ACÓRDÃO Nº 92/92[1]
Processo: n.º
76/92.
Plenário
Relator:
Conselheiro Messias Bento.
Acordam, em sessão
plenária, no Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao
abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição da República e dos
artigos 57.º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade
«das normas do diploma aprovado pela Assembleia Regional da Madeira, em
sessão plenária de 11 de Fevereiro de 1992, sob o título de ‘Alterações ao Estatuto do Deputado’, e como decreto legislativo
regional emitido ao abrigo da alínea a)
do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição».
É que — diz o
requerente —, tal diploma, «pelo tratamento que dá à matéria compreendida na
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República,
enfermará de inconstitucionalidade orgânica e formal, por ofensa ao disposto
nos artigos 233.º, n.º 5, e 167.º, alínea l),
da Constituição da República, bem como aos limites que o n.º 3 do artigo 115.º
e a alínea a) do n.º 1 do artigo
229.º da Lei Fundamental traçam ao poder legislativo das regiões autónomas».
Da fundamentação
aduzida pelo requerente destaca-se o que segue:
a) Conforme
sugere o seu título, e também decorre do respectivo artigo 22.º, o texto em
análise destina-se, basicamente, a alterar o anterior diploma subordinado à
mesma epígrafe, que, publicado como o Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de
Maio, procedeu à adaptação das normas contidas na Lei n.º 5/76, de 10 de
Setembro, por que então se regia o Estatuto dos Deputados à Assembleia da
República, conjugadas com as fornecidas pelo Decreto Regional n.º 1/81/A, de 23
de Março, fornecedor do estatuto dos Deputados da Assembleia Regional dos
Açores.
b) Pela
matéria que tratam, as disposições do diploma em apreço enquadram-se no âmbito
normativo próprio dos estatutos dos titulares de cargos políticos, que, nos
termos genéricos do n.º 2 do artigo 120.º da Constituição da República, abrange
a definição dos respectivos deveres, responsabilidades e incompatibilidades,
bem como dos seus direitos, regalias e imunidades, ficando a cargo do órgão
legislativo competente a concretização de tais normas.
c) E,
embora a Constituição da República não o estatua expressamente, o âmbito
normativo dos Estatutos deve entender-se estreitamente condicionado pela sua
natureza de «leis organizatórias», pelo que cumpre incluir «na reserva de estatuto as atribuições das
Regiões Autónomas (artigo 229.º), a sua definição, relativamente a outras
pessoas colectivas territoriais (Estado, autarquias locais), formação,
composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 233.º/5)» (Prof. Gomes
Canotilho, Direito Constitucional,
Coimbra, 1991, p. 871).
d) A invocação da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição da República coloca o
diploma em apreço na posição de formalmente emitido a título de legislação
regional.
e) Para
o efeito, porém, não bastará a comprovação da existência de matérias de
interesse específico para a Região, como fundamento do exercício da competência
legislativa conferida por aquela alínea a),
pois «essa competência define-se, em primeiro lugar, por uma delimitação positiva das fontes de
normação autonómica regional, que demanda a ‘densificação material’ do conceito
‘matérias de interesse específico’
para a Região», e «determina-se, em segundo lugar, negativamente, pela dupla incidência dos princípios constitucionais
da reserva de lei e da hierarquia normativa». (Cfr. capítulo IV
— 1.1 e 1.2, Parecer n.º 68/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República, publicado na II Série do Diário
da República, n.º 221, de 23 de Setembro de 1988).
f) Logo, para que o poder legislativo regional
se exerça, há que ter em atenção que «tais matérias não podem estar reservadas
à competência própria da Assembleia da República ou do Governo» e que, «ao
tratá-las, os órgãos legislativos regionais — para além de haverem de obedecer
à Constituição — não podem estabelecer disciplina que contrarie as ‘leis gerais
da República’». [Cfr. II — 2.1, alíneas b)
e c), do Acórdão n.º 164/86 do
Tribunal Constitucional, publicado na I Série do Diário da República, n.º 130, de 7 de Junho de 1986. Vd. ainda o
n.º 3 do artigo 115.º da Constituição: «Os decretos legislativos regionais
versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não
reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra
as leis gerais da República»].
g) Ou seja, e conforme ficou exposto no ponto II
— 1.8 do Acórdão n.º 82/86 do Tribunal Constitucional, publicado na I Série do Diário da República, n.º 76, de 2 de
Abril de 1986:
Se se tratar de matérias
incluídas na reserva de competência da Assembleia da República ou do Governo,
mas que lhes digam respeito, as regiões, para além de disporem de poder de
iniciativa legislativa [v. artigo 229.º, alínea c)], gozam do direito de se pronunciar sobre elas, seja por sua
iniciativa seja sob consulta daqueles órgãos de soberania [v. artigo 229.º,
alínea q)].
Estas questões são
as que, saindo já fora da competência dos órgãos regionais, todavia, respeitam
a interesses predominantemente regionais, ou pelo menos merecem, no plano
nacional, um tratamento específico no que toca à sua incidência nas regiões, em
função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se
revestem para esses territórios [v. parecer da Comissão Constitucional n.º 2/88,
que remete, citando-o, para o parecer n.º 20/77 (Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 18, p. 107)].
h) Assim, e nas palavras do Acórdão n.º 160/86
do Tribunal Constitucional, publicado na II Série do Diário da República, n.º 175, de 1 de Agosto de 1986, «onde esteja
uma matéria reservada à ‘competência própria dos órgãos de soberania’, (…) não
há ‘interesse específico para as regiões’ que legitime o poder legislativo das
regiões autónomas». (Posição esta
confirmada, por exemplo, nos Acórdãos do mesmo Tribunal n.os 37/87 e 91/88,
publicados na I Série do Diário da
República, respectivamente nos exemplares n.os 63, de 17 de Março de 1987,
e 110, de 12 de Maio de 1988).
