ACÓRDÃO Nº
694/96
Processo
nº 461/95
2ª
Secção
Relator:
Conselheiro Bravo Serra
I
1. Por despacho
da Juiz do
Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, datado
de 10 de Dezembro
de 1994, foi determinado que as
arguidas A. e B., que tinham sido
detidas na sequência de mandados de
busca e apreensão,
aguardassem os ulteriores termos
do processo em liberdade provisória mediante termo de
identificação e residência, fixando-se-lhes
a obrigatoriedade de
apresentação semanal no posto
policial da respectiva área de residência e a proibição de deslocação ou
de permanência no Bairro
da Curraleira, em Lisboa, sendo
que, em tal despacho, foi entendido que se indiciava que as mencionadas
arguidas teriam praticado um crime continuado
de receptação previsto e punível pelos números l e 2 do artº 329º do
Código Penal.
Não se conformando com o assim decidido, recorreu para o Tribunal
da Relação de Lisboa o representante do Ministério Publico, junto daquele
T.I.C., defendo na motivação de
recurso que os autos continham fortes indícios que permitiam sustentar que as
citadas arguidas se vinham dedicando à comercialização de heroína desde data
não apurada, indícios esses, designadamente, resultantes de anteriores acções
de vigilância que tinham sido levadas a efeito por elementos da Policia de
Segurança Pública e da circunstância de na sua posse terem sido encontradas
porções daquela substância, razão pela qual se deveria ter determinado a sua
prisão preventiva.
Na resposta à motivação, as arguidas, inter
alia, sustentaram que,
cometendo a Constituição ao juiz a realização da instrução criminal que, na sua
perspectiva, havia de
abarcar a instrução preparatória e a instrução
contraditória, eram materialmente
inconstitucionais as normas dos artigos 53º,
nº 2, alínea b), e 263º, nº l,
do Código de Processo Penal, igualmente o sendo as normas ínsitas nos artigos
209º - por ofensa do nº 2 do artigo
28º da Lei Fundamental - e 204º,
alínea b), esta "quando interpretada no sentido de ser aplicável para evitar que os
arguidos concertem versões".
Por acórdão tirado na Relação de Lisboa em 3 de Maio de 1995 foi
dado provimento ao recurso, consequentemente se revogando a decisão impugnada e
se determinando que as arguidas aguardassem em prisão preventiva os ulteriores
termos do processo.
Nesse aresto, após
se enunciar a
matéria de facto que
os autos forneciam, foi dito: -
“……
Assim, não há senão suspeitas fundadas de que as arguidas A. e B.
praticaram crimes de receptação. Têm por fundamento a denúncia, o resultado da
vigilância e as apreensões.
…….
Para integrar este crime [reportava-se ao crime previsto e punível
pelo nº 1 do artº 21º do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro] basta a
mera detenção de algumas dessas substâncias desacompanhada do condicionalismo
previsto no art. 40º do mesmo diploma, que respeita ao consumo.
A heroína é
uma das substâncias abrangidas pela Tabela
I. As arguidas A. e
B. detinham heroína nas respectivas barracas.
Nenhuma è abrangida pelo
art. 40º daquele diploma legal.
Há fortes indícios de que estão incursas no crime previsto e
punido pelo n° l do art. 21º citado.
Aí investigação está ainda
no seu início. Não será, no entanto, incorrecto
considerar, desde já,
fortemente indiciado que as
arguidas comercializavam esse
produto.
Considera-se haver
sério risco de as
arguidas A. e
B. continuarem, se
não lhe for
imposta a medida
de coacção de prisão preventiva, a
dedicar-se à prática
de actividade criminosa
e a perturbar a investigação e o esclarecimento dos factos por
elas praticados, sendo
insuficiente qualquer outra
das medidas de coacção
admitidas por lei.
Resulta isto da ponderação do seguinte conjunto factual:
está-se na fase
inicial da investigação: era muito elevado
o valor das
quantias em dinheiro que elas tinham
nas suas barracas, sem justificação para tal
e sem mesmo
apresentarem explicação crível
para a sua
proveniência; a personalidade das arguidas, rebelada nos autos, não
esclarecendo os factos;
o elevado número de indivíduos Que, em
dois períodos de uma hora cada,
as procuraram; as
idades desses indivíduos.
……..
Sobre tal acórdão recaiu, por banda das arguidas, arguição de
nulidades, por entre o mais, devido ao facto de o mesmo se não ter pronunciado
sobre as questões de inconstitucionalidade suscitas.
Por aresto de 21 de Junho de 1995 foi desatendida a arguição e,
pelo que toca àquelas questões, com base na circunstância segundo a qual
"[n]ão tendo sido suscitadas no tribunal
de primeira instância essas inconstitucionalidades,
face ao disposto no art. 668º-1-d) do CPCivil”, aplicável ' ex vi' do art. 4°
do CPPenal", estaria vedado ao Tribunal da Relação pronunciai-se sobre
a matéria.
é do acórdão de 3 de Maio de 1995 que,
pelas arguidas A. e B. vem interposto o
presente recurso, pretendendo que este Tribunal:
por um lado, "declare
desconfortes à Constituição da República Portuguesa" as normas dos
artigos 53º, nº 2, alínea b), 163º, nº l, 209º, números l e 2, e 204º, alínea
b), todos do Código de Processo Penal, as duas primeiras por violação do nº 4
do artigo 32º, as duas seguintes por violação do nº 2 do artigo 28º, e a
ultima, quando interpretada no sentido de ser a prisão preventiva aplicável
para evitar que os arguidos concertem versões, também por violação dos artigos
2º, 32º, nº l, e 28º, nº 2, estes e
aqueles do Diploma Básico);
por outro, "declare
materialmente inconstitucional o acórdão recorrido, por violar ele próprio, e com
o devido respeito, a norma do artº 32º
nº l da CRP".
2. Concluíram as recorrentes
a alegação produzida do seguinte jeito:
“1 - A Constituição da República Portuguesa, na versão originária,
no artº 32º nº 4, veio estatuir que ‘ Toda
a instrução será da competência de um juiz (…), querendo com isso significar
que a instrução preparatória e a instrução contraditória seria a partir dali da
competência de um juiz, em contraposição ao regime vigente que atribuía ao Mº.
Pº a competência para dirigir a instrução preparatória, nos termos do
Decreto-Lei nº 35.007;
2 – A norma constitucional acolheu o conceito de instrução
plasmado no artº 10º do DL 35.007, como sentido e alcance técnicos que tal
expressão tinha no direito ordinário anterior, consagrando um regime processual
de jurisdicionalização integral da instrução;
3 - Quis dessa forma o legislador constitucional plasmar uma nova
ideia de Direito, em contraposição com a que estava em vigor;
4 -A própria forma verbal 'será' implica mudança, algo de novo, e
esse algo de novo só podia cometer ao JIC a direcção da instrução preparatória,
com o sentido e alcance que tinha então e que a constituição acolheu na
integra;
5 - Importante contributo para esta tese é a alteração operada no
artº 32º nº 4 da CRP, é a alteração operada no artº 32º nº 4 da CRP,
pela Lei nº 1/82, quando o tempo verbal já não é o futuro – porque a instrução
preparatória já era dirigida pelo JIC – mas o ‘e’, o que significa intenção de
continuidade;
6 - O Decreto-Lei nº 78/87, de 17/2 ao
cometer ao Ministério Público a direcção do inquérito, na norma do art° 53º nº
2 al. b) 263º nº l - e não 163º nº l como por lapso de escrita se escreveu -,
com o conteúdo constante do artº 262º n°1, veio repor a ordem jurídica
vigente antes da Constituição de 1976 e que esta expressamente quis modificar;
7 – O facto de o juiz, o juiz de instrução e o Ministério Público
passarem a ser designados como ‘Autoridade judiciária’ em nada afecta a
proibição constitucional porque é forçado igualar a magistratura judicial e a
do Ministério Público;
8 – O inquérito preliminar criado pelo DL 605/75, de 3/11, é
materialmente inconstitucional, salvo sempre o devido respeito pela opinião contrária,
mas mesmo que o não fosse a sua existência não pode servir para justificar o
actual inquérito tanto são investigados
crimes estando os arguidos presos como não, sendo certo que o artº 1º nº
2 do mesmo DL 605/75 mandava passar a instrução preparatória, os
inquéritos em que houvesse arguidos
presos;
9 - Não
se pode comparar
e igualar realidades que o não
são;
10 - O facto de no actual CPP se prever
uma fase de instrução, nada mais é que uma tentativa de legitimar o Mº Pº para
dirigir o inquérito, numa interpretação forçada da norma do artº 32º nº 4 da
CRP, sendo certo que a instrução é vista como um incidente e como tal taxada -
pasme-se! - no artº 185º al. a) do CCJ,
tornando a forma por excelência de investigação num incidente, taxado, e para cuja falta de pagamento da taxa de justiça se
atribui a cominação do artº 129º do
CCJ;
11 - Os motivos que teoricamente levara»
o legislador a acabar como
modelo do JIC mantém-se, agravaram-se, porque mais e mais processos estão a marcar passo nas
prateleiras judiciais, não dando o Mº Pº vazão, dado o alargamento dos prazos
de investigação, estando já em ruptura, a que só os incidentes de
aceleração processual acodem;
12 - Verificou-se uma policialização da investigação, delegando o Mº Pº competência nas policias, logo
pela Circular de 1987, e acabando os magistrados por seguir, na maioria das
vezes a política de delegar na PJ, na PSP ou na GNR, sem outra indicação,
acabando por serem as policias a gerir a investigação;
13 - Neste próprio processo o Mº Pº começou por dizer que a PSP começou a investigação depois de ter
sido contactada a DCITE da PJ, quando todos sabemos que esta Direcção investiga
trafico e a PSP noticiou crime contra o
património, como o Mº Pº depois acaba por dizer, sendo certo que a PSP na data
não tinha competência para investigar processos por crime de trafico de drogas;
14 - As normas dos artº 53º nº 2 al. b) e 263 nº l do CPP/87 são
materialmente e inconstitucionais, e como tal não podem vigorar, pelo que assim
devem ser julgadas, com as legais consequências;
15 - O próprio acórdão recorrido é materialmente inconstitucional
na medida em que violou o principio do contraditório e as garantias
de defesa ao basear-se na informação constante do doc. de Fls. 18, que nunca
foi dado a conhecer ás recorrentes;
16 - Para efeitos de apreciação da inconstitucionalidade o
acórdão deve considerar-se 'norma', por ser oriundo de um Órgão de Soberania, e
ser insusceptível de recurso ordinário, logo obrigatório, ou seja constituindo
caso julgado;
17 - Viola assim o acórdão recorrido a norma do artº 32º nº 1 da
CRP e como tal deve ser julgado materialmente inconstitucional".
De seu lado, o Ministério Público, na alegação que formulou, na qual
se pronuncia pela improcedência do recurso, conclui que “[A]s norma dos artigos
53º, nº 2, alínea b) e 263º, nº 1, ambas do Código de Processo Fiscal, que
atribuem ao Ministério Público a direcção do inquérito, não são
inconstitucionais, pois que não violam o principio da judicialização da
instrução consagrado no artigo 32º, nº 4, da Constituição, nem qualquer outro
principio ou preceito constitucional”.
II
1. Em primeira linha,, importa realçar que, muito embora, como se deixou
acima dito, no requerimento de interposição de recurso
para o Tribunal Constitucional as ora recorrentes tivessem indicado como abarcando o respectivo objecto as
normas constantes "dos artºs
53º n° 2 al. b),
163º n° 1" [rectificado,
por intermédio da alegação aqui efectuada, como sendo o
artº 263º, nº 13, "209º, nº l e 2" e "204º al. b)”, todos do vigente Código de
Processo Penal, o que é certo é que, na aludida alegação, vieram a restringir o
pedido de pronúncia deste Tribunal
tão somente à apreciação da (des) conformidade constitucional das normas ínsitas nos
artigos 53º, nº 2, alínea b), e 263º, nº 1.
Restrição, aliás, que lhes era perfeitamente lícito efectuar,
atento o prescrito no n° 3 do artº 684º
do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade e da
legalidade ex vi do artº 69° da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1. Mas, mesmo que aquela restrição não tivesse sido, como foi,
levada a cabo, ainda assim não deveria este Tribunal pronunciar-se no que concerne às normas constantes dos
artigos 204º, alínea b) (na interpretação que as recorrentes, antes da prolação
do acórdão da Relação de Lisboa, tinham por desconforte à Lei Fundamental) e
209º, números l e 2.
Na verdade, situando-nos perante o recurso a que aludem a alínea
b) do nº l do artigo 280º da Constituição e a alínea b) do nº l do artº 70º da
Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, torna-se claro que, para que este Tribunal
possa conhecer da questão de desconformidade constitucional de uma determinada
norma, mister é que essa norma seja objecto de aplicação pelo tribunal cuja
decisão é objecto de
censura por intermédio desta forma de recurso.
Admite-se, todavia, que a questão de desconformidade constitucional
suscitada pelo recorrente incida, não sobre o conteúdo literal dessa norma, mas
sim sobre uma certa forma
interpretativa da mesma. Todavia, para que se possa abrir a via do recurso de
constitucionalidade numa tal situação, necessário é que o tribunal que lavrou a
decisão recorrida venha, na mesma, a aplicar a norma questionada na sua
dimensão interpretativa que o recorrente tem por incompatível com a Constituição.
2. Assentes estes parâmetros, haverá que convir-se, e sem que dúvidas a esse respeito se levantem,
que, in casu, a decisão impugnada, no
que concerne à norma constante doa rtº 204º, alínea b), do Código de Processo
Penal, não a aplicou com uma
interpretação de onde decorresse que a aplicação da prisão preventiva se
poderia verificar em concreto perante situações em que se visasse obstar a que
os arguidos viessem a “ concertar versões” dos factos.
Na verdade, não
existe qualquer tropo do acórdão
em crise de onde resulte, directa ou indirectamente, que foi
essa a interpretação
acolhida quanto á
norma em apreço.
Pelo contrário, e como resulta da transcrição supra efectuada, o que
foi entendido no aresto
lavrado na Relação de Lisboa foi que os autos continham suficientes indícios da possibilidade de as arguidas, caso não fossem sujeitas à
medida de coacção de
sujeição a prisão preventiva, continuarem a dedicar-se à prática
da actividade criminosa que
igualmente se indiciava, cometendo actos destinados
a perturbar a investigação e o esclarecimento dos factos
por elas praticados, sendo certo
que, minimamente, se não vislumbra que, naquele cometimento de actos eventualmente perturbadores da
investigação e esclarecimento dos factos, tivesse alguma vez
a Relação incluído uma «concertação de versões».
Não tendo, pois,
sido, pelo Tribunal a quo e quanto à norma da alínea
b) do artº 204º do
Código de Processo
Penal, acolhida a interpretação que as ora
recorrentes tinham por
inconstitucional, não se poderá dizer que a
decisão sob censura tivesse feito aplicação dessa norma no sentido tido por feridente da Lei
Fundamental. E, sendo
assim, falta, quanto
a este particular, um dos
pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do n° l
do artº 70°. da Lei nº 28/32,
razão pela qual, independentemente de
na alegação produzida pelas
recorrentes já não terem as mesmas desejado que essa norma viesse a fazer
parte do objecto do
vertente recurso, não
tomará este Tribunal, relativamente a tal normativo,
conhecimento.
2.1. De igual modo, não se poderá, de todo em todo, dizer que o
acórdão em análise, em qualquer dos seus passos, tivesse alguma vez, de modo
directo ou indirecto, apelado, como suporte da sua decisão, à norma do artº
209° do Código de Processo Penal, motivo pelo qual, também quanto a este ponto,
não se verifica a aplicação, na decisão sob censura tomada pela Relação de
Lisboa, da norma cuja inconstitucionalidade, precedentemente a tal decisão, foi
questionada pelas recorrentes.
3. Em segunda linha, cumpre assinalar que,
incidindo o regime de fiscalização da constitucionalidade (que abarca o
regime tocante aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade) sobre normas (cfr. artigos 277° a 283° do Diploma Básico) e
não sobre os demais actos do poder público, aqui se incluindo as decisões
Judiciais qua tale, como aliás resulta de uma abundantíssima
jurisprudência deste Tribunal e cuja enumeração ou exemplificação seria
aqui fastidiosa, é óbvio
que não é possível
que este órgão
de administração de justiça
venha a emitir qualquer Juízo
de constitucionalidade ou inconstitucionalidade do
aresto, ele mesmo,
prolatado na Relação de Lisboa, sendo
certo que, ao
que se saiba, nunca ninguém defendeu que uma decisão
transitada, tomada quanto a um caso concreto por um tribunal e sem que revista características de força obrigatória geral,
se possa apresentar como uma norma, ao menos para efeitos da
fiscalização da sua constitucionalidade.
Resulta do exposto que o objecto deste recurso será, e tão só,
circunscrito a aferição da conformidade ou não conformidade com a Lei Fundamental do estatuído das norma constantes dos artigos
53º, n° 2, alínea b) e 263º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal em
vigor, enquanto atribuem ao Ministério Público a direcção do inquérito. E isto
pela razão segundo a qual a Relação
de Lisboa, ao
decidir como decidiu, ordenando que as arguidas,
detidas na sequência de diligências levadas a cabo em inquérito cuja
direcção competia ao Ministério Público, aguardasses os ulteriores termos processuais em regime de prisão preventiva, embora não o dizendo
expressamente, teve por válida, do
ponto de vista constitucional, a normação que institui aquele inquérito e
prescreveu a sua direcção.
III
1. Dispõem nessas
normas: -
ARTIGO 53º
(Posição e
atribuições do Ministério Público no processo)
- ……………………………………….
2. Compete em especial ao Ministério Público:
a) …………………..
b) Dirigir o inquérito;
c) ………………….
d) …………………
e) …………………………….
ARTIGO
263º
(Direcção
do Inquérito)
- A direcção do
inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de policia
criminal
- …………………………….
Convém, ainda, para melhor inteligência deste Acórdão, mencionar
que, de harmonia com o artº 262º do corpo de leis onde se inserem as normas
acima transcrita, ressalvadas as excepções nele previstas, “ a notícia de um crime
dá sempre lugar à abertura de inquérito (nº 2) e que este “compreende o
conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime,
determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (nº1).
Na óptica das recorrentes, a estatuição constante daquelas normas
seria contrária à Constituição, atento o consagrado no n° 4 do seu artigo 32º,
por isso que o termo instrução» ali empregue abarcaria a realização processual
de todas as diligências tendentes a apurar a existência de um facto criminoso, respectivos agentes e
responsabilidade, tendo em vista
a dedução de uma acusação.
De
modo expresso tratada por este Tribunal.
Na
verdade – e não se entrando agora numa enunciação da jurisprudência seguida
pela Comissão Constitucional a propósito da figura, apelidada de «inquérito
policial» (primeiro) e (depois) de «inquérito preliminar», introduzida pelo
Decreto-Lei nº 605/75, de 11 de Novembro, com as alterações nele levadas a cabo
pelos Decretos-Leis números 618/76, de 27 de Julho de 377/77, de 6 de Setembro,
25/81, de 21 de Agosto, e 402/82, de 23 de Setembro (cfr., verbi gratia, os Acórdãos daquela Comissão nº 6, tomado em 5 de Maio
de 1977, nº 39º, de 28 de Julho do mesmo ano e 49, este não datado, publicados
no Apêndice ao Diário da República de, respectivamente, 6 de Julho e 30 de
Dezembro de 1977) – Tribunal Constitucional, aquando do pedido de
fiscalização preventiva incidente sobre o decreto registado no Conselho de
Ministros sob o nº 75/86 e que, baseado na credencial parlamentar concedida
pela Lei nº 43/86, de 26 de Setembro, visava aprovar um novo Código de Processo
Penal em anexo e revogar o aprovado pelo decreto nº 16.489, de 15 de Fevereiro
de 1929, teve ocasião de se debruçar sobre a norma que, naquele, se continha nº
nº 1 do artº 263º (cometimento ao Ministério Público da direcção do inquérito)
– cfr. Acórdão nº 7/87, publicado na 1ª Série do Diário da República de 9 de
Fevereiro de 1987.
Posteriormente, também o fez, e já no domínio do Código de
Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, através
do Acórdão nº 23/90 (in Diário da República, 2ª Série,
de 4 de Julho de 1990).
Nesses dois arestos o Tribunal, por maioria, pronunciou-se no
sentido de a norma segundo a qual ao Ministério Público compete a direcção do
inquérito (definido este nos termos do artº 282°, nº l, já transcrito) não
violar preceitos ou princípios constitucionais, designadamente o constante do
n° 4 do artigo 34º da Lei Fundamental.
3. Uma tal postura continua a ser perfilhada pelo Tribunal no
vertente caso, pelo que se tornaria despropositado aqui tratar a se de
toda uma argumentação que conduziu ao posicionamento «maioritário deste órgão
de fiscalização concentrada da constitucionalidade.
Daí que nos limitemos agora a respigar os passos mais
significativos constantes do já citado Acórdão nº 23/90.
Aí se disse:-
“
…………………………………………………………………….
3.1 – Assim,
as considerações expostas atestam suficientemente que o Decreto-Lei nº 605/75,
e a legislação subsequente, se radicam na preocupação crescente de interpenetrar, compatibilizando, os interesses da comunidade na prevenção e
repressão e a « consideração indefectível dos direitos do indivíduo», na
expressão de António de Carvalho Martins, a propósito do « preliminary
hearling» (cf. O Debate Instrutório no Código de Processo Penal de 1987,
Coimbra Ed., Coimbra, 1989, pp. 15 e segs.)
Daí a
natural prudência do legislador constituinte, aliás bem patente nos trabalhos
preparatórios, reeditada nas revisões já ocorridas.
Não
obstante, no plano lógico, a leitura maximalista do nº 4 do artigo 32º da
Constituição da República proporcionaria, se levada às últimas consequências, o
vício inerente a toda a argumentação circular.
Na verdade,
denunciou-se em recente voto de vencido
lavrado no acórdão deste Tribunal nº 4 408/89, de 31 de Maio último, esse
eventual risco: se se entender que entre os direitos fundamentais abrangidos
pelo nº4 do artigo 32º figura a própria garantia do carácter judicial da
instrução (e, poderia agora acrescentar-se, a garantia de que toda a indagação
criminal haverá que revestir a forma
instructória) está-se « a delimitar a garantia do nº 4 do artigo 32º da
Constituição da República Portuguesa em função dessa mesma garantia e está-se,
ainda, e implicitamente, a sustentar que todos os actos instrutórios, sejam
eles quais forem, sempre terão de ser
dirigidos por um juiz de instrução, já que todos eles se entrelaçam com um
direito fundamental, isto é, com a garantia do carácter judicial da instrução».
O que seria
ir além do próprio artigo 32º, nº 4.
……………………….
Observa José
António Barreiros que os escopos reactivo e garantístico almejados com a integral
judicialização instructória engendram efeitos preversos [« A nova Constituição
processual penal» in revista da Ordem dos Advogados, ano 48, (1988), t. II, p.
440]. Efeitos que obstam, ao banalizar-se a judicialização e ao bloquear-se
correlativamente a desejável aceleração
processual, à « concordância prática entre as exigências da verdade material e
defesa social, por um lado, e de garantia dos direitos das pessoas, por outro
lado» (Figueiredo Dias, «O novo Código de Processo Penal», no Boletim do Ministério
da Justiça, nº 369, p.15), quando, afinal, o fim último do preceito
constitucional intenta alcançar a protecção judicial do arguido na fase anterior ao julgamento, sem
postergação daquelas exigências.
3.2 – O
Código de Processo Penal de 1987 veio valorar significativamente o estatuo do
Ministério Público na fase em causa, reforçada pelo reconhecimento da sua
autonomia, a nível constitucional, com a 2ª revisão 8cfr. O nº 2 do artigo
221º).
Através da
Lei nº 43/86, de 26 de Setembro, a Assembleia da República avalizou o novo
figurino ao autorizar o Governo a legislar em matéria de processo penal com a
inequivocidade que do seu artigo 2º, nº 2, se colhe, máxime nos nºs 7, 8, 9, 25
a 30, 35 e 45, exigindo-se a presidência, a prática ou a autorização de qualquer
acto por banda do juiz sempre que este acto se articule com os direitos
fundamentais das pessoas.
O preâmbulo
do código, ao explicitar os contornos mais salientes da arquitectura do
processo penal, expõe, por sua vez, a nova filosofia na sua parte III,
nomeadamente na alínea b) do nº 7.
A esta luz
se devem compreender os artigos como os 53º (posição e atribuições do
Ministério Público no processo), 262º (finalidade e âmbito do processo), 263º
(direcção do inquérito), 267º e seguintes (actos a praticar pelo Ministério
Público e pelo Juiz de instrução) e
286º (finalidade e âmbito da Instrução.
A
conformidade constitucional da solução consagrada no novo código de Processo
Penal foi defendida por Figueiredo Dias
em várias ocasiões, nomeadamente na seguinte passagem que transcrevemos por se
considerar relevante:
…………………………
……………………….
[« Para uma
reforma global do processo penal português» - Da sua necessidade e algumas
orientações fundamentais», in Para uma nova Justiça Penal, Almedina, Coimbra,
1983, pp. 228 a 230 ].
Posição
retomada já na vigência do novo Código no trabalho «Sobre os sujeitos
processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Direito
Processual Penal, Almedina, Coimbra, 1988, pp. 5 e segs., e sustentada, também
por Anabela Miranda Rodrigues, «O inquérito no novo Código de Processo Penal»,
ob. Cit., pp. 59 e segs., e José Souto Moura, «Inquérito e instrução», Jornadas
Cits., pp. 83 e segs., máxime p.110.
4 –
Pensa-se que à leitura do preceito em
causa do código de Processo penal pela óptica constitucional continua a
interessar, sem dúvida, o elemento histórico, bem como o feixe de argumentos em
sua defesa até agora sobremaneira utilizados, mas igualmente se crê impor-se
hoje uma interpretação mais dinâmica da norma constitucional.
Sempre o nº 4 do artigo
32º funcionara como referencial condicionante do ordenamento jurídico
infraconstitucional.
…………………………..
Por outras palavras e no concreto
caso, o nº 4 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa prossegue
uma tutela de defesa dos direitos do cidadão no processo criminal e, nessa
exacta medida, determina o monopólio pelo juiz de instrução, juiz garante dos
direitos fundamentais dos cidadãos («reserva do juiz»).
Intervenção do juiz que vale – e só vale
– no âmbito do núcleo da garantia constitucional.
Assim ocorre em toda a fase de
inquérito ao Ministério Público confiada pelo Código de Processo Penal actual,
compreendendo o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um
crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, descobrir e
recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262º, nº 1), justificando-se a intervenção do juiz
garante sempre que afectado aquele núcleo – consoante o elenco de situações
descritas nos artigos 268º e 269º.
Mantém-se incólume o preceito
constitucional e o regime por ele moldado e, do mesmo passo, concilia-se a
norma nele contida com outros valores
tutelados ao mesmo nível – o direito
à segurança (nº 1 do artigo 27º) , envolvendo componentes de segurança jurídica e de certeza quanto ao
exercício dos direitos, o respeito
pelos direitos e liberdades de terceiros expresso na Declaração Universal dos
Direitos do Homem (nº 2 do artigo 29º), as exigência s de ordem pública são
exemplos de referentes jurídicos - constitucionais a exigir a observância da
adequação e da proporcionalidade.
…………….
4. Depois do longo excurso
parcialmente acima transcrito, o Acórdão
nº 23/90 ainda enfrentou uma outra
possível perspectiva de confronto da norma
constante do artº 263º do Código de Processo Penal com no nº 5 do artigo 32º da Lei Fundamental
(imposição da estrutura acusatória do processo penal), tendo concluído pela
inexistência de conflito entre ela e o principio decorrente daquele preceito
constitucional.
Neste particular, identicamente se
perfilha, no essencial, a corte de razões que conduziram ao juízo então
formulado.
Reitera-se, por isso, que as
normas que se contêm na alínea b) do nº
2 do artº 53º e no nº 1 do artº 263º do vigente Código de Processo Penal,
enquanto atribuem ao Ministério Público a direcção do inquérito como conjunto
de diligências visando a investigação da existência de um crime, a determinação
dos seus agentes e respectiva responsabilidade e a descoberta e recolha
das provas com o objectivo de obter uma
decisão tocante à acusação, não enfermam de contraditoriedade com normas ou
princípios constitucionais.
IV
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Lisboa, 21 de Maio de 1996
Bravo serra
Fernando Alves Correia
José de Sousa e Brito
Guilherme da Fonseca (vencido conforme declaração de voto
junta)
Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido por entender, circunscrito como está no acórdão o objecto
do recurso tão só "à aferição da conformidade ou não conformidade com a
Lei Fundamental do estatuído das normas constantes dos artigos 53º, nº 2,
alínea b) e 263º, nº 1,, ambos do Código de Processo Penal em vigor,
enquanto atribuem ao Ministério Público a direcção do inquérito", que
tais normas do citado Código sofrem de inconstitucionalidade material, por
violação do artigo 32º, nº 4, da Constituição, na versão revista de 1982,
inalterada em 1989 (Veja-se a minha declaração de voto junta ao acórdão deste
Tribunal Constitucional nº 334/94, publicado no Diário da República, II Série,
nº 200, de 30 de Agosto de 1994).
Aquela norma constitucional teve originariamente e manteve sempre
a mesma expressão, que é ainda
a do texto actual: "Toda a instrução será (é) da competência de um
juiz (...)* (sublinhado nosso), o que, no quadro da constituição
processual criminal, significa um dos mais Importantes princípios materiais
desse processo. E não pode ele dissociar-se da fórmula do nº l do mesmo artigo
32º, "uma expressão condensada de todas as normas restantes deste
artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa",
sendo que pressupostos destas garantias "são vários dos princípios estruturastes
do Estado de direito democrático constitucionalmente configurado, designadamente
a independência dos tribunais e dos juízes (artºs 206º e 218º)”, e
todo o feixe de direitos inseridos no direito constitucional de defesa
"deve ser posto em acção pelo menos
a partir do momento em que o sujeito assume a qualidade de
arguido", na linguagem de Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição Anotada, 3ª ed., 1993, pág. 202 e 203.
Dizem aqueles Autores - e é também o meu entendimento - que
garantia fundamental de defesa "é o princípio da judicialização da
instrução, sendo esta da competência de um juiz - o juiz de instrução". E
acrescentam, a propósito dos "ensaios de criação de fases de inquérito
'pré-instrutorio', tendentes a retirar ao juiz de instrução o monopólio
desta":
"Esse movimento culminou com o actual CPP, que restringiu o
conceito de instrução no essencial à antiga instrução contraditória,
e que veio libertar da intervenção judicial e devolver às autoridades policiais,
sob controle do Ministério Público, a antiga instrução preparatória, assim transformada em fase pré-instrutoria.
Com isso voltou-se, de certo modo, à revelia do propósito constitucional
originário, à situação pré-constitucional" (loc. cit.pág. 205).
O mesmo Vital Moreira, em voto de vencido junto ao Acórdão deste Tribunal
Constitucional nº 7/87, publicado no Diário da República, I Série, nº 33, de 9
de Fevereiro de 1987, adoptara já essa posição, lembrando que num Estado
constitucional não pode legislar-se "enquanto a proibição
constitucional não for afastada pelas vias apropriadas", em termos que
não é demais recordar e transcrever:
"Dispõe o artigo 32º, nº 4, da CRP que ' toda a
instrução é da competência de um juiz. Aquando da elaboração da CRP, a
instrução compreendia duas componentes (de acordo com o famigerado Decreto-Lei
nº 35 007, de 13 de Outubro de 1945): a ' instrução preparatória’,
dirigida pelo MP, e a 'instrução contraditória', dirigida por um juiz. Indo ao
encontro de uma fortíssima corrente contra este regime, a CRP veio determinar
a regra da jurisdicionalização integral da instrução (a qual só foi temperada
a título temporário pela disposição transitória do artigo 301º, nº 3, da versão primitiva da CRP). Não
sobraram dúvidas a ninguém de que, quando a CRP determinou que 'toda a
instrução é da competência de um juiz ', quis dizer, aliás de forma enfática, que a instrução, que até aí não era
da responsabilidade de um juiz, passava a sê-lo.
Aquando da revisão constitucional de 1982, houve propostas no
sentido de alterar aquela regra constitucional. Todavia, tais ideias não
lograram aprovação, e a única
alteração consistiu em dispor que o
juiz de instrução pudesse delegar noutras entidades a prática de actos instrutórios salvo dos que se não prendam
directamente com os direitos fundamentais
(2ª parte do preceito na
sua actual redacção). Foi portanto reafirmada a regra do carácter jurisdicional da
instrução.
Ora o presente CPP procede de novo a uma cisão da instrução em
duas fases: uma, a que agora chama de 'Inquérito', que é, de novo, confiada ao
MP e retirada portanto da competência judicial; outra, que agora detêm em
exclusivo o nome de 'instrução', que continua confiada a um juiz.
Estruturalmente, voltou-se à situação pré-constitucional, definida
no Decreto-Lei nº 35 007. Ou seja: regressou-se a um sistema essencialmente
idêntico àquele que a CRP quis abolir. Por isso, não pode ser mais flagrante a
infracção à CRP que por essa via se efectua.
É certo que o Código se guarda de considerar o tal 'inquérito'
como instrução, pretendendo assim, solertemente, esquivar-se
à condenação por inconstitucionalidade. Mas a 'habilidade' é demasiado
grosseira para merecer o sucesso com que o presente acórdão entendeu dever
premiá-la. A verdade é que o legislador não pode pretender definir
livremente os conceitos utilizados pela CRP. Se a lei fundamental utilizou
indubitavelmente o conceito de instrução para abranger 'toda a instrução' (isto
é, na antiga nomenclatura, não apenas a 'instrução contraditória', mas também
a 'preparatória'), não pode vir o legislador a rebaptizar de 'inquérito' a
antiga instrução preparatória para assim a furtar é competência do juiz. Se o
conceito constitucional compreende duas partes (a + b), não pode vir o
legislador decretar que ele passa a abranger apenas a parte b, para desse modo
afastar a parte a da mesma disciplina constitucional. As garantias
constitucionais não podem ser terreno propício para a cultura de puros jogos de
palavras ou para exercidos de nominalismo terminológico.
Basta verificar a definição que o Código dá do 'inquérito' -
'conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar
os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas'
(artigo 262º, nº 1)- para se concluir imediatamente que tudo isso pertence,
por direito próprio ao conceito constitucional de instrução, pois não é mais
do que uma reprodução de definição que o Decreto-Lei nº 35 007 dava do conceito global de instrução, aplicável,
portanto, quer é sua componente 'preparatória', quer à componente
'contraditória'. O artigo 10º desse diploma assinava à instrução a função de
'verificar a existência das infracções, determinar os seus agentes e averiguar
a sua responsabilidade'. A identidade conceitual é flagrante. Também a finalidade do 'inquérito' - que nos
termos do referido artigo 262º é 'fundamentar a acusação' - é
rigorosamente idêntica à da antiga
'instrução preparatória' (artigo 12º do Decreto-Lei nº 35 007).
Ser ou não ser a instrução da competência apenas do juiz não é
questão de somenos sob o ponto de vista
constitucional. É que a regra de jurisdicionalização da instrução figura
entre as 'garantias do processo
criminal' (que tal é a rubrica do artigo 32º da CRP). Quer dizer que ela
integra o elenco dos direitos, e garantias pessoais dos cidadãos” (no mesmo sentido se pronunciou na
ocasião e em voto de vencido o Consº. Monteiro Diniz, com importantes
contributos sobre génese e o enquadramento histórico do preceito, entendimento
reiterado posteriormente no voto de vencido junto ao acórdão nº 23/90,
publicado no Diário da República, II Série, nº 152, de 4 de Julho de 1990).
O
acórdão mais não faz do que perfilhar a "postura" anterior do
Tribunal Constitucional, com referência àqueles dois acórdãos, limitando-se "agora
a respigar os passos mais significativos constantes do já citado acórdão
23/90”. Por isso, achei por bem fazer o mesmo, transcrevendo das posições
vencidas o mais relevante que delas se pode colher.
Germano
Marques da Silva, embora propendendo para “uma interpretação actualista da
Constituição, após a revisão de 1992, no sentido de que o conceito de instrução
usado no artº 32º/4 não equivale a toda a actividade de investigação e recolha de prova pré-acusatória que o CPP/29
e o DL 35 007 qualificavam como instrução preparatória (corpo de delito) e
instrução contraditória”, não deixa de reconhecer que o legislador
constituinte não alterou a redacção da primeira parte do artigo e “não tomou,
na primeira revisão constitucional, (…), posição sobre a polémica que a
propósito do artº 32º/4 se suscitara sobre a possibilidade de existência de um
a forma de instrução não judicial” (Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990,
págs. 57/59). Mas daí não retira as naturais consequências quanto à jurisdição
como pedra angular do processo penal, quanto à exigência constitucional ainda
inalterada de se transferir a competência para a instrução preparatória do
Ministério Público e policiais para um juiz de instrução.
O
principio da jurisdição - talqualmente é enunciado por aquele Autor (Curso de
Processo Penal, I, Editorial Verbo, 1993, págs 48/49) - é um princípio querido sempre pelo legislador
constituinte no desenho que imprimiu, desde a redacção originária, ao processo
penal, não se podendo reduzi-lo apenas a um "núcleo essencial" da
actividade processual prévia à fase de julgamento. A intensidade e a extensão
desse princípio, a meu ver, não se compadece com raciocínios redutores e nem
estes se podem extrair da redacção revista em 1982, que não inutiliza a
primeira parte do nº 4 do artigo 32º.
Termos,
em que, a final, concederia provimento ao recurso, para ser reformado o julgado
em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade das questionadas normas do
Código de Processo Penal.
Guilherme da
Fonseca