho. Por
outro lado, não se trata de uma solução dirigida a beneficiar ou desfavorecer
uma classe de funcionários determinada segundo um elemento arbitrariamente
fixado, porque a antiguidade ou tempo de serviço na carreira é uma
característica que todos compartilham e com que todos contam na melhoria da sua
situação retributiva.
Assim, na medida em que a
diferenciação remuneratória na categoria de promoção reflecte a maior
antiguidade na carreira, a “inversão de posições relativas” denunciada pelo
Provedor de Justiça não pode ser censurada pelo Tribunal por violação do
referido princípio constitucional, cabendo na discricionariedade legislativa
quanto à conformação do sistema retributivo da função pública.
12.
Sucede, porém, que a
aplicação da norma em causa conduz, noutras situações, como se revela pelos
exemplos atrás mencionados, a que funcionários com menos tempo de serviço, não
só na categoria mas também na carreira, passem a auferir remuneração superior à
de funcionários mais antigos (na mesma categoria e carreira).
Ora, para justificar, face ao referido
princípio, a dimensão ou conteúdo normativo que conduz a essa diferenciação de
tratamento remuneratório já não pode invocar-se a maior experiência
profissional, inerente ao tempo de serviço na carreira, nem o Tribunal divisa
qualquer outro fundamento constitucionalmente atendível.
Nem pode
aceitar-se, como sustenta o Primeiro-Ministro, que o tertium comparationis para avaliar a violação do princípio da
igualdade seja o simples critério do “escalão do posicionamento de origem
quando tem lugar a promoção”, porque esse nem sempre traduz a incorporação de
um elemento susceptível de ser valorado pelo legislador dentro da margem de
conformação que lhe é reconhecido, por ainda lhe poder ser ligado um efeito de diferenciação
transportável para a categoria superior, na medida que tenha relação com a
natureza ou com as características do trabalho prestado. Na hipótese que agora
examinamos, o diferente posicionamento nos escalões da categoria de origem, que
vai determinar impulsos diversos na promoção, traduz apenas o facto, que para
este efeito é acidental, de o funcionário menos antigo ter permanecido na
categoria inferior até que se completasse um outro módulo de tempo para a
progressão, enquanto o funcionário primeiramente promovido inicia um novo
módulo para progressão na categoria de destino.
Importa, finalmente, sublinhar que não
pertence ao domínio de jurisdição do Tribunal indagar se a emergência de
situações de desigualdade representa um resultado inescapável do modo como foi
concebido e gizado o novo sistema retributivo. Como se salientou no Acórdão n.º
254/2000, a invocação de um interesse esteado no estatuto remuneratório da
função pública «não assume uma qualquer especificidade de onde decorra a
postergação do princípio de “para trabalho igual, salário igual”».
De todo o exposto resulta que a norma
constante do artigo 17.º, n.º 3, do
Decreto-Lei n.º 353‑A/89, de 16 de Outubro, aditada a este diploma pelo
artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, quando conjugada
com os Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e ao Decreto-Lei n.º
412-A/98, de 30 de Dezembro, viola o princípio
constitucional “para trabalho igual salário igual”, mas apenas na medida
em que conduz ao recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente, detenham menor antiguidade
na categoria e na carreira.
13. Nos acórdãos n.ºs 254/2000,
356/2001 e 405/2003, já referidos, o Tribunal entendeu utilizar a faculdade de
restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, fundando-se em
razões de segurança jurídica que explicitou do seguinte modo:
«Resulta do n.º 1 do artigo
282.º da Constituição que a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral produz efeitos ex tunc.
Todavia, o n.º 4 do mesmo artigo confere ao Tribunal Constitucional a faculdade
de o mesmo fixar os efeitos do declarado vício de molde a que o alcance dos
efeitos da declaração seja mais restrito do que o resultante do indicado n.º 1,
desde que isso seja justificado por razões conexionadas com a segurança
jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo.
In casu, de
uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente
sobre os normativos sub specie e a
respeito da qual não houvesse limitação de efeitos, haverá de resultar o «reposicionamento»
dos funcionários em causa, cujo número, embora indeterminado, é, certamente,
acentuado; e, além disso, se não houver limitação de efeitos, resultará ainda a
percepção da diferença remuneratória correspondente a esse «reposicionamento».
Só que essa percepção, para
além de, como é claro, haver de implicar a realização de inúmeras actividades
de natureza administrativa e burocrática com vista a ser alcançado o
processamento «retroactivo» das diferenças remuneratórias, com óbvio reflexo
perturbante nos serviços, acarretaria ainda acentuadas repercussões a nível
orçamental.
A enunciada coorte de
dificuldades constitui, assim, motivo para que este Tribunal, estribado em
razões de segurança jurídica, faça uso da faculdade que é concedida pelo mencionado
n.º 4 do artigo 282.º, por forma a que os efeitos da inconstitucionalidade, no
aspecto por último referido, se produzam unicamente a partir da data da
publicação do vertente acórdão no jornal oficial, e sem embargo de a presente
«ressalva» não abranger os actos administrativos objecto de impugnação
contenciosa por eventuais interessados».
São exactamente
estas considerações que justificam que também no presente processo se
restrinjam os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória
geral, de modo que a sua eficácia só haja de ter lugar com a publicação do
acórdão do Tribunal no Diário da
República, e sem prejuízo de esta ressalva não abranger os actos
administrativos entretanto praticados e que hajam sido objecto de impugnação
contenciosa por eventuais interessados.
14. Em face do exposto, o Tribunal
Constitucional decide:
a)
Declarar,
com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo
59.º, n.º 1, alínea a) da
Constituição, enquanto corolário do princípio constitucional da igualdade
consagrado no seu artigo 13.º, da norma constante do artigo 17.º,
n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353‑A/89, de 16 de Outubro, aditada a
este diploma pelo artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 404‑A/98, de 18 de
Dezembro, quando conjugada com os Anexos ao referido Decreto-Lei n.º 404-A/98 e
ao Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de Dezembro, na medida em que permite o
recebimento de remuneração superior por funcionários que, cumulativamente,
detenham menor antiguidade na categoria e na carreira.
b)
Determinar,
nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, que a declaração de
inconstitucionalidade a que se refere a alínea anterior só produza efeitos a
partir da publicação do presente acórdão no Diário
de República, sem prejuízo das situações pendentes de impugnação
contenciosa.
Lisboa, 15 de
Junho de 2005
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Bravo Serra
Paulo Mota Pinto
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues (com declaração anexa)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos
da declaração junta)
Maria Helena Brito (vencida, quanto ao conhecimento do
pedido, nos termos da declaração de voto junta)
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme
declaração.
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto
junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido quanto ao
conhecimento pelas mesmas razões aduzidas pela Senhora Conselheira Maria Helena
de Brito na sua declaração de voto, para as quais respeitosamente remeto.
2. Ultrapassada essa questão, fiquei
também, ainda, parcialmente vencido quanto ao fundo, pois entendo, na esteira
do referido Acórdão n.º 405/2003 que a inconstitucionalidade deveria ter um
sentido ainda mais amplo.
Considerando que o sistema
retributivo se acha estruturado em torno de duas determinantes – progressão dentro de cada uma das
categorias previstas em cada carreira e
promoção para as diferentes
categorias em que cada carreira se acha organizada – considero que o tertium comparationis só poderá ser o
regime decorrente da consideração conjunta daquelas determinantes, dado que não vê que, dentro e para além
delas, o sistema tenha feito relevar a antiguidade dentro da carreira.
A operacionalidade do princípio da
igualdade, enquanto demandando uma comparabilidade de regimes ou de efeitos
jurídicos, não pode deixar de ser feita em função da estrutura como o
legislador ordinário conformou em um lado um certo regime jurídico e depois o
veio a fazer em termos diferentes ao modelar a mesma realidade jurídica em
outro ponto do sistema.
Nesta perspectiva a norma seria
inconstitucional na medida em que permitisse desde logo o recebimento de
remuneração superior por funcionários que detivessem menor antiguidade na
categoria de acesso e na categoria de origem.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida, no essencial, pelas razões seguintes:
1 – O pedido de declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral, tal como é formulado pelo requerente – destinado, simultaneamente,
a julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 17º do
Decreto-Lei n.º 353-A/89, conjugada com os anexos identificados no acórdão, “na parte em que exclui do respectivo âmbito
de aplicação os funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano”
(requerimento inicial) e a norma, constante do mesmo preceito, sem a limitação
constante da parte final – assenta em fundamentos contraditórios e que se
excluem mutuamente.
Pronunciei-me, assim, no sentido do não conhecimento
do pedido.
O acórdão, todavia, optou por ultrapassar esta
dificuldade ignorando a primeira dimensão e considerando como objecto do
processo, apenas, a segunda, não dando relevo a um momento essencial da norma
que efectivamente vigora, e que é a delimitação subjectiva do respectivo campo
de aplicação.
2
– Tendo sido decidido conhecer do pedido, pronunciei-me no sentido da não
inconstitucionalidade, por entender que a norma em julgamento, considerada em
abstracto, não conduz ao efeito que justificou o julgamento de
inconstitucionalidade.
Aceito que, em situações concretas,
e por virtude de conjugação com outras normas, possa vir a verificar-se a
inversão considerada inaceitável pelo acórdão; será, então, adequado o recurso
à via da fiscalização concreta da constitucionalidade. Penso, aliás, que o
método utilizado para justificar a possibilidade de tais inversões demonstra
esta minha afirmação.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida, quanto ao
conhecimento do pedido, por entender que o pedido de declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tal como é formulado pelo
requerente – visando, ao mesmo tempo, a declaração de inconstitucionalidade da
norma contida no n.º 3 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, aditada pelo
Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, quando conjugada com os anexos
identificados no acórdão, “na parte em que exclui do seu âmbito de aplicação os
funcionários que tiverem mudado de escalão há menos de um ano”, e a declaração
de inconstitucionalidade da norma contida no mesmo preceito, sem a limitação
constante da parte final – assenta em fundamentos contraditórios e que se
excluem mutuamente.
O que o acórdão faz, no ponto 5., é
reformular o pedido, enunciando um problema de constitucionalidade susceptível
de ser reportado ao preceito legal em questão: “aferir se viola o princípio da
igualdade a norma do artigo 17º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 353-A/89,
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, na medida em que a mesma, intervindo
ou não a limitação da sua parte final, produza situações de inversão de
posições remuneratórias entre funcionários”.
Ao englobar num só critério
normativo partes do preceito que tinham sido apresentadas como conformando
critérios autónomos de decisão, o acórdão está a definir uma norma diferente
daquelas que o recorrente pretendia submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional.
Isso implica, a meu ver, uma
alteração do objecto do pedido, não consentida pelo artigo 51º, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional.
Maria Helena Brito
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido,
por entender que a norma em apreço não
visa permitir o recebimento de remuneração superior por funcionários que
cumulativamente detenham menor antiguidade na categoria e na carreira. Na verdade,
a circunstância de a aplicação concreta da norma poder vir a ter esse resultado
depende da aplicação conjugada de outras
normas aplicáveis por causa do estatuto funcional dos funcionários
interessados. Mas então, a prudente resolução do caso deveria consistir no
desempate em benefício do funcionário mais antigo – como poderia sempre ocorrer
por via da resolução administrativa do litígio –, em não através da eliminação
da norma que pretende conferir o benefício – como sucederá por via da declaração
de inconstitucionalidade consagrada pelo presente acórdão. Além disso,
considero muito duvidoso que o Tribunal possa declarar, com força obrigatória
geral, a inconstitucionalidade condicional
de norma jurídica, atento o sistema de sanação de normas desconformes adoptado
na Constituição.
Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei no sentido de o Tribunal
Constitucional manter o critério seguido nos Acórdãos n.ºs 548/98, 254/2000,
356/2001, 426/2001, 405/2003 e 646/2004, nos quais declarou ou julgou
inconstitucionais as normas neles apreciadas na medida em permitiam o recebimento
de remuneração superior por funcionários com
menor antiguidade na categoria. Na verdade, não acompanho a posição, agora
pela primeira vez adoptada, de exigir, para dar por verificada a violação do
artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição da República Portuguesa (CRP), que esses funcionários detenham
também menor antiguidade na carreira.
Estando
em causa a violação do princípio “para
trabalho igual, salário igual”, o que é relevante, para a identificação do
primeiro termo do binómio – “trabalho
igual” – é a similitude do conteúdo
funcional e este é dado pela categoria
que o funcionário detém e não pela carreira
em que está inserido. Como se referiu no Acórdão n.º 405/2003 e repetiu no
Acórdão n.º 646/2004, sintetizando toda a jurisprudência anterior do Tribunal
Constitucional sobre a questão: “possuindo
uma determinada categoria um dado conteúdo funcional (...), o princípio «a
trabalho igual salário igual» impõe que o tertium comparationis seja o critério da antiguidade na
categoria”. Não se me afigura que a maior antiguidade na carreira, que
pode advir de uma prolongada permanência nas categorias iniciais e até ser
devida a demoras nas promoções justificadas por insuficiente mérito do funcionário
em causa, possa ser considerada, como o entendeu o precedente acórdão, como um
“factor objectivo” que razoavelmente
possa suportar a presunção de um “melhor
desempenho”. No âmbito do sistema retributivo da função pública, aquele
princípio constitucional manifesta-se no princípio
da equidade interna, que, na definição do artigo 14.º, n.º 2, do Decreto‑Lei
n.º 184/89, de 2 de Junho, “visa
salvaguardar a relação de proporcionalidade entre as responsabilidades de cada
cargo e as correspondentes remunerações e, bem assim, garantir a harmonia
remuneratória entre cargos no âmbito da Administração”; ora, o que identifica
as responsabilidades de cada cargo é a categoria
detida pelo funcionário e não o tempo de permanência na correspondente carreira.
Votei,
pois, no sentido de que fosse declarada a inconstitucionalidade da norma
impugnada na medida em que permite o recebimento de remuneração superior por
funcionários que detenham menos antiguidade na categoria, mesmo que tenham
maior antiguidade na carreira.
2. Duas notas complementares:
A
primeira nota para significar que considero o pedido perfeitamente inteligível
e congruente, como se reconheceu no ponto 5 do precedente acórdão, embora
considere que a parte final do n.º 3 do artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º
353‑A/89, de 16 de Outubro, aditado pelo artigo 27.º do Decreto‑Lei
n.º 404‑A/98, de 18 de Dezembro, constitui efectivamente uma excepção ao regime especial constante da
primeira parte desse preceito, e não mera delimitação
do âmbito pessoal de aplicação deste regime, resultando dessa excepção a
aplicação aos funcionários nela contemplados do regime regra estabelecido nos
n.º 1 e 2 do mesmo artigo 17.º.
A
segunda nota para, concordando embora que a alegada “cláusula de salvaguarda”
que constaria do n.º 5 do artigo 21.º do Decreto‑Lei n.º 404‑A/98 é
insusceptível de salvar a norma questionada do juízo de inconstitucionalidade,
assinalar que, em minha opinião, tal preceito é uma mera regra de competência. Mesmo que esse n.º 5 do artigo 21.º não
existisse, suponho que ninguém contestará o direito de os funcionários
prejudicados pela prolação de actos administrativos de que tenha decorrido a
inversão de posição relativas impugnarem administrativamente esses actos,
designadamente com fundamento em violação dos princípios da coerência e da
equidade que presidem ao sistema de carreiras, que são princípios jurídicos bem
determinados. Se não existisse a norma do n.º 5 do artigo 21.º, o direito de impugnação
existia, sendo competente para a sua decisão, por princípio, o superior
hierárquico do autor do acto. O que a referida norma veio dispor foi que, nos
casos aí previstos, competentes para decidir o recurso hierárquico seriam, não
o superior hierárquico do autor do acto, mas os Ministros da tutela e das
Finanças e o membro do Governo responsável pela Administração Pública. Trata‑se,
pois, de norma cujo conteúdo útil consiste em definir quem é competente para
decidir (e qual a forma da decisão) os recursos em causa, recursos esses que –
repete‑se – sempre seriam cabíveis mesmo que não existisse esta norma.
Sendo essa a sua natureza, é óbvio que ela jamais poderia constituir “cláusula
de salvaguarda” que evitasse a prolação da declaração de inconstitucionalidade.
Mário José de Araújo Torres