i) Ora,
na matéria em questão, será de ter em conta que o citado Decreto Regional n.º
9/81/M foi emanado na vigência do texto originário da Constituição da
República, o qual, ao mostrar-se omisso no tocante à definição dos estatutos
dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, permitiria uma
interpretação no sentido de que a competência para tal definição cabia no poder
legislativo conferido pela alínea a)
do n.º 1 do artigo 229.º da Lei Fundamental, por tratar-se de matéria de
interesse específico para as regiões e não reservada à competência própria dos
órgãos de soberania.
j) Posteriormente,
porém, com a publicação da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, foi
aditado ao artigo 233.º da Constituição da República o n.º 5, por força do qual
«o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é
definido nos respectivos estatutos político-administrativos».
l) E
a Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, veio reforçar a afirmação da
competência da Assembleia da República na matéria, ao ampliar o teor da alínea l) do artigo 167.º, no sentido de
incluir na reserva absoluta da sua competência legislativa a definição do
estatuto de todos os órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e
universal.
m) Por conseguinte, e de acordo com o Prof.
Jorge Miranda, «os estatutos dos titulares dos órgãos (electivos)… das regiões
autónomas… constituem matéria de reserva absoluta de competência legislativa da
Assembleia da República (artigos 167.º, alínea l), e 233.º, n.º 5)». (in Funções, Órgãos e Actos do Estado, pp.
84/85).
n) No
mesmo sentido, e ainda no domínio da 1.ª Revisão Constitucional, consideraram
Gomes Canotilho e Vital Moreira que, «ao reservar explicitamente para o
estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a
Constituição não deixa por isso margem para dúvidas que tal matéria não cabe
nem na competência legislativa reservada comum da Assembleia da República (v.
artigo 167.º/g) nem na competência legislativa regional, através de decreto
legislativo regional». (Cfr. Constituição
da República Portuguesa — Anotada,
2.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1985, pp. 375/376).
o) Mas, com interesse directo para a hipótese em
questão, temos a afirmação de que o princípio da fixação da competência
legislativa pela Constituição, como «corolário do princípio geral da
competência e do princípio da separação de órgãos constitucionais (artigo
114.º)», implica «que, ocorrendo modificações das normas constitucionais de
competência, os actos praticados à sombra das antigas normas são inteiramente
válidos e eficazes, mas doravante, a sua interpretação, a sua modificação, a
sua suspensão ou a sua revogação têm de se fazer de acordo com as normas
(assim, se um órgão praticou certo acto legislativo e depois deixou de ter
competência na matéria, já não pode interpretar, suspender ou revogar tal
acto)». (Prof. Jorge Miranda, «O actual
sistema português de actos legislativos», in
Legislação — Cadernos de Ciência de Legislação, n.º 2, Outubro-Dezembro
91).
p) Do
que ficou exposto, resultará, por conseguinte, demonstrada a incompetência da
Assembleia Legislativa Regional da Madeira para, no exercício do poder
conferido pela alínea a) do n.º 1 do
artigo 229.º da Constituição da República, proceder à definição do Estatuto dos
seus Deputados, ainda que isso apenas represente a modificação, ou mesmo tão
somente a interpretação, do anterior Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de Maio,
surgido quando o texto da Lei Fundamental não lhe retirava expressamente a
competência nessa matéria.
q) Consideração de incompetência essa que se
colocará em relação ao diploma agora aprovado, no conjunto das suas normas, uma
vez que a amplitude e a sistemática postas na sua elaboração, com vista a dar
corpo ao «Estatuto do Deputado» da Assembleia Legislativa Regional da Madeira,
parecem sugerir um propósito de normação em bloco, conducente à necessidade de
reavaliar, no novo contexto de que passaram a fazer parte, mesmo as normas que,
quando encaradas isoladamente, não tragam qualquer novidade em relação ao
quadro estatutário já em vigor.
r) Mas, ainda que assim se não entenda, acresce
que algumas das normas fornecidas pelo diploma em apreço apresentam inovações
substanciais, não só em relação ao «Estatuto do Deputado» aprovado pelo citado
Decreto Regional n.º 9/81/M, como também no confronto com o Estatuto
Político-Administrativo aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, onde, em
conformidade com o determinado pelo n.º 5 do artigo 233.º da Constituição, o
«Estatuto dos Deputados» consta da Secção II do Capítulo I do Título II.
(Aliás, o novo tratamento dado à matéria no Estatuto Político-Administrativo,
conjugado com a mencionada perda de competência por parte da Assembleia
Legislativa Regional, justificará o entendimento de que isso terá conduzido à
revogação tácita do anterior Estatuto fornecido pelo Decreto Regional n.º
9/81/M).
s) Nomeadamente, estarão na situação agora
referida os seguintes preceitos do diploma regional em apreço:
a) a
alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º,
onde o teor da alínea a) do n.º 1 do
artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo é ampliado com a referência a
«factos anteriores à eleição» susceptíveis de fazer incorrer na perda de
mandado, por incapacidades ou incompatibilidades;
b) o n.º 5 do mesmo artigo
8.º, que confere a qualquer deputado o direito de recurso previsto no n.º 2 do
artigo 26.º do Estatuto Político-Administrativo;
c) a
retirada, do n.º 1 do mesmo artigo 8.º, da condenação por participação em
organizações de ideologia fascista, incluído pelo n.º 1 do artigo 26.º do
Estatuto Político-Administrativo no elenco das causas de perda de mandato, em
sintonia com o estabelecido para a Assembleia da República na alínea d) do n.º 1 do artigo 163.º da
Constituição;
d) o n.º 1 do artigo 12.º,
que não só alarga a previsão do n.º 1 do artigo 21.º do Estatuto
Político-Administrativo, a fim de impedir a audição não autorizada dos
deputados como declarantes e arguidos, como lhe retira a limitação referente ao
período de funcionamento efectivo da Assembleia Legislativa Regional;
e) o
n.º 1 do mesmo artigo 12.º, que, indo além do previsto no artigo 21.º do
Estatuto Político-Administrativo, aplica aos deputados o regime de que gozam os
militares, quanto a aulas e exames;
f) a alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º, que amplia o
alcance da alínea b) do artigo 22.º
do Estatuto Político-Administrativo, através da omissão da referência: «no
exercício das suas funções ou por causa delas»;
g) o artigo 16.º, que,
embora sem correspondente no Estatuto Político-Administrativo, representará, em
matéria de deslocações, um sistema substancialmente diferente do aplicável aos
deputados à Assembleia da República, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/85,
de 13 de Março;
h) os n.os 1 a 3 do artigo
19.º, que divergem do artigo 23.º do Estatuto Político-Administrativo, nas
referências que fazem ao exercício de cargos de chefia e à «dispensa de todas
as actividades profissionais, públicas ou privadas, durante a legislatura», e
ainda na restrição colocada à contagem de tempo de serviço.
2 — Notificado o
autor da norma, nos termos do artigo 54.º da Lei do Tribunal Constitucional,
para, querendo, se pronunciar sobre o pedido, nada veio ele dizer.
3 — Cumpre, então,
decidir.
II — Fundamentos
4 — Dir-se-á, para
começar que, objecto do pedido, são todas as normas do decreto aqui sub iudicio.
Na verdade, de um
lado, vem pedida «a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas do
diploma […]», sem qualquer restrição. E,
de outro, afirma-se, a dado passo do requerimento, que a incompetência da
Assembleia Legislativa Regional da Madeira se coloca «em relação ao diploma
agora aprovado, no conjunto das suas normas».
5 — Passemos, então, a analisar a questão da
competência para editar as normas sub
iudicio.
Dispõe-se no
decreto aqui questionado, que se propôs fazer alterações ao Estatuto do
Deputado:
CAPÍTULO I
(DO MANDATO)
Artigo 1.º
(Natureza e âmbito do mandato)
Os Deputados representam toda a Região e não apenas os
círculos por que são eleitos.
Artigo 2.º
(Início e termo do
mandato)
1 — O mandato dos Deputados inicia-se com a primeira
reunião da Assembleia Legislativa Regional, nos termos do Estatuto
Político-Administrativo, e cessa com a primeira reunião da Assembleia após as eleições
subsequentes, sem prejuízo da suspensão ou cessação individual do mandato.
2 — O preenchimento das vagas que ocorrerem na Assembleia,
bem como a substituição temporária de Deputados, são regulados pelo Estatuto
Político-Administrativo e pela Lei Eleitoral.
Artigo 3.º
(Verificação de
poderes)
Os poderes dos Deputados são verificados pela Assembleia,
nos termos fixados no respectivo Regimento.
Artigo 4.º
(Suspensão do
mandato)
Determinam a suspensão do mandato:
a) o deferimento do
requerimento de substituição temporária, nos termos do artigo seguinte;
b) A deliberação da
Assembleia para efeito de seguimento do procedimento criminal contra algum
Deputado, nos termos do artigo 10.º;
c) A
ocorrência de situações referenciadas na Lei Eleitoral e no artigo 21.º do
presente decreto legislativo regional que preencham os requisitos de
incompatibilidade ou impedimento de funções.
Artigo 5.º
(Substituição
temporária)
1 — Os Deputados podem pedir ao Presidente da Assembleia,
por motivo relevante, a sua substituição por uma ou mais vezes, por período
global não superior, em cada mandato, a 2 anos.
2 — Por motivo relevante entende-se:
a) Doença grave;
b) Actividade profissional
inadiável;
c) Exercício de funções
específicas no respectivo partido.
3 — O requerimento de substituição será apresentado
directamente pelo próprio Deputado ou através da direcção do grupo parlamentar
ou do órgão próprio do partido a que pertença, acompanhado, nestes casos, de
declaração de anuência do Deputado a substituir.
4 — Os Deputados que se encontrem vinculados à função
pública ou a empresa pública, nacionalizada ou maioritariamente participada por
capitais públicos, bem como os restantes trabalhadores por conta de outrem,
podem não reassumir as correspondentes funções, sem perda de direitos e
regalias, salvo o direito à retribuição, em caso de suspensão do mandato por um
período de 30 dias, seguidos ou interpolados, em cada sessão legislativa.
5 — A suspensão temporária do mandato não pode ocorrer por
período inferior a 15 dias.
Artigo 6.º
(Cessação da
suspensão)
1 — A suspensão do
mandato cessa:
a) No
caso da alínea a) do artigo 4.º, pelo
decurso do período de suspensão ou pelo regresso antecipado do Deputado,
directamente indicado por este, ou através da direcção do grupo parlamentar em
que se encontre integrado, ou do órgão próprio do partido a que pertença, ao
Presidente da Assembleia;
b) No
caso da alínea b) do artigo 4.º, por
decisão absolutória ou equivalente, ou com o cumprimento da pena;
c) No
caso da alínea c) do artigo 4.º pela
cessação da função incompatível com a de Deputado.
2 — Com a retoma pelo Deputado do exercício
do mandato, cessam automaticamente todos os poderes do último Deputado da
respectiva lista que nessa altura esteja a exercer o mandato.
3 — O regresso antecipado do Deputado não pode
ocorrer antes de decorridos os 15 dias previstos no n.º 5 do artigo 5.º
4 — A retoma do exercício do mandato, nos
casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, conta-se a partir da data
da apresentação do respectivo requerimento.
Artigo 7.º
(Renúncia do
mandato)
1 — Os Deputados podem renunciar ao mandato, mediante
declaração escrita apresentada pessoalmente ao Presidente da Assembleia ou com
a assinatura notarialmente reconhecida.
2 — Não será dado andamento ao pedido de renúncia sem
prévia comunicação ao presidente do respectivo grupo parlamentar ou ao órgão
competente do partido.
3 — A renúncia torna-se efectiva desde a sua publicação no Diário da Assembleia ou a sua
distribuição em folhas avulsas.
Artigo 8.º
(Perda do mandato)
1 — Perdem o mandato os Deputados que:
a) Venham a ser feridos por
alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei, mesmo por
factos anteriores à eleição, não podendo, contudo, a Assembleia reapreciar
factos que tenham sido objecto de decisão judicial com trânsito em julgado ou
de deliberação anterior da própria Assembleia;
b) Sem motivo justificado,
não tomarem assento na Assembleia até à quinta reunião, deixarem de comparecer
a cinco reuniões consecutivas do plenário ou das comissões ou a dez
interpoladas, na mesma sessão legislativa;
c) Se inscreverem,
candidatarem ou assumirem funções em ou por partido diverso daquele pelo qual
foram apresentados a sufrágio.
2 — A perda do mandato será declarada pelo Presidente, de
acordo com a deliberação da Mesa, ouvida a Comissão de Regimentos e Mandatos,
em face do conhecimento comprovado de qualquer dos factos enunciados no número
anterior.
3 — A deliberação da Mesa será notificada ao interessado e
publicada no Diário da Assembleia.
4 — O Deputado posto em causa terá o direito de ser ouvido
e de recorrer para o Plenário nos dez dias subsequentes, mantendo-se em funções
até deliberação definitiva deste, por escrutínio secreto.
5 — Qualquer outro Deputado tem igualmente o direito de
recorrer no mesmo prazo, mediante requerimento escrito e fundamentado, que é
publicado no Diário.
CAPÍTULO II
(DAS IMUNIDADES)
Artigo 9.º
(Irresponsabilidade)
Os Deputados não respondem civil, criminal ou
disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas
funções.
Artigo 10.º
(Inviolabilidade)
1 — Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem
autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena superior a 3 anos e
em flagrante delito.
2 — Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e
acusado este definitivamente, salvo no caso de crime punível com a pena
referida no número anterior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não
ser suspenso, para efeito do seguimento do processo.
3 — A decisão prevista no presente artigo será tomada por
escrutínio secreto e maioria absoluta dos Deputados presentes, precedendo
parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
4 — A suspensão
prevista no número dois tem efeitos a partir da presença do Deputado no
processo e cessa nos termos da alínea b)
do n.º 1 do artigo 6.º deste diploma.
CAPÍTULO III
(DOS
DIREITOS E REGALIAS)
Artigo 11.º
(Condições de
exercício da função de Deputado)
1 — São garantidas aos Deputados condições adequadas ao
eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com
os cidadãos eleitores.
2 — Todas as entidades públicas estão sujeitas ao dever
geral de cooperação com os Deputados no exercício das suas funções ou por causa
delas.
3 — Os serviços de administração regional ou dela
dependentes devem facultar aos Deputados condições para o exercício do mandato,
nomeadamente fornecendo os elementos, informações e publicações oficiais
solicitados e, sempre que possível, instalações para reuniões de trabalho,
desde que tal não afecte o funcionamento dos próprios serviços.
Artigo 12.º
(Direitos e
regalias dos Deputados)
1 — Os Deputados não podem, sem autorização da Assembleia, ser
jurados, peritos ou testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes nem como
arguidos, excepto, neste último caso, quando presos em caso de flagrante delito
a que corresponda pena superior a três anos.
2 — A autorização referida no número anterior, ou a sua
recusa, serão precedidas de audição do Deputado.
3 — A falta de Deputados, por causa das reuniões ou missões
da Assembleia, a actos ou diligências oficiais a ela estranhos constitui sempre
motivo justificado de adiamento destes, sem qualquer encargo.
4 — Ao Deputado que frequentar curso de qualquer grau ou
natureza oficial, é aplicável, quanto a aulas e exames, o mesmo regime de que
gozam os militares.
Artigo 13.º
(Outros direitos e
regalias)
1 — Os Deputados gozam ainda dos seguintes direitos e regalias:
a) Adiamento do serviço
militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
b) Livre trânsito,
considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado,
mediante exibição do cartão especial de identificação;
c) Passaporte especial;
d) Cartão especial de
identificação;
e) Seguro de acidentes
pessoais;
f) Remunerações
e subsídios.
2 — O cartão especial de identificação deve mencionar, para
além do nome do Deputado, das assinaturas do próprio e do Presidente da
Assembleia, o número, arquivo e data da emissão do respectivo bilhete de
identidade.
3 — O cartão especial de identificação deve ter um prazo de
validade preciso, fixado em razão do período de mandato do Deputado.
4 — Com a cessação ou a suspensão do mandato de Deputado
deve o cartão especial de identificação ser entregue, de imediato, nos
competentes serviços da Assembleia Legislativa Regional.
Artigo 14.º
(Direito a
remuneração)
Os vice-presidentes da Assembleia Legislativa têm direito a
um vencimento igual ao dos vice-presidentes do Governo Regional.
Artigo 15.º
(Senhas de
presença)
Os Deputados não têm direito a senhas de presença pelo
exercício das suas funções.
Artigo 16.º
(Deslocações)
1 — Os Deputados podem deslocar-se na Região, tendo direito
à utilização de transportes colectivos terrestres, sejam eles públicos ou
privados, mediante a respectiva requisição da Assembleia às empresas
fornecedoras.
2 — Os Deputados terão direito por cada Sessão legislativa
a duas passagens aéreas ou marítimas Funchal/Porto Santo/Funchal.
3 — Os Deputados podem deslocar-se para fora da Região,
tendo direito, para o efeito, a um montante para despesas de viagens que não
poderá ultrapassar o valor equivalente a duas passagens aéreas
Funchal/Açores/Funchal, por cada Sessão Legislativa.
4 — Para os efeitos do número anterior, a Assembleia, a
requerimento do respectivo Grupo Parlamentar, poderá requisitar os serviços
necessários.
5 — Não tendo o Deputado utilizado os serviços da
Assembleia para efeitos de requisição, deve o mesmo apresentar documentos
comprovativos das despesa efectuadas.
Artigo 17.º
(Direito de opção)
Os Deputados que
sejam funcionários da Região ou de outras pessoas colectivas públicas podem
optar pelos respectivos vencimentos e subsídios de origem.
Artigo 18.º
(Regime de
previdência)
1 — Os Deputados,
bem como os ex-Deputados que gozem da subvenção a que se refere o artigo 24.º
da Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, beneficiam do regime de assistência e
previdência social mais favorável aplicável ao funcionalismo público.
2 — No caso de os
Deputados optarem pelo regime da sua actividade profissional, cabe à Assembleia
Legislativa Regional a satisfação dos encargos que corresponderiam à entidade
patronal.
Artigo 19.º
(Garantias de trabalho
e benefícios sociais)
1 — Os Deputados
não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no
seu emprego permanente bem como nos cargos de chefia que exerçam por virtude do
desempenho do mandato.
2 — Os Deputados
têm direito a dispensa de todas as actividades profissionais, públicas ou
privadas, durante a legislatura.
3 — O desempenho
do mandato conta como tempo de serviço para todos os efeitos, salvo para
aqueles que pressuponham o exercício efectivo da actividade profissional, sem
prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 5.º do presente Estatuto.
4 — No caso de
função temporária por virtude de lei ou de contrato, o desempenho do mandato de
Deputado suspende a contagem do respectivo prazo.
CAPÍTULO IV
(DAS
DISPOSIÇÕES FINAIS)
Artigo 20.º
(Faltas)
1 — Ao Deputado que falte a qualquer reunião plenária sem
motivo justificado nos termos do Regimento da Assembleia, é descontado 1/30 do
vencimento mensal por cada dia de falta, além de uma por mês.
2 — Verificada a falta de quorum, o Presidente convoca os
Deputados ao Plenário, registando as ausências para os efeitos previstos no
regime geral de faltas.
Artigo 21.º
(Incompatibilidades)
O regime de incompatibilidades aplicável aos Deputados da Assembleia
Legislativa Regional será o que vier a ser definido nos termos do n.º 1 do
artigo 7.º da Lei n.º 56/90, de 5 de Setembro, para os deputados à Assembleia
da República com as adaptações que a especificidade regional justificar.
Artigo 22.º
(Outras
disposições legais)
Mantêm-se em vigor todas as disposições legais referentes
ao Estatuto dos Deputados que não sejam contrariadas pelo presente diploma,
designadamente as contidas nos Decreto Regional n.º 9/81/M, de 2 de Maio, e
Decreto Legislativo Regional n.º 14/85/M, de 28 de Junho.
Artigo 23.º
(Encargos)
Os encargos resultantes da aplicação do presente diploma
são satisfeitos pelo Orçamento da Assembleia Legislativa Regional.
Artigo 24.º
(Entrada em rigor)
1 — O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua
publicação sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 — O disposto no artigo 16.º produz efeitos desde o início
da IV Legislatura.
Prosseguindo,
pois.
6 — A Assembleia
Legislativa Regional da Madeira carece de competência para legislar sobre a
matéria que constitui objecto do diploma em apreciação.
As assembleias legislativas regionais têm
competência para «legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da
República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam
reservadas à competência própria dos órgãos de soberania» [cfr. artigo 229.º,
n.º 1, alínea a), conjugado com os
artigos 234.º, n.º 1, e 115.º, n.º 3, da Constituição da República].
Significa isto que
as assembleias legislativas regionais, quando editarem legislação ao
abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 229.º da Constituição, se hão-de mover dentro dos limites seguintes:
a) As matérias a tratar hão-de ser de interesse específico para a região (limite positivo);
b) Tais
matérias não podem estar reservadas à competência própria dos órgãos de
soberania (limite negativo);
c) Ao
tratar legislativamente essas matérias, as assembleias legislativas regionais —
para além de haverem de obedecer à Constituição — não podem estabelecer disciplina
que contrarie «leis gerais da República» (cfr. Acórdão deste Tribunal n.º
326/86, publicado no Diário da República,
I Série, de 18 de Dezembro de 1986, que remete para os Acórdãos n.os 91/84,
82/86 e 164/86, publicados no Diário da
República, I Série, de 6 de Outubro de 1984, 2 de Abril de 1986 e 7 de
Junho de 1986, respectivamente. Cfr., também no mesmo sentido, o Acórdão n.º
246/90, publicado no Diário da República,
I Série, de 3 de Agosto de 1990).
Sendo isto assim,
o que, então, importa saber é se a matéria — que constitui objecto do diploma sub iudicio, relativa ao estatuto do
deputado regional — está (ou não) reservada à competência própria dos
órgãos de soberania, maxime, à competência legislativa da Assembleia da
Republica, pois que, ali «onde esteja uma matéria reservada à ‘competência
própria dos órgãos de soberania’, […] não há ‘interesse específico para as
regiões’ que legitime o poder legislativo das regiões autónomas» (cfr. Acórdão
n.º 160/86, publicado no Diário da
República, II Série, de 1 de Agosto de 1986).
7 — Depois da
revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de
Setembro), a Constituição da República passou a dispor, no n.º 5 do artigo
233.º, que «o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões
autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos». Estes — os estatutos regionais —, tal como já sucedia na versão originária da
Constituição [cfr. artigos 164.º, alínea b),
e 228.º; e, ainda, o artigo 302.º, n.º 3], têm que ser aprovados pela Assembleia da República. A iniciativa
dos respectivos projectos cabe, no entanto, às respectivas assembleias
regionais [cfr. artigos 164.º, alínea b),
e 228.º].
Devendo o estatuto dos titulares dos órgãos
de governo regional (membros do governo regional e membros das assembleias
regionais: cfr. artigo 233.º, n.º 1) constar do respectivo estatuto político-administrativo e tendo este que ser aprovado pela
Assembleia da República, embora mediante iniciativa das assembleias regionais;
era de entender que o estatuto destes
últimos se incluia na reserva de lei estatutária a que se referia o n.º 5 do
artigo 233.º
A doutrina assim o parecia entender
também.
Escreviam, na verdade, J. J. Gomes
Canotilho e Vital Moreira (Constituição
da República Portuguesa Anotada, 2.º vol., 2.ª ed., Coimbra, 1985, p. 193,
anotação X), a esse propósito, o seguinte:
Curioso é notar a
omissão [na alínea g) do artigo
167.º] da menção dos titulares dos órgãos das regiões autónomas; todavia, o
estatuto deles há-de constar do respectivo estatuto regional (artigo 233.º/5),
cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da República (cfr. artigos 164.º/b e 228.º).
E, mais adiante, na anotação VI da p.
375, acrescentavam:
O estatuto dos
titulares dos órgãos de governo regional (membros da assembleia e membros do
governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional (n.º 5)
[…]. Ao reservar explicitamente para o
estatuto regional a definição do estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a
Constituição não deixa por isso margem para dúvidas de que tal matéria não cabe
nem na competência legislativa reservada comum (v. artigo 167.º/g), nem na competência legislativa
regional, através de decreto legislativo regional.
8 — A revisão constitucional de 1989,
operada pela Lei Constitucional n.º 1/ 89, de 8 de Julho, continuou a incluir
na competência indelegável da
Assembleia da República a aprovação
dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, e bem assim a alteração dos mesmos [cfr. artigos
164.º, alínea b), e 228.º, n.os 1 e
4]. Continuou também a cometer às
assembleias legislativas regionais (antes, designadas por assembleias
regionais) a elaboração dos respectivos projectos de estatutos e das suas
alterações [cfr. artigos 228.º, n.os 1 e 4, e 229.º, n.º 1, alínea e) — alínea esta que foi acrescentada
pela revisão de 1989]. E manteve a
exigência de que o estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional seja definido
nos respectivos estatutos político-administrativos
(cfr. artigo 233.º, n.º 5).
Parece, pois, não
restarem dúvidas de que:
a) Só
a Assembleia da República pode legislar sobre o estatuto (e suas alterações)
dos titulares dos órgãos de governo
regional — maxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cfr.
os artigos 228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição];
b) Esse
estatuto — ou seja, o estatuto dos órgãos de governo regional — tem de constar
do estatuto político-administrativo
da respectiva região autónoma (cfr. artigo 233.º, n.º 5);
c) O
mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres, responsabilidades e
incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos, e bem assim «sobre os
respectivos direitos, regalias e imunidades» (cfr. artigo 120.º, n.º 2).
O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões
autónomas — que deve ser moldado com respeito pelo que preceitua o artigo
120.º da Constituição — é, pois, matéria que, faz parte da reserva de lei estatutária (reserva
do estatuto). E o mesmo se diga quanto
às suas alterações.
A este propósito,
escreve Jorge Miranda (Funções, Órgãos e
Actos do Estado, Lisboa, 1990, policopiado, p. 302):
Como se disse, há uma reserva de lei estatutária que abarca
as atribuições e o sistema de órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
Por sua parte, J.
J. Gomes Canotilho (Direito
Constitucional, Coimbra, 1991, p. 871) escreve:
Os estatutos são leis «organizatórias» das Regiões com
competência material limitada nos termos do artigo 229.º da CRP. O seu âmbito normativo está estreitamente
condicionado por esta natureza: na reserva do estatuto incluem-se as
atribuições das Regiões Autónomas (artigo 229.º), a sua definição relativamente
a outras pessoas colectivas territoriais (Estado, autarquias locais), formação,
composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 233.º/5).
9 — O estatuto dos deputados regionais da Madeira — único que, agora importa
considerar — consta, de facto, do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei
n.º 13/91, de 5 de Junho (cfr. artigos 18.º a 28.º).
A alteração desse estatuto carece, como se disse, de ser aprovada pela Assembleia da
República, mediante aprovação de uma alteração àquele Estatuto Político-Administrativo (cfr. artigo 228.º, n.os 1 a
4). A iniciativa dessa alteração (ou seja, a elaboração do respectivo
projecto) cabe, no entanto, à Assembleia Legislativa Regional da Madeira [cfr.
o mesmo artigo 228.º e a alínea e) do
n.º 1 do artigo 229.º].
A Assembleia
Legislativa Regional da Madeira não pode, por isso, promover a alteração do estatuto dos seus deputados
regionais, sem promover a alteração do Estatuto Político-Administrativo da
Região. Ou seja: ela não pode promover
aquela alteração, fazendo uso da sua competência legislativa normal que o mesmo
é dizer, aprovando [ao abrigo da alínea a)
do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição], um decreto que, depois de assinado pelo Ministro da República,
houvesse de ser por este mandado publicar como decreto legislativo regional (cfr. artigo 235.º, n.os 1 e 2, da
Constituição).
Fazendo-o, aquela
assembleia legislativa regional viola a reserva
de estatuto que, como se disse, abrange a matéria relativa ao estatuto (e
suas alterações) dos deputados regionais.
Pois isso é o que
sucede com as normas do diploma aqui sub
iudicio com que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira intentou
alterar os normativos do Estatuto Político-Administrativo da respectiva Região
Autónoma, atinentes ao estatuto dos deputados regionais — ou seja,
concretamente, e como se mostra no requerimento inicial, com os artigos 8.º,
n.º 1 e sua alínea a) e n.º 5, 12.º,
n.º 1, 13.º, n.º 1, alínea b), 16.º e
19.º, n.os 1 e 3.
De facto, aprovou
ela, ao abrigo da alínea a) do n.º 1
do artigo 229.º da Constituição, um decreto que remeteu ao Ministro da
República, nos termos do artigo 235.º, n.os 1 e 2, para assinatura e subsequente publicação
como decreto legislativo ou regional.
Tais normas
violam, por isso, as disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os 1 e 4, e 233.º, n.º 5,
da Constituição.
10 — As normas do
mesmo diploma, que, sem as alterar, reproduzem normas do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, atinentes ao estatuto do
deputado regional, também não inconstitucionais.
Com efeito (salvo
alguma norma que revista natureza meramente organizatória, como é o caso do
artigo 3.º, mas que nem por isso se justificaria deixar subsistir, já que, com
ela, a assembleia regional pretendeu ainda
definir o estatuto do deputado regional), as normas em causa versam matéria
que, como se disse, se inscreve na reserva
de estatuto. Por isso, violam elas
os mencionados artigos 164.º, alínea b),
228.º, n.º 1, e 233.º, n.º 5, da Constituição.
Ao que acresce que nunca as normas do Estatuto Político-Administrativo —
designadamente as que concernem ao estatuto do deputado regional — poderiam ser
«apropriadas» pela assembleia
legislativa regional e por ela transformadas
em normação regional.
O ordenamento jurídico regional há-de ser,
com efeito, um ordenamento (especial) complementar do ordenamento
jurídico nacional. Não pode ser um ordenamento paralelo ou de substituição deste último.
O poder normativo regional não pode, por
isso, pegar em legislação nacional e transformá-la em legislação regional,
procedendo como que a uma novação do título (da fonte) dessa legislação.
Se houver
interesse específico que legitime a sua intervenção — ou seja: se se estiver em
presença de matérias que, não estando reservadas à competência própria dos
órgãos de soberania, respeitem exclusivamente às regiões ou nelas exijam um
especial tratamento, por aí assumirem especial configuração (cfr. Acórdão n.º
42/85, publicado no Diário da República,
I Série, de 6 de Abril de 1985) — pode o poder normativo regional editar normas
regionais. Não se verificando essa
especificidade da matéria ou
achando-se ela reservada à competência própria dos órgãos de soberania,
não pode o poder normativo regional intervir, sequer para reproduzir a legislação nacional
eventualmente existente, transformando-a em
legislação regional.
Num tal caso, por
falta de interesse específico, sempre
se violará o artigo 229.º, n.º 1, alínea a),
da Constituição.
Cabe aqui recordar
o que este Tribunal já teve ocasião de escrever no já citado Acórdão n.º
246/90, publicado no Diário da República,
I Série, de 3 de Agosto de 1990, citando, de resto, o Acórdão n.º 333/86,
publicado no Diário da República, I
Série, de 19 de Dezembro de 1986.
Escreveu-se aí:
[…] quando um diploma regional se limite a reproduzir
(literalmente ou sem alterações relevantes capazes de traduzir uma
especificidade regional) as normas constantes de uma lei geral da República,
tal diploma é inconstitucional. E é-o
porque ele não representa o exercício do poder normativo regional, que
pressupõe sempre a existência de um interesse específico. Tal diploma mais não faz, na verdade, do que
«apropriar» a legislação nacional e «transformá-la» em legislação regional.
III — Decisão
O Tribunal
Constitucional — com fundamento em violação das disposições conjugadas dos
artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.os
1 a 4, 229.º, n.º 1, alínea a), e
233.º, n.º 5, da Constituição —, pronuncia-se pela inconstitucionalidade de
todas as normas do decreto, aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da
Madeira, na sessão de 11 de Fevereiro de 1992, subordinado ao título
«Alterações ao Estatuto do Deputado».
Lisboa, 11 de
Março de 1992.
Messias Bento
Antero Alves
Monteiro Diniz
Vítor Nunes de
Almeida
Luís Nunes de
Almeida
José de Sousa e
Brito
Alberto Tavares da
Costa
Maria de Assunção Esteves
Armindo Ribeiro
Mendes
Fernando Alves
Correia (vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta)
António Vitorino
(vencido, em parte, nos termos da declaração de voto junta)
Bravo Serra
(vencido, em parte, pelo essencial dos termos e das razões constantes da
declaração de voto do Ex.mo Conselheiro António Vitorino, com excepção do que
aí se reporta às normas ínsitas nos artigos 5.º e 11.º, n.os 1 e 2, as quais,
por conterem matéria que entendo deverem constar do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma em causa, não podiam constar de
diploma legislativo, emanado da respectiva Assembleia Legislativa Regional e,
assim, enfermarem de inconstitucionalidade orgânica)
José Manuel
Cardoso da Costa.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Concordando com a
doutrina geral do acordão — a de que o diploma apreciado versa, no essencia1,
sobre matéria que faz parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo
próprio das regiões autónomas (cujo conteúdo abrange, nos termos do n.º 2 do
artigo 120.º da Constituição, os deveres, responsabilidades e
incompatibilidades dos titulares daqueles órgãos, bem como os respectivos
direitos, regalias e imunidades), a qual constitui reserva de lei estatutária, da competência da Assembleia da
República [cfr. os artigos 164.º, alínea b),
228.º e 233.º, n.º 5, da Constituição] — afasto-me, no entanto, dela num ponto
específico: o relacionado com as normas respeitantes ao estatuto remuneratório
dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, constantes dos
artigos 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 22.º e 24.º, n.º 2, do diploma aprovado, na
sessão de 11 de Fevereiro de 1992, pela Assembleia Legislativa Regional da
Madeira.
Com efeito, referindo
o artigo 28.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da
Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, que «a Assembleia
Legislativa Regional adaptará, em função do interesse específico da Região, o
estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia da República aos deputados
àquela Assembleia», parece-me que, definido, assim, no Estatuto
Político-Administrativo, o núcleo
essencial do estatuto remuneratório dos deputados à Assembleia Legislativa
Regional da Madeira — traduzido na equiparação, quanto à remuneração-base, dos
deputados regionais e os deputados nacionais —, será constitucionalmente
admissíve1 uma intervenção legislativa complementar, naquela matéria, da
Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
O fundamento, em último caso, para o reconhecimento de uma tal
competência legislativa radica, segundo penso, na autonomia
político-administrativa, patrimonial,
orçamental e financeira constitucionalmente reconhecidas às regiões autónomas
[cfr. os artigos 227.º e 229.º, n.º 1, alíneas h) e i), da
Constituição].
Eis, pois,
sinteticamente, o que me levou a não me pronunciar pela inconstitucionalidade
das acima mencionadas normas do diploma ora apreciado. — Fernando Alves Correia.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender
que nem todas as normas do Decreto da Assembleia Legislativa Regional da
Madeira estão feridas de inconstitucionalidade.
Com efeito, os
normativos contidos no diploma em apreço podem ser enquadrados em quatro
categorias fundamentais:
a) normas que reproduzem disposições do Estatuto
Político-Administrativo da Região, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho;
b) normas que versam sobre deveres,
responsabilidades, incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades dos
deputados à Assembleia Legislativa Regional, que integram o essencial do
conceito de estatuto dos titulares dos cargos políticos tal como ele decorre do
artigo 120.º da Constituição;
c) normas que constituem mera projecção
organizatória das disposições atinentes ao estatuto dos titulares de cargos
políticos;
d) normas que estabelecem as remunerações e
outros benefícios complementares susceptíveis de serem enquadrados num conceito
amplo de «estatuto remuneratório».
As normas
referidas em a) são inconstitucionais
pelas razões constantes do Acórdão aprovado que nesta parte mereceu o meu
acolhimento.
As normas
referidas em b) são-no de igual
forma, tal como bem decidiu o Acórdão, também aqui com o meu apoio, porque se
reportam ao «núcleo essencial» do estatuto dos deputados à Assembleia
Legislativa Regional da Madeira (e na medida em que sobre ele disponham), uma
vez que nesta dimensão estão abrangidas pela «reserva de estatuto», como dispõe
o n.º 5 do artigo 233.º da Lei Fundamental.
Já não serão
inconstitucionais as normas organizatórias a que aludimos em c), que identificamos como as referentes
aos artigos 2.º, 3.º, 5.º, n.os 2, 3, 4 e 5, 10.º, n.os 3 e 4, 11.º e 13.º,
n.os 2, 3 e 4.
Neste ponto, por
isso, afastei-me da tese que fez vencimento.
Com efeito, entendo que a «reserva de estatuto» quanto à «definição» do
estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas
abrange apenas o «núcleo essencial» desse estatuto, tal como ele resulta da
formulação do artigo 120.º da Constituição, sendo lícita às assembleias
legislativas regionais uma intervenção legislativa regulamentar e conformadora
desse estatuto fora daquele «núcleo essencial» e em tudo o mais que se
prefigure como projecção organizatória das disposições estatutárias por
natureza.
Conforme tive
ocasião de afirmar noutra sede (cfr. Diário
da Assembleia da República, II Série, n.º 108-RC, pp. 3055 e 3056), a
competência da alínea l) do artigo
167.º da Constituição não abrange o estatuto dos titulares dos órgãos de
governo próprio das regiões autónomas: sobre tal matéria a Assembleia da
República legisla por força do disposto na alínea b) do artigo 164.º da Constituição, podendo as regiões legislar em
complemento da normação estatutária naquilo que não integre a matéria reservada
ao Estatuto Político-Administrativo.
De igual forma não
padecem do alegado vício de inconstitucionalidade as normas dos artigos 14.º,
15.º, 16.º, 17.º, 20.º, 22.º e 24.º, n.º 2, referentes ao estatuto
remuneratórios dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
E isto porque, se
é verdade que o estatuto remuneratório é matéria que integra o conceito de
«estatuto dos titulares de cargos políticos», nos termos e para os efeitos do
artigo 120.º da Constituição, daí não decorre que o Estatuto
Político-Administrativo da Região tenha, ele próprio, que regular directa e
totalmente tal matéria. Ou seja, o grau
de densificação normativa, nesta sede, do Estatuto há-de ser compaginável com o
princípio da autonomia política, administrativa, orçamenta1 e financeira
reconhecido pela Constituição às regiões autónomas.
Nestes termos, fui
do entendimento que, quanto ao estatuto remuneratório, a reserva de estatuto do
n.º 5 do artigo 233.º há-de bastar-se com a consagração no Estatuto
Político-Administrativo de um critério de fixação da remuneração a atribuir aos
deputados regionais e que, por isso, a concreta determinação desse vencimento
pode ser feita por acto das assembleias legislativas regionais.
Ora o que sucede é
que, na minha interpretação, o artigo 28.º da Lei n.º 13/91 acolhe esse
critério, equiparando o estatuto remuneratório dos deputados regionais ao
estatuto remuneratório dos Deputados à Assembleia da República, pelo que, nesta
parte, o diploma em apreço tem credencial estatutária bastante, não sendo, por
isso, desconforme à Constituição, por representar a mera adaptação, em função
do interesse específico da Região, do estatuto-padrão (o dos Deputados
nacionais) aos específicos condicionalismos do exercício da função de deputado
regional. Ponto diverso seria o de saber se essa adaptação se mostra adequada ou
não, matéria que estaria sempre subtraída ao conhecimento do Tribunal em sede
de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Pelo que entendi
que as citadas disposições não eram inconstitucionais, e o diploma, nesta parte,
deveria entrar em vigor. — António
Vitorino